Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A3281
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: REIS FIGUEIRA
Nº do Documento: SJ200301210032811
Data do Acordão: 01/21/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 428/02
Data: 03/14/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório.

"A, Limitada" intentou contra "B, Limitada" acção com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 62.603.459 escudos, a título de capital e juros vencidos, bem como juros vincendos desde a propositura.
Na primeira instância a acção foi julgada parcialmente procedente e assim a Ré condenada a pagar à Autora:
a) 32.811.593 escudos a título de capital e juros vencidos sobre as parcelas de capital, desde os vencimentos e até 02/04/97 (data da propositura)
b) juros vincendos (diz-se vencidos, mas por evidente lapso), desde 03/04/97 até efectivo pagamento, à taxa supletiva dos juros comerciais que for vigorando (e que na data da sentença era de 12% ao ano).
Da sentença recorreram de apelação tanto a Autora como a Ré.
A Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso da Ré e parcialmente procedente o da Autora, em consequência do que:
a) condenou a Ré a pagar à Autora (mais) a quantia de 800.000 escudos (de brochuras e "lay outs"), com juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, nesta medida alterando a sentença recorrida:
b) no mais confirmou a sentença:
c) condenou os representantes da Ré na multa de 30 UCs, como litigantes de má-fé.
O recurso.
Recorrem de novo Autora e Ré, agora de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.
Alegando, concluíram como para cada uma se passa a transcrever.

Recurso da Autora:

1ª O objecto do presente recurso de revista circunscreve-se ao problema de saber se à recorrente deve ser paga, a título de indemnização por lucros cessantes, uma quantia equivalente ao valor de comissões de 3% calculados sobre o preço da venda de cada área residencial ou comercial, acrescida de IVA à taxa em vigor, que integram o chamado Edifício "..." sito no Campo Grande, em Lisboa.
2ª O referido contrato de comercialização foi unilateral e infundadamente resolvido pela recorrida, produzindo-se assim ilicitamente a extinção do vínculo contratual, o que veio a determinar que a C, Lda. (antecessora da recorrente na relação material controvertida) ficasse em consequência impedida de continuar a promover a comercialização das referidas áreas residenciais e comerciais, hoje constituídas em fracções autónomas do prédio ....
3ª Ora, as partes convencionaram que à cobrança dos honorários ou comissões, que se fixaram em 3% sobre o preço de venda de cada área residencial ou comercial, acrescido de IVA correspondente, a C, Lda. tinha direito à sua cobrança integral logo após o recebimento do sinal respeitante a cada venda.
4ª A douta sentença de 1ª Instância considerou que a recorrente não tinha direito às comissões.
5ª O douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, alterando a resposta ao n. 2 da base instrutória, veio fixar definitivamente em sede de matéria de facto, que o preço das fracções autónomas por vender, à data da resolução do contrato, era, pelo menos, de Esc: 589.500.000$00.
6ª O mesmo acórdão, porém, veio também dizer que a pretensão ressarcitória da recorrente só poderia proceder, caso a mesma tivesse alegado e provado a posterior venda das fracções autónomas que se encontravam por comercializar à data da resolução do contrato.
7ª O acórdão da Relação veio ainda dizer que a A. nada alegou neste âmbito, tal como, apesar de a ré ter junto com a contestação alguns contratos promessa, nunca declarou pretender aproveitar-se de tal facto os termos do artigo 264º n. 3 do Cód. Proc. Civil.
8ª Ora, os referidos contratos promessa não se reportam a fracções autónomas que houvessem ficado por vender à data da resolução infundada do contrato de comercialização imobiliária que as partes subscreveram. E daí que a recorrente não tivesse qualquer interesse ou utilidade prática em observar o ónus imposto pela referida norma do n. 3 do art. 264º do Cód. Civil. A pretensão ressarcitória da autora não incidia sobre as comissões devidas pela celebração dos ditos contratos promessa já celebrados, mas sobre os contratos celebrandos.
9ª A invocação da referida norma processual está assim deslocada.
10ª A existência dos contratos promessa que a ré juntou aos autos para servirem de suporte à pretensão por ela deduzida na contestação de uma mal invocada excepção de compensação de créditos e débitos com a autora, não são complemento ou concretização de outros factos que a autora haja alegado na petição.
11ª A causa de pedir da presente acção não se consubstancia na celebração dos referidos contratos de promessa de venda de fracções, mas no contrato de comercialização e na sua ilícita resolução.
12ª De qualquer forma sempre se dirá que, segundo o princípio da aquisição processual, o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova (art. 515, 1ª parte do Cód. Civil). Por outro lado.
13ª O contrato de comercialização imobiliária está datado de 12/02/92, data em que os DL 285/92 de 19/12/12 e DL 77/99 não estavam em vigor, pelo que as disposições dos referidos diplomas não são aplicáveis sob pena de ilegal retroactividade.
14ª Daí que as disposições restritivas dos referidos diplomas legais sobre o momento em que as comissões são exigíveis não possam aplicar-se ao caso.
15ª Acresce que a natureza do contrato de comercialização celebrado tem a natureza mista de contrato com normas próprias de um contrato de mediação e com cláusulas específicas de um contrato de mandato.
16ª Ora, a cláusula existente no contrato sobre o pagamento dos honorários ou comissões insere-se num pressuposto: o da vigência do contrato.
17ª Acontece que a ré, de modo infundado e ilícito, pôs termo à vigência do contrato e, com o tê-lo feito, não se libertou das suas obrigações ou de uma sucedânea obrigação de indemnizar a recorrente.
18ª O prédio construído no Campo Grande foi-o para venda. E se o prédio tinha problemas em ver-lhe concedida a licença de utilização (facto impeditivo de vendas), tais problemas eram exclusivamente imputáveis à ré, que não pagou atempadamente ao empreiteiro, como ficou provado.
