Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9444/16.5T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: INFRACÇÃO DISCIPLINAR
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 06/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / REDUÇÃO DA ACTIVIDADE E SUSPENSÃO DO CONTRATO / REDUÇÃO TEMPORÁRIA DO PERÍODO NORMAL DE TRABALHO OU SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR FACTO RESPEITANTE AO EMPREGADOR / ENCERRAMENTO TEMPORÁRIO DO ESTABELECIMENTO OU DIMINUIÇÃO TEMPORÁRIA DA ACTIVIDADE / FACTO IMPUTÁVEL AO EMPREGADOR.
Doutrina:
-António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª Edição, p. 514 e 519;
-Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, 2016, p. 804 e 807;
-Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2015, 3.ª Edição, p. 427 e 428;
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 351.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 05-04-1989, IN BMJ, 386.º, P. 446;
-DE 05-01-2012, PROCESSO N.º 3937/04.4TTLSB.L1.S;
-DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1.
Sumário :
1 – Para que se verifique justa causa de despedimento, é necessário um comportamento culposo e ilícito do trabalhador e que desse comportamento, na medida em que tenha quebrado a relação de confiança, decorra como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral.

2 – Não constitui justa causa de despedimento a consignação, em missiva dirigida pelo trabalhador (que se encontrava de baixa médica há cerca de um ano e enfrentava graves dificuldades económicas), à entidade empregadora, na sequência de retenções por esta efetuada nos subsídios de férias e de Natal, anteriormente autorizadas pelo trabalhador para liquidação de empréstimos que lhe foram feitos pela empregadora, das seguintes expressões: “venho por este meio solicitar, que me esclareçam, a que título e o porquê de me extorquirem os valores que abaixo passo a descrever…, P.S. Nunca pus nenhum obstáculo até à data, a vossa conduta de me retirarem do meu vencimento um determinado valor, sabendo eu e também, vossas excelências que tal posicionamento da vossa parte constituía um grave atropelo a lei…”
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

1 - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sob a forma do processo especial, contra BB, S.A., tendo apresentado, para o efeito, o formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho. Juntou, com o referido formulário, a decisão proferida pela empregadora, que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento, com justa causa, sem qualquer indemnização ou compensação.

Teve lugar a audiência de partes, nos termos do disposto no art. 98.º-I, do Código de Processo do Trabalho, não se tendo logrado obter a conciliação entre as partes.

Notificada, a empregadora apresentou o procedimento disciplinar e motivou o despedimento, alegando, em síntese: (i) o trabalhador foi admitido ao seu serviço em 23 de julho de 2001, exercendo, ultimamente, sob as suas ordens, direção e fiscalização, as funções de chefe de secção, sem prejuízo de, desde 4 de agosto de 2014, estar em situação de baixa médica; (ii) ao trabalhador foi instaurado procedimento disciplinar em virtude de, no dia 2 de dezembro de 2015, ter aquele, em missiva enviada à entidade empregadora, utilizado vocabulário muito grave, violando, assim, os deveres de respeito, bom senso, cordialidade e reconhecimento para quem, consigo, sempre teve consideração e sempre se prontificou a ajudar a superar as dificuldades financeiras que lhe foram surgindo.

Conclui peticionando a sua absolvição do pedido.

Regularmente notificado, o A. respondeu alegando que: (i) a missiva enviada com a intenção de despedimento mostrava-se assinada pela “Direcção de Pessoal”, sendo que a acompanhar tal comunicação estava uma assinatura ilegível, sem qualquer indicação do seu autor; (ii) a intenção de despedimento não foi, assim, efetuada pela entidade empregadora nem por pessoa ao seu serviço com poderes para o efeito, já que “Direcção de Pessoal” designa um serviço, departamento ou unidade organizativa e não uma pessoa ou a própria empregadora; (iii) a nota de culpa não se encontra subscrita pela entidade empregadora mas sim pelo instrutor do procedimento disciplinar, sem que tenha sido enviada qualquer procuração ou outro instrumento legal donde decorram os poderes do instrutor para o referido procedimento; (iv) a missiva por si enviada constitui uma mera carta de protesto pela falta de pagamento de créditos laborais, sendo que a linguagem utilizada, mormente a expressão “extorquirem” deve ser entendida no seu real contexto, bem como ponderar-se a circunstância de não ter sido escrita por si; (v) há muito que a entidade empregadora pretendia despedi-lo em virtude de ter ficado temporariamente incapacitado para o trabalho, por motivo de doença, no ano de 2009; (vi) aquando do seu regresso, foi transferido para outra área – da qual nada entendia –, não tendo, então, reclamado por receio de perder o seu posto de trabalho; (vii) no ano de 2011, a entidade empregadora obrigou-o a assinar um contrato de utilização do parque de estacionamento contra a obrigação de efetuar, mensalmente, € 200,00 em compras no supermercado da empregadora, sendo que, até então, a utilização do parque era gratuita; (viii) também nesta ocasião nada reclamou, pois foi avisado de que, se levantasse problemas, seria despedido, ainda que com outros pretextos ou fundamentos; (ix) por razões pessoais, solicitou à entidade empregadora empréstimo, que lhe foi concedido, à semelhança do que sucede com os demais trabalhadores e outras pessoas; (x) foi devido às grandes dificuldades económicas que, no ano de 2015, passava, que dirigiu à empregadora a missiva, perguntando a razão de lhe não terem sido pagos determinados montantes; (xi) não tem antecedentes disciplinares e sempre foi um trabalhador exemplar, zeloso e cumpridor; (xii) não violou qualquer dever contratual e, ainda que assim se não entenda, sempre a sanção aplicada pela entidade empregadora é desproporcional e desadequada à gravidade dos factos. Conclui, assim, pela procedência da ação, devendo, por conseguinte, ser declarada a ilicitude do despedimento e, em consequência, ser a entidade empregadora condenada a reintegrá-lo, sem prejuízo da opção pela legal indemnização, e condenada no pagamento das retribuições que deixou de auferir, desde a data do despedimento até à data da sentença.

Mais peticionou a condenação da entidade empregadora em juros de mora e no pagamento de sanção pecuniária compulsória, em montante nunca inferior a € 400,00, por cada dia de incumprimento da decisão judicial que vier a ser proferida.

Notificada da contestação, a R. respondeu pugnando pela validade formal do procedimento disciplinar.

 

Saneado o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida a sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a R. do pedido.

Inconformado, o A. arguiu a nulidade da sentença, que foi julgada não verificada e apelou peticionando a revogação da sentença, tendo sido proferida a seguinte deliberação:

«Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso do autor, pelo que, se revoga a sentença recorrida, declarando-se ilícito o despedimento do autor, ordenando-se a sua reintegração na ré, sem prejuízo da sua categoria ou antiguidade.

Condena-se a ré a pagar ao autor as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, em montante a liquidar oportunamente, das quais se deduzirão as importâncias referidas na alínea c), do art.º 390.º, do mesmo corpo de leis.

Sobre as ditas quantias incidem juros de mora à taxa legal.

Por cada dia de incumprimento da presente decisão, condena-se a ré a pagar ao autor, a título de sanção pecuniária compulsória, o valor de € 200,00.

Custas pela ré.»

Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença da 1ª instância.

O A. recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado, mas sem formular conclusões.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu douto parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido.

Notificadas as partes, a R. respondeu pugnando pela concessão da revista e pela revogação do acórdão recorrido, tendo juntado parecer jurídico.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

”A - Para a boa decisão de qualquer causa, deverá o Tribunal atender a todos os elementos constantes dos autos, não devendo ater-se, apenas (e a "seco"), aos factos dados como provados.

B - Assim, importante é atender-se também aos factos dados como não provados.

C - Bem como à fundamentação dada pelo tribunal a uns e a outros.

D - Igualmente se deve atender a todos os documentos juntos aos autos.

E - O douto Acórdão recorrido não levou em linha de conta nada acima referido.

F - Concretamente, não levou em linha de conta que não se provou que a carta em causa tenha sido escrita pela filha.

G - No entanto, o douto Acórdão afirma-o, com clareza, ao arrepio da prova feita.

H - Afirma ainda o Acórdão em crise que o A. apenas pretendia, com a mencionada carta, pedir esclarecimentos à R. Ora

I - Resulta claramente dos autos o porquê da retenção das quantias feitas pela R., e que o A. sabia claramente: o A. era devedor à Ré de quantias avultadas, por esta lhe ter emprestado avultadas somas de dinheiro.

J - E que o A. tinha autorizado, expressamente, a R. a reter mensalmente, determinadas quantias.

K - Pelo que não poderia o Acórdão afirmar que o A. "apenas" queria um esclarecimento.

L - Ainda que assim fosse, nada justificava que o A. se dirigisse à R. como se dirigiu.

M - Refere depois o douto ACÓRDÃO, que a carta do A. é um veemente protesto por lhe terem "sido debitadas" as ditas verbas que, no dizer do trabalhador põem em causa a sua subsistência e a do seu agregado familiar - uma vez mais, e ainda que assim fosse, nada justificava a forma como o A. se dirigiu à sua entidade patronal.

N - Há formas e formas de protestar.

O - Consta dos autos um ofício emanado da Segurança Social donde se retira que o A., entre Agosto de 2014 (altura em que entrou de baixa e "se calou"), e Novembro de 2015, (data em que o A. escreveu a carta em causa à R.,) recebeu, mensalmente, a título de subsídio de doença, quantias que excederam, sempre, os € 2.500.00. (se se tiver em linha de conta que o trabalhador não estava a exercer as suas funções; e o montante da remuneração mínima nacional,...).

P - Se a entidade patronal não tivesse para com o A. a consideração que teve, emprestando-lhe dinheiro, este processo não existiria, e o A. continuaria com as suas "dificuldades financeiras", que punham em causa a sua subsistência!

Q - Se a entidade patronal não tivesse para com o A, a consideração que teve, suspendendo os descontos que expressamente acordou com aquela, durante variadíssimos meses, a dívida já estaria paga, e este processo não existiria, e o A. continuaria com as suas "dificuldades financeiras", que punham em causa a sua subsistência!

U - Para fundamentar que os actos do A. não são de tal forma graves que justifique o seu despedimento com justa causa, discorre sobre o significado da expressão "extorquir" utilizada pelo A. contra a R.

V - Afirmando que, "em termos correntes" extorquir dá a ideia de "retirar" "arrebatar", "tomar"!

X - Sem ser necessário socorrermo-nos de nenhum texto jurídico ("máxime" o Código Penal), basta consultar qualquer razoável Dicionário da Língua Portuguesa para se retirar, cristalinamente, que o termo extorquir tem precisamente o significado que a R. lhe deu: conseguir através de acto violento ou intimidação; retirar forçadamente, usurpar, roubar, furtar ou sugar.

Y - Se, acaso, o A. não soubesse disso (o que por si só demonstraria uma irresponsabilidade, i.e., utilizar expressões das quais nem sequer sabe o significado, como afirmou em tribunal, mas não conseguiu, obviamente, provar), "sibi imputet". Mas, e mais importante do que a responsabilização do A. pelo que escreveu e assinou,

Z - Ao saber que a R. tinha "interpretado" as suas palavras, de forma a considerá-las muito gravosas, teve o A. largos meses para se retractar e pedir desculpa: o que até hoje não fez!  

AA - Esqueceu-se o douto Acórdão recorrido da norma mais importante para a boa decisão da presente causa: o número 3 do artigo 351.º do CT, o qual não é mencionado em nenhum segmento do mesmo.

BB - Face à matéria dada como provada, dúvidas não podem restar que não existem dúvidas de relevo quanto à violação, pelo trabalhador, do dever de respeito, maxime, do devido à sua entidade empregadora, dever esse que se projecta e releva em outros momentos, como seja, como sucede in casu, em situações de suspensão do contrato de trabalho.

CC - A natureza das expressões empregues na missiva enviada à entidade empregadora - com a utilização da expressão «extorquirem», com toda a carga negativa que, indiscutivelmente, lhe está associada - a par da imputação da violação da lei - quando bem sabia o trabalhador que, para efeito do empréstimo solicitado, havia assinado declaração consentido a dedução de valores em ordem à sua amortização e que, de qualquer modo, a lei consente descontos na retribuição em situações como a presente [cfr., o art. 279.º, n.º 2, al. d)] - assumem-se como claramente violadoras daquele dever ao que acresce um sentimento de profundo repúdio pelo comportamento adoptado pelo trabalhador, sobretudo ponderando todo o contexto que antecedeu o envio da missiva e mesmo o contexto subsequente.

