Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4521/13.7TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
DISCRIMINAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
Data do Acordão: 12/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO - DIREITO COLECTIVO ( DIREITO COLETIVO ) / PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / PRINCÍPIO DA IGUALDADE / DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS / DIREITOS DOS TRABALHADORES.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
Doutrina:
- GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, 339, 772.
- GUILHERME DRAY, “Código do Trabalho” Anotado, 2016, 10.ª edição, Almedina, direção de Pedro Romano Martinez, 174.
- LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, 311 (467).
- LUIS GONÇALVES DA SILVA, “Código do Trabalho” anotado, Direção de Pedro Romano Martinez, Almedina, 9.ª edição, 2013, 982.
- MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 3.ª Edição, 643.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL: - ARTIGO 342.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): -ARTIGOS 24.º, N.º1, 25.º, N.º
5, 270.º, 496.º, N.º1, 497.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 59.º, N.º1, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22 DE ABRIL DE 2009, PROCESSO N.º 3040/08, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 21 DE OUTUBRO DE 2009, PROCESSO N.º 838/05.2TTCBR.C1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1 − O princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo), ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes.

2 – Instaurada ação com fundamento em algum dos fatores característicos da discriminação consignados no n.º 1, do artigo 24.º do Código do Trabalho em vigor, o trabalhador que se sente discriminado tem de alegar e provar, além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram, pelo menos, um daqueles fatores característicos da discriminação. 

3 – Nessas situações o trabalhador não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, atua a presunção prevista no n.º 5 do artigo 25.º do mesmo código no sentido de que a diferença salarial se deve a esse fundamento de discriminação, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal o ónus da prova.

4 – Não pode afirmar-se a existência de violação do princípio de «a trabalho igual salário igual» numa situação em que, para além de não se ter provado que as tarefas desempenhadas correspondam a trabalho igual, sob o ponto de vista da qualidade, natureza e quantidade, o trabalhador tem antiguidade diferente dos trabalhadores referidos como fundamento da discriminação retributiva e que esse trabalhador se encontra abrangido por instrumento de regulamentação coletiva diverso.

Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 4521/13.7TTLSB.L1.S1 (Revista)

4.ª Secção

LD\ALG\RC

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

AA intentou contra CTT - Correios de Portugal, S.A. a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho pedindo que o Tribunal: a) Reconheça a existência da violação do princípio constitucional e universal «a trabalho igual salário igual» e, consequentemente, reconheça o direito do Autor a receber o mesmo valor de retribuição base que os restantes trabalhadores de nível 4; b) Ordene o pagamento do valor em dívida no montante de € 29.164,80 (vinte e nove mil, cento e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos), resultante da diferença salarial no período compreendido entre 01/03/2009 e 10/12/2013, incluindo o valor que deveria ter sido pago a título de subsídios de férias e de Natal, até efetivo e integral pagamento; c) Condene a Ré no pagamento de juros de mora à taxa legal em vigor, desde que esses valores são devidos e não foram pagos, no montante total de € 2.415,53 (dois mil, quatrocentos e quinze euros e cinquenta e três cêntimos), bem como no pagamento dos juros vincendos até final; d) Condene a Ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 150,00 (cento e cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento da decisão.

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que:

- foi admitido em 25 de fevereiro de 1998 para trabalhar por conta da Ré, sob a sua autoridade, fiscalização e direção;

- em 21 de julho de 2008, foi iniciado pela aqui Ré um concurso interno, ao qual o Autor concorreu, tendo sido selecionado para o desempenho das funções de Chefe de Equipa do Tratamento, no âmbito do OPE/COC-S, de Nível 4, na Equipa de Lisboa;

- posteriormente, foi o Autor nomeado em comissão de serviço para o cargo em questão de Chefe de Equipa do Tratamento, nomeação que produziu efeitos desde o dia 1 de março de 2009.

- o Autor apenas se submeteu ao concurso supra indicado por ter sido prometido que a retribuição correspondia à retribuição de Chefia de Nível 4, tendo sido com essa convicção e expectativa que o Autor concorreu e aceitou a referida nomeação;

- no entanto, tal expectativa foi totalmente defraudada, na medida em que, ao longo do período de tempo em que foram exercidas tais funções, nomeadamente até ao presente, o Autor apenas auferiu e aufere a retribuição base de € 860,30 (oitocentos e sessenta euros e trinta cêntimos);

- sucede que, a exercer na data do concurso e a exercer ainda atualmente as mesmas funções que o Autor e com o mesmo Nível 4, existem outros trabalhadores, BB, CC, DD e EE, com uma retribuição muito superior, retribuição essa que o Autor esperava receber;

- as funções exercidas pelo Autor e pelos trabalhadores referidos são exatamente iguais do ponto de vista da qualidade, quantidade, duração, intensidade, dificuldade, bem como de penosidade e perigosidade, sendo que, frequentemente, os trabalhadores em questão (inclusive o Autor) faziam trocas de serviços, trocas de turnos e ainda trocas de setores entre eles;

- para além dos trabalhadores supra indicados, outros existem junto da Ré que reúnem os mesmos requisitos, isto é, são Chefes de Equipa de Nível 4 e exercem exatamente as mesmas funções, sendo que a única diferença é que apresentam uma retribuição base superior ao Autor;

- no período compreendido entre 1 de março de 2009 e a data de entrada da presente ação (10/12/2013), existiu uma diferença salarial mensal, no que concerne à retribuição base auferida, de € 455,70 (quatrocentos e cinquenta e cinco euros e setenta cêntimos), o que corresponde ao valor mensal que deveria ter sido pago ao Autor e não foi, durante 56 meses, a qual se traduz na quantia de € 25.519,20 (vinte e cinco mil, quinhentos e dezanove euros e vinte cêntimos), sendo certo ainda que essa diferença salarial não foi incluída nos subsídios de férias e de Natal, devidos e pagos nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2013, estando, assim, em dívida, o que configura diminuição da retribuição do Autor, ato vedado ao empregador; e

- A Ré litiga nos presentes autos de má-fé e utiliza os tribunais para protelar o cumprimento de uma obrigação que sabe ser devida, tendo sido condenada em todas as instâncias judiciais em processos exatamente iguais ou muito semelhantes aos presentes autos, como resulta do conhecimento do tribunal em virtude das suas funções e do número significativo de processos que aqui correm termos sobre a mesma questão, pelo que deve ser condenada numa sanção pecuniária compulsória de € 150,00 (cento e cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação a que está adstrito, a contar da data da citação.

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 27 de abril de 2015, que integra o seguinte dispositivo:

«a) O Tribunal, considerando a ação procedente porque provada condena a Ré no pagamento ao Autor das diferenças salariais entre a retribuição base auferida e aquela que corresponde à do nível 4, ou seja, 1252,50 €, com efeitos retroativos à data da sua nomeação naquela categoria;

b) Condena-se a Ré no pagamento dos juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data do vencimento das respetivas prestações até integral e efetivo pagamento;

c) Declara-se improcedente a exceção de prescrição dos juros moratórios arguida pela Ré;

d) Declara-se improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má fé;

e) Condena-se a Ré a pagar ao A. uma sanção pecuniária compulsória de 50,00 € diários por cada dia de incumprimento da decisão judicial;

Custas a cargo da Ré, atento o integral decaimento.

