Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL INCAPACIDADE GERAL DE GANHO DANOS PATRIMONIAIS DANOS FUTUROS DANOS MORAIS INDEMNIZAÇÃO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO JUROS DE MORA RECURSO | ||
| Nº do Documento: | SJ200509220024707 | ||
| Data do Acordão: | 09/22/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 141/05 | ||
| Data: | 02/15/2005 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Sumário : | 1. A afectação da pessoa do ponto de vista funcional na envolvência do que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial, independentemente da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial. 2. As fórmulas financeiras utilizadas na determinação do quantum indemnizatório por danos patrimoniais futuros apenas relevam como meros elementos instrumentais, no quadro da formulação de juízos de equidade, face aos elementos de facto provados. 3. Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico por ele experimentado, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade. 4. É adequada a indemnização no montante de € 30.000 ao lesado que, na altura do acidente auferia, com a categoria de técnico de manutenção principiante, € 304,71 mensais, e foi afectado de incapacidade genérica permanente de 35%, compatível com o exercício da sua profissão, e que, ao tempo da alta clínica, tinha cerca de 19 anos de idade. 5. É adequada a compensação por danos não patrimoniais no montante de € 30.000 ao lesado que sentiu susto, angústia e receio pela própria vida na iminência do embate e que por via dele sofreu ferida com aparente afundamento frontal, hemorragia, traumatismo craniano, perda da consciência, pontual impossibilidade de falar, trinta e um dias de hospitalização, alimentação por sonda, pluralidade de tratamentos, utilização de fralda, perturbação da visão, insensibilidade, inconsciência, perda do olfacto, dores na cabeça e na coluna, epilepsia controlável por via de medicação, tristeza, apatia, sisudez, tendência para o isolamento, irascibilidade, receio de novas crises de epilepsia e cicatrizes a nível frontal, duas delas ostensivas, uma com afundamento frontal, 6. Com vista à determinação da data do início da contagem dos juros moratórios, tendo em conta o acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio, no recurso de revista, não pode alterada no recurso de revista a declaração da Relação de que actualizara os montantes indemnizatórios à data da prolação do acórdão recorrido. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "A" intentou, no dia 29 de Dezembro de 2000, contra B -Companhia de Seguros SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 18.404.331$00 e juros moratórios à taxa legal desde a citação, por danos patrimoniais e não patrimoniais, e, quanto aos ainda não determináveis, o que viesse a liquidar-se ulteriormente, invocando lesões sofridas no acidente de viação ocorrido no dia 31 de Março de 1999 na Parada de Todeia, Parede, com o veículo automóvel matriculado sob o nº JJ, conduzido por C, a este imputável, e no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre a última e D, Ldª. A ré, contestação, afirmou desconhecer os danos invocados pelo autor e a sua extensão, aceitou a sua responsabilidade quanto aos danos patrimoniais, mas acrescentou ter-lhe pago os salários até à alta clínica, que a sua incapacidade permanente só foi de 9,75% e que ele já recebeu a quantia de 999.403$00 pela perda de capacidade de ganho em processo de acidente de trabalho e nada mais ter a receber em razão dela O autor afirmou na réplica poder reclamar indemnização superior à atribuída no âmbito do processo de acidentes de trabalho, por não haver duplicação da indemnização pelo mesmo dano. Ampliou o pedido por duas vezes e foi-lhe concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Realizado o julgamento, no âmbito do qual se aditou, por acordo das partes, um facto aos já assentes, foi proferida sentença no dia 1 de Julho de 2004, por via da qual a ré foi condenada a pagar ao autor € 107.620,25 e juros moratórios à taxa legal desde a citação, bem como, com o limite de € 32.584, a liquidar ulteriormente, o montante que viesse a despender ou que deixasse de auferir em virtude da realização de cirurgia plástica destinada à correcção das cicatrizes resultantes das lesões sofridas no acidente em análise e a compensação pelos danos não patrimoniais decorrentes dessa cirurgia. Apelaram o autor e a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 15 de Fevereiro de 2005, negou provimento ao recurso interposto pelo primeiro e julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela última, fixando em € 66.620,25 o montante que ela devia pagar por danos patrimoniais e não patrimoniais e juros à taxa legal desde a data do acórdão, mantendo no mais o decidido na sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância. Interpuseram o autor e a ré recursos