19ª E está adquirido para o processo de que o prédio já tem licença de utilização, como resulta do facto de o regime de propriedade horizontal haver sido constituído e registado na Conservatória como decorre da certidão que a autora juntou com as suas alegações (facto do seu conhecimento superveniente) para a 2ª Instância.
20ª Não se pode pois concluir que a ré, mesmo sem a resolução do contrato de comercialização, poderia não vender os imóveis, e muito menos que a autora não deva ser ressarcida do valor das comissões sobre esperadas vendas.
21ª Quando muito, o Tribunal da Relação, como também a 1ª Instância deveriam, no limite, ter condenado a ré no pagamento das comissões que se mostrassem devidas em sede de liquidação a operar em execução de sentença.
22ª No limite, já que o valor de Esc: 589.500.000$00 atribuído pelo Tribunal da Relação de Lisboa às fracções autónomas que ficaram por vender à data da resolução do contrato de comercialização, era suficiente para condenar desde logo a ré em função desse valor. E isto porque;
23ª A questão está deslocada, por motivos imputáveis à ré, da esfera do normal desenvolvimento da relação contratual nascida do contrato de comercialização imobiliária celebrado pelas partes, para a esfera da patologia dessa relação, oriunda da resolução infundada do contrato operada ilicitamente pela ré.
24ª Neste patamar da responsabilidade civil contratual, estando como estão verificados todos os elementos constitutivos da responsabilidade civil da recorrida, não pode esta deixar de ser condenada a pagar à autora uma indemnização equivalente a 3% calculados sobre a verba de Esc.: 589.500.000$00, acrescida de IVA à taxa correspondente em vigor e nos respectivos juros de mora, por ser esse o valor dos lucros cessantes da recorrente.
25ª Ou na quantia que se liquidar em execução de sentença.
26ª O douto acórdão recorrido violou assim as normas do contrato de comercialização imobiliária junto com a petição e as normas dos artigos 798º e 806º do Cód. Civil, por erro de interpretação e aplicação.
Recurso da Ré.
1. A cessão de créditos (alegadamente) celebrada entra a ora Recorrente e a C não produz efeitos na esfera jurídica da ora Recorrente porquanto, tal como ficou provado nos presentes autos o referido negócio apenas lhe foi notificado aquando da citação para a presente acção.
2. Ora, nos termos da melhor jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, um dos elementos essenciais na causa de pedir é precisamente o da notificação da cessão de créditos ao devedor, a qual tem, necessariamente, de ter ocorrido em momento anterior ao da propositura da acção.
3. Assim, não tendo ficado provado nos presentes autos o conhecimento da cessão de créditos, por parte da ora Recorrente, em momento anterior ao da citação, não pode senão entender-se que não se encontram preenchidos todos os requisitos para que tal negócio produza efeitos em relação à Recorrente (cfr. art. 582º n. 1 do CC).
4. No entanto, ainda que assim não se entenda, sempre terá que se considerar que o contrato de comercialização imobiliária que constitui fundamento da presente acção é nulo, por ser contrário a uma disposição legal de carácter imperativo e por C se encontrar a actuar em clara violação de normas legais de natureza igualmente imperativa.
Senão vejamos,
5. Ficou provado nos presentes autos que a sociedade C não se encontrava licenciada para o exercício da actividade de mediação imobiliária, não possuindo para o efeito qualquer autorização (al. 1) da matéria assente), pelo que a referida sociedade não cumpria os requisitos estabelecidos pelo art. 1º do DL 43 767, de 30 de Junho de 1961 (diploma em vigor à data da sua celebração).
6. Por outro lado, foi igualmente dado como provado nos presentes autos que a actividade principal da sociedade C, era a informática (cfr. al. cc dos factos provados), actividade que não tem qualquer correspondência com o seu objecto social, tal como se encontra definido no respectivo contrato de sociedade outorgado e registado.
7. Tal facto constitui uma clara violação ao princípio da exclusividade no exercício da actividade de mediação imobiliária, estabelecida, quer no art. 4º do citado D.L., quer no art. 4º do D.L. n. 284/92, de 19 de Dezembro.
8. Por se tratarem de disposições de defesa da ordem e interesse públicos e de protecção de terceiros contra a falta de idoneidade dos mediadores imobiliários, as normas constantes dos mencionados artigos, revestem um carácter eminentemente imperativo,
9. Pelo que a sua violação determina "nos termos dos arts. 280º e 294º do Código Civil, a nulidade dos contratos feitos à margem dessas mesmas normas". in Ac. do STJ de 5 de Nov. de 1974.
10. Assim, não pode senão concluir-se que o contrato de comercialização imobiliária dos autos é nulo, por violar os arts. 1º e 4º do D. L. n. 43 767, de 30 de Junho de 1961, bem como os arts. 3º e 4º do D.L. n. 284/92, de 19 de Dezembro.
11. Por último refira-se que, ao contrário do afirmado pela douta sentença recorrida, ambos os contratos dos autos foram resolvidos com justa causa.
12. Relativamente ao contrato de Comercialização Imobiliária em apreço, tal é evidente atenta a supra descrita situação de clara violação da lei em que a C se encontrava;
13. Relativamente ao contrato de Prestação de Serviços dos autos, para além de a sua celebração, por parte da C, constituir, de per si, uma clara violação supra referido do princípio da exclusividade, sempre se dirá que, atendo o seu carácter meramente acessório em relação ao mencionado contrato de Comercialização Imobiliária, a sua manutenção, na ordem jurídica, iria contra a vontade real das partes aquando da celebração do negócio.
14. Acresce que carece, em absoluto, de fundamento a condenação da Recorrente como litigante de má-fé porquanto esta nunca pretendeu fixar o objecto do seu recuso em factos expressamente infirmados pela factualidade assente nos presentes autos e/ou em argumentos cuja falta de fundamento conhecesse ou não pudesse ignorar;
15. Por outro lado, é evidente que não existiu qualquer dolo ou negligência grave na sua conduta, pelo que não se encontram preenchidos os elementos, quer objectivos, quer subjectivos da litigância de má-fé, previstos no art. 456º do CPC,
Questões postas.