Valor: 31. 580,33 €.

Registe e Notifique.»

Inconformado com esta decisão dela apelou o Réu para o Tribunal da Relação de …, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 18 de maio de 2016, nos seguintes termos: «Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar procedente o recurso e, em consequência, julgando a ação improcedente por não provada absolvem a Ré dos pedidos que contra si foram formulados.

Custas pelo Autor de cujo pagamento está isento.»

Irresignado com esta decisão dela recorre o Autor, agora de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. O que estava em causa nos presentes autos era verificar e decidir se o Autor fora vítima de discriminação negativa por parte da Ré;

2. se essa discriminação seria admissível face à lei e constituição quando segundo a Ré ocorreu por aplicação de um acordo de empresa distinto, e por diferente antiguidade/progressão de carreira do Autor em relação aos outros referidos trabalhadores

3. ou se violaria o princípio previsto no Código de Trabalho de "para trabalho igual, salário igual" e mormente do princípio geral de não discriminação previsto na Constituição;

4. O Autor presta os seus serviços segundo as ordens, fiscalização e diretivas para a Recorrente desde 25 de fevereiro de 1998;

5. Em 21 de julho de 2008, a Ré abriu um concurso interno com o título "Recrutamento & Seleção: Operações (OPE) Centro Operacional de Correio do … (COC-S) LOCAL: … O Centro Operacional de Correio do … pretende recrutar um Chefe de Equipa (Nível 4) para a área do Tratamento;

6. O Autor concorreu ao referido, tendo sido nomeado em comissão de serviço para o cargo Chefe de Equipa do Tratamento no COCS, de nível 4, com efeitos desde o dia 01 de março de 2009;

7. Aquele criou a legítima expectativa, que a tal cargo corresponderia um vencimento de chefia de nível 4, porquanto era essa a situação que se verificava com todos os outros trabalhadores da Ré, que tinham a mesma categoria profissional e que exerciam idênticas funções, designadamente os trabalhadores BB, CC, DD e EE;

8. expectativa criada também de forma lógica, uma vez que o cargo a que concorreu e para o qual veio a ser nomeado era de "Chefia" de Nível 4, o que correspondia a mais responsabilidade, mais funções e tarefas, um nível de exigência e de aptidão superior, uma exigência e superiores conhecimentos da estrutura e funcionamento da Recorrente, de verificação e análise do trabalho exercido por outros, dar ordens e instruções a Colegas e atribuir tarefas e horários a Colegas;

9. O Autor pensou que a um cargo com mais exigências correspondesse, naturalmente, a um aumento de vencimento base que até aí auferia, caso contrário não teria concorrido;

10. O Autor e os referidos trabalhadores têm a mesma categoria profissional - Chefia, nível 4;

11. Aquele e os referidos trabalhadores exercem as mesmas funções e tarefas a nível de natureza, duração, intensidade, dificuldade, quantidade, qualidade, penosidade e perigosidade;

12. O Autor e os referidos trabalhadores têm a mesma aptidão escolar e funcional para a categoria em causa, só assim podiam preencher os requisitos do cargo e serem nomeados para o mesmo;

13. O Autor e os referidos trabalhadores fazem regularmente trocas de setores, turnos e serviços, conforme facto assente na sentença de que se recorre;

14. Tais trocas numa empresa, diga-se, da dimensão da Ré, só podem ocorrer desde que preenchidos certos requisitos e mediante a autorização de um superior hierárquico;

15. Preenchidos que estejam alguns requisitos, como sejam os trabalhadores que fazem as trocas terem em comum entre si a mesma categoria profissional e exercerem iguais funções e tarefas, do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade;

16. Parece-nos mais do que uma conclusão lógica que a comum e regular troca de turnos, serviços e setores apenas poderia ser feita entre trabalhadores com a mesma categoria profissional e com funções e tarefas iguais;

17. O Autor tinha a mesma categoria profissional, exercia iguais funções e tarefas do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade, em relação aos referidos e outros trabalhadores da Ré, apenas divergindo entre si o valor da retribuição base, que do Autor era de € 860,30 e dos outros trabalhadores de € 1.316,00 (valores entretanto atualizados);

18. Existe uma efetiva diferença na retribuição base do Autor e dos outros trabalhadores com a mesma categoria profissional e que exercem iguais funções e tarefas do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade;

19. Não é legítima a discriminação negativa a nível salarial entre trabalhadores da mesma empresa e que é feita peia Ré;

20. O Código de Trabalho prevê no seu artigo 23.º n.º 1 alínea a) o princípio "para trabalho igual, salário igual";

21. A Constituição da República Portuguesa prevê no seu artigo 23.º n.º 1 alíneas a) e b) o princípio geral de não discriminação;

22. O princípio "para trabalho igual, salário igual", sendo um princípio previsto no Código de Trabalho, não será naturalmente absoluto;

23. A violação daquele princípio, diga-se, a discriminação, poderá ocorrer desde que fundamentada legalmente ou por critérios comummente aceites pela Doutrina e jurisprudência, critérios aqueles que terão naturalmente de ser objetivos.

24. A Ré veio alegar que não havia discriminação negativa em relação ao Autor, alegando para tanto: a) - uma diferente convenção coletiva de trabalho aplicável ao Autor e aos outros trabalhadores e, b) - a antiguidade (mais experiência) e diferente progressão de carreira entre o Autor e os já enunciados trabalhadores.

25. O AE de 2006 cessou a sua vigência às 24 horas do dia 07 de novembro de 2008;

26. Assim, na data da abertura do concurso a 21 de julho de 2008, a que o Autor concorreu e no qual foi depois nomeado para Chefe, nível 4, ainda se encontrava em vigência o AE de 2006 que previa as retribuições mínimas para cada cargo;

27. Para o cargo de Chefia nível 4 a retribuição mínima era de € 1.316,00;

28. Por isso era legítima a expectativa do Autor que para o cargo a que estava a concorrer se verificasse o valor daquela retribuição mínima, conforme previsto no AE de 2006 e conforme na prática se verificava os outros trabalhadores com o mesmo cargo e a exercerem as mesmas funções, mas nomeados em concursos anteriores, auferiam;

29. Mas ainda que dúvidas restassem quanto à vigência do AE de 2006 à data do concurso interno a que o Autor concorreu e no qual foi nomeado Chefe, nível 4, a 21 de julho de 2008, e por isso ser aplicável o AE de 2008, não pode ser valorado superiormente o conteúdo de uma convenção coletiva de trabalho, de conteúdo mais desfavorável ao trabalhador em relação ao conteúdo da lei geral e das normas constitucionais;