de revista, a última subordinadamente, tendo o primeiro formulado, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - na fórmula matemática do cálculo devem ser considerados a data do evento - não a data da cura clínica - a idade superior de vida activa, a vida física para além daquela a progressão do recorrente na carreira, e fixar-se a indemnização por perda de capacidade de ganho no montante € 65.000; - considerando a gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente e a censura ético-jurídica na base da obrigação de indemnizar, devem ser avaliados no montante de € 55.000; - não basta afirmar a actualização da compensação pelo dano não patrimonial para que deva ser considerada, e os juros moratórios relativos a indemnização por danos patrimoniais são devidos desde a data da citação; - o acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou os artigos 496º, nº 2, 562º, e 496º, nº 3, 566º, nº 2 e 805º, nº 2, alínea b), do Código Civil. B - Companhia de Seguros SA formulou, por seu turno, no recurso de revista que interpôs, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a indemnização de € 35.000 relativa à incapacidade genérica configura-se como elevada, porque não ocorre em relação ao recorrido a diminuição da sua capacidade de ganho nem do seu vencimento, pelo que a mesma não deve ser superior a € 28.000; - tendo em conta o período de recuperação do recorrente e a epilepsia que lhe adveio, a compensação de € 30.000 por danos não patrimoniais é exagerada, devendo reduzir-se para o montante de € 25.000; - o acórdão recorrido infringiu os artigos 342º, nº 1, 483º, nº 1, 564º e 566º, nº 3, do Código Civil e 659º e 660º, nº 2, do Código de Processo Civil. Respondeu B - Companhia de Seguros SA no recurso interposto por A, em síntese de alegação: - para evitar a indemnização em duplicado, o cálculo da indemnização pela perda futura de ganho deve operar no momento da alta clínica do recorrente, porque até aí foi ressarcido pela perda salarial no período de doença; - o limite da vida activa do recorrente é aos 65 anos, começando a partir daí a receber pensão de reforma, sem perda patrimonial, não podendo exigir indemnização baseada na sua esperança de vida; - a compensação por danos não patrimoniais não deve ser fixada em mais de € 25.000, que o recorrente pediu a esse título; - a Relação procedeu correctamente ao actualizar as indemnizações e ao adoptar a doutrina do acórdão de uniformização de jurisprudência nº 4/2002. II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Representantes da ré e de D, Ldª declararam por escrito consubstanciado na apólice nº 505511228, em data anterior a 31 de Março de 1999, assumir a primeira, mediante prémio a pagar pela última, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo automóvel matriculado sob o nº JJ. 2. Antes do evento abaixo indicado o autor, nascido no dia 14 de Abril de 1981, era saudável, forte e robusto, dinâmico, com alegria de viver e gosto e apetência pela prática desportiva, jogando futebol com os amigos e competindo em torneios organizados, e nunca havia sofrido qualquer acidente ou enfermidade. 3. No dia 31 de Março de 1999, pelas 15.40 horas, na Estrada A 4, na freguesia de Parada de Todeia, Paredes, sentido Paredes-Penafiel, conduzia C o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula nº JJ, pertencente a D, Ldª, transportando a seu lado o autor, ambos empregados daquela sociedade, desempenhando para ela a função de técnicos de manutenção. 4. A via apresentava, no local mencionado sob 3, traçado rectilíneo com inclinação, a faixa de rodagem tinha a largura de 7,20 metros, avistando-se a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão superior a 200 metros, e o seu piso era alcatroado e estava limpo e seco. 5. Fernando Silva conduzia a viatura mencionada sob 3 no exercício da sua profissão, à ordem, com conhecimento e autorização, por conta, no interesse e sob a direcção de D, Ldª por um itinerário que esta previamente havia determinado. 6. Imediatamente à frente do veículo mencionado sob 3 circulava o veículo pesado de mercadorias matriculado sob o nº QS pertencente a E, conduzido por F. 7. Fernando Silva manobrou a viatura que conduzia para a sua esquerda a fim de efectuar a manobra de ultrapassagem ao veículo pesado de mercadorias mencionado sob 6 em momento em que se encontrava na faixa de rodagem esquerda uma viatura em manobra de ultrapassagem. 8. Ao aperceber-se de tal facto, Fernando Silva travou e perdeu o controlo da viatura que conduzia, o que fez com que ela embatesse com a sua parte frontal direita na traseira esquerda do veículo de mercadorias mencionado sob 6 que circulava na via da direita. 9. No referido embate, a roupa que o autor vestia ficou inutilizada, e após o mesmo foi transportado de ambulância para o hospital Padre Américo de Vale do Sousa, em Penafiel, apresentando uma ferida corto-contusa frontal com aparente afundamento frontal, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, ministradas injecções e feita a lavagem cirúrgica às suas feridas e escoriações. 