DD - Em três ocasiões distintas, o trabalhador solicitou o auxílio financeiro da sua entidade empregadora, auxílio esse que nunca lhe foi negado.

EE - Em três ocasiões distintas, também, o trabalhador solicitou que, em determinados períodos, e por razões de ordem pessoal, lhe não fossem descontadas as quantias destinadas à amortização do empréstimo.

FF - Também nessas três vezes obteve a anuência da empregadora.

GG - O trabalhador, sabendo-se devedor à sua entidade empregadora, não encetou qualquer contacto com vista a alcançar qualquer acordo ou dar qualquer satisfação acerca dos montantes que se encontravam por liquidar aquando da sua situação de baixa médica.

HH - Ao invés, enviou, a missiva em causa nos autos.

II - Como se a sua conduta consentisse que assim procedesse, ante o quadro exposto, jamais adoptando qualquer conduta com vista a retractar-se do seu comportamento, mesmo depois de sabedor do repúdio que o mesmo merecera da sua entidade empregadora.

JJ - Nada legitimava que o trabalhador se dirigisse à sua entidade empregadora nos moldes despropositados e abusivos com que se lhe dirigiu - imputando-lhe uma conduta de extorsão e acusando-a de atropelos à lei - pois não era desconhecedor da situação de incumprimento - prolongado - em que se encontrava face ao empréstimo que lhe fora concedido e que era sua obrigação honrar.

KK - Se era intenção do trabalhador obter qualquer esclarecimento quanto aos valores descontados pela entidade empregadora - sendo, todavia, duvidoso o circunstancialismo que importava esclarecer face ao quadro de incumprimento em que se encontrava - o mínimo que lhe seria exigível era que se lhe dirigisse com educação e deferência, posto que foi sempre esta a atitude com que se lhe dirigiu a sua entidade empregadora ao emprestar-lhe, em várias ocasiões, avultadas quantias monetárias e ao aceder a não proceder aos descontos na sua retribuição sempre que tanto lhe foi solicitado pelo trabalhador.

LL - Não deixa, aliás, de ser revelador da gravidade do comportamento do trabalhador a total incoerência entre as condutas que encetou quando solicitou a ajuda financeira da sua entidade empregadora - revelando-se amistoso e cordial - e a conduta que, depois, veio a adoptar quando, em bom rigor, já daquela havia obtido a ajuda a que se propusera.

MM - O comportamento do trabalhador, para além de desrespeitador, revela uma profunda ingratidão com a qual a sua entidade empregadora não poderia, naturalmente, pactuar, quando, ao longo da relação laboral, sempre actuou com o trabalhador muito para além dos deveres a que estava adstrita.

NN - Uma vez que nenhum empregador é obrigado a emprestar dinheiro aos seus trabalhadores e, emprestando, aguardar, com tenacidade, que o trabalhador honre, ou não, o seu compromisso conforme bem lhe aprouver.

OO - Não se apurou qualquer facto donde pudesse resultar diminuída a censurabilidade da conduta do trabalhador, maxime que, aquando do envio da missiva, se encontrasse num estado de desânimo ou de gravíssimas dificuldades que, de alguma forma, inquinassem a possibilidade de, objectivamente, valorar o seu comportamento.

PP - O trabalhador, aquando dos descontos, legais, feitos pela R. encontrava-se a auferir mais de € 2.500,00 a título de subsídio de doença.

QQ - Conclui-se, assim, que nada se apurou susceptível de diminuir a culpa do trabalhador, sendo que mesmo a questão da autoria da missiva resultou improvada.

RR - Ainda que assim não fosse, tal não seria, fundamento válido e bastante para diminuir a censurabilidade da sua conduta, já que, em última instância, era sua a decisão de enviar a missiva, nos moldes em que estava escrita, e assumir a sua autoria, nela apondo a sua assinatura.

SS - Tendo havido por parte do A. uma ausência de auto-censura por via da tentativa de imputação a terceiro - no caso, a sua filha - da autoria da missiva, numa atitude de pura desresponsabilização quanto ao seu conteúdo.

TT - Só decidindo como decidiu a 1.ª instância, se dá sentido útil ao disposto no número 3 do artigo 351.º do CT. De facto,

 UU - Deve atender-se, no quadro de gestão da empresa (que, como ficou provado, é rigorosa no aspecto disciplinar e muito exigente em relação a quem, no seu seio, ocupa cargos de Chefia), ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes (...) e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

VV - O douto ACÓRDÃO discorreu sobre matéria sobre a qual não poderia ter abordada - a legalidade ou ilegalidade dos descontos feitos pela R. ao A., uma vez que tal matéria não foi discutida em 1.ª instância.

XX - O douto ACÓRDÃO afirmou que "a filha do A. escreveu a carta" em causa, para daí (entre outros) fundamentar a sua decisão.

YY - Ora, não ficou provado tal facto.

ZZ - Pelo que errou.

AAA - Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão recorrido fez errónea interpretação do artigo 330.º do Código do Trabalho.

BBB - E, pura e simplesmente, omitiu e ignorou o disposto no número 3 do artigo 351.º do mesmo diploma legal, dispositivo este que é absolutamente decisivo para a boa decisão da causa.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

- Os presentes autos respeitam a ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento intentada em 12 de janeiro de 2015.

- O acórdão recorrido foi proferido em 31/05/2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de outubro, entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se os factos provados praticados pelo A. constituem justa causa para o despedimento.

FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

Foram os seguintes os factos julgados provados pelas instâncias:

1. O trabalhador foi admitido ao serviço da entidade empregadora no dia 23 de Julho de 2001 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de operador principal, tendo sido promovido, em 1 de Março de 2006, a Chefe de Secção, funções que vinha a, ultimamente, exercer.

2. O trabalhador auferia, ultimamente, o ordenado base mensal de € 823,50, acrescido de um complemento pessoal, no valor mensal de € 1.069,99, subsídio de isenção de horário de trabalho, no valor mensal de € 473,37, subsídio de Domingo, no valor mensal de € 218,48, e subsídio de refeição no valor diário de € 5,09.

3. O trabalhador esteve em situação de baixa médica desde Agosto de 2014 até Maio de 2016.

4. O trabalhador exercia as suas funções na loja explorada pela entidade empregadora sita na ...

5. No dia 4 de Dezembro de 2015, foi elaborada pelo Director de Pessoal da entidade empregadora, CC, a nota de ocorrência constante de fls. 49, dos autos, sendo o seguinte o seu teor: «(…)

Chegou ao meu conhecimento que o trabalhador AA teve comportamentos que indiciam ilícitos disciplinares e, eventualmente, criminais, susceptíveis de justificarem a aplicação de uma sanção disciplinar, incluindo o seu despedimento com justa causa. Assim, ordeno que seja instaurado procedimento disciplinar ao referido trabalhador, devendo ser averiguados os comportamentos do mesmo para o que deverão ser tomadas todas e quaisquer diligências necessárias ou convenientes para a descoberta da verdade. Para o efeito, nomeio como instrutor do processo o Exmo. Senhor Dr. DD (…) ao qual darei conhecimento do através referido, e solicitarei para proceder em conformidade, entregando-lhe a informação relevante. (…)».

6. CC é quem, na entidade empregadora, dispõe de poderes para, e sua representação, admitir e despedir empregados e colaboradores.

7. No dia 7 de Dezembro de 2015, foi elaborado, pelo Instrutor DD, termo de abertura do procedimento disciplinar relativamente ao trabalhador.

8. No dia 18 de Janeiro de 2016, foi enviada pela entidade empregadora ao trabalhador a missiva constante de fls. 75, dos autos, recebida pelo trabalhador no dia 21 de Janeiro de 2016, sendo o teor da mesma o seguinte:

 «(…) Exmo. Senhor,

No seguimento do processo disciplinar mandado instaurar a V. Exa. por BB, S.A., com intenção de despedimento, junto remetemos a Nota de Culpa que segue em anexo. Informamos que dispõe do prazo de dez dias úteis para responder à referida Nota de Culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade. Mais informamos que foi designado Instrutor do Processo o Dr. DD, advogado, com escritório em Lisboa (…), local onde, durante o prazo acima referido, (…) poderá consultar o processo. (…)».

9. Juntamente com a missiva referida em I.8., foi enviada ao trabalhador a Nota de Culpa, sendo o teor desta peça o seguinte:

«PROCESSO DISCIPLINAR INSTAURADO AO SENHOR AA

NOTA DE CULPA

Nos termos do disposto nos artigos 328º e seguintes e 351º e seguintes do Código do Trabalho, vem o BB, Grandes Armazéns S.A., de ora em diante designado por ECIGA ou entidade patronal, na sequência do processo disciplinar mandado instaurar ao trabalhador, AA, adiante designado por trabalhador ou arguido, apresentar a respectiva nota de culpa, porquanto:

1º O arguido foi contratado no dia 23 de Julho de 2001, tendo actualmente a categoria profissional de Chefe de Secção.

2º No dia 2 de Dezembro de 2015, o arguido dirigiu-se à entidade patronal, através de carta registada com aviso de recepção, solicitando esclarecimentos sobre o facto de não ter recebido determinadas quantias que, alegadamente teria direito, e que deveriam ter sido transferidas para a sua conta bancária.

3º O vocabulário utilizado na carta que dirigiu à sua entidade empregadora, é muito grave, nomeadamente a utilização do verbo extorquir, que como o arguido deverá saber significa “conseguir através de acto violento ou de intimidação, retirar ou remover forçadamente; usurpar, roubar ou furtar”.

4º Como o arguido bem sabe, o tom e a forma como se dirigiu ao ECIGA, são gravemente violadores dos deveres de respeito, bom senso, cordialidade e reconhecimento para quem, consigo, sempre teve consideração e se mostrou sempre disponível para o ajudar a superar dificuldades financeiras que lhe foram surgindo.

5º Vem a entidade patronal, lembrar a disponibilidade, compreensão e ajuda que demonstrou para com o arguido, sempre que este, das várias vezes que precisou, se dirigiu ao ECIGA.

6º O arguido, em 09 de Outubro de 2003, solicitou à entidade patronal um empréstimo de € 3.750,00, que liquidou em vinte e uma prestações, pagas entre Outubro de 2003 e Setembro de 2005.

7º Em 17 de Outubro de 2005, o arguido solicitou um novo empréstimo, no valor de € 12.500,00, cuja liquidação foi feita através de trinta e duas prestações mensais, tendo terminado em Fevereiro de 2010.

8º No dia 9 de Junho de 2008 e ainda no decorrer do empréstimo acima mencionado, o arguido, solicitou ao ECIGA mais um empréstimo, desta vez no valor de € 20.000,00.

9º À data de 9 de Junho de 2008, o arguido devia à sua entidade patronal a quantia de € 20.000,00, acrescida de € 4.711,50, valor ainda em dívida do empréstimo concedido em 2005, num total em dívida de € 24.711,50.

10º O pagamento deste último empréstimo foi interrompido três vezes, a pedido do arguido e alegando motivos pessoais ou pagamento de outras dívidas.

11º O ECIGA foi sempre compreensivo com as dificuldades financeiras do arguido, aceitando todos os seus pedidos de suspensão do pagamento das mensalidades acordadas para a liquidação do referido empréstimo, assim como reduzindo também o valor das mesmas prestações.

12º O arguido iniciou uma baixa médica por doença natural em Agosto de 2014, deixando o arguido, desde Dezembro de 2014 e até Março de 2015, de cumprir com o pagamento das prestações que acordara com a sua entidade patronal.

13º Desde essa altura o arguido nunca entrou em contacto com o ECIGA, no sentido de se reduzir o montante do pagamento mensal referente ao montante ainda em dívida.

14º Em Abril e Novembro de 2015, o arguido tinha direito a receber duodécimos referentes aos subsídios de férias e de Natal do ano de 2014, assim como férias não gozadas e subsídio de Natal.

15º O arguido desde Dezembro de 2014 que não efectuou qualquer pagamento referente ao empréstimo contraído com a sua entidade patronal, nem teve a consideração de entrar em contacto com a mesma, como o fez anteriormente sempre que foi da sua conveniência.