30. O AE/2008, convenção coletiva de trabalho que estava em vigência aquando do já referido concurso e nomeação do Autor, deixou de prever o valor de retribuições base para cada categoria profissional e,

31. Com esse fundamento a Ré passou a diferenciar a nível salarial (salário base) os seus trabalhadores, trabalhadores da mesma empresa que tinham a mesma categoria profissional e que exerciam iguais funções e tarefas, em clara violação com o princípio geral de "para trabalho igual, salário igual";

32. As entidades empregadoras têm o dever de não diferenciar e discriminar salarialmente os seus trabalhadores, se estes tiverem a mesma categoria profissional e se exercerem iguais funções e tarefas;

33. Aquela convenção coletiva de trabalho ao deixar de prever retribuições base para cada categoria profissional possibilitou a existência de um tratamento mais desfavorável entre os seus trabalhadores, entre os que tinham determinado cargo antes e depois do AE/2008;

34. Ou seja, possibilitou uma discriminação negativa a nível de retribuição base entre trabalhadores da mesma empresa;

35. Signifíca isto que o conteúdo daquela convenção coletiva de trabalho é mais desfavorável do que a lei geral;

36. O que é contra o nosso sistema jurídico, em termos hermenêuticos e hierárquicos;

37. À luz de uma correta hermenêutica legal, aquele fundamento não poderá proceder,

38. Isto porque, a permissão de tal fundamento iria causar situações de desigualdade retributiva dentro da mesma empresa, quando estão em causa, funções materialmente idênticas, do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade, como no caso concreto, em direta violação do princípio da igualdade de tratamento e da proibição da discriminação, princípios constitucionais;

39. É entendimento unânime da jurisprudência e Doutrina que "a intenção do legislador relativamente à vigência dos instrumentos de regulamentação coletiva é de que estes se coadunem com a regulamentação da lei geral e sejam com estas compatíveis ao abrigo de "favor laboratoris";

40. O que significa que a aplicação de um acordo de empresa não poderá colocar os trabalhadores de uma mesma empresa, numa situação mais desvantajosa do que aquela que resultaria da aplicação dos princípios gerais do Código de Trabalho ou dos princípios da Constituição;

41. Só assim será possível alcançar uma interpretação compatível "com a unidade e coerência do sistema jurídico. E é esta unidade e coerência que o legislador pretendeu ao consagrar as normas dos artigos 476.º e 478.º n.º 1 alínea a) do CT e o princípio geral contido no artigo 23.º alínea a) e b) do mesmo diploma";

42. Dispõem os artigos 13.º e 59.º n.º 1 alínea a) da CRP que todos os trabalhadores, sem distinção da idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções ideológicas ou políticas têm direito "à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual, salário igual, deforma a garantir uma existência condigna;

43. Assim, retira-se daquela disposição, conjugada com o artigo 13.º da CRP (onde se prevê o princípio da igualdade em termos genéricos) que se uma entidade patronal paga a um trabalhador determinada retribuição, deve igualmente pagar essa mesma retribuição aos demais trabalhadores que exerçam idênticas funções e tarefas, na mesma quantidade, natureza e qualidade, e independentemente do sexo, raça, religião, nacionalidade, entre outras ali identificadas;

44. Não significa isto, que se proíba que ocorram diferenças entre os trabalhadores de uma mesma empresa. Essas diferenças podem ocorrer desde que sejam estabelecidas com critérios objetivos. Não se exige "uma paridade absoluta. Mas exige-se um tratamento igual para aquilo que é essencialmente igual, e desigual para aquilo que é essencialmente desigual";

45. Este princípio de "para trabalho igual, salário igual", traduz-se no direito de que os trabalhadores com iguais funções tenham a mesma retribuição;

46. Significa isto que a igualdade não tem de ser absoluta, mas exige-se que relativamente a trabalhadores com a mesma categoria profissional e que exerçam funções iguais, sem que se baseie numa qualquer justificação objetiva séria e válida, não se possa verificar uma diferenciação na retribuição base e que daí advenha uma discriminação entre os trabalhadores da mesma empresa, não obstante realizarem um trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade;

47. O que se exige é que as diferenciações, a existir, sejam fundadas em critérios de justiça, de proporcionalidade, segurança jurídica e de solidariedade;

48. Ora no caso concreto, a Ré justifica tal diferenciação por existência de um diferente acordo de empresa aplicável a cada um dos trabalhadores;

49. Uma discriminação negativa do Autor em relação aos outros trabalhadores da mesma empresa, com a mesma categoria e a exercerem idênticas funções/tarefas;

50. Sendo proibida a discriminação, sem fundamento ou critérios objetivos válidos, dispõe o artigo 25.º do CT que "caberá ao empregador provar que o tratamento desvantajoso dado ao trabalhador não é discriminatório e arbitrário, tendo tal comportamento uma justificação válida e plausível";

51. A Ré não o fez;

52. Houve efetivamente discriminação negativa em relação ao Autor, discriminação no vencimento base que aquele auferia, de menor valor em relação a outros trabalhadores da mesma empresa, com a mesma categoria profissional e que exercem tarefas/funções idênticas do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade;

53. E tal discriminação é legalmente proibida de ocorrer;

54. Só sendo permitida se assente em critérios objetivos;

55. Não sendo exemplo de critérios objetivos normas de uma convenção coletiva de trabalho com conteúdo mais desfavorável ao trabalhador em relação à lei geral;

56. nem a antiguidade no cargo ou na empresa, porque para tal existe a figura da diuturnidade;

57. Aceita-se o facto do Autor e aqueles trabalhadores terem diferente antiguidade na Ré ou mesmo no cargo em si mesmo. Mas a antiguidade dos trabalhadores numa empresa é valorizada e "premiada" pela figura da "Diuturnidade";

58. Mas não pode a retribuição base servir de critério de diferenciação de "anos de casa" ou "antiguidade" num cargo entre trabalhadores da mesma empresa;

59. As diuturnidades estão previstas na lei (CT) e pela própria Ré, em todos os seus Acordos de Empresa;

60. Se a Ré pretendia diferenciar os referidos trabalhadores do Autor, por terem mais antiguidade na empresa ou mesmo no cargo, deveria servir-se da figura das diuturnidades, atribuindo àqueles os valores que se encontram previstos no AE em vigência;

61. Aceita-se que o Autor possa ter tido menos experiência no cargo aquando da sua nomeação ou mesmo na empresa, em relação aos outros trabalhadores,

62. Mas tal é resultado do diferente ano em que ocorreu a nomeação para o cargo e do ano de admissão na empresa, não se consubstanciando num qualquer mérito próprio ou de capacidade de cada trabalhador;

63. É um critério subjetivo e não objetivo:

64. O Autor não é menos capaz nem tem menos aptidão para o cargo por causa do ano em que foi admitido na empresa ou do ano em que foi nomeado para o cargo. Isto é aferido pelas avaliações, e as do Autor sempre foram elevadas;