10. Dada a gravidade do estado do autor, foi transferido para o Hospital de S. João, no Porto, onde foi internado nos serviços de cuidados intensivos, aí se mantendo durante 14 dias - até 13 de Abril de 1999 - onde foi ali sujeito a anestesias gerais, a injecções e a exames radiológicos e TACs e a lavagem cirúrgica às feridas e escoriações sofridas. 11. Durante o internamento referido sob 10, esteve o autor profundamente sedado, retido no leito, ausente de qualquer sensibilidade, absolutamente inconsciente, alimentado através de sondas, e fazendo as suas necessidades para uma fralda. 12. Já tinha tudo combinado para festejar o seu aniversário, no dia 14 de Abril de 1999, com convites feitos e bolos encomendados, e passou esse dia sedado. 13. Durante esse período, porque o autor sofreu hemorragia subaracnodeia e contusão hemorrágica frontal direita, os líquidos hemorrágicos depositaram-se-lhe nos pulmões e na cabeça, pelo que tiveram de lhe ser aplicados drenos na parte superior da cabeça, para os retirar, havendo necessidade de lhe rapar parcialmente o cabelo e efectuar um corte. 14. Devido à extracção de líquidos hemorrágicos dos pulmões, através da aposição de drenos, o autor não conseguia comunicar através da fala, só o conseguindo através de gestos. 15. No dia 13 de Abril de 1999, foi o autor transferido para o serviço de neurologia e neurocirurgia do Hospital de S. João, no Porto, em virtude do traumatismo craniano que sofreu, data em que retomou a consciência, sentindo tonturas, mal estar, dores e ausência de forças para se movimentar, mantendo-se acamado devido ao estado de fraqueza e aos cuidados médicos a que tinha sido sujeito. 16. Manteve-se internado nos serviços de neurologia e de neurocirurgia durante 17 dias - até 30 de Abril de 1999 - retido no leito, onde tomava as refeições que lhe eram servidas por terceira pessoa e, nos primeiros dias, foram-lhe ministradas papas. 17. Era no leito que o autor fazia as necessidades, com o auxílio de uma aparadeira que lhe era aplicada por uma terceira pessoa, e, durante o período de internamento, foi submetido a TAC cerebral. 18. O autor teve alta clínica no dia 30 de Abril de 1999, passando a consulta externa, regressou à residência dos seus pais, onde se manteve acamado, levantando-se para fazer curativos às lesões sofridas e, decorrido algum tempo, passou a levantar-se da cama, saindo de casa para se submeter a tratamentos. 19. Após o seu regresso a casa, o autor deslocava-se com a periodicidade de 15 dias ao consultório do médico G, em São João da Madeira, por expressa indicação da ré, com todos os custos por ela antecipadamente assumidos, e, na sequência dessas consultas, apresentou queixas ao nível da coluna vertebral, sentindo dores e dificuldade de locomoção. 20. Em Agosto de 1999, o autor deslocou-se, por instruções do médico G, à Policlínica Doutor Mário Martins, em S. João da Madeira, a fim de ser sujeito a massagens na parte do osso frontal do crânio, para fazer deslocar a pele do mesmo que estava a colar. 21. A conselho do médico G, o autor efectuou, no dia 21 de Dezembro de 1999, um electroencefalograma, onde se concluiu que nos traçados se inscrevia o efeito desencadeado pela hiperpneia, discreta reactividade irritativa, bilateral e bi-síncrona, expressando irritabilidade cerebral a integrar no contexto clínico e em conformidade com alterações de impulsividade. 22. O autor efectuou RX à garganta e exames de controle, TAC cerebral à base do crânio, contusão em reabsorção, cisternas da base livres, realizou RX na sequência de queixas ao nível da coluna - alegava dores e dificuldades de locomoção - para averiguar da gravidade da lesão, tendo sido submetido a vários tratamentos, nomeadamente através de massagens localizadas, com auxílio de pomadas terapêuticas, tendo frequentando quinze sessões, concluindo-se, no final, que só através de uma cirurgia é que a correcção poderia ser feita. 23. Sentiu perturbações na visão por virtude das lesões e sequelas sofridas em consequência do acidente, começando a ver, principalmente da vista direita, imagens em duplicado/ penumbra junto da imagem real e, por indicação médico G, o autor deslocou-se a uma clínica oftalmológica em Oliveira de Azeméis, onde foi submetido a vários exames, onde lhe foi detectado um desvio da visão e receitado um par de óculos com graduação. 24. Não obstante o uso dos óculos, tem o autor sentido dor na vista, sobretudo quando a mesma é confrontada com luz de intensidade forte, e dedica algum tempo à leitura. 25. No momento do embate e nos instantes que o precederam, o autor assustou-se e teve consciência de que, em consequência dele, lhe poderiam advir lesões, dada a sua iminência e a incapacidade de lhe escapar e, pela violência do embate, receou pela própria vida e sentiu angústia. 