16º Pelo exposto acima, entendeu a entidade patronal, nos meses de Abril e Novembro de 2015 reter ao arguido, as quantias de € 1.162,22 e de € 1.564,51 referentes aos subsídios supra mencionados, para se ressarcir dos valores em dívida.

17º Tendo em conta estas retenções, fica ainda pendente de liquidar, pelo arguido, o valor de € 1.863,08.

18º Ora, face a todo o exposto, não restam dúvidas de que o comportamento do trabalhador é gravemente reprovável, não podendo a entidade patronal deixar de relevar disciplinarmente o modo, o tom e o vocabulário com os quais se dirigiu ao ECIGA, uma vez que o mesmo reflecte uma falta de respeito para quem consigo sempre esteve disponível para ajudar.

19º O arguido com a sua atitude violou gravemente as disposições constantes do art.º 128º nº 1, alínea a) do Código de Trabalho, assim como o Preâmbulo do Regulamento Interno da Empresa, onde o respeito, bom senso, cordialidade e urbanidade assumem uma maior importância.

20º O comportamento do arguido consubstancia, em abstracto, um ilícito penal, pelo que se reservará a entidade patronal o direito de agir criminalmente contra o arguido.

 Assim, é intenção do ECIGA, nos termos do art.º 328º do Código de Trabalho, aplicar ao arguido uma sanção disciplinar pelas condutas condenáveis que decidiu, livre e conscientemente praticar, designadamente proceder ao seu despedimento sem indemnização ou compensação. (…)».

10. O trabalhador respondeu à Nota de Culpa, nos termos consignados a fls. 78 a 92, sendo o seguinte o teor dessa resposta:

«(…) AA, Trabalhador da sociedade de direito privado português denominada por “BB S.A.”, vem, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos arts. 329º, nº6 e 355, nº1, todos do Código do Trabalho (C.T.), aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro, Lei nº 53/2011 de 14 de Outubro, Lei nº 23/2012 de 25 de Junho e Lei nº 47/2012 de 29 de Agosto, apresentar a sua RESPOSTA À NOTA DE CULPA, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

- Questões prévias –

I - Da subscrição da intenção de despedimento –

1º A intenção de despedimento dirigida ao Trabalhador pela Arguente encontra-se subscrita pela “ Direcção de Pessoal”.

2º A acompanhar tal comunicação está uma assinatura ilegível, sem qualquer indicação do seu autor.

3º O A. desconhece quem seja a pessoa denominada por “Direcção de Pessoal”, nem vislumbra que tal possa corresponder a alguma pessoa no interior da Arguente, pois tal constituí uma mera alusão a uma realidade abstracta que não representa a Empregadora, pois a mesma é representada por pessoas singulares, nomeadamente, pelos seus Administradores e/ou Directores e não pelos seus departamentos, unidades económicas ou organizativas.

4º Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 353º, nº1, do C.T., incumbe à entidade empregadora dirigir ao Trabalhador, neste caso, à pessoa colectiva de direito privado português denominada por “BB S.A.”, a comunicação de intenção de despedimento que, ao invés de ser subscrita por alguém com poderes para o efeito, foi subscrita por “Direcção de Pessoal”.

5º Em conclusão, a comunicação da intenção de despedimento não foi efectuada pela empregadora, nem por pessoa ao serviço da empregadora com poderes para o efeito, já que “Direcção de Pessoal” designa um serviço, departamento ou unidade organizativa e não uma pessoa.

II - Da subscrição da nota de culpa –

6º A nota de culpa que foi dirigida ao Trabalhador também não se encontra subscrita pela entidade empregadora, como impõe a lei.

7º Com efeito, tal nota de culpa encontra-se subscrita pelo Sr. Instrutor do Processo Disciplinar, Sr. Dr. DD, Ilustre Advogado.

8º Na verdade, a acompanhar a nota de culpa dirigida ao Trabalhador, não existe qualquer procuração ou outro instrumento legal onde estejam expressos os invocados poderes de instrução e, muito menos, foi mencionada qualquer delegação de poderes.

9º Com efeito, o poder disciplinar na Entidade Empregadora não foi atribuído ou delegado no Sr. Dr. DD, M.I. Advogado, não podendo este se substituir à Entidade Empregadora para aquele fim.

10º Nos termos do disposto no art. 353º, nº1 do C.T., a nota de culpa deve ser subscrita pela entidade empregadora ou pelas entidades empregadoras, conforme resulta de modo inequívoco do espírito e letra da lei.

11º Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 260º, nº 1 do Código Civil (C.C.) se uma pessoa dirigir, em nome de outrem, como sucede com a nota de culpa que foi dirigida ao Respondente, uma declaração a terceiro, pode este exigir, no caso, o Trabalhador, que o apresentante, no caso, o subscritor da nota de culpa, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a nota de culpa não produzir quaisquer efeitos jurídicos relativamente ao seu destinatário.

12º Assim, vem o Trabalhador requerer que, nos termos e para os efeitos no art. 260º do C.C., seja efectuada, sob pena de nulidade da respectiva declaração ou manifestação do poder disciplinar, a prova dos invocados poderes disciplinares para a subscrição da nota de culpa, nulidade essa que, para todos os devidos efeitos legais, fica desde já aqui arguida nos termos gerais do direito civil.

III - Do Facto imputado ao Trabalhador –

13º O presente procedimento disciplinar não imputa ao A. uma única conduta violadora dos seus deveres perante a sua entidade empregadora, não passando de mero pretexto para proceder ao seu despedimento por este ter exercido – pasme-se! – o seu direito de petição, o direito mais antigo que assiste à humanidade ou seja, o direito de pedir algo a outra pessoa.

14º Sublinhe-se que a Arguente também não imputa ao Trabalhador Respondente qualquer prejuízo, patrimonial ou outro, decorrente da conduta que lhe foi imputada na nota de culpa mas sim, o facto de a Arguente, pessoa colectiva, se ter sentido ofendida pelo Trabalhador por este ter exercido o seu direito perante ela Empregadora de uma determinada forma que a Empregadora não admite.

15º Ora, em causa, está a utilização, numa carta de protesto pela falta de pagamento de créditos salariais, da expressão “extorquirem”, expressão que terá de ser compreendida no contexto da relação laboral do Trabalhador e, por outro lado, no contexto da alegada autoria da carta que o Trabalhador aceitou subscrever para ser remetida à entidade Empregadora.

 16º Com efeito, há muito que a Arguente pretende despedir o A., tudo pelo facto de o mesmo ter ficado temporariamente incapacitado para o trabalho, por motivo de doença, durante um ano e devido a uma operação à coluna, o que sucedeu no ano de 2009.

17º Quando o Trabalhador regressou ao Trabalho em 2010, foi mudado de secção, passando da chefia da secção das frutas e verduras, para a chefia da secção dos produtos lácteos e congelados, área da qual o Trabalhador nada entendia…

18º À data, foi transmitido ao Trabalhador que a R. lhe estava a dar mais uma “oportunidade”, pois a R., ao que parece, não gosta que os seus Trabalhadores permanecem de baixa durante muito tempo…

19º O Trabalhador nada disse, pois teve medo de protestar e perder o emprego como parece estar, agora, a suceder.

20º No ano de 2011, o Trabalhador e todos os seus Colegas que antes tinham direito a estacionamento gratuito fornecido pela R., foram obrigados a assinar um contrato de utilização do parque de estacionamento, contra a obrigação de efectuar, mensalmente, € 200,00 (duzentos) euros de comprar no supermercado da Empregadora.

21º Mais uma vez e, por um lado, lhe estar a ser retirado um direito e, por outro lado, lhe estar a ser imposta uma obrigação – pasme-se! – de comprar todos os meses duzentos euros em produtos no supermercado da Empregadora, o Trabalhador pensou em protestar e não aceitar tal imposição, mas foi avisado por colegas e até superiores hierárquicos, para que não levantasse “ondas”, pois seria despedido.

22º Ora, mais uma vez e com medo que lhe fosse a suceder o que agora lhe está a suceder, o Trabalhador calou-se e aguentando de modo injusto a conduta da Empregadora, decidiu calar o seu protesto, não fosse ser objecto de processo disciplinar e despedimento…

23º Em determinada altura e por virtude de problemas pessoais na sua vida, o Trabalhador pediu à Arguente um empréstimo.

24º Tal como a Empregadora sempre faz com os demais trabalhadores, o empréstimo foi concedido e o Trabalhador passou a pagar uma determinada mensalidade em função do acordado com a Arguente.

25º Ora, sucede que, a partir de determinada altura e devido à persistência do problema de natureza pessoal, o Trabalhador viu parte do seu salário penhorado por um credor que não a Arguente, vendo o seu rendimento disponível descer de modo considerável.

26º Em 2015, por motivos de doença profissional e acidente de trabalho que a Arguente nunca comunicou a quem quer que fosse, o Trabalhador foi operado à anca direita, tendo ficado grande parte do ano de 2015 incapacitado para o trabalho por motivo de doença, incapacidade que se prolonga até ao momento.

27º Assim e face às grandes dificuldades económicas a que estava a passar, chegando mesmo ao ponto de ter de aceitar géneros alimentares de amigos de modo a não passar fome, o Trabalhador decidiu interpelar a Empregadora, tendo-lhe perguntado sobre os montantes abaixo indicados e os quais não lhe tinham sido pagos, designadamente: “O valor de € 305,49 líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Agosto de 2014. O valor de € 130,59 líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Outubro de 2014. O valor de € 112,51 líquidos, referentes ao período de 1 a 30 de Novembro de 2014. O valor de€ 128,07 líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Janeiro de 2015. O valor de € 125,07 líquidos referentes ao período de 1 a 31 de Março de 2015. O valor de € 1.162,22 líquidos, referentes às férias não gozadas de 2014 que me foram pagas no período de 1 a 30 de Abril de 2015. O valor de € 1.564,51 líquidos, referentes ao subsídio de Natal de 2014 pagos no período de 1 a 30 de Novembro de 2015.”

28º Ora, face ao sucedido e uma vez que estava debaixo de uma grande emoção e pressão e, por outro lado, sentindo-se, concomitantemente, com fortes dores na sua anca direita por via da operação a que foi sujeito e tratamentos de recuperação, o Trabalhador decidiu que deveria indagar junto da Empregadora sobre tais valores que tanta necessidade lhe faziam para alimentar a sua família.

29º Assim, o Trabalhador explicou a situação à sua filha que, por dominar o português escrito muito melhor que o Trabalhador, lhe escreveu a dita carta e a remeteu para que este a subscrevesse.

30º Confiando que a referida carta nada de mal dizia – e não diz! – o Trabalhador assinou a carta que dirigiu à Empregadora, tendo efectuado uma deficiente revisão da mesma, unicamente centrada na questão do dinheiro, afinal, a sua grande preocupação.

31º Pelo seu lado, a filha do Trabalhador, confiando que o seu pai iria fazer a revisão da dita carta, decidiu escrever a dita minuta que, afinal, o Trabalhador veio a subscrever sem a rever na totalidade.

32º Ou seja, foi enviada uma comunicação cuja versão ainda não era a versão final, mas sim uma minuta que o Trabalhador deveria ter visto antes de a assinar, o que acabou por não suceder, seguramente influenciado pelas fortes dores, efeitos dos comprimidos para as dores e, ainda, alguma displicência típica de quem está afectado, tem medo da sua entidade empregadora e receia perder o seu emprego.

33º Assim e tendo em conta o circunstancialismo factual supra descrito, não é verdade que o Trabalhador tivesse tido a intenção de se dirigir à sua entidade empregadora de forma menos respeitosa, muito menos em “tom” e “forma” que se podem qualificar como tal.

34º Com efeito, a forma utilizada para o Trabalhador se dirigir à Empregadora foi a forma escrita, não havendo nenhuma ilicitude nisso.

35º Quanto ao tom, uma vez que o tom se refere à escala sonora de determinada expressão, falada, musical ou outra, tendo a carta a forma escrita, não se entende a que tom se refere a nota de culpa, pois a carta não emite ou emitiu qualquer som até ao momento.

36º Quanto ao vocabulário, o mesmo não foi escolhido pelo Trabalhador que, na verdade, estando inteiramente focado nas contas, nem sequer se deu conta da expressão “extorquirem”, cujo significado nem sabia qual era até à recepção da nota de culpa.