65. Por último, a progressão de carreira é um critério subjetivo.

66. Não pode por isso servir para permitir a discriminação salarial negativa existente, porquanto as exigências para a nomeação do referido cargo eram "apenas" a disponibilidade para trabalhar por turnos, o que o Autor e os outros trabalhadores tinham; de conhecimentos da empresa e dos produtos, conhecimento da estrutura da empresa, conhecimento do ciclo produtivo dos Correios, bom conhecimento dos padrões globais de qualidade de serviço; capacidade de planeamento, organização e programação do trabalho e capacidade de liderança, dinamização e envolvimento de equipas de trabalho;

67. Concluindo-se assim que houve discriminação negativa em relação ao Autor, discriminação no vencimento base que o Autor auferia, de menor valor em relação a outros trabalhadores da mesma empresa, com a mesma categoria profissional e que exercem tarefas/funções idênticas do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade,

68. discriminação aquela que não foi ilidida pela Ré, conforme lhe competia, porquanto uma convenção coletiva de conteúdo mais desfavorável ao trabalhador não pode derrogar o conteúdo mais favorável de uma norma geral, prevista no CT de "para trabalhão igual, salário igual" ou mormente no princípio geral de "não discriminação", constitucionalmente previsto,

69. nem é suficiente a alegada antiguidade (mais experiência), mais habilitações, maior aptidão ou progressão de carreira, uma vez que se tratam de critérios subjetivos;

70. A progressão de carreira não é e nunca foi requisito para aquele ou outro cargo de chefia.»

 

Termina pedindo a repristinação da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, «condenando-se a Ré, nos exatos e precisos termos constantes daquela, por assim ser de inteira JUSTIÇA».

O Réu respondeu ao recurso interposto, pronunciando-se no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Neste Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, tomando posição no sentido da negação da revista e da confirmação da decisão recorrida.

Notificado este parecer às partes não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se o Autor foi vítima de discriminação salarial por parte da Ré, quando não lhe atribuiu a mesma retribuição que pagava a outros trabalhadores que desempenhavam funções idênticas.

II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1. O Autor foi admitido, por decisão judicial, nos quadros da Ré em 17 de fevereiro de 2000 mas tem a sua antiguidade na empresa reportada a 25 de fevereiro de 1998, o que tem feito ininterruptamente desde essa altura.

2. Em 21 de julho de 2008 foi iniciado pela Ré um concurso interno ao qual o Autor concorreu.

3. De acordo com o concurso interno promovido pela Ré foram indicados os seguintes requisitos da contratação (cfr. Doc. 1 junto com a PI): - conhecimento da estrutura da empresa; - conhecimento do ciclo produtivo dos Correios, nomeadamente, da missão do COC; - bom conhecimento dos produtos e serviços comercializados pelos Correios, bem como dos padrões globais e parciais da qualidade de serviço; - capacidade de organização, planeamento e programação de trabalho; - capacidade de liderança, dinamização e envolvimento de equipas de trabalho; - disponibilidade para trabalhar por turnos.

4. Na sequência do referido concurso, o Autor foi selecionado para o desempenho das funções de Chefe de Equipa do Tratamento, no âmbito do OPE/COC-S, de Nível 4, na Equipa de ….

5. Tendo, depois, sido nomeado em comissão de serviço para o cargo em questão (Chefe de Equipa de Tratamento).

6. A nomeação em comissão de serviço produziu efeitos desde 1 de março de 2009.

7. O Autor submeteu-se ao concurso cujo aviso consta de fls. 18, que pretendia recrutar Chefe de Equipa, nível 4 (cfr. Doc. 1 junto com a PI que se dá por integralmente reproduzido).

8. Ao longo do tempo em que foram exercidas tais funções, nomeadamente até ao presente, o Autor apenas auferiu e aufere de retribuição base € 860,30.

9. BB (Chefe de Nível 2) tinha, até ser exonerado, uma retribuição base de € 1.316,00.

10. CC (Chefe Nível 4) tem uma retribuição base de € 1.316,00. 11. DD (Chefe de Nível 4) tinha, até ser exonerado, uma retribuição base de € 1.316,00

12. EE (Chefe Nível 4) tem uma retribuição base de € 1.363,60.

13. O Autor, à semelhança dos trabalhadores referidos em 9 (até à sua exoneração), 10, 11 (até à sua exoneração) e 12, exercia as seguintes funções: - garantir a execução das operações previstas em cada linha e área de tratamento; - garantir a agregação do tráfego de acordo com o plano de encaminhamento e segundo critérios de hierarquização de velocidades; - garantir o cumprimento dos padrões de qualidade estabelecidos; - assegurar a coordenação das respetivas equipas; - assegurar a recolha de dados necessários ao controle de atividade.

14. Até março de 2013 as chefias Nível 4 faziam trocas de turno e setores entre eles mas a partir de tal data tal apenas sucede na mesma linha de produção.

15. A Ré não incluiu as diferenças salariais, a título de retribuição base e reclamadas pelo Autor, nos subsídios de férias e de Natal nos anos de 2009 a 2013.

16. Em 21 de julho de 2008 a Ré abriu concurso interno para recrutamento de Chefe de Equipa de Tratamento (nível 4), sendo que o Autor se candidatou ao mesmo em 1 de agosto de 2008 (cfr. Doc. 1 da Contestação)

17. O Autor foi um dos candidatos selecionados, tendo sido nomeado, em comissão de serviço, para o exercício de tais funções (cfr. Docs. 2 e 3 da Contestação)

18. O exercício do cargo em comissão de serviço iniciou-se em 1 de março de 2009 tendo sido atribuído ao Autor, enquanto no desempenho de tal cargo, um subsídio de chefia no valor de € 195,00 (cfr. Doc. 4 junto com a Contestação) bem como um telemóvel de serviço com um plafond mensal de € 20,00.

19. Ainda antes da sua nomeação em comissão de serviço para o exercício das funções de Chefe de Equipa de Tratamento (CET) o Autor exerceu essas mesmas funções, em regime de interinidade/substituição por vacatura, entre 9 e 31 de dezembro de 2008, 2 e 30 de janeiro de 2009 e entre 2 e 27 de fevereiro de 2009.

20. Pelo exercício destas funções em regime de interinidade/substituição o Autor auferiu, por cada dia útil de exercício efetivo, o correspondente subsídio de chefia de substituição para o nível 4.

21. Em 1 de março de 2013, em virtude da reorganização da Direção de Operações e Distribuição, o Autor foi nomeado, em comissão de serviço - com manutenção das condições remuneratórias que vinha auferindo -, responsável de Área de Produção e Logística (APL), nível 4, no CPL... – Centro de Produção e Logística … (ex-COCS)- cfr. Doc. 5 da Contestação.

22. Desde 1 de março que o Autor é APL, nível 4, no CPL..., auferindo uma retribuição base de € 860,30, acrescido de um subsídio de chefia no valor de € 195,00.