A) No recurso da Autora.
Saber se à Autora deve ser paga, a título de indemnização por lucros cessantes, em consequência da resolução do contrato de comercialização celebrado com "C", uma quantia equivalente ao valor de comissões de 3% calculados sobre o preço da venda de cada área residencial ou comercial (no total de 589.500.000$00 escudos, atenta a alteração da resposta ao quesito 2º, operada pela Relação) (ou o que a esse título se liquidar em execução de sentença), acrescida de IVA à taxa em vigor - por se tratar do valor dos seus lucros cessantes.
B) No recurso da Ré.
a) Saber se a cessão de créditos não produziu efeitos em relação à Ré, por só lhe ter sido notificada com a citação (art. 582º, n. 1 do CC).
b) Saber se o contrato de comercialização imobiliária é nulo, quer por a "C" não estar licenciada para o exercício da actividade da mediação imobiliária, quer por não se dedicar em exclusivo a essa actividade.
c) Saber se ambos os contratos foram resolvidos com justa causa..
d) Saber se carece de fundamentos a condenação da Ré como litigante de má-fé.
Factos provados.
Na primeira instância consideraram-se provados os factos seguintes.
a) A Ré celebrou com a sociedade comercial e direito português C, Lda, um contrato de prestação e serviços, cujo objecto era o da direcção e inspecção da construção de um edifício no Campo Grande, em Lisboa, e outro contrato de comercialização imobiliária, cujo objecto era a venda em regime de exclusividade de todas as partes integrantes do prédio referido;
b) Os aludidos contratos foram resolvidos pela ré, por cartas de 11-2-1994, que constituem os documentos n. 3 e 4 juntos com a petição inicial. A estas cartas respondeu a sociedade C por carta de 16-2-1994 que constitui o documento n. 5 junto com a petição inicial;
c) A sociedade C efectuou no interesse da Ré os pagamentos descriminados nas alíneas a) b) e c) o artigo 12 da petição inicial;
d) A sociedade C e a sociedade ora Autora subscreveram o denominado "contrato de cessão e créditos" que está junto a fls. 21 e 22;
e) O "contrato de cessão" não foi notificado a Ré antes da citação desta para os termos da presente acção;
f) A Autora A, LDA., tem por objecto social a construção civil;
g) O projecto de construção do prédio sito no Campo Grande, ao qual se reportam os contratos de prestação e serviços e de comercialização imobiliária - aludidos em A) - foi financiado por uma instituição de crédito;
h) O financiamento foi feito à Ré, garantido por um penhor das respectivas acções, cujos sócios eram os senhores G (40%), H (40%), I (20%), este gerente da C; a ora Ré incumpriu o contrato e financiamento do D e este o penhor e assumiu a totalidade de todo o capital social da Ré;
i) O senhor I era gerente da sociedade C, sócio da Ré, e procurador da mesma;
j) Entre Abril de 1992 e Fevereiro de 1994 a sociedade C não reclamou da Ré as quantias mensais respeitantes à gestão de projectos;
l) A C não se encontrava licenciada para o exercício da actividade de mediação imobiliária;
m) Relativamente ao edifício ... no Campo Grande, em Lisboa, foram celebrados contratos promessa de compra e venda com diversas pessoas;
n) As escrituras públicas relativas aos aludidos contratos e, consequentemente, o recebimento do remanescente do preço deveria ocorrer respectivamente: 1-30-4-96; 2-idem.; 3-60 dias após a data do registo a propriedade horizontal; 4-30-7-96; 5-60 dias após a data do registo a propriedade horizontal; 6-90 dias após a data da celebração o contrato promessa ocorrido a 3-4-1996; 7-60 dias após a data do registo a propriedade contrato promessa ocorrido a 3-4-1996; 7-60 dias após data do registo a propriedade horizontal; 8-imediatamente após a data do registo a propriedade horizontal; 9-60 dias após a data do registo a propriedade horizontal: 10-60 dias após a data do registo a propriedade horizontal; 11-60 dias após a data do registo a propriedade horizontal;
o) Devendo ser recebidas nas referidas datas respectivamente, as quantias de: 1: Esc. 19.000.000$00; 2: esc. 6.000.000$00; 3: esc. 5.550.000$00; 4: esc. 15.500.000$00; 5: esc. 11.190.000$00; 6: esc. 33.000.000$00; 7: esc. 11.400.000$00; 8: esc. 20.000.000$00; 9: esc. 600.000$00; 10: esc. 7.900.000$00;
p) Os procuradores da Ré em Portugal eram o senhor I e o Advogado da ora Autora;
q) No cumprimento do contrato de comercialização a imobiliária, a sociedade C concebeu e produziu brochuras e "lay outs" de fls. 15 a 16;
r) O custo das brochuras "lay outs" importavam em esc: 800.000$00;
s) A Ré entregou essas brochuras e "lay outs" à empresa que encarregou de prosseguir a comercialização das fracções;
t) Sem autorização da C.