37º Porém, sempre se diga que tal expressão foi usada no sentido de obter, arrebatar, conseguir ou tomar, tudo sinónimos da palavra extorquir cuja escolha foi, obviamente, influenciada pela interpretação subjectiva que a filha do Trabalhador tem da relação laboral deste e, ao ver o pai em sofrimento, confiando a mesma que o pai ora Trabalhador iria fazer a revisão total do seu texto.

38º Mas mesmo que assim não fosse, sempre seria num sentido metafórico que tal expressão teria de ser entendida, em que um trabalhador doente, com fome e medo da sua entidade empregadora que, sabendo da sua situação, lhe retira dinheiro do seu salário e que o quer despedir – como aliás, se vê! – se sente violentado no seu mais íntimo do seu ser…

39º Aliás, o afã da Arguente para despedir o Trabalhador é de tal ordem que a Empregadora, podendo ter solicitado explicações ao Trabalhador sobre o que pretendia dizer com o uso da expressão “extorquirem”, dando-lhe oportunidade de se explicar ou, no limite, retratar-se se fosse esse o caso, investiu na elaboração de um inquérito, processo disciplinar e elaboração de nota de culpa com intenção expressa de despedimento, não fosse perder o pretexto para se livrar do Trabalhador, afinal, o grande e único objectivo da Empregadora, conforme os justificados receios do Trabalhador.

40º O Trabalhador trabalha há catorze anos e sete meses anos na Arguente.

41º Durante mais de catorze anos ao serviço da Arguente, nunca o A. praticou qualquer infracção disciplinar, sendo detentor de um registo disciplinar imaculado.

42º Ao longo da sua carreira, o Trabalhador ora Respondente foi sempre promovido por progressão ou por mérito.

43º Todas as avaliações efectuadas ao Respondente foram sempre positivas, constituindo o mesmo um exemplo para os outros Trabalhadores no seio da Arguente.

44º O Respondente tem recebido prémios monetários pelo seu desempenho na Arguente ao longo dos anos de vigência do seu contrato de trabalho.

45º O Respondente é tido pelos seus colegas, sejam superiores hierárquicos, do mesmo nível ou subordinados, como sendo um profissional diligente, competente, dedicado à Arguente e muito respeitador de todos os que com ele trabalham.

46º O Respondente, para quem o conhece e com o mesmo trabalha ou trabalhou, sempre adoptou uma conduta profissional pelo respeito, bom senso e cordialidade no relacionamento com os outros.

47º Não raras as vezes, o Respondente realizou tarefas de outros trabalhadores que estavam exaustos ou com problemas pessoais e não estavam nas melhores condições para prestar trabalho, tudo no interesse daqueles e no interesse da Arguente, sacrificando-se em prol da Arguente.

48º O Respondente, para quem o conhece e com ele trabalha ou trabalhou, é considerado um trabalhador obediente, zeloso, diligente, leal e incapaz de actuar no sentido de prejudicar os interesses da Arguente, sendo conhecido por ser uma pessoa muito educada e conciliadora.

49º O Respondente gosta de trabalhar na Arguente e não tem qualquer outra fonte de rendimento que não o seu ordenado.

50º Ao perder o seu rendimento, o Trabalhador deixará de poder sustentar a sua família e cumprir com as obrigações que aceitou perante terceiros, designadamente, pagar a sua habitação, na expectativa legítima da manutenção do seu contrato de trabalho por tempo indeterminado ou seja, até à respectiva caducidade.

51º Em conclusão, o Respondente não violou nenhum dos deveres estipulados no art. 128º, nº1 do C.T., não se vislumbrando que a imputada e putativa infracção disciplinar pudesse, sequer, tornar impossível a subsistência da relação laboral.

52º Por outro lado, nunca o Respondente violou o disposto no Preâmbulo do Regulamento Interno da Empregadora – cujo teor e conteúdo desconhece - não sendo o facto imputado ao Respondente susceptível de ser subsumido à respectiva previsão daquela norma.

53º Em conclusão, não tendo o Respondente violado nenhum dos deveres previstos no art. 128º do Código do Trabalho, bem como quaisquer outras normas legais ou convencionais que regulamentam a sua relação laboral, não se vislumbra como poderá ter praticado qualquer infracção disciplinar ou sequer, o seu alegado comportamento, ser susceptível, por via da censura disciplinar, de fundamentar e justificar a aplicação de qualquer uma das sanções previstas no art. 328º do C.T. e, muito menos, ser considerado justa causa de despedimento nos termos e para os efeitos do disposto no art. 351º, nº1 e 2 do C.T.

54º Mas ainda que assim não fosse considerado, nunca ao Trabalhador poderia ser aplicada a sanção disciplinar do despedimento, sem qualquer indemnização ou compensação, porquanto tal sanção sempre violaria o Princípio da Proporcionalidade e Adequação da aplicação das sanções disciplinares no contexto da relação laboral do Trabalhador em que este se limitou a protestar perante um aspecto das suas condições de trabalho.

55º Mais. O Respondente não praticou qualquer conduta de natureza criminal, não estando sequer preenchidos os pressupostos dos elementos objectivos e subjectivos de qualquer dos tipos de crime previstos no Código Penal e cuja referência constituí mero expediente com vista a responsabilizar o Respondente por condutas que não foram praticadas por si e que nenhuma responsabilidade criminal são susceptíveis de gerar. Termos em que, deve o presente procedimento disciplinar ser de imediato arquivado, decidindo-se pela não aplicação de qualquer sanção ao Trabalhador. (…)».

11. No dia 30 de Março de 2016, o Instrutor do Procedimento Disciplinar elaborou a Nota Final relativa ao aludido procedimento, sendo o seguinte o seu teor:

«PROCESSO DISCIPLINAR INSTAURADO AO SENHOR AA NOTA FINAL

Encontra-se o presente processo disciplinar numa fase suficientemente adiantada de modo a permitir a emissão de um parecer no qual se proceda ao apuramento dos factos que, tendo sido imputados ao Arguido na Nota de Culpa, vieram a ser provados durante a instrução realizada, e em que se proceda à apreciação jurídica desses mesmos factos. Verifica-se que na instrução do processo foram respeitados todos os preceitos legais aplicáveis. Assim, foi elaborada Nota de Culpa contendo a descrição circunstanciada dos factos imputados ao Arguido, a qual a este foi notificada; a Arguido apresentou a sua resposta por escrito, sendo representado pelo seu ilustre mandatário, Exmo. Senhor Dr. EE. Solicitou o arguido que fossem ouvidas quatro testemunhas. No dia e hora marcados para a inquirição de testemunhas o ilustre mandatário do arguido prescindiu do depoimento de uma das testemunhas, senhor FF, tendo sido tomado o depoimento das outras três testemunhas arroladas. Foram juntos aos autos pela entidade patronal diversos documentos, dos quais alguns solicitados pelo arguido.

Assim, face aos elementos documentais e testemunhais constantes do processo disciplinar, consideram-se provados os seguintes factos:

1. O arguido foi contratado no dia 23 de Julho de 2001, tendo actualmente a categoria profissional de Chefe de Secção.

2. O arguido, no dia 02 de Dezembro de 2015, através de carta registada, dirigiu-‑se à entidade empregadora a solicitar esclarecimentos pelo facto de não ter recebido por transferência bancária determinadas quantias, às quais alegava ter direito.

3. A carta foi escrita ao computador pela filha do arguido.

4. O vocabulário que o arguido utilizou na carta que dirigiu à sua entidade empregadora, nomeadamente o verbo “Extorquir”, tem um significado muito grave.

5. Ao utilizá-lo, o arguido afirmou que a sua entidade patronal, (“rectius”, os seus responsáveis), “usurpou, roubou ou furtou”, as quantias que dizia ter direito a receber.

6. A entidade patronal sempre se mostrou disponível, compreensiva e ajudou o arguido a superar as suas dificuldades financeiras, sempre que este, das várias vezes que precisou, pediu auxílio à empresa para debelar dificuldades pessoais, nomeadamente financeiras.

7. No dia 09 de Outubro de 2003, o arguido solicitou à entidade patronal um empréstimo de € 3.750,00, que liquidou em vinte e uma prestações, pagas entre Outubro de 2003 e Setembro de 2005.

8. A 17 de Outubro de 2005, o arguido solicitou mais um empréstimo, no valor de € 12.500,00, o qual foi liquidado em 2010, ao longo de trinta e duas prestações mensais.

9. Ainda no decorrer deste empréstimo, mais concretamente no dia 09 de Junho de 2008, o arguido solicitou à sua entidade patronal, a quantia de € 20.000,00, à qual acresciam € 4.711,50, correspondentes ao valor ainda em dívida do empréstimo anterior.

10. O arguido ficou com um total em dívida para com a sua entidade patronal no valor de € 24.711,50.

11. O pagamento do último empréstimo foi interrompido três vezes, a pedido do arguido e alegando motivos pessoais.

12. O ECIGA mostrou-se sempre compreensivo para com as dificuldades financeiras do arguido, aceitando todos os pedidos de suspensão do pagamento previamente acordado para a liquidação do referido empréstimo, assim como a redução do valor das mesmas.

13. Em Agosto de 2014, o arguido iniciou uma baixa médica por doença natural e desde essa data e até Março de 2015, deixou de cumprir com o pagamento das prestações que acordara com a sua entidade patronal.

14. Desde essa data o arguido não entrou em contacto com o ECIGA para que fosse reduzido o montante da prestação mensal.

15. Em Abril e Novembro de 2015 o arguido tinha direito a receber duodécimos referentes aos subsídios de férias e de Natal do ano de 2014 e também férias não gozadas e subsídio de Natal.

16. O arguido desde Dezembro de 2014 não efectuou nenhum pagamento referente à dívida que tinha para com a sua entidade patronal, nem tão pouco entrou em contacto com a mesma, como sempre fizera quando era da sua conveniência.

17. Entendeu a entidade patronal reter ao arguido determinadas quantias, nomeadamente, nos meses de Abril e Novembro de 2015, para se ressarcir dos valores ainda em dívida, nos montantes, respectivamente, de € 1.162,22 e € 1.564,51 referentes aos subsídios mencionados em 15 supra.

18. Apesar destas retenções ainda está por liquidar a quantia de € 1.863,08.

19. O comportamento do arguido consubstancia um ilícito penal.

20. Não existem registos disciplinares anteriores na ficha do arguido.

21. Até à presente data, os prémios atribuídos ao arguido foram os seguintes: 2004 - € 700,00, 2005 - € 700,00, 2007 - € 1.000,00, 2008 - € 2.273,00, 2009 - € 1.000,00 2012 - € 1.000,00, 2013 - € 1.500,00, 2014 - € 1.600,00.

22. O arguido foi contratado com a categoria profissional de operador principal, tendo sido promovido, em 1 de Março de 2006, a Chefe de Secção.

Os factos que resultam provados foram sustentados, por um lado, pela própria carta que o arguido dirigiu à entidade patronal, pelos documentos juntos aos autos, pela resposta à nota de culpa e, quanto ao facto provado sob o número 3., pelo depoimento das testemunhas GG e HH. Por outro lado, e salvo o devido respeito, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo arguido, e à excepção do facto provado sob o número 3 supra, não acrescentam nada de especialmente relevante ao processo, não tendo o arguido, assim, logrado fazer a mínima contra prova. Aliás, e como as evidências assim o determinam, o próprio arguido acaba por não negar os actos que praticou, “maxime”, o ter assinado e feito enviar a referida carta. Apurados que estão os actos praticados pelo Arguido, importa agora proceder à sua qualificação jurídica.

Urge, pois, apreciar o grau de culpa, a gravidade e as consequências das condutas do arguido.

II Antes, porém, urge fazer um enquadramento da posição do arguido no seio da entidade patronal. A entidade patronal está organizada, como a generalidade das empresas, e ainda mais especificamente as do seu ramo de actividade, em termos dos seus recursos humanos, de forma bastante clara relativamente às hierarquias e respectivos reportes. O título de “Chefe”, qualquer Chefe, tem no seio da entidade patronal uma importância primordial. Na verdade, e desde logo, a todos os níveis de chefia, a entidade patronal remunera muito acima dos seus concorrentes no mercado, exigindo, assim, e especialmente a todos e cada um dos seus chefes, um elevado sentido de responsabilidade, lealdade, honestidade, profissionalismo, competência e liderança. Por outro lado, o arguido foi contratado com a categoria profissional de operador principal, tendo sido promovido, em 1 de Março de 2006 a Chefe de Secção, facto que, por si só, é bem demonstrativo na confiança que a entidade patronal depositou no arguido. Acresce que, na sequência de tal promoção, teve o arguido formação vária destinada especificamente para Chefes. Finalmente, no que a este enquadramento concerne, foi o arguido, sistematicamente, beneficiário de prémios anuais.