23. O valor da remuneração de nível 4, em 08 de agosto de 2007, com efeitos a 01 de maio de 2007 é o que consta do documento 6 da Contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

24. O Autor é associado do Sincor desde 1 de junho de 2007.

25. O Autor aderiu individualmente ao AE 2008 em 20 de abril de 2008.

26. Os trabalhadores BB e DD foram nomeados Chefes de Equipa de nível 4 com efeitos a 25 de setembro de 2006 (cfr. Doc. 8 da Contestação).

27. A trabalhadora CC foi nomeada Chefe de Equipa de nível 4 em 21 de junho de 2001 (cfr. Doc. 9 da Contestação).

28. O trabalhador EE foi nomeado Chefe de Equipa de nível 4, com efeitos a 1 de janeiro de 2001, nos transportes, e com efeitos a 25 de setembro de 2006 no tratamento (cfr. Docs. 8 e 10 juntos com a Contestação)

29. Desde janeiro de 2015, o subsídio de chefia nível 4, ficou igual para todos no valor de € 195,00, conforme resulta do ponto 4.1 do documento 4, junto com a contestação.

30. Consta do ponto 4.1. junto com a contestação a seguinte cláusula: Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor deste diploma já estão nomeados para cargos de chefia e por isso beneficiam dum subsídio de chefia mantêm o valor do mesmo, até à realização duma análise da situação e eventual alteração daquele[1].» 

III

1 – Resulta do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República, sob a epígrafe, «direitos dos trabalhadores», que «todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito»: «a) à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna».

Este dispositivo projeta ao nível da fixação da retribuição do trabalho, como base para garantir uma existência condigna, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, nos termos do qual, «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» e «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

De acordo com GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o âmbito de proteção desta norma «abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões: a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias (cfr. n.º 2 onde se faz expressa menção de categorias subjetivas que historicamente fundamentaram discriminações); c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades (…)»[2].

A projeção do princípio da igualdade na retribuição do trabalho, na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, «estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer o direito a uma justa retribuição do trabalho: (a) deve ser conforme à quantidade do trabalho (i. e, à sua duração e intensidade), à natureza do trabalho (i. e, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e à qualidade do trabalho (i. e, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade); (b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salário igual, proibindo-se, desde logo, as discriminações entre trabalhadores; (…)»[3].

O princípio da igualdade, na sua dimensão remuneratória, como refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «não impede diferenças remuneratórias entre trabalhadores mas apenas um tratamento remuneratório discriminatório. Por outras palavras, apenas estão aqui contempladas as situações em que, perante um trabalho igual ou de valor igual, a retribuição seja diferente sem uma causa de justificação objetiva»[4].

Na síntese do acórdão desta Secção de 22 de abril de 2009, proferido no processo n.º 3040/08[5], «o que decorre do princípio para trabalho igual salário igual é a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo) ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla, naturalmente, a diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes, atendendo, designadamente, ao zelo, eficiência e produtividade dos trabalhadores em causa».

E prossegue-se naquele acórdão, referindo que «nesta linha de orientação, este Supremo Tribunal, chamado a dirimir litígios em que não se mostrava invocado qualquer dos fatores característicos de discriminação, tem entendido, em termos uniformes, que para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade e de trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado - Acórdãos de 6 de fevereiro de 2002 (Processo n.º 1441/2001, sumariado em www.stj.pt/Jurisprudência/Sumários de Acórdãos/Secção Social), de 9 de novembro de 2005, de 23 de novembro de 2005 e de 25 de junho de 2008 (respetivamente, Documentos n.ºs SJ200511090013804, SJ200511230022624 e SJ200806250005284, em www.dgsi.pt)».

2 – O Código do Trabalho em vigor estabelece no artigo 270.º os critérios relativos à determinação da retribuição, referindo que «deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual», assumindo na legislação do trabalho os princípios constitucionais acima referidos.

A proibição de discriminação dos trabalhadores em matéria de retribuição está igualmente presente no regime estabelecido naquele código relativamente à proibição da discriminação no trabalho decorrente dos artigos 24.º e 25.º que, na parte que releva no âmbito da presente revista, são do seguinte teor:

«Artigo 24.º

Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho

1 - O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.

2 - O direito referido no número anterior respeita, designadamente:

a) (…);

b) (…);

c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para seleção de trabalhadores a despedir;

d) (…).

3 – (…)

4 – (…).

5 – (…)»

«Artigo 25.º

Proibição de discriminação

1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior.

2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado em fator de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.

3 - São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objetivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.

4 - As disposições legais ou de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que justifiquem os comportamentos referidos no número anterior devem ser avaliadas periodicamente e revistas se deixarem de se justificar.

5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.

6 - O disposto no número anterior é designadamente aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de dispensa para consulta pré-natal, proteção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licenças por parentalidade ou faltas para assistência a menores.

7 - É inválido o ato de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a ato discriminatório.

8 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 7.»

Na determinação de sentido destas normas haverá que ter presente os critérios interpretativos resultantes do artigo 23.º deste diploma, que é do seguinte teor.

«Artigo 23.º

Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação

1 - Para efeitos do presente Código, considera-se:

a) Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b) Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;

d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.

2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um fator de discriminação.»

No âmbito da presente revista tem particular relevo o disposto no n.º 5 do artigo 25.º deste dispositivo que refere que «cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação».

Este preceito consagra a favor do trabalhador uma inversão do ónus da prova estabelecido em termos gerais no artigo 342.º do Código Civil.

De acordo com aquela norma do n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, quem invoca uma situação de discriminação, nomeadamente, em termos salariais tem apenas de provar a discriminação concreta de que é vítima e os factos integrativos do fator de discriminação referidos no n.º 1 do artigo 24.º, incumbindo depois ao empregador provar que a diferença de tratamento assenta em critérios objetivos e não decorre do fator de discriminação invocado.

Segundo GUILHERME DRAY, «trata-se de um preceito com uma importância extrema: provar que uma exclusão teve por fundamento o sexo, a raça, as convicções religiosas ou políticas do trabalhador lesado constitui um óbice quase intransponível. A utilização das regras gerais em matéria de ónus da prova afigura-se, neste domínio, claramente insuficiente. À luz deste preceito, cabe ao empregador a prova de que a exclusão ou o tratamento desvantajoso conferido ao trabalhador, (…) não é irrazoável, arbitrário e discriminatório, tendo uma justificação plausível».[6]

Esta inversão do ónus da prova prevista hoje no n.º 5 do artigo 25.º do Código de 2009, encontrava-se igualmente estabelecida no artigo 23.º, n.º 3, do Código de 2003, aplicado no acórdão deste Secção acima citado[7], questão sobre a qual se referiu naquele aresto o seguinte:

«Deste modo, a quem invoca a prática discriminatória compete alegar e provar, além do diferente tratamento (resultado de tal prática), os factos integrantes de um daqueles fatores, pois que o juízo sobre a discriminação pressupõe que «em razão de um fator de discriminação uma pessoa seja sujeita a um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável».