u) O D tomou a gestão da Ré em finais de 1993;
v) O Senhor I era apenas procurador da Ré;
x) Como à data os sócios da sociedade Ré eram de naturalidade Sueca, o senhor I, gerente da cedente C, conduzia os negócios e destinos da sociedade C;
z) O D, em Janeiro de 1994, contratou uma empresa denominada E, a quem confiou o encargo, numa primeira fase, de fazer o levantamento da situação respeitante ao edifício .... No Campo Grande, já que as obras se encontravam paralisadas desde Setembro de 1993;
aa) Do trabalho levado a cabo pela referida E durante o mês de Janeiro de 1994 foi possível apurar a seguinte situação:
ab) A sociedade C mandou executar obras em desconformidade com o projecto tal como configurado pelo seu Autor- o Arquitecto J;
ac) No tocante às garagens a C procedeu à diminuição do cumprimento das rampas de acesso à garagem e aos seus pisos;
ad) Eliminou uma série de lugares de estacionamento e arrecadações;
ae) No tocante ao interior dos apartamentos, foram igualmente introduzidas alterações relativamente ao projecto inicial;
af) Foi retirada uma instalação sanitária;
ag) Não foi considerado e levado a cabo um sistema de ventilação forçada para os pisos de estacionamento;
ah) Foram retiradas as escadas de emergência;
ai) Procedeu à criação de mais um piso na zona de cobertura;
aj) Quando se inquiriu o empreiteiro sobre os ensaios de betão este declarou já ter feito a entrega dos mesmos à C com vista à entrega nos serviços competentes da Câmara Municipal de Lisboa;
al) Passados que estão mais de dois anos sobre a data da conclusão dos trabalhos, o edifício permanece sem licença de utilização;
am) Em virtude das alterações ao projecto introduzidas pela C, todos os projectos de especialidades - designadamente água, esgotos, electricidade, elevadores, estruturas e segurança - tiveram de ser revistos;
an) E executados os numerosos trabalhos suplementares em conformidade com tais novos projectos;
ao) O facto de ser ter tirado uma casa de banho aos apartamentos, implicou a exigência por parte da C. M. Lisboa de se levar a cabo trabalhos a nível da canalização de esgoto, procedendo-se à remoção de toda a canalização e sistema e electrificação anteriormente projectado;
ap) O facto de se ter criado uma habitação no último piso, originou que a C.M. Lisboa para a admitir exigisse que a mesma fosse servida por elevador;
aq) Consequentemente, houve necessidade de se desmontar a casa das máquinas do elevador;
ar) Proceder à destruição de tal casa;
as) Proceder à destruição da laje de betão que sustenta os cabos do elevador:
at) Proceder à elevação da respectiva caixa o elevador, com a consequente elevação da parede e acrescento e vigas de suporte;
au) Construção de nova laje de betão e sustentação, montagem das máquinas do elevador, e construção respectiva casa;
ax) O facto de se ter retirado a escada de incêndio o obrigou à completa reformulação em todo o edifício de todo o sistema de segurança contra incêndios, com vista à obtenção e parecer favorável do Serviço Nacional de Bombeiros, requisito essencial à aprovação camarária;
az) A conclusão da obra atrasou-se em relação à data inicialmente prevista;
ba) A obra foi concluída em finais de Abril de 1995:
bb) Relativamente ao 11º promitente-comprador, o Sr. F, entendeu este, atento o facto de por via dos atrasos ocorridos estarem excedidos os prazos contratualmente acordados, exigir a restituição da totalidade das quantias entregues;
bc) A taxa de juro bancária para as operações activas de crédito a empresas nos anos de 1995, 1996, 1997 foi em média de 13º ao ano;
bd) A Ré em Setembro de 1996 tomou a decisão de não proceder à comercialização de alguns andares e lojas ainda disponíveis;
be) A Autora chegou a ser empreiteira da obra;
bf) Mas as alterações de circunstâncias negociais, no plano comercial, acabaram por ditar a resolução amigável do contrato de empreitada, mediante uma compensação para à Autora pela Ré de esc. 10.229.046$00, valor situado a nível bem inferior ao que resultaria da aplicação dos mecanismos da responsabilidade civil e das estipulações do próprio contrato;
bg) O mútuo foi garantido pelo penhor das próprias acções representativas da totalidade do capital social da Ré, por hipoteca do edifício do Campo Grande, por conta caucionada do Sr. I na Suécia, na qual este havia depositado a quase totalidade das suas economias de emigrante que foi, durante 20 anos, na Suécia, e ainda por bens imóveis pertencentes aos sócios G e H;
bh) Desde o início de 1992 que havia contactos frequentes a C e o D acerca da gestão corrente do projecto - pagamentos, transferências, etc.;
bi) Em 8-4-1992, o D informou a Ré e a C que nomeara em Portugal um fiscal de obra - a sociedade E;
bj) A "E" inicia a sua actividade inspectora e fiscalizadora desde o início da construção através da presença do Sr. Eng. L na obra e posterior controle dos relatórios de medições apresentados pelo construtor, os quais eram anteriormente aprovados por engenheiros da C;
bl) Esses relatórios eram enviados todos os meses pela E para o D que com base neles libertava os dinheiros destinados a pagar as facturas da obra;
bm) Em 7-4-1993 é enviado um fax que confirma que a E continua a produzir relatórios ao D;
bn) Durante os anos de 1992 e 1993 existe volumosa troca de correspondência entre a C e o D, sendo de realçar a carta do D de Julho de 1992 e a visita a Lisboa de representantes do D para reunião e trabalho com a C - 13/8/1992 - e com a E- em 2/9/1992;
bo) Em 1-10-1992, o D, satisfeito com a actuação da C, confirma que o Comité de Crédito aprovara um reforço de empréstimo inicial de USD$ 4.000.000 para USD$ 7.000.000, reforço que a C declinou pois planeava levar o projecto ao fim sem esse encargo adicional.