III É no âmbito deste enquadramento que terá de se decidir se, como prevê a lei, a gravidade e as consequências dos comportamentos ilícitos e culposos do arguido tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

Face a tudo o que se expôs em II supra, no que ao grau de culpa do arguido diz respeito, desnecessário se torna tecer grandes considerações. Na verdade, a arguido faz parte do quadro da empresa desde a abertura do Centro Comercial em Lisboa, tendo sido posteriormente promovido a chefe de secção. Sempre foi bem considerado e tratado no seio da empresa, como o demonstram os prémios que auferiu, a própria promoção e os empréstimos pessoais de quantias elevadas (e seus pedidos de interrupção de pagamento dos mesmos. Tal é por demais demonstrativo que confiou a entidade patronal no arguido, esperando, legitimamente, dele toda a lealdade e sentido de responsabilidade. Ora, tendo o arguido praticado todos os actos dados como provados com plena consciência e de livre vontade conclui-se, pois, que o arguido agiu com grave culpa. Aliás, o próprio arguido não nega ter praticado os actos de que vem acusado. Invoca, apenas, por um lado, que os mesmos não têm a gravidade que a entidade patronal diz terem e, por outro, tenta desresponsabilizar-se pela prática dos mesmos alegando que foi a sua filha quem escreveu a carta e que ele, ao assinar, não se deu conta das palavras constantes da mesma; alega, ainda, estar muito nervoso e com dores, dizendo mesmo que, à altura, não saberia o significado do verbo “extorquir”. Acresce que as pretensas “atenuantes” que o arguido aduz para justificar o seu acto são, só por si, elas próprias, demonstrativas de uma falta de responsabilidade e discernimento pouco consentâneas com a antiguidade do arguido na empresa e da sua própria idade. Não se compreende (nem é verosímil) que assine uma carta sem a ler e compreender bem o seu conteúdo, utilizando, inclusivamente uma ironia, que se dirá provocatória, ao escrever: “Gostaria de saber para que conta bancária efectuaram vossas Excelências, (visto que até à presente data, ainda não os consegui visualizar na minha conta) os valores que passo a citar: (…)”. Assim concluindo, necessário se torna agora graduar a gravidade das referidas violações e as suas consequências para, em consciência, poder ser aplicada a sanção disciplinar que se mostre mais adequada ao caso. O comportamento do arguido é gravemente reprovável, não devendo ser menosprezado nem deixado de ser relevado disciplinarmente o vocabulário que utilizou ao dirigir-se à sua entidade empregadora. A forma como o fez reflecte uma falta de respeito, bom senso, cordialidade e urbanidade para com o ECIGA, violando grosseiramente os deveres a que está obrigado por força do seu contrato de trabalho. Esta actuação do arguido viola a sua obrigação, com extrema gravidade, de lealdade, zelo e diligência, assim como as disposições constantes do art.º 128 nº 1, alínea a) do Código de Trabalho, assim como o Preâmbulo do Regulamento Interno da Empresa, onde a lealdade e a confiança depositada, assumem uma grande importância. Temos, pois que concluir, que a actuação do arguido foi gravíssima quer ao nível da falta de sentido de lealdade, responsabilidade, quer no âmbito de toda a filosofia da entidade patronal, violando grosseira e intensamente todos os deveres legais, convencionais e regulamentares.

IV Aqui chegados, e tendo concluído pelo forte grau de culpa e pela extrema gravidade das actuações do arguido, resta avaliar as respectivas consequências para aquilatar se, no caso concreto, será imediata e praticamente impossível manter a relação laboral. A resposta não pode deixar de ser, inequivocamente afirmativa. Na verdade, as actuações do arguido, violaram grosseiramente os seus deveres acima mencionados, tanto os constantes do Código do Trabalho como o Preâmbulo do Regulamento Interno da empresa, onde o respeito, bom senso, cordialidade e urbanidade assumem uma maior importância, difamando injustamente a sua entidade empregadora e respectivos responsáveis. Assim, não podem restar quaisquer dúvidas que a intensidade e todo o circunstancialismo das violações do arguido, demonstrando uma total ausência de consideração, respeito e de sentido de responsabilidade, acarretam para a entidade patronal uma total, irremediável e definitiva perda de confiança no arguido para o regular e normal desempenho das funções, responsabilidades e tarefas que lhe foram atribuídas. E, como é bom de ver, esta perca de confiança torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. A prática de tais violações é especialmente agravada pelo facto de o arguido ser chefe de secção. Tudo visto, ponderado e considerado, é patente e notório que as infracções praticadas pelo Arguido são, por todo o circunstancialismo descrito, de uma gravidade de tal forma intensa, e as suas consequências são de tal forma gravosas, que tornam absoluta e imediatamente impossível a manutenção do vínculo laboral, provocando, designadamente, e além do mais, uma definitiva e irremediável quebra de confiança no Arguido o que, nos termos do disposto no artigo 351.º, números 1, 2 alíneas a), e e) e 3 do Código do Trabalho, constitui justa causa para despedimento. Na verdade, a manutenção de tal vínculo representaria um distúrbio enorme na organização do serviço que a entidade patronal presta, um desrespeito e uma desautorização dos seus superiores hierárquicos e colegas, e um péssimo exemplo para os subordinados do arguido, pelo que se torna inexigível à entidade patronal que mantenha o vínculo laboral. Face ao exposto, e de acordo com o previsto no art.º 351, número 1 e 2 alínea a), c) e d) do Código do Trabalho, considera-se haver fundamento para o despedimento do arguido com justa causa. Assim, nos termos do disposto do art.º 328, número 1, alínea f) do Código de Trabalho, e nºs 1, alínea d), 2 e 3 da cláusula 57ª do CCT aplicável, somos de parecer que deverá o trabalhador ser despedido com justa causa sem qualquer indemnização ou compensação. (…)».

12. No dia 31 de Março de 2016, a entidade empregadora endereçou ao trabalhador a missiva constante de fls. 120, dos autos, recebida pelo trabalhador no dia 8 de Abril de 2016, sendo o seguinte o seu teor:

«(…) Exmo. Senhor No seguimento do processo disciplinar que instaurámos contra V. Exa., e em que foi instrutor o Exmo. Senhor Dr. DD (…) somos a informar que decidido aplicar-lhe a sanção de “Despedimento sem indemnização ou compensação”. Em cumprimento do disposto no n.º 6 do artigo 357.º do Código do Trabalho, remete-se em anexo parecer final e cópia da decisão fundamentada. (…)».

13. Com a missiva referida em I.12., foi remetido ao trabalhador o documento referido em I.11., bem como a decisão final proferida pela entidade empregadora, sendo o teor desta decisão final o seguinte:

«PROCESSO DISCIPLINAR INSTAURADO AO SENHOR AA DECISÃO FINAL

Em posse do processo disciplinar mandado instaurar ao trabalhador Senhor AA, visto este e analisado o respectivo parecer, verifica-se que:

I. Foram dados como provados os seguintes factos:

1. O arguido foi contratado no dia 23 de Julho de 2001, tendo actualmente a categoria profissional de Chefe de Secção.

2. O arguido, no dia 02 de Dezembro de 2015, através de carta registada, dirigiu-‑se à entidade empregadora a solicitar esclarecimentos pelo facto de não ter recebido por transferência bancária determinadas quantias, às quais alegava ter direito.

3. A carta foi escrita ao computador pela filha do arguido.

4. O vocabulário que o arguido utilizou na carta que dirigiu à sua entidade empregadora, nomeadamente o verbo “Extorquir”, tem um significado muito grave.

5. Ao utilizá-lo, o arguido afirmou que a sua entidade patronal, (“rectius”, os seus responsáveis), “usurpou, roubou ou furtou”, as quantias que dizia ter direito a receber.

6. A entidade patronal sempre se mostrou disponível, compreensiva e ajudou o arguido a superar as suas dificuldades financeiras, sempre que este, das várias vezes que precisou, pediu auxílio à empresa para debelar dificuldades pessoais, nomeadamente financeiras.

7. No dia 09 de Outubro de 2003, o arguido solicitou à entidade patronal um empréstimo de € 3.750,00, que liquidou em vinte e uma prestações, pagas entre Outubro de 2003 e Setembro de 2005.

8. A 17 de Outubro de 2005, o arguido solicitou mais um empréstimo, no valor de € 12.500,00, o qual foi liquidado em 2010, ao longo de trinta e duas prestações mensais.

9. Ainda no decorrer deste empréstimo, mais concretamente no dia 09 de Junho de 2008, o arguido solicitou à sua entidade patronal, a quantia de € 20.000,00, à qual acresciam € 4.711,50, correspondentes ao valor ainda em dívida do empréstimo anterior.

10. O arguido ficou com um total em dívida para com a sua entidade patronal no valor de € 24.711,50

11. O pagamento do último empréstimo foi interrompido três vezes, a pedido do arguido e alegando motivos pessoais.

12. O ECIGA mostrou-se sempre compreensivo para com as dificuldades financeiras do arguido, aceitando todos os pedidos de suspensão do pagamento previamente acordado para a liquidação do referido empréstimo, assim como a redução do valor das mesmas.

13. Em Agosto de 2014, o arguido iniciou uma baixa médica por doença natural e desde essa data e até Março de 2015, deixou de cumprir com o pagamento das prestações que acordara com a sua entidade patronal.

14. Desde essa data o arguido não entrou em contacto com o ECIGA para que fosse reduzido o montante da prestação mensal.

15. Em Abril e Novembro de 2015 o arguido tinha direito a receber duodécimos referentes aos subsídios de férias e de Natal do ano de 2014 e também férias não gozadas e subsídio de Natal.

16. O arguido desde Dezembro de 2014 não efectuou nenhum pagamento referente à dívida que tinha para com a sua entidade patronal, nem tão pouco entrou em contacto com a mesma, como sempre fizera quando era da sua conveniência.

17. Entendeu a entidade patronal reter ao arguido determinadas quantias, nomeadamente, nos meses de Abril e Novembro de 2015, para se ressarcir dos valores ainda em dívida, nos montantes, respectivamente, de € 1.162,22 e € 1.564,51 referentes aos subsídios mencionados em 15 supra.

18. Apesar destas retenções ainda está por liquidar a quantia de € 1.863,08.

19. O comportamento do arguido consubstancia um ilícito penal.

20. Não existem registos disciplinares anteriores na ficha do arguido.

21. Até à presente data, os prémios atribuídos ao arguido foram os seguintes:

22. 2004 - € 700,00, 2005 - € 700,00, 2007 - € 1.000,00, 2008 - € 2.273,00, 2009 - € 1.000,00, 2012 - € 1.000,00, 2013 - € 1.500,00, 2014 - € 1.600,00.