Alegado e demonstrado um desses fatores, a lei presume que dele resultou o tratamento diferenciado, fazendo recair sobre o empregador a prova do contrário, ou seja, a prova de que a diferença de tratamento não se deveu ao fator invocado, mas sim, a motivos legítimos, entre os quais se contam os relacionados com a natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado pelos trabalhadores em confronto.

Assim, por exemplo, invocada a discriminação em função da filiação sindical, cabe ao autor alegar e provar, além da retribuição por si auferida e da que aufere o trabalhador, de idêntica categoria profissional, pretensamente beneficiado, os sindicatos em que cada um deles está filiado, incumbindo, nesse caso, ao empregador alegar e provar que a diferença salarial não resulta da diferente filiação sindical.

Em tal caso, como nos demais em que a ação tem por fundamento algum dos fatores característicos da discriminação, o trabalhador que se sente discriminado não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, atua a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal presumido, o ónus da prova — artigos 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003, 35.º da Lei n.º 35/2004, 24.º, n.ºs 5 e 6, do Código do Trabalho de 2009, 344.º, n.º 1, e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.

Isto significa que a presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja da mera diferença de tratamento, pois, exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos, naturalmente, tal fundamentação há de traduzir-‑se na narração de factos que, reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, direta ou indiretamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de fatores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei.

Deste modo, numa ação em que não se invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-‑se na categoria de fatores característicos de discriminação, no sentido que se deixou delineado, não funciona a aludida presunção, por isso que compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio para trabalho igual salário igual, pois que tais factos, indispensáveis à revelação da existência de trabalho igual, se apresentam como constitutivos do direito a salário igual, que se pretende fazer valer.»

3 – O Código do Trabalho consagra no seu artigo 496.º, o princípio da filiação relativamente ao âmbito pessoal dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, referindo no n.º 1 daquele artigo que «a convenção coletiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante».

Conforme refere LUIS GONÇALVES DA SILVA, «as convenções coletivas tem somente eficácia inter partes» pelo que «o âmbito subjetivo - ou pessoal - da convenção é determinado, em regra, pela filiação do empregador (caso não celebre a convenção diretamente) e do trabalhador nas associações outorgantes. A isto se chama princípio da filiação ou, talvez mais corretamente, princípio da dupla filiação»[8].

Deste modo, em regra, só os trabalhadores filiados nas associações sindicais outorgantes ou representados no processo negocial são vinculados por um instrumento de regulamentação coletiva do trabalho.

Esta realidade pode suscitar dúvidas quando articulada com o princípio de a trabalho igual salário igual.

Conforme afirma LEAL AMADO, «muitas dúvidas tem gerado a questão de saber se a opção sindical do trabalhador poderá, outrossim, traduzir-se num critério de diferenciação sindical atendível, por via da aplicação das disposições de uma convenção coletiva de trabalho. Como é sabido, no exercício da liberdade sindical, (…) é garantida aos trabalhadores a liberdade de inscrição (…). Ora, tendo em conta que, quanto ao âmbito pessoal das convenções coletivas de trabalho, vigora entre nós, o chamado “princípio da filiação” (art. 496.º do CT), tal poderá conduzir a que dois trabalhadores, conquanto desempenhem funções idênticas para o mesmo empregador, acabem por receber uma retribuição distinta, visto que só àquele que esteja sindicalizado serão aplicáveis as normas convencionais, maxime as de natureza remuneratória»[9].

A regra estabelecida no n.º 1 do artigo 496.º do Código do Trabalho comporta exceções, nomeadamente as enunciadas nos vários números daquele artigo, ou a resultante do artigo 497.º daquele código, relativamente à escolha por parte de trabalhador não sindicalizado de uma convenção em caso de vigência no âmbito da empresa de uma pluralidade de convenções.

A vinculação de um trabalhador a uma concreta convenção coletiva de trabalho implica a aceitação da disciplina global que da mesma emerge, uma vez que as convenções são um todo, onde o equilíbrio global é conseguido a partir da harmonização do complexo das matérias negociadas.

No caso de existência no âmbito da mesma empresa de trabalhadores que desempenhem funções análogas abrangidos por diversos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho não é possível comparar segmentos isolados dos instrumentos para afirmar a existência de discriminações entre eles.

Sobre esta problemática referiu-se no acórdão desta Secção de 21 de outubro de 2009, proferido no processo n.º 838/05.2TTCBR.C1.S1, o seguinte:

«Na verdade, se porventura o trabalhador é associado de uma organização sindical que celebrou com a empresa um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, perspetivado no seu todo, apresenta uma globalidade de condicionantes mais favoráveis ou menos constritoras que aquelas que, também no seu todo, são decorrentes de acordos de empresa que foram celebrados com outras organizações sindicais, seria extremamente redutor que, para aferir da violação do princípio constitucional de que curamos, se atentasse no acordo ou nos acordos celebrados unicamente na parte em que dele ou deles decorria o aumento salarial, pois que uma tal postura, no fundo, escamoteava uma totalidade de circunstâncias que, no domínio da realidade, podem constituir critérios de diferenciação atendíveis, e isto independentemente da questão de saber se, não obstante o que se encontra prescrito na parte final do n.º 1 do artigo 18º do Diploma Básico, o princípio de que «para trabalho igual salário igual» há de ser, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 604) “como qualquer princípio constitucional”, “conjugado com outros princípios constitucionais e, concretamente neste âmbito específico, carece de ser articulado com o princípio geral da autonomia privada, com a liberdade de empresa e com a própria liberdade de filiação sindical».[10]

IV

1 - As instâncias dividiram-se relativamente ao sentido da decisão à questão que constitui o objeto da presente revista.

Na verdade na sentença proferida na 1.ª instância referiu-se como fundamento do decidido o seguinte:

«Salvo o devido respeito por outro entendimento, afigura-se-nos que o Autor tem razão ao reclamar a equiparação salarial às funções de nível 4.

Efetivamente, tendo ficado provado nos autos que o mesmo exerce materialmente as mesmas funções que os demais colegas, lícito é concluir que, quer por via do art. 13º e 59º, nº1 al. a) da CRP, quer por via dos arts. 23.º a 25.º, n.º1 e n.º 5 do CT, ocorreu uma clara violação do principio legal relativo ao Salário igual para Trabalho Igual.

Se atentarmos nos factos provados dos mesmos decorre que as remunerações base dos demais colegas do Autor, que exercem também eles funções de nível 4, são as seguintes:

- Os trabalhadores BB e DD foram nomeados Chefes de Equipa de nível 4 com efeitos a 25 de setembro de 2006 (cfr. Doc. 8 da Contestação).

- A trabalhadora CC foi nomeada Chefe de Equipa de nível 4 em 21 de junho de 2001 (cfr. Doc. 9 da Contestação).