bp) Em Julho de 1993 a firma de auditores M realiza uma avaliação do projecto a pedido do D;
bq) Em Agosto de 1993 a obra pára em virtude das receitas provenientes das vendas não chegarem para pagar ao empreiteiro, facto que foi antecedido de inúmeros faxes e telefonemas do sócio G, dirigidos ao D avisando da situação que se a vizinhava;
bs) Em 21-7-1993 o Senhor G envia fax ao D cujo título é: Resumo da situação em Portugal, onde em pormenor descreve a situação e afirma que a C tem tido um crédito crónico em relação ao projecto, não só em relação aos seus honorários, mas também por vários outros custos;
bt) Em 23-10-1993, o representante da C tem a sua última reunião de coordenação de obra;
bu) Em Outubro de 1993 começam as reuniões com a E por instruções do accionista sueco do D, o N, para se lhe dar conta da situação global;
bx) Em 8-4-1993 o representante do D participa em reunião com o Arquitecto J, responsável pelo projecto, na qual são dados ao D todos os elementos pedidos;
bz) Em Outubro e Novembro de 1993 são realizadas várias reuniões na sede da C com a presença de delegados da E e do empreiteiro;
ca) Em 16-12-1993 a C transmite à E documentos elucidativos;
cb) Desde fins de Dezembro de 1993 a Fevereiro e 1994 o empreiteiro mandou várias cartas com o levantamento e toda a situação e dos pagamentos em atraso;
cc) A actividade principal efectiva da C era a informática;
cd) Nunca o Senhor I, apesar da sua qualidade de procurador, tomou decisões sem previamente consultar os seus sócios - srs. G e H;
ce) E a C embora se não houvesse prevalecido dela, tinha autorização para se ressarcir dos montantes adiantados por força dos pagamentos parciais dos preços das vendas dos apartamentos em construção no edifício ...;
cf) A "E" fizera ao D um relatório sobre o edifício ... considerado que o mesmo seria lucrativo, aliás em consonância com o relatório dos auditores M;
cg) Desde o início de 1993 que a Ré avisava o D de que se não fosse feito o financiamento complementar para colmatar a dificuldade de tesouraria da R., face ao abrandamento do ritmo de vendas dos andares e ao incumprimento do promitente comprador Sr. F, devedor de esc. 27.190.000$00, ter-se-ia de suspender o pagamento ao empreiteiro, o que poderia suspender a obra, como veio a acontecer;
ch) Em Janeiro de 1994 o D tomou posse do capital da Ré e das Garantias oferecidas pelos sócios;
ci) A C e o Sr. I tinham instruções da Ré, datadas de 27-6-1990, para não efectuar pagamentos acima de 200.000$00, sem autorização expressa da Ré, e do mesmo modo não estava autorizada a executar alterações de fundo ao projecto sem a prévia concordância da Ré e dos seus sócios;
cj) Estas instruções foram sempre respeitadas pela C;
cl) Por outro lado, nenhuma alteração de fundo era feita na obra sem o acordo do técnico responsável pelo projecto inicial;
cm) Aquando da compra do terreno e do projecto que o acompanhava, verificou-se a falta de projectos especiais para levantar a licença;
cn) Por seu lado, a Câmara Municipal de Lisboa congelou durante quase dois anos o projecto, que já estava aprovado em 1989, com base numa redefinição geral urbanística do local;
co) No início de 1990 a Ré deu instruções à C para contratar arquitectos capazes de levar o projecto avante;
cp) Em 14-3-1992 é emitida licença de construção do projecto inicial Pº 2594/OB/86;
cq) Em 9-9-1992 a C apresentou a Câmara Municipal de Lisboa um requerimento que iniciou o Pº 2740/ OB /92, solicitando alterações acordadas com os sócios da Ré, entre as quais avulta a da eliminação de uma escada de serviço do alçado de tardoz, permitindo assim a construção de mais um quarto;
cr) Tal alteração foi sugerida pelo Arquitecto J, uma vez que as questões de saída de emergência estavam asseguradas por outros meios;
cs) Todas as alterações, introduzidas pela C foram sempre e previamente discutidas e acordadas com todos os sócios da Ré;
ct) Tais alterações foram sugeridas e feitas, ou por imperativos de funcionalidade, e aconselhadas pelos técnicos, ou por solicitação dos promitentes compradores dos apartamentos, com que a Ré concordava;
cu) A rampa aludida no artigo 43 da contestação teve de ser modificada, pois a execução segundo o projecto não permitia a passagem dos carros sem que batessem no solo; os sócios da Ré concordaram com a alteração aconselhada pelos técnicos;
cv) A eliminação de uma série de lugares de estacionamento e arrecadações foi feita com o acordo prévio e todos os sócios da Ré e destinaram-se a melhorar o projecto;
cx) As alterações referidas nos artigos 46º, 47º, 48º da contestação foram resultantes de solicitações de promitentes compradores, e foram sempre precedidas de parecer prévio de engenheiro e arquitecto, com a concordância prévia de todos os sócios da Ré, e foram aprovadas pela Câmara Municipal de Lisboa (tais alterações são as aludidas nas respostas às perguntas 23º e 24º da base instrutória);
cz) A conduta de lixo não era exigida pela Câmara Municipal de Lisboa aquando do processo 2740/ OB / 92;
da) "Quanto ao alegado no artigo 52º da contestação " esclarece-se que o piso estava considerado no processo camarário originário (pº 2594/ OB /86 e deveria ser utilizado como sala de condóminos e, depois, devido a nova exigência da CML, como casa de porteira;
db) A Administração eleita em Fevereiro de 1994 é que introduziu e transformou esse espaço em apartamento, e vendeu-o; a casa de porteira foi deslocada para o rés-do-chão;
dc) Os engenheiros da C nunca receberam os ensaios de betão porquanto a SECIL BETÃO LDA só entregou à construtora dois ensaios de betão, retendo os demais, porque a empreiteira não procedeu ao pagamento das facturas dos fornecimentos do betão;
dd) A Ré assinou documento que entregou à C no qual se afirma que até ao dia em que o D tomou posse das acções da Ré "todas as transacções financeiras conduzidas pelo Sr. I, pela C, LDA, como líder do projecto respeitante ao processo de construção do Campo Grande, 54, foram por nós controladas e aprovadas. Não temos razões de queixa quaisquer que elas sejam respeitantes a esta gestão";
de) Desde a data do contrato de comercialização que a Ré conhecia a situação que se descreve nos artigos 60º, 61º e 63º da contestação (e não 61º, 62º e 63º, como se alcança do despacho sobre a matéria de facto, contrariamente ao que por manifesto lapso se escreve na sentença recorrida).