23. O arguido foi contratado com a categoria profissional de operador principal, tendo sido promovido, em 1 de Março de 2006, a Chefe de Secção

II. Face a esta matéria dada como provada cumpre agora decidir, no uso dos poderes que me advêm da minha qualidade de Director de Pessoal do BB S.A. Antes, porém, de se proceder a tal apreciação, urge realçar aqui, tal como o fez o instrutor do processo, o enquadramento de toda a filosofia da entidade patronal e o papel que as chefias, quaisquer chefias, desempenham no seu seio. A entidade patronal está organizada, como a generalidade das empresas, e ainda mais especificamente as do seu ramo de actividade, em termos dos seus recursos humanos, de forma bastante clara relativamente às hierarquias e respectivos reportes. O título de “Chefe”, qualquer Chefe, tem no seio da entidade patronal uma importância primordial. Na verdade, e desde logo, a todos os níveis de chefia, a entidade patronal remunera muito acima dos seus concorrentes no mercado, exigindo, assim, e especialmente a todos e cada um dos seus chefes, um elevado sentido de responsabilidade, lealdade, honestidade. Por outro lado, o que não se poderá considerar despiciendo, a entidade patronal reagiu, de imediato, à carta enviada pelo arguido por carta registada com aviso de recepção datada de 10 de Dezembro de 2015, carta essa que se encontra junta aos autos a fls. 4. Em tal comunicação, a empresa repudiou veementemente as acusações do arguido, mostrando-se indignada pela forma como aquele se dirigiu à sua entidade patronal. Uma vez que o arguido, nem por si nem pelo seu mandatário, consultaram o processo disciplinar, junta-se, agora, o teor de tal carta:

Exmo. Senhor AA Lisboa, 10 de Dezembro de 2015 Registada com aviso de recepção Ref.ª. – V/ carta dirigida à Direcção de Pessoal e recepcionada em 3 de Dezembro de 2015 Exmo. Senhor, Acusamos a recepção da V/ carta em referência. Após análise ao respectivo conteúdo, gostaríamos de informar V. Exa. que nada de irregular se nos afigura na actuação da empresa, cumprindo esta, sempre, as normas legais aplicáveis. Cumpre-nos ainda repudiar veementemente a forma como se dirige à sua entidade empregadora, plasmada na referida carta, facto do qual retiraremos a devidas ilações. Sendo, para já, tudo o que se nos oferece dizer de momento, subscrevemo-nos Atentamente Direcção de Pessoal, Ora, se o arguido se quisesse retractar e invocar o que, mais de um mês depois, veio a aduzir na sua resposta à nota de culpa, poderia, e dir-se-á, deveria tê-lo feito de imediato. Mas tal não fez, o que revela bem a atitude do arguido para com a sua entidade patronal. Na verdade, ao aperceber-se, pelo conteúdo de tal carta, que a entidade patronal, através dos seus responsáveis, tinha ficado inquestionavelmente indignada com o teor da mesma, o arguido nada fez, vindo depois, por intermédio do seu mandatário, na sua resposta à nota de culpa, tentar desresponsabilizar-se pelo conteúdo da mencionada carta. E nem aí, na resposta à nota de culpa, o arguido reconheceu a gravidade dos seus actos, nem, por qualquer forma demonstrou arrependimento da prática dos mesmos nem apresentou qualquer pedido de desculpas. Assim, é irrefutável ter o arguido violado os deveres constantes do disposto no art.º 128.º, nº 1, alínea a) do Código de Trabalho, assim como o Preâmbulo do Regulamento Interno da Empresa. Tais violações consubstanciam ilícitos laborais e criminais, cujo grau de culpa, gravidade e as consequências são muito elevados, levando-nos à conclusão de que os comportamentos do arguido tornam imediata e praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral. Na verdade, a manutenção de tal vínculo representaria um distúrbio enorme e um péssimo exemplo para os subordinados do arguido e demais trabalhadores da empresa. Assim, não podem restar quaisquer dúvidas que a intensidade e todo o circunstancialismo das violações do arguido, demonstrando uma total ausência de sentido de responsabilidade e lealdade, acarretam para a entidade patronal uma total, irremediável e definitiva perca de confiança no mesmo para o regular e normal desempenho das funções, responsabilidades e tarefas que lhe foram atribuídas. E, como é bom de ver, esta perca de confiança torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Por último, e sem necessidade de mais delongas, refuta-se o constante nos artigos 18º a 27º da resposta à Nota de Culpa

III Decisão Tudo visto, e concordando, globalmente, com o parecer do instrutor do processo, e que aqui dou por integralmente reproduzido para todos os efeitos, decido pelo despedimento, com justa causa, sem indemnização ou compensação, do trabalhador Senhor AA, com os fundamentos invocados, o qual produzirá os seus efeitos imediatamente. Lisboa, 30 de Março de 2016. Pelo BB S.A. O Director de Pessoal CC».

14. Datada de 2 de Dezembro de 2015, o trabalhador endereçou à entidade empregadora, que a recebeu, a missiva constante de fls. 50, dos autos, missiva essa cujo teor é o seguinte [sic]:

«Eu AA funcionário do BB com o número: ..., venho por este meio solicitar, que me esclareçam, a que título e o porquê de me extorquirem os valores que abaixo passo a descrever: Gostaria de saber para que conta bancária efectuaram vossas Excelências, (visto que até a presente data, ainda não os consegui visualizar na minha conta) os valores que passo a citar: O valor de 305,49 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Agosto de 2014. O valor de 130,59 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Outubro de 2014. O valor de 112,51 € líquidos, referentes ao período de 1 a 30 de Novembro de 2014. O valor de 138,07 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Janeiro de 2015. O valor de 125,07 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Março de 2015. O valor de 1.162,22 € líquidos, referentes às férias não gozadas de 2014 que me foram pagas no período de 1 a 30 de abril de 2015. O valor de 1.564,51 € líquidos, referentes ao subsídio de Natal de 2014 pagos no período de 1 a 30 de Novembro de 2015.

P.S. Nunca pus nenhum obstáculo até à data, a vossa conduta de me retirarem do meu vencimento um determinado valor, sabendo eu e também, vossas excelências que tal posicionamento da vossa parte constituía um grave atropelo a lei. Mas não posso deixar passar em claro que estando eu de baixa médica desde o dia 23 de Julho de 2014, sigam neste comportamento que põem em causa o meu sustento e o da minha família. Sem outro assunto de momento aguardo num prazo útil de 5 dias a vossa resposta. Atentamente AA».

15. No dia 10 de Dezembro de 2015, a entidade empregadora endereçou ao trabalhador a missiva constante de fls. 51, dos autos, por este recebida no dia 11 de Dezembro de 2015, sendo o seguinte o seu teor:

«(…) Ref.ª. – V/ carta dirigida à Direcção de Pessoal e recepcionada em 3 de Dezembro de 2015 Exmo. Senhor, Acusamos a recepção da V/ carta em referência. Após análise ao respectivo conteúdo, gostaríamos de informar V. Exa. que nada de irregular se nos afigura na actuação da empresa, cumprindo esta, sempre, as normas legais aplicáveis. Cumpre-nos ainda repudiar veementemente a forma como se dirige à sua entidade empregadora, plasmada na referida carta, facto do qual retiraremos as devidas ilações. Sendo, para já, tudo o que se nos oferece dizer de momento, subscrevemo-nos. Atentamente. (…)».

16. A missiva referida em I.14. foi escrita ao computador pela filha do trabalhador.

17. No dia 9 de Outubro de 2003, o trabalhador solicitou à entidade empregadora um empréstimo no valor de € 3.750,00, o qual lhe foi concedido e que liquidou entre Outubro de 2003 e Setembro de 2003.

18. No dia 17 de Outubro de 2005, o trabalhador solicitou à entidade empregadora um outro empréstimo, no valor de € 12.500,00, o qual lhe foi concedido e que liquidou entre Outubro de 2005 e Fevereiro de 2010.

19. Para os efeitos referidos em I.18., o trabalhador subscreveu o documento constante dos autos a fls. 58, datado de 17 de Outubro de 2005, sendo o seguinte o seu teor:

«Ao cuidado do Sr. Director dos Recursos Humanos Eu AA (…) venho por este meio solicitar que me seja concedido um empréstimo no valor de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros). A liquidação do mesmo seja efectuada mensalmente no valor de € 261 (duzentos e sessenta e um euros) durante os 48 meses subsequentes a data do empréstimo e sempre até ao dia 5 de cada mês (…)».

20. No dia 18 de Outubro de 2005, o trabalhador subscreveu o documento denominado “Declaração”, constante de fls. 59, dos autos, sendo o seguinte o seu teor:

 «(…) Eu, abaixo assinado, AA, (…) venho por este meio declarar, para todos os devidos e legais efeitos que recebi nesta data do BB, S.A., a meu pedido e no meu único e exclusivo interesse, a título de empréstimo, a quantia de € 12.5000 (Doze Mil e Quinhentos Euros), pelo que expressamente reconheço que devo aquele montante à referida empresa. Mais declaro inequívoca e expressamente que autorizo o BB, S.A. a descontar na minha remuneração mensal desde Novembro de 2005, e até que a totalidade da dívida esteja paga, a quantia de € 261 (Duzentos e Sessenta e Um Euros). Caso o meu vínculo laboral com o BB cesse, seja por que motivo for, antes de estar liquidada a totalidade da dívida, comprometo-me a, contemporaneamente ao fecho das contas finais devidas por essa cessação, pagar o montante ainda devido, podendo o mesmo, total ou parcialmente, consoante o caso, ser feito por compensação.

Esta declaração é feita livremente e corresponde totalmente à verdade da declarante, pelo que a vai assinar. (…)».

21. No dia 9 de Junho de 2008, o trabalhador solicitou à entidade empregadora um outro empréstimo, no valor de € 20.000,00, o qual lhe foi concedido.

22. Para os efeitos referidos em I.21., o trabalhador subscreveu o documento constante de fls. 62, dos autos, endereçado à Direcção dos Recursos Humanos, Dr. CC, sendo o teor do mesmo o seguinte:

«(…) Eu AA (…) venho por este meio solicitar que me seja concedido um empréstimo no valor de vinte mil euros, acrescido aos € 4.711,50 já existentes, no qual me comprometo desde já a pagar no prazo máximo de 60 meses, transferindo para a vossa conta o montante de € 412 por mês. (…)».

23. No dia 9 de Junho de 2008, o trabalhador subscreveu o documento denominado “Declaração”, constante de fls. 63, dos autos, sendo o seguinte o seu teor:

«(…) Eu, abaixo assinado, AA, (…) venho por este meio declarar, para todos os devidos e legais efeitos que recebi nesta data do BB, S.A., a meu pedido e no meu único e exclusivo interesse, a título de empréstimo, a quantia de € 20.000 (Vinte Mil Euros), que acresce aos € 4.711,50 ainda em dívida à data de hoje, num total de 24.711,50, pelo que expressamente reconheço que devo aquele montante à referida empresa.

Mais declaro inequívoca e expressamente que autorizo o BB, S.A. a descontar na minha remuneração mensal, e até que a totalidade da dívida esteja paga, a quantia de € 412 (Quatrocentos e Doze Euros).

Caso o meu vínculo laboral com o BB cesse, seja por que motivo for, antes de estar liquidada a totalidade da dívida, comprometo-me a, contemporaneamente ao fecho das contas finais devidas por essa cessação, pagar o montante ainda devido, podendo o mesmo, total ou parcialmente, consoante o caso, ser feito por compensação. Esta declaração é feita livremente e corresponde totalmente à verdade da declarante, pelo que a vai assinar. (…)».

24. No dia 15 de Novembro 2011, o trabalhador subscreveu o documento de fls. 66, dos autos, sendo o seguinte o seu teor:

«(…) Eu AA (…) venho (…) solicitar que se possível não me sejam descontadas as mensalidades de Novembro e Dezembro relativamente ao empréstimo concedido, por motivos pessoais. (…).

25. No dia 13 de Agosto de 2012, o trabalhador subscreveu o documento de fls. 68, dos autos, ao cuidado do Ex. Sr. Director de Recursos Humanos, Dr. CC, sendo o seguinte o seu teor:

 «(…) Venho por este meio solicitar que não me sejam descontadas as prestações dos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro relativas ao meu empréstimo que mantenho com o BB, a fim de poder pagar uma dívida que mantenho com uma instituição. (…)».

26. No dia 12 de Julho de 2013, o trabalhador subscreveu o documento de fls. 69, dos autos, sendo o seguinte o seu teor:

«(…) Eu AA (…) venho por este meio solicitar que não me sejam descontadas as mensalidades da minha dívida para com o BB relativamente aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro a fim de poder liquidar um dívida externa. (…)».

27. A entidade empregadora acedeu aos pedidos do trabalhador referidos em I.24. e I.25., sendo que, em relação ao pedido referido em I.26. apenas acedeu em não proceder ao desconto na proporção de metade.

28. A partir da data referida em I.3. – Agosto de 2014 – o trabalhador não contactou com a entidade empregadora a fim de com a mesma conversar acerca do empréstimo concedido e que não estava a ser pago.

29. Em Abril e Novembro de 2015, o trabalhador tinha direito a receber duodécimos referentes aos subsídios de férias e de Natal do ano de 2014 e também férias não gozadas e subsídio de Natal.

30. O trabalhador, desde Dezembro de 2014 não efectuou nenhum pagamento referente à dívida que tinha para com a sua entidade empregadora, nem entrou em contacto com a mesma.