- O trabalhador EE foi nomeado Chefe de Equipa de nível 4, com efeitos a 1 de janeiro de 2001, nos transportes, e com efeitos a 25 de setembro de 2006 no tratamento (cfr. Docs. 8 e 10 juntos com a Contestação).

Ora, cabia à Ré CTT demonstrar, o que na nossa opinião não logrou efetuar, que a diferença remuneratória de base que os distingue não assenta em qualquer fator de discriminação. Isto porque, ficou provado que as funções em causa são em tudo idênticas, inclusive, tais trabalhadores efetuam trocas de turnos entre si.

Também não pode a Ré pretender, como alega na contestação, que não existe tal discriminação porque lhe paga um subsídio de chefia de 195,00 € e lhe atribui telemóvel e plafond.

Na verdade, também paga esse subsídio de chefia aos demais sendo a retribuição base destes superior à do Autor. É esta diferença, injustificada, nos valores da retribuição base que constitui a discriminação salarial de que o Autor foi alvo e que lhe deve ser paga.

Tendo sido dado como provado que a retribuição base do Nível 4 é de 1.252,50 € mensais, a retribuição base do Autor deverá subir para este montante, com efeitos reportados à data da sua nomeação em tal categoria.

 (…)

Pese embora a situação descrita nos nossos autos não coincida em absoluto com a do aresto do Supremo Tribunal de Justiça, não se vislumbra qualquer fundamento legal ou constitucional para que a ora Ré, CTT não haja atualizado a remuneração base do Autor para o para o valor base que a mesma prevê para aquele Nível de Chefia 4, conforme resulta do documento n.º 6 junto com a contestação.

Nesta medida, a ação procede na íntegra, devendo a Ré vir a pagar ao Autor as diferenças salariais entre aquilo que este recebe atualmente e o que deveria receber ao ser nomeado Chefia de Nivel 4, ou seja, 1. 252,50 €. Este valor deverá também ser incluído nos subsídios de férias e de natal vencidos e vincendos.»

O Tribunal da Relação, situando-se na linha da jurisprudência deste Tribunal acima referida, veio a decidir em sentido contrário.

Referiu-se desse modo na decisão recorrida o seguinte:

«Com efeito – e continuando a seguir de muito perto os seus fundamentos, que se transcrevem, em parte – quem invoca a prática discriminatória tem igualmente de alegar e provar, além do diferente tratamento resultante de tal prática, os factos integrantes de um daqueles fatores de discriminação, uma vez que o juízo a emitir, (seja por discriminação direta, seja por discriminação indireta, na noção dos conceitos adiantada nas acima transcritas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 32.º do RCT), pressupõe que…‘em razão de um fator de discriminação uma pessoa seja sujeita a um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável’.

Só se/quando alegado e demonstrado um desses fatores é que a Lei faz presumir que dele resultou o tratamento diferenciado, fazendo então recair sobre o empregador a prova do contrário, ou seja, a prova de que a diferença de tratamento não se deveu ao fator indicado, mas sim a motivos legítimos, entre os quais se contam os relacionados com a natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado pelos trabalhadores em confronto.

Assim, na hipótese de a ação ter por fundamento algum dos fatores característicos da discriminação – que não é a do caso sujeito – o trabalhador que se sinta discriminado, uma vez provados os factos que integram o invocado fundamento, não tem que se preocupar com os factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, funcionando a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, com inversão do ónus da prova quanto ao nexo causal presumido.

Na situação aprecianda – em que efetivamente não vem alegado, como causa petendi, factologia suscetível de afrontar, direta ou indiretamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer dos fatores característicos da discriminação – não funciona o particular regime de repartição do ónus da prova, cuja inversão, atenuando as dificuldades do cumprimento do ónus em tais circunstâncias, beneficiaria a posição processual do trabalhador.

O funcionamento da presunção de discriminação, nos termos em que vem formulada, pressupunha, pois, a invocação/demonstração de factos qualificáveis como característicos fatores de discriminação.

Assim sendo, não funcionando a presunção, competia ao A., nos termos da regra geral do art. 342.º/1 do Cód. Civil, alegar e provar factos que, respeitantes à identidade das faladas natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado por trabalhadores da empresa com a mesma categoria, viabilizassem concluir, comparativamente, que, o pagamento que lhe foi feito pelo empregador afronta o princípio para trabalho igual salário igual.

Porém, os factos provados são claramente insuficientes para se poder dar como assente que o trabalho por si prestado era/é igual ou objetivamente semelhante, no seu todo, ao do trabalhador relativamente ao qual se considera discriminado, só isso importando a reclamada paridade retributiva.” (sic)

Ora, estes considerandos são aplicáveis ao presente caso em que está demonstrado que o Autor e os trabalhadores que indica como sendo aqueles em relação aos quais foi discriminado pela Ré, exercem funções idênticas, mas em que o Autor não invoca quaisquer “fatores característicos de discriminação” (cfr Ac STJ de 22-04-2009 – Proc. 08P3040), pelo que não faz acionar a presunção a que se refere o nº3 do art. 25º do CT, devendo, porquanto constitutivos do seu direito, alegar e provar factos, atinentes não só à natureza do trabalho prestado, como fez, mas também à qualidade e quantidade desse trabalho, prestado por si e pelos demais trabalhadores indicados, e que permitissem ao tribunal concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio “para trabalho igual salário igual”.

Não o tendo feito, logo decairia na sua pretensão.»[11]

(…)

«Sucede que dos factos provados não se pode extrair que a Ré violou o princípio da igualdade na vertente “ para trabalho igual, salário igual”, isto porque deles não decorre qualquer atuação discriminatória perante o Autor.

 Na verdade, resulta provado que os trabalhadores que o Autor indicou como sendo aqueles em relação aos quais é discriminado foram nomeados Chefes de Equipa de nível 4 em datas anteriores à nomeação do Autor e quando ainda vigorava o AE/2006, enquanto que o Autor foi nomeado para aquele cargo já na vigência do AE/2008, o qual, como já vimos, deixou de prever a tabela de remunerações mínimas mensais de quadros de direção e chefia para os vários níveis de cargo.

Ou seja, a situação do Autor, não obstante desempenhar funções idênticas à daqueles trabalhadores, surgiu num enquadramento jurídico diverso e num quadro de diferente antiguidade, pelo que não podemos concluir pela existência da mesma realidade material que justificaria a conclusão de que foi violado o princípio “ para trabalho igual salário igual”.

Em consequência, impõe-se a revogação da sentença recorrida e absolvição da ré dos pedidos, mostrando-se, assim, prejudicado o conhecimento da 3ª questão suscitada no recurso.»

O decidido merece a nossa adesão.