A Relação de Lisboa deu como assentes estes mesmos factos, mais o seguinte.
- O preço global das fracções autónomas por vender, à data da resolução do contrato, era, pelo menos, de 589.500.000 escudos (n. 2 da base instrutória, a intercalar entre as alíneas q) e r)- desta forma alterando a resposta dada ao quesito 2º, conforme melhor se explica a fls. 734 e 735 dos autos, para onde se remete.
No mais, a Relação manteve a matéria de facto fixada na primeira instância.
Apreciando.
Apreciando os recursos, cujo objecto é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações.
Recurso da Autora.
A Autora peticiona as comissões vincendas (de 3% do valor de cada venda, a receber aquando do pagamento do respectivo sinal), tal como se tivesse vendido o prédio todo: 3% sobre um preço global alegado de 847.667.000 escudos daria 25.430.000 escudos, que, com IVA de 16%, daria 29.498.800 escudos: n. 11 da petição.
Na primeira instância julgou-se improcedente esta parte do pedido, porque se respondeu não provado ao quesito 2º (fls. 534, para onde se remete) e ainda por outra razão que temos por fundamental: o edifício tem vicissitudes, como a falta de licenças, pelo que não há uma perspectiva normal de vendas. Não se pode, por isso, concluir que a "C" iria vender a totalidade do edifício pelos preços alegados. E até poderia não vender nada.
Na Relação vincou-se que a Autora só poderia peticionar estas comissões, se ela tivesse alegado e provado a posterior venda das fracções que se encontravam por comercializar à data da resolução dos contratos: ou, pelo menos, o posterior recebimento de "sinais" por parte da Ré, no âmbito de contratos promessa de compra e venda relativos a essas fracções autónomas. Mas, sublinhou-se, a Autora nada alegou neste âmbito. E, se a Ré juntou com a contestação contratos promessa no valor de 425.000.000 contos, não provou que vendeu as fracções e por que preço. Ora, é o preço da venda que determina o montante da comissão (3% do valor da venda).
E não podemos remeter nada para liquidação em execução de sentença, prosseguiu a Relação, porque falta a prova da existência do próprio dano (e não apenas do seu montante). Não se provou que a Autora tenha sofrido um dano, porque as "vicissitudes" de que o prédio sofre fazem-nos recear que as fracções não sejam vendáveis, com ou sem resolução dos contratos.
Concordamos essencialmente com os fundamentos de ambas as instâncias, sendo dispicienda a referência feita pela Relação ao art. 264º, n. 3 do CPC. Essencial temos que a situação em que o prédio se encontra não permite concluir que as fracções se vão vender pelos preços contratados, e mesmo se se vão vender, nem que se tenham já vendido e por que preço.
E assim, não temos feita a prova sequer da existência de um dano, pelo que também não é possível relegar o seu montante para liquidação em execução de sentença: art. 661º, n. 2 do CPC (e a jurisprudência corrente neste STJ, de que são exemplos os acórdãos de 27/01/93, na CJ/STJ, ano 1993, tomo I, 89 e de 17/01/95, na revista n. 85.801).
Concorda-se, assim, como o decidido na Relação quanto a este ponto.
Improcede o recurso da Autora.
Recurso da Ré.
a) Primeira questão posta.
Pretende a Ré que a cessão, para a Autora, do crédito que a "C" tinha sobre a Ré é ineficaz para ela, Ré, porque não lhe foi comunicada antes da citação para a acção.
Tem a doutrina demonstrado que a cessão de créditos produz efeitos entre as partes imediatamente, com o próprio contrato (doutrina da eficácia translativa imediata da cessão): Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume II, 6ª edição, 308 e seguintes; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, 681; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, 1994, 96.
Produz também efeitos em relação ao "cedido", desde que lhe seja notificada, judicial ou extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite: art. 583, n. 1 do CC.
Parece claro que a palavra "desde" não significa aqui tempo (desde o momento em que o devedor foi notificado), mas condição (desde que o devedor seja notificado). A notificação ao devedor não seria essencial para a perfeição do contrato (de cessão de créditos), mas tendo o momento em que é feita relevância para outros efeitos, atinentes ao cumprimento da obrigação pelo devedor.
É o que parece resultar do regime legal estatuído em normas como as dos art. 583º, n. 2 e 584 do mesmo CC.
Por outro lado, a lei não exige qualquer forma para a notificação, que tanto pode ser judicial como extrajudicial. E, podendo ser judicial, não se vê que tenha de ser necessariamente através de notificação judicial avulsa, podendo sê-lo através de outro acto processual que leve ao conhecimento do devedor a cessão operada entre cedente e cessionário.
Assim, embora a forma mais linear e típica de notificar judicialmente uma cessão de créditos seja a notificação judicial avulsa (e de notificar extrajudicialmente seja uma simples declaração, maxime por carta registada), nada parece obstar, por patentes razões de ordem prática (e, note-se, sem prejuízo para a defesa e direitos do "cedido"), a que tal notificação se considere feita através da citação para a acção correspondente. A citação é um acto solene e suficientemente formal, que tem, entre outros, o efeito de dar conhecimento da cessão ao devedor.
Mesmo a entender-se que a cessão de créditos só produz efeitos quanto ao cedido desde o momento em que ele é dela notificado, no nosso caso essa notificação foi-lhe feita pela citação para a acção, pelo que, a partir desse momento, ele já está notificado da cessão.