31. A entidade empregadora entendeu então ser de reter ao trabalhador determinadas quantias, nomeadamente, nos meses de Abril e Novembro de 2015, para se ressarcir dos valores ainda em dívida, nos montantes, respectivamente, de € 1.162,22 e € 1.564, 51, referentes aos subsídios mencionados em I.29.

32. Não existem registos disciplinares anteriores na ficha do trabalhador.

33. Até à presente data, a entidade empregadora atribuiu ao trabalhador os seguintes prémios: a) 2004 - € 700,00. b) 2005 - € 700,00. c) 2007 - € 1.000,00. d) 2008 - € 2.273,00. e) 2009 - € 1.000,00. f) 2012 - € 1.000.00. g) 2013 - € 1.500,00. h) 2014 - € 1.600,00.

34. Na entidade empregadora as funções de chefia pressupõem que quem as exerça seja um exemplo para os trabalhadores hierarquicamente inferiores.

35. O trabalhador não se retractou, junto da sua entidade empregadora, pelo teor da missiva referida em I.14.

36. A entidade empregadora ministrou ao trabalhador formação intensa e exaustiva, sendo o mesmo conhecedor da filosofia ali imperante, que se pauta, entre outros, pelos valores da responsabilidade e da confiança que a entidade empregadora deposita nos seus trabalhadores, designadamente os que exercem funções de chefia.

37. Em 2010, aquando do regresso do trabalhador após um período de baixa, a entidade empregadora transferiu-o para outra secção, passando de chefia da secção das frutas e das verduras para a secção dos produtos lácteos e congelados.

38. Até 2011, o trabalhador beneficiou, atendendo à sua categoria profissional, de estacionamento gratuito nas garagens da entidade empregadora. A partir de então, e como vários trabalhadores solicitassem, também, a possibilidade de aceder ao estacionamento nas garagens da entidade empregadora, foi decidido que, quer para estes quer para os trabalhadores que já beneficiavam do referido estacionamento, o mesmo estaria condicionado à aquisição de bens no supermercado da entidade empregadora, sendo que o valor da aquisição ia desde € 30,00 a € 200,00 mensais, de acordo com o escalão remuneratório de cada trabalhador, sendo que o trabalhador estava incluído neste último. Os trabalhadores foram esclarecidos e foi redigido um contrato de utilização do parque.

39. No ano de 2015, o trabalhador, devido a investimentos que efectuara na aquisição de uma casa e de um carro, enfrentava graves dificuldades económicas, sendo que a sua esposa tinha um trabalho precário e ambos tinham a cargo quatro filhos.

40. Na entidade empregadora, existem progressões automáticas e por mérito, sendo que o trabalhador foi promovido a chefe de secção de frutas e legumes em razão do seu mérito e da sua experiência e, também, por ter sido indicado pela sua anterior chefia.

41. As avaliações efectuadas ao trabalhador foram sempre globalmente positivas.

42. O trabalhador, ao longo da sua relação laboral com a entidade empregadora, manteve, por regra, um relacionamento educado, respeitoso e cordial com colegas de trabalho, subordinados e superiores hierárquicos.

43. O trabalhador, ao longo da sua relação laboral com a entidade empregadora, foi sempre um profissional diligente, zeloso, competente e dedicado, pronto a ajudar sempre que necessário, tendo, designadamente, substituído chefias noutros supermercados da entidade empregadora, na ausência destes.

44. O trabalhador gostava de trabalhar na entidade empregadora.

45. A entidade empregadora não apresentou queixa-crime contra o trabalhador por força da missiva referida em I.14.”

4.2 - O DIREITO

Vejamos então se os factos provados praticados pelo A. constituem justa causa para o despedimento, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas a questão suscitada ([3]).

Nos termos do art. 351º, nº 1 do Código do Trabalho (diploma a que se reportarão todos os preceitos doravante referidos sem indicação de outra fonte) constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».

A justa causa de despedimento (conceito indeterminado) é assim, integrada pelos seguintes requisitos cumulativos:

“- um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjectivo da justa causa);

- a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objectivo da justa causa);

 - a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador” ([4]).

Não basta pois que se verifique um comportamento culposo e ilícito do trabalhador, sendo ainda necessário que esse comportamento tenha como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral.

A impossibilidade da subsistência da relação de trabalho constitui assim, “uma limitação ao exercício do direito de resolução do contrato de trabalho na sequência do princípio, constante do art. 808º do CC, de a resolução de qualquer contrato depender da perda de interesse por parte do lesado (no caso o empregador), determinada objectivamente…

Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objectivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo. Como o comportamento culposo do trabalhador tanto pode advir da violação de deveres principais como de deveres acessórios, importa, em qualquer caso, apreciar a gravidade do incumprimento, ponderando a viabilidade de a relação laboral poder subsistir.” ([5]).

“A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma” ([6]).

A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho, “equivalente à inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo” ([7]), para além de ter que ser imediata, deve ser aferida, não em termos de impossibilidade objetiva, mas de inexigibilidade para a outra parte da manutenção daquele vínculo laboral em concreto ([8]), considerando “o entendimento de um bonus pater familias, de um empregador razoável” ([9]).

“É que a inexigibilidade – envolvendo, como assinalou Bernardo Xavier, «um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho» - surge apontada ao suporte psicológico do vínculo. O que ela significa – o que significa a referência legal é «impossibilidade prática» da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Nas circunstâncias, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador” ([10]).

A R. despediu o A. pelo facto deste, quando se encontrava de baixa médica desde agosto de 2014 (e que se manteve até maio de 2016 – nº 3 dos factos provados) lhe ter endereçado a missiva constante de fls. 50, dos autos datada de 2 de dezembro de 2015, do seguinte teor [sic]:

«Eu AA funcionário do BB com o número: ..., venho por este meio solicitar, que me esclareçam, a que título e o porquê de me extorquirem os valores que abaixo passo a descrever: Gostaria de saber para que conta bancária efectuaram vossas Excelências, (visto que até a presente data, ainda não os consegui visualizar na minha conta) os valores que passo a citar: O valor de 305,49 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Agosto de 2014. O valor de 130,59 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Outubro de 2014. O valor de 112,51 € líquidos, referentes ao período de 1 a 30 de Novembro de 2014. O valor de 138,07 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Janeiro de 2015. O valor de 125,07 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Março de 2015. O valor de 1.162,22 € líquidos, referentes às férias não gozadas de 2014 que me foram pagas no período de 1 a 30 de abril de 2015. O valor de 1.564,51 € líquidos, referentes ao subsídio de Natal de 2014 pagos no período de 1 a 30 de Novembro de 2015.

P.S. Nunca pus nenhum obstáculo até à data, a vossa conduta de me retirarem do meu vencimento um determinado valor, sabendo eu e também, vossas excelências que tal posicionamento da vossa parte constituía um grave atropelo a lei. Mas não posso deixar passar em claro que estando eu de baixa médica desde o dia 23 de Julho de 2014, sigam neste comportamento que põem em causa o meu sustento e o da minha família. Sem outro assunto de momento aguardo num prazo útil de 5 dias a vossa resposta. Atentamente AA» (nº 14 dos factos provados).

Os referidos montantes de € 1.162,22 e € 1.564,51 foram deduzidos pela R. aos duodécimos referentes aos subsídios de férias e de Natal do ano de 2014 e também às férias não gozadas e ao subsídio de Natal a que o A. tinha direito, e a R. reteve-os para se ressarcir dos valores ainda em dívida decorrentes de diversos empréstimos que o A. lhe havia solicitado e ainda não totalmente liquidados (nºs 17, 18, 21, 22, 29 e 31 dos factos provados) ([11]).

Para pagamento daqueles empréstimos o A. autorizara, em 17 e 18 de outubro de 2005, a dedução mensal na sua retribuição do montante de € 261,00 (nº 19 dos factos provados) e em 9 de junho de 2008, a dedução mensal na retribuição do montante de € 412,00 (nºs 22 e 23 dos factos provados).

Em 15 de novembro de 2011, o A. solicitou à R. que não efetuasse qualquer dedução nas retribuições de novembro e dezembro desse ano (nº 24 dos factos provados), pedido que reiterou no dia 13 de agosto de 2012 relativamente às retribuições dos meses de agosto a dezembro de 2012 (nº 25 dos factos provados). Em 12 de julho de 2013, solicitou que não fosse efetuado qualquer desconto nas retribuições dos meses de julho a outubro (nº 26 dos factos provados). A R. atendeu integralmente os dois primeiros pedidos mas, relativamente ao terceiro, apenas na proporção de metade (nº 27 dos factos provados).

A partir de agosto de 2014, data em que entrou de baixa médica e que se manteve até maio de 2016, o A. não contactou com a R. a fim de com a mesma conversar acerca do empréstimo concedido e que não estava a ser pago. Considerou a R. que, com o teor desta missiva nomeadamente com a utilização do termo “extorquirem” e da expressão “grave atropelo a lei”, o A. violou os deveres de “lealdade, zelo e diligência, assim como as disposições constantes do art.º 128 nº 1, alínea a) do Código de Trabalho, assim como o Preâmbulo do Regulamento Interno da Empresa”, para mais tendo em conta que as deduções se destinavam à liquidação dos referidos empréstimos que, desde agosto de 2014, não estavam a ser pagos, e para cujo pagamento o A. autorizara que fossem efetuadas deduções mensais nas retribuições.

A 1ª instância concluiu pela licitude do despedimento tendo considerado que «a natureza das expressões empregues na missiva enviada à entidade empregadora – com a utilização da expressão «extorquirem», com toda a carga negativa que, indiscutivelmente, lhe está associada – a par da imputação da violação da lei – quando bem sabia o trabalhador que, para efeito do empréstimo solicitado, havia assinado declaração consentindo a dedução de valores em ordem à sua amortização e que, de qualquer modo, a lei consente descontos na retribuição em situações como a presente [cfr., o art. 279.º, n.º 2, al. d)] – assumem-se como claramente violadoras daquele dever [de respeito] ao que acresce um sentimento de profundo repúdio pelo comportamento adoptado pelo trabalhador, sobretudo ponderando todo o contexto que antecedeu o envio da missiva e mesmo o contexto subsequente.»

Revogando a sentença da primeira instância, entendeu a Relação que a «conduta do autor, embora, obviamente, passível de sanção disciplinar, não assume tamanha gravidade que coloque irremediavelmente em causa a continuidade do vínculo laboral. Ao caso caberia, antes, sanção disciplinar conservatória, à luz do princípio da proporcionalidade na aplicação de sanções (art.º 330.º, do Código do Trabalho)».

E fê-lo com os seguintes fundamentos:

«[…] Mas… será legítimo concluir que a expressão “extorquir” empregue pelo trabalhador na mencionada carta, assume (objectivamente) a gravidade indicada pela empresa, a pontos de colocar irremediavelmente em causa a relação de trabalho existente entre as partes?

Afigura-se-nos que não, como se tentará demonstrar de seguida.

Da referira carta, resultam os seguintes aspectos:

Em primeiro lugar, o que trabalhador pretende da ré é que esta esclareça a razão de lhe ter retirado dos valores que refere; dizendo, para o efeito, “venho por este meio solicitar me esclareçam a que título e porquê (…); ”Gostaria de saber para que conta bancária efectuaram vossas Excelências (…)”.

Em segundo, a dita missiva traduz-se, num veemente protesto por lhe terem sido debitadas as ditas verbas, que no dizer do trabalhador põem em causa a sua subsistência e a do seu agregado familiar, sendo nesse contexto que foi utilizada a expressão extorquir, como resulta do teor daquela missiva onde se refere que “me esclareçam a que título e o porquê de me extorquirem os valores que passo a descrever…”;  “ (…) não posso deixar em claro que sigam neste comportamento que põem em causa  o meu sustento e o da minha família”.

Por último, na dita carta o trabalhador manifesta a opinião de que o facto de a ré lhe ter tirado do vencimento os ditos valores contraria a lei, “um grave atropelo à lei”, reiterando perante aquela a sua situação de impossibilidade para o trabalho, ao referir que se encontra de “baixa médica desde o dia 23 de Julho de 2014”.

Em parte alguma da carta o trabalhador imputa a ré a prática de qualquer ilícito penal, nem demonstra pretender fazer qualquer denúncia ou queixa contra o comportamento daquela, iniciando e finalizando a dita carta em termos correctos a nível formal (“Vossas Excelências”; “Atentamente”).