26. Enquanto esteve internado no hospital, por via dos tratamentos a que foi sujeito, sofreu dores, que ainda agora se mantêm, e incómodos e dores nos períodos de acamamento a que foi sujeito. 27. Como sequelas das lesões sofridas, o autor ficou com cicatriz com afundamento frontal, anosmia e dores na cabeça, localizadas ao nível das lesões sofridas, e ficou afectado de forma irreversível no bolbo olfactivo situado na base do crânio, sem qualquer sentimento de odor ou de cheiro. 28. À data do sinistro, tinha o autor a categoria de principiante de técnico de manutenção, auferindo o salário mensal de 61.088$00, e, desde então até à data da alta clínica - 23 de Janeiro de 2000 - esteve completamente impossibilitado de exercer a sua actividade profissional e sem perceber salário. 29. Ele passou, por via do exposto, a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante o trabalho, dificuldades na vida de relação, refugiando-se no seu quarto a chorar, em virtude de não poder levar a vida que levava antes do acidente, tendo-se tornado numa pessoa triste, sisuda e com tendência para o isolamento, e, com as referidas lesões, ficou facilmente irritável e irascível. 30. Queixa-se de dores de cabeça, as actividades que desenvolve exigem-lhe mais esforço do que outrora, chegando ao fim do dia mais cansado do que antes do sinistro, e vê-se impossibilitado, por prescrição médica, de jogar futebol e de fazer desporto que implique esforços. 31. Tem vindo a sentir dores ao nível da coluna, na vista e na cabeça, associadas, e mal-estar localizado no osso frontal do crânio, e teve de marcar uma consulta ao médico Carlos Correia, especialista de neurologia, para se inteirar do seu grau de incapacidade, pagando a quantia de 10.000$00. 32. Em Outubro de 2002, no seu local de trabalho, sofreu o autor uma crise epiléptica, que decorreu do TCE, na sequência do evento em causa, caracterizada por desvio da cabeça e olhos para a esquerda, seguida de perda de consciência e convulsão generalizada, e foi de imediato levado para o Hospital de S. João da Madeira, para ser observado e, após ter sido medicado, obteve alta e regressou a casa. 33. Esteve com baixa médica em consequência da crise epiléptica focal que sofreu, controlável com terapêutica, que lhe acrescentou incapacidade parcial permanente à que sofria, determinando-lhe a incapacidade profissional permanente geral de 35%, compatível com o exercício da sua profissão de técnico de manutenção de máquinas de calçado, com as limitações decorrentes de perturbações neurológicas que podem surgir a qualquer momento e da medicação que tem de tomar. 34. Fez EEG, na sequência do que foi elaborado o relatório inserto a folhas 427, e, no dia 25 de Outubro de 2002, realizou TAC cerebral, na sequência do que foi elaborado o relatório inserto a folhas 428, e iniciou tratamento com carbamazerpirta, sentindo sensação de desequilíbrio e tonturas em consequência do efeito secundário da medicação, que manteve e mantém para prevenir novas crises. 35. Pelo menos entre 8 de Outubro de 2002 e 5 de Fevereiro de 2003, esteve de baixa médica, por se encontrar completamente abatido e com sensação de cansaço e prostração, e tem receio da possibilidade de lhe ocorrerem novas crises de epilepsia. 36. Foi-lhe apurada por exame médico uma cicatriz irregular, transversal, na linha média da região frontal, com oito centímetros de comprimento, e uma cicatriz paralela, um centímetro abaixo da anterior, com 1,5 centímetros de comprimento, localizada na metade direita da região frontal, as quais o perturbam, sobretudo ao nível das relações sociais, e foram-lhe diagnosticadas cicatrizes inestéticas da região frontal com afundamento do terço médio supra-glabelar. 37. Caso realize intervenção cirúrgica para correcção estética, gastará o autor quantia em consultas médicas, refeições, medicamentos, análises e transportes, perderá dias de trabalho e sofrerá dores, incómodos e privação de liberdade. 38. O autor é agora pessoa triste e abatida e sente desgosto por não poder gozar a vida própria de uma pessoa da sua idade e, na presente data, sofre dores na coluna. 39. No âmbito do processo por acidente de trabalho que correu termos no Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis, sob o nº 595/2000, o autor declarou auferir o salário base mensal de 55.200$00, e pretender que o processo lá prosseguisse, no âmbito do qual recebeu a quantia global de 999.404$00 a título de remição obrigatória por via da incapacidade parcial permanente para o trabalho que aí lhe foi atribuída, e declarou que se encontrava pago de todas as indemnizações devidas até à data da alta. 40. Ao abrigo da apólice de seguro de acidentes de trabalho com o nº 1335183 cujo tomador era D, Ldª, a ré entregou ao autor 458.322$00 a título de perdas salariais. III A questão essencial decidenda objecto de ambos os recursos de revista é a de saber se A tem ou não direito a exigir imediatamente de B-Companhia de Seguros SA o pagamento de € 120.000 e juros moratórios à taxa legal desde a data da citação da última. Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes e dos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática. - delimitação genérica do objecto dos recursos; - critério legal de cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrente de perda de capacidade aquisitiva de ganho; - critério de cálculo do dano não patrimonial; - cálculo do quantum indemnizatório pela perda de capacidade de ganho que afectou o recorrente; - cálculo da compensação ao recorrente correspondente aos danos não patrimoniais; - momento a partir do qual são devidos juros de mora? - síntese da solução para o caso decorrente dos factos e da lei. Vejamos, per se, cada uma das referidas sub-questões. 1. Comecemos pela delimitação do objecto dos recursos, certo resultar da lei que ele é delimitado pelas conclusões de alegação dos recorrentes (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil). B-Companhia de Seguros SA nada alegou sobre a natureza laboral e de viação do evento em causa, nem sobre a ilicitude e a culpa envolventes do acto de condução automóvel de Fernando Silva que o originou, nem sobre a própria existência de dano e o nexo de causalidade entre este e aquele ou a sua vinculação nos termos do contrato de seguro accionado. Ademais, ela nada alegou sobre o mérito ou o demérito da sua condenação a indemnizar A por determinados danos patrimoniais nem no quantum a liquidar posteriormente à cirurgia estética e aos danos patrimoniais e não patrimoniais dela decorrentes. cinge-se ao cálculo da referida indemnização. Com efeito, a referida recorrente só põe em causa o cálculo da indemnização lato sensu operada pela Relação pelos danos patrimoniais derivados da incapacidade permanente que afectou A e pelos danos não patrimoniais. Consequentemente, o objecto de ambos os recursos de revista cinge-se apenas a esta última problemática. 2. Vejamos agora o critério legal de cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrente de perda de capacidade aquisitiva de ganho. O ressarcimento dos danos futuros, como é o caso vertente, por cálculo imediato, depende da sua previsibilidade e determinabilidade (artigo 564º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil). No caso de os danos futuros não serem imediatamente determináveis, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior (artigo 564º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil). Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente previsíveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal. A regra é no sentido de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, fixável em dinheiro no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562º e 566º, n.º 1, do Código Civil). A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil). A afectação da pessoa do ponto de vista funcional, na envolvência do que vem sendo designado dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da sua actividade geral, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial. Com efeito, a incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho. No caso vertente, considerando a situação em que o recorrente ficou, tendo em conta as regras da probabilidade normal do devir das coisas, a conclusão deve ser no sentido de que, na espécie, se está perante um dano futuro previsível em razão da perda da capacidade específica de ganho no âmbito da sua actividade profissional. Procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização do lesado por danos futuros dever representar um capital que se extinga ao fim da sua vida activa e seja susceptível de lhe garantir, durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. Têm sido utilizadas para o efeito, no âmbito da jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme. As referidas fórmulas não se conformam, porém, com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, pelo que devem ser entendidas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta. Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora, dada a inerente dificuldade de cálculo, com a utilização intensa de juízos de equidade. A partir dos pertinentes elementos de facto, desenvolvidos no quadro das referidas fórmulas meramente instrumentais, deve, pois, calcular-se o montante da indemnização respectiva em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso. Apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo no confronto da referida previsibilidade, no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade. Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental. No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa. 3. Vejamos agora o critério legal de cálculo da compensação do dano não patrimonial sofrido pelo recorrente A. 4. |