A única questão que se poderia pôr (como também parece ressaltar do acórdão deste STJ de 09/11/00, na CJ/STJ, ano VIII, tomo III, 121), mas que nunca foi posta, seria a da ineptidão da petição inicial, no momento em que a petição é depositada na secretaria, por falta, nesse momento, de um dos requisitos da eficácia da cessão quanto ao devedor ("cedido"). Esta questão, todavia, como se disse, nunca foi posta nos autos: a petição foi recebida, a Ré citada e admitida, naturalmente, a contestar. Contestando, não invocou a ineptidão da petição inicial, suscitando tão só (e sem qualquer êxito) a questão da simulação da cessão e consequente ilegitimidade da Autora; e, quanto ao mérito, defendeu-se pela forma que teve por adequada.
Deste modo, recebida a petição e efectuada a citação, nada impede que se considere por essa forma (citação) levado ao conhecimento do Réu a cessão do crédito em que ele é devedor. Portanto, foi efectuada a notificação a que se refere o art. 583, n. 1 do CC (e não 582, n. 1, como se diz no recurso).
A economia processual assim aconselha, sendo que não há, como não há, qualquer prejuízo para os direitos do réu (devedor "cedido"). Com a citação preenche-se o requisito em questão (notificação da cessão de créditos ao devedor "cedido") e estabilizam-se os elementos essenciais da causa (art. 481 do CPC).
A citação não é, decerto, meio "ortodoxo" de efectuar uma notificação, como por exemplo a do art. 583º, n. 1 do CC, pois a isso não é vocacionalmente destinada. Mas não devemos excluir que possa ter, entre os que lhe são típicos, esse efeito útil. Renova-se que não há qualquer prejuízo para os direitos do réu e isso aconselha a economia processual, segundo a qual se devem retirar dos actos processuais todas as virtualidade e efeitos que eles possam conter.
Esta é também a posição de Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. III, 53 e do acórdão deste STJ e 28/01/76, no BMJ, 255-202.
Também assim na vigência do Cód. Seabra, onde a citação para a acção era considerada "acto autêntico para levar a notificação ao conhecimento do devedor", conforme nos dá notícia Varela, ob. cit., página 308, nota (3).
b) Segunda questão posta.
A Ré celebrou com a "C" o contrato de prestação de serviços (consistentes na direcção e inspecção da construção do edifício) e o contrato de imediação imobiliária (venda em regime de exclusividade de todas as fracções desse edifício). Contratos ambos onerosos: havia retribuição.
Ambos os contratos foram resolvidos pela Ré.
Vejamos se procedem as razões para tanto invocadas pela Ré.
a) Falta de licenciamento da "C" para exercer actividades de comercialização imobiliária: art. 3 do DL 285/92, de 19 de Dezembro.
Isto tem a ver com a legalidade da actuação da "C" e não com a validade dos contratos celebrados, em si mesmos. O contrato não é atingido na sua validade pela irregularidade em que a "C" se encontrava, quer porque a "C" podia subcontratar, quer porque podia regularizar a sua situação, obtendo a licença.
Ora, o art. 294º fala em "negócios contra a lei", ferindo-os por isso de nulidade. Trata-se de casos em que a invalidade tem a sua origem na falta ou viciação de um pressuposto ou elemento do próprio negócio jurídico, verificado no momento da sua celebração e de que resulta a impossibilidade de o acto subsistir, em geral, na ordem jurídica. É a aplicação da doutrina de Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol.II, 2ª edição, 377 e seguintes, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, 596 e seguintes e Heinrich Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, 1992, 520, de que se extrai este passo:" Como decorre da ressalva feita no art. 294º, nem todas as violações de normas imperativas acarretam a nulidade do negócio jurídico. A lei também pode prever a anulabilidade ou até sanção nenhuma (...). Na falta de uma solução expressa (ver por ex. o art. 280º, que prevê a nulidade), cada proibição legal ou cada norma imperativa deve ser interpretada e interrogada sobre a finalidade legislativa que lhe subjaz. Normas imperativas que não se dirigem contra o conteúdo do próprio negócio, mas que visam outros fins (=fins ulteriores) não conduzem necessariamente à sua nulidade".
No caso em apreço, o negócio (imediação imobiliária), em si mesmo, não é contra a lei, o que é contra a lei é o exercício daquela actividade pela "C", exercício esse sancionado com coima: art. 18º n. 1, a) do DL 285/92. Tal como acontecia com o DL 43.767, de 30/06/61, que anteriormente regulava esta actividade, em que o exercício da mesma sem licença era apenas sancionado com uma multa.
Ora, conforme acórdão deste STJ de 18/03/97, na CJ/STJ, ano V, tomo I, 158, "a intervenção de um mediador não autorizado na realização de um contrato não torna este nulo, mas apenas acarreta a multa ao interventor que como tal se apresenta". É uma aplicação da doutrina exposta por Carvalho Fernandes e por Heinrich Horster, conforme ali mesmo se refere.
b) Violação, pela "C", do princípio da exclusividade: art. 4, n. 3 do DL 285/92, de 19 de Dezembro.
O que a lei prescreve é que as pessoas colectivas que se dedicam à imediação imobiliária tenham essa actividade como objecto social exclusivo.
A propósito convém realçar que o DL 285/92 foi revogado e substituído pelo DL 77/99, de 16 de Março, onde não se exige a exclusividade daquela actividade, mas tão só que a mesma seja a principal: art. 2º. No entanto, à situação em causa aplica-se o DL 285/92, nos termos do art. 12º, n. 2, 1ª parte do CC, por se tratar das condições e consequências da invalidade do negócio (Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, 84).
Isto posto, diremos aqui o mesmo que dissemos sobre a falta de licenciamento: a prática de actos jurídicos por uma empresa que não exerce em exclusivo (agora, segundo a lei nova, em via principal) a actividade de imediação imobiliária, não acarreta a nulidade, por esse motivo, dos actos praticados. Cabendo aqui até um argumento de maioria de razão, extraído da conclusão a que chegámos na questão anterior: pois, se a falta de licenciamento não importa nulidade dos actos praticados, menos a importaria a não exclusivamente da actividade (que é uma norma imperativa de muito menor importância).