2 - Resulta da matéria de facto dada como provada, nomeadamente do ponto n.º 13, que «o Autor, à semelhança dos trabalhadores referidos em 9 (até à sua exoneração), 10, 11 (até à sua exoneração) e 12, exercia as seguintes funções: - garantir a execução das operações previstas em cada linha e área de tratamento; - garantir a agregação do tráfego de acordo com o plano de encaminhamento e segundo critérios de hierarquização de velocidades; - garantir o cumprimento dos padrões de qualidade estabelecidos; - assegurar a coordenação das respetivas equipas; - assegurar a recolha de dados necessários ao controle de atividade».

Pode concluir-se, com base neste segmento da matéria de facto, que as funções desempenhadas pelo Autor e pelos trabalhadores em relação aos quais se afirma discriminado eram, abstratamente consideradas, as mesmas.

Provou-se igualmente que as remunerações pagas pela Ré ao Autor eram diferentes daquelas que pagava aos referidos trabalhadores.

Tal não basta, contudo, para afirmar que a Ré estava a discriminar o Autor, relativamente à retribuição que lhe pagava relativamente àqueles trabalhadores.

Não verdade, não tendo sido invocado como fundamento da ação que a diferenciação de retribuições verificada entre o Autor e os outros trabalhadores que desempenhavam funções análogas resultava de um concreto fator de discriminação dos mencionados no n.º 1 do artigo 24.º do Código do Trabalho, carece de sentido a pretensão do Autor de beneficiar da presunção decorrente do n.º 5 do artigo 25.º do mesmo código e de que era a Ré que estava onerada com a obrigação de demonstrar que a diferenciação de retribuições tinha uma base objetiva.

O Autor tinha, deste modo, de fazer prova de todos os factos integrativos da discriminação que invoca como fundamento da sua pretensão, nos termos do artigo 342.º do Código Civil.

A verdade é que se limitou a provar a diferença de remunerações e a identidade entre as funções por si desempenhadas e aquelas que eram desempenhadas pelos trabalhadores em relação aos quais se sente discriminado.

O autor não provou que o trabalho efetivamente desempenhado por si e por aqueles trabalhadores fosse igual, nos termos do artigo 270.º do Código do Trabalho, ou seja, que o trabalho por si desempenhado e o trabalho desempenhado por aqueles trabalhadores, no que se refere à natureza, qualidade e quantidade fosse igual, sem o que não se pode falar em violação do princípio de “a trabalho igual salário igual”.

O facto de o Autor e aqueles trabalhadores desempenharem funções idênticas, não permite, só por si, afirmar que todos prestem o mesmo trabalho, sob o ponto de vista qualitativo e quantitativo, o que é pressuposto da igualdade do trabalho prestado, assumida como fundamento da discriminação.

Na verdade, resulta da matéria de facto dada como provada que o «Autor é associado do Sincor desde 1 de junho de 2007» e que «aderiu individualmente ao AE 2008 em 20 de abril de 2008».

O referido AE de 2008 entrou em vigor nesta data, ou seja 20 de abril de 2008.

Por outro lado, foi na vigência deste AE que o Autor foi nomeado para desempenhar as funções em relação às quais se diz vítima de discriminação e foi no âmbito do mesmo que decorreu o processo do qual resultou tal nomeação.

Com efeito, resulta da matéria de facto que «em 21 de julho de 2008 foi iniciado pela Ré um concurso interno ao qual o Autor concorreu», concretamente que «em 21 de julho de 2008 a Ré abriu concurso interno para recrutamento de Chefe de Equipa de Tratamento (nível 4), sendo que o Autor se candidatou ao mesmo em 1 de agosto de 2008», «tendo, depois, sido nomeado em comissão de serviço para o cargo em questão (Chefe de Equipa de Tratamento) e que «a nomeação em comissão de serviço produziu efeitos desde 1 de março de 2009».

A situação dos restantes trabalhadores não pode ser assumida como fundamento de quaisquer expectativas legítimas por parte do Autor relativamente à atribuição da mesma remuneração que àqueles era paga pela Ré.

Além disso, provaram-se circunstâncias que afastam a discriminação que o Autor invoca como fundamento da presente ação.

Com efeito, provou-se que os trabalhadores invocados como ponto de referência têm uma antiguidade superior à do Autor e que foram nomeados na vigência de um instrumento de regulamentação coletiva diverso daquele que enquadra a prestação de trabalho do Autor.

Resulta com efeito da matéria de facto dada como provada que «os trabalhadores BB e DD foram nomeados Chefes de Equipa de nível 4 com efeitos a 25 de setembro de 2006» e que «a trabalhadora CC foi nomeada Chefe de Equipa de nível 4 em 21 de junho de 2001».

Na verdade, o Autor é abrangido e já foi nomeado na vigência de um instrumento de regulamentação coletiva diferente daquele que enquadrou a nomeação dos restantes trabalhadores.

Verifica-se, deste modo, que o estatuto jurídico que enquadra os trabalhadores em causa é diferente do estatuto jurídico do Autor, pelo que carece de sentido a segmentação comparativa das remunerações emergentes dos diferentes estatutos, para afirmar, a partir daí, diferenciações e invocá-las como fundamento de discriminação.

V

Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas, uma vez que o Autor beneficia da isenção da alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 14 de dezembro de 2016

António Leones Dantas - Relator

Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso

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Proc. n.º 4521/13.7TTLSB.L1.S1 (Revista)

4.ª Secção

Sumário

Trabalho igual salário igual

Discriminação

Ónus da prova

Princípio da filiação

1 − O princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo), ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes.

2 – Instaurada ação com fundamento em algum dos fatores característicos da discriminação consignados no n.º 1, do artigo 24.º do Código do Trabalho em vigor, o trabalhador que se sente discriminado tem de alegar e provar, além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram, pelo menos, um daqueles fatores característicos da discriminação. 

3 – Nessas situações o trabalhador não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, atua a presunção prevista no n.º 5 do artigo 25.º do mesmo código no sentido de que a diferença salarial se deve a esse fundamento de discriminação, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal o ónus da prova.

4 – Não pode afirmar-se a existência de violação do princípio de «a trabalho igual salário igual» numa situação em que, para além de não se ter provado que as tarefas desempenhadas correspondam a trabalho igual, sob o ponto de vista da qualidade, natureza e quantidade, o trabalhador tem antiguidade diferente dos trabalhadores referidos como fundamento da discriminação retributiva e que esse trabalhador se encontra abrangido por instrumento de regulamentação coletiva diverso.

Data do acórdão: 14 de dezembro de 2016

Leones Dantas (relator)

Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso

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[1] Aditado pela decisão recorrida.
[2] Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 339.
[3] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, obra citada, p. 772.
[4] Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 3.ª Edição, p. 643.
[5] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[6] Código do Trabalho Anotado, 2016, 10.ª edição, Almedina, direção de Pedro Romano Martinez, p. 174.
[7] De 22 de abril de 2009, proferido no processo n.º 3040/08, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[8] Código do Trabalho anotado, Direção de Pedro Romano Martinez, Almedina, 9.ª edição, 2013, p. 982.
[9] Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, p. 311, nota 467.
[10] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[11] Citando o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação no Processo nº 4694/13.9TTLSB.L1.