Para além disso, a expressão extorquir traduz, em termos correntes, a ideia de “retirar”, “arrebatar”, “tomar”, não sendo comum[m]ente utilizada com o seu significado técnico-jurídico que a ré imputa ao autor, nem existindo elementos nos autos que nos permitam afirmar ter sido essa a sua intenção ao utilizá-la.

Desta feita, considerando que a carta foi escrita pela filha do autor, e que este se encontrava sem trabalhar por estar de baixa há largo tempo, tanto no plano objectivo como no subjectivo, pode concluir-se que a aludida expressão extorquir não foi usada com o propósito atribuir à ré a prática de qualquer ilícito penal.

É certo que tal expressão traduz-se numa incorrecção perante o empregador, à luz dos apontados deveres de respeito de urbanidade que o trabalhador deve observar na relação laboral. Mas, como se disse, encontrando-se o trabalhador de baixa médica há largos meses, tendo várias dívidas para saldar, entre as quais as decorrentes de empréstimos concedidos pela ré, à luz dos apontados critérios, a carta com aqueles dizeres, traduz, da parte do trabalhador, sobretudo, uma manifestação de revolta (ou até de desespero), perante a situação da retirada daquelas verbas que o colocavam certamente numa situação muito difícil em termos de sobrevivência.»

Analisemos então os factos provados.

Está provado que o A. fora admitido ao serviço da R. em 23 de julho de 2001 e vinha exercendo desde 1 de março de 2006 as funções de Chefe de Secção (nº 1 dos factos provados).

Em 17 de outubro de 2005, o A. solicitou à R. um empréstimo no montante de € 12.500,00, para cujo pagamento autorizou a dedução mensal na retribuição da quantia de € 261,00 (nº 18, 19 e 20 dos factos provados), do qual, em 9 de junho de 2008, faltava liquidar a quantia de € 4.711,50 (nº 22 dos factos provados).

Em 9 de junho de 2008, solicitou à R. um outro empréstimo, no valor de € 20.000,00, para cujo pagamento e dos referidos € 4.711,50 ainda em dívida, autorizou a dedução mensal, na sua retribuição, do montante de € 412,00.

Em 15 de novembro de 2011, o A. solicitou à R. que não efetuasse qualquer dedução nas retribuições de novembro e dezembro desse ano (nº 24 dos factos provados), pedido que reiterou no dia 13 de agosto de 2012 relativamente às retribuições dos meses de agosto a dezembro de 2012 (nº 25 dos factos provados). Em 12 de julho de 2013, solicitou que não fosse efetuado qualquer desconto nas retribuições dos meses de julho a outubro (nº 26 dos factos provados). A R. atendeu integralmente os dois primeiros pedidos mas, relativamente ao terceiro, apenas na proporção de metade (nº 27 dos factos provados).

O A., em agosto de 2014, entrou de baixa médica, que se manteve até maio de 2016 (nº 3 dos factos provados).

Desde dezembro de 2014, o A. não efetuou nenhum pagamento referente à dívida que tinha para com a R., nem entrou em contacto com a mesma a fim de conversar acerca do empréstimo concedido e que não estava a ser pago (nºs 28 e 30 dos factos provados).

Em abril e novembro de 2015, o trabalhador tinha direito a receber duodécimos referentes aos subsídios de férias e de Natal do ano de 2014 e também férias não gozadas e subsídio de Natal. A R. entendeu então ser de reter ao trabalhador determinadas quantias, nomeadamente, nos meses de Abril e Novembro de 2015, para se ressarcir dos valores ainda em dívida, nos montantes, respetivamente, de € 1.162,22 e de € 1.564, 51, referentes aos mencionados subsídios (nºs 29 e 31 dos factos provados).

No ano de 2015, o A., devido a investimentos que efetuara na aquisição de uma casa e de um carro, enfrentava graves dificuldades económicas, sendo que a sua esposa tinha um trabalho precário e ambos tinham a cargo quatro filhos (nº 39 dos factos provados).

Face às retenções referidas, o A. remeteu à R. a missiva datada de 2 de dezembro de 2015, que fora escrita ao computador pela sua filha ([12]), do seguinte teor [sic]:

«Eu AA funcionário do BB com o número: ..., venho por este meio solicitar, que me esclareçam, a que título e o porquê de me extorquirem os valores que abaixo passo a descrever: Gostaria de saber para que conta bancária efectuaram vossas Excelências, (visto que até a presente data, ainda não os consegui visualizar na minha conta) os valores que passo a citar: O valor de 305,49 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Agosto de 2014. O valor de 130,59 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Outubro de 2014. O valor de 112,51 € líquidos, referentes ao período de 1 a 30 de Novembro de 2014. O valor de 138,07 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Janeiro de 2015. O valor de 125,07 € líquidos, referentes ao período de 1 a 31 de Março de 2015. O valor de 1.162,22 € líquidos, referentes às férias não gozadas de 2014 que me foram pagas no período de 1 a 30 de abril de 2015. O valor de 1.564,51 € líquidos, referentes ao subsídio de Natal de 2014 pagos no período de 1 a 30 de Novembro de 2015.

P.S. Nunca pus nenhum obstáculo até à data, a vossa conduta de me retirarem do meu vencimento um determinado valor, sabendo eu e também, vossas excelências que tal posicionamento da vossa parte constituía um grave atropelo a lei. Mas não posso deixar passar em claro que estando eu de baixa médica desde o dia 23 de Julho de 2014, sigam neste comportamento que põem em causa o meu sustento e o da minha família. Sem outro assunto de momento aguardo num prazo útil de 5 dias a vossa resposta. Atentamente AA».

O verbo extorquir significa “tirar, obter pela força, pela violência ou ameaça; conseguir por meio de tortura; roubar; arrancar([13]).

Acresce que, para além da utilização deste verbo, o A. referiu ainda que tanto ele como a R. sabiam que a dedução dos referidos montantes “constituía um grave atropelo a lei”.

Por outro lado, não pode olvidar-se que estava em causa a amortização de empréstimos feitos pela R. ao A., que este já não amortizava desde dezembro de 2014, ou seja, há quase 1 ano, e que havia autorizado a Ré a deduzir o montante de € 412,00 por mês na sua retribuição.

Consequentemente, ao reter aquelas quantias, a R. atuou com a anuência anteriormente expressa pelo A., sendo certo que não constitui objeto do processo a legalidade de tal dedução.

E também não oferece qualquer dúvida sobre a culpa do A., não só porque havia autorizado as deduções na retribuição, e ainda assim imputou à R. “um grave atropelo a lei”, mas também porque o verbo utilizado, nas circunstâncias em que o foi e com o significado que tem, é ofensivo em si mesmo.

As aludidas expressões utilizadas pelo A. são desrespeitosas para a R., enquanto sua entidade empregadora e, na medida em que são violadoras do dever de respeito ínsito no art. 128º, nº 1, al. a), conferem à R. o direito de punir disciplinarmente o A., nos termos do disposto no art. 328º.

Na valoração disciplinar para efeitos sancionatórios, importa não olvidar que o despedimento não é a única das sanções. Sendo a mais grave, deve ser aplicada apenas quando nenhuma das outras for adequada, tendo em conta a gravidade e/ou as consequências do comportamento culposo do trabalhador, sob o enfoque da inexigibilidade para a entidade empregadora da manutenção da relação de trabalho.

Como estabelece o art. 330º, nº 1, “[a] sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do trabalhador…”.

Alega a recorrente que “deve atender-se, no quadro de gestão da empresa (que, como ficou provado, é rigorosa no aspecto disciplinar e muito exigente em relação a quem, no seu seio, ocupa cargos de Chefia), ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes (...) e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.

É certo que, como estabelece o art. 351º, nº 3, “[n]a apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes… e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.

Ora, pese embora a recorrente refira ser “rigorosa no aspecto disciplinar e muito exigente em relação a quem, no seu seio, ocupa cargos de Chefia”, o certo é que nada disso consta nos factos provados ou, sequer, deles resulta, apenas vindo provado que “na entidade empregadora as funções de chefia pressupõem que quem as exerça seja um exemplo para os trabalhadores hierarquicamente inferiores” (nº 34 dos factos provados), e que o A., mercê da “intensa e exaustiva” formação ministrada pela R., era “conhecedor da filosofia ali imperante, que se pauta, entre outros, pelos valores da responsabilidade e da confiança que a entidade empregadora deposita nos seus trabalhadores, designadamente os que exercem funções de chefia”.

Na aferição da adequação da sanção de despedimento aplicada pela R., importa também ter em consideração que o A. nunca fora sancionado disciplinarmente (nº 32 dos factos provados); que as avaliações efetuadas foram sempre globalmente positivas (nº 41 dos factos provados); que ao longo da relação laboral o A. manteve, por regra, um relacionamento educado, respeitoso e cordial com colegas de trabalho, subordinados e superiores hierárquicos (nº 42 dos factos provados); que foi sempre um profissional diligente, zeloso, competente e dedicado, pronto a ajudar sempre que necessário, tendo, designadamente, substituído chefias noutros supermercados da entidade empregadora, na ausência destes (nº 43 dos factos provados); que foi promovido a chefe de secção de frutas e legumes em razão do seu mérito e da sua experiência e, também, por ter sido indicado pela sua anterior chefia (nº 40 dos factos provados).

Há ainda a considerar que, no ano de 2015, o A., devido a investimentos que efetuara na aquisição de uma casa e de um carro, enfrentava graves dificuldades económicas, sendo que a sua esposa tinha um trabalho precário e ambos tinham a cargo quatro filhos (nº 39 dos factos provados), situação que reportou à R. na missiva em causa nestes autos, nos seguintes termos: “P.S. Nunca pus nenhum obstáculo até à data, a vossa conduta de me retirarem do meu vencimento um determinado valor, sabendo eu e também, vossas excelências que tal posicionamento da vossa parte constituía um grave atropelo a lei. Mas não posso deixar passar em claro que estando eu de baixa médica desde o dia 23 de Julho de 2014, sigam neste comportamento que põem em causa o meu sustento e o da minha família.”

De referir ainda que se tratou de uma carta endereçada à R., desconhecendo-se se chegou ao conhecimento de outros trabalhadores.

Há que atender, por fim, ao facto de que o A. autorizara a dedução de € 412,00, por mês na sua retribuição, mas que a R. reteve, nos meses de Abril e Novembro de 2015, determinadas quantias, e nos subsídios de férias e de Natal do ano de 2014, os montantes de € 1.162,22 e € 1.564,51.

Perspetivados os atos praticados pelo A. sob os enfoques consignados nos arts. 128º, nº 1, al. a), 328º, 330º, nº 1 e 351º, nºs 1 e 3, e sopesando o quadro fatual provado e as circunstâncias em que ocorreram, impõe-se a conclusão de que as expressões utilizadas na missiva, constituindo embora infração disciplinar, não se revestem de gravidade suscetível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, condição sine qua non para constituir justa causa de despedimento.

Termos em que, concluímos, não merecer censura o acórdão recorrido.

DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista.

2 – Confirmar o acórdão recorrido.

3 – Condenar a Ré nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                            Lisboa, 6 de Junho de 2018

(Ribeiro Cardoso)

(Ferreira Pinto)

(Chambel Mourisco)



PROC.







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[1] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[4] Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6ª edição, 2016, pág. 804.
[5] Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2015, 3ª edição, págs. 427 e 428.
[6] Ac. do STJ de 28.01.2016, proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1 (Leones Dantas).
[7] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 514.
[8] Neste sentido Maria do Rosário Palma Ramalho, in ob. cit. págs. 807.
[9] Ac. do STJ de 5.01.2012, proc. 3937/04.4TTLSB.L1.S1 (Sampaio Gomes).
[10] António Monteiro Fernandes, in ob. cit. pág. 519.
[11] De acordo com os factos provados, apenas o empréstimo solicitado em 9 de outubro de 2003 havia sido totalmente liquidado.

[12] Nas conclusões F e XX a recorrente refere não se ter provado que a carta em causa tenha sido escrita pela filha. Ora, no nº 16 dos factos provados consta que “a missiva… foi escrita ao computador pela filha do trabalhador”, facto que também a R. considerou provado no procedimento disciplinar. O que se infere das alegações é que, na sua tese, o que se provou foi ter sido a filha do A. que praticou o ato material da escrita no computador mas não que fosse a sua autora.

[13] In Dicionário Universal Língua Portuguesa, Texto Editora.