Conforme se escreveu na Relação: "o exercício, numa certa medida, da actividade de mediação imobiliária constitui requisito geral do licenciamento das pessoas colectivas para o efeito; consequentemente, se a própria falta de licenciamento, em si mesma, não inquina os contratos de mediação celebrados com o vício da nulidade, então, por maioria de razão, a falta destes requisitos também não pode implicar a verificação da tal invalidade" (fls. 737).
c) Abuso de direito.
Mas, se acaso não fosse, e como também se acentuou na relação, e devêssemos dizer nulos os actos praticados por falta de licenciamento e/ou por falta de exclusividade, então a Ré não podia ser admitida a invocar tal nulidade do contrato, para o não cumprir, atendendo a que se provou que ela daquelas circunstâncias tinha conhecimento desde a celebração do contrato de comercialização. Pelo que, admiti-la a invocar aquela nulidade (que a nosso ver não existe), seria permitir-lhe o exercício de um direito em situação de abuso de direito (venire contra factum proprium), com violação da boa-fé da contra-parte, que investiu na validade do negócio feito: art. 334º do CC.
d) Terceira questão posta.
Os contratos foram resolvidos sem justa causa.
Novamente nos remetemos, no que é mais essencial, para os fundamentos da Relação: fls. 737/738.
Quanto ao contrato de mediação imobiliária, não é verdade o que a Recorrente diz, de que "a partir do momento em que soube que a "C" não tinha licença para exercer a actividade de mediação imobiliária outra alternativa não teve que não fosse resolver os contratos em apreço". E não é assim, porque se provou que disso a Ré teve conhecimento desde a data do contrato de comercialização (confrontar o último facto provado) - além de que, como vimos, aquela circunstância não gera nulidade dos negócios celebrados.
E também não é correcto dizer que resolveu os contratos "porque a "C", por sua iniciativa e sem o seu consentimento expresso mandou executar obras em total desconformidade com o projecto inicial", visto ter-se provado que as alterações introduzidas têm a ver com solicitações e exigências da CML, que reprogramou urbanisticamente a área envolvente, com exigências dos Bombeiros e outras entidades, no que tange, por exemplo, escadas de emergência, dos promitentes compradores, com exigências da própria Ré, sendo que todas as alterações tiveram a concordância do autor inicial do projecto, parecer prévio do Engenheiro e do Arquitecto, parecer prévio de todos os sócios da Ré e consequentes aprovações (factos das alíneas cq), cs) e da).
Bem como que as instruções foram sempre respeitadas pela "C" e nenhuma alteração de fundo era feita sem o acordo do técnico responsável pelo projecto inicial.
Quanto ao contrato de prestação de serviços, coisa semelhante se dirá: além de que, como vimos, a falta de exclusividade não gera nulidade dos contratos celebrados, temos que, reconhecido que o contrato de mediação imobiliária, tido como principal, foi resolvido sem justa causa, cai o argumento de que a justa causa na resolução (que não existe) se comunica ao contrato de prestação de serviços, tido como acessório daquele.
No eventualmente omisso se remete para a fundamentação feita no acórdão recorrido.
e) Quarta questão posta.
Na Relação, a Ré (melhor: os seus representantes que conferiram mandato) foi condenada como litigante de má-fé por ter sustentado que resolveu os contratos com justa causa (matéria de direito), na medida em que:
a) o contrato principal (o de mediação imobiliária) era nulo, por falta de licenciamento e de exclusividade da "C" (alegação essencialmente de direito).
b) a "C", por sua iniciativa e sem o consentimento expresso da ré, mandou efectuar obras em total desconformidade com o projecto inicial, contrárias ao RGEU, e por conseguinte insusceptíveis de serem aprovadas pela CML, o que inviabilizava a emissão de licença de utilização: factos dos ns. 40 e seguintes da contestação (alegação de facto e de direito).
Provou-se que todas as alterações introduzidas pela "C" foram sempre previamente discutidas e acordadas com todos os sócios da Ré, tais alterações foram sugeridas e feitas, ou por imperativos de funcionalidade e aconselhadas por técnicos, ou por solicitação dos promitentes compradores, com que a Ré concordava (etc): alíneas cq) e seguintes da matéria de facto provada.
Tratando-se de factos que a Ré não podia desconhecer, configura-se aqui litigância de má-fé, no quadro do art. 456º, n. 2, al. a) e b) do CPC, pelo menos na forma de negligência grave, na medida em que alterou a verdade de factos relevantes dela conhecidos, desta forma deduzindo oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar.
No que tange ao outro fundamento invocado para a resolução: a Ré não sustenta apenas que o contrato de comercialização era nulo (por falta de licenciamento e de exclusividade), o que seria apenas uma questão de direito, e aliás cuja dificuldade e discutibilidade se reconhece sem qualquer pejo, pelo que sustentar uma tese assim nunca seria confundível com litigância de má-fé.
A Ré aduz ainda, nas suas alegações para a Relação, que "a partir do momento em que tomou conhecimento da inexistência da licença não lhe restou outra alternativa que não fosse resolver os contratos em apreço". Temos aqui, portanto, fundamentada doutra forma a resolução. Mas, o que se provou foi que a Ré sabia, desde o início, que a "C" não dispunha de licença nem que a sua actividade não era exclusiva: alínea de) dos factos provados.
Daí que também nesta parte a decisão recorrida não mereça a nossa substancial censura: a Ré alterou, embora tão só nas alegações do recurso para a Relação, a verdade de factos dela conhecidos. Não se limitou a alegar de direito.
Decisão.
Pelo exposto, acordam em negar ambas as revistas, condenando os recorrentes nas custas respectivas.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2003
Reis Figueira
Barros Caldeira
Faria Antunes