Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1733/05.0TBCTB.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: DIVÓRCIO
CÔNJUGE
CÔNJUGE CULPADO
CÔNJUGE INOCENTE
ALIMENTOS
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
DIREITO A ALIMENTOS
Data do Acordão: 06/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA/ ALIMENTOS
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 2003.º, N.º1, 2004.º, 2015.º, 2016.º, N.º1, 2016.º-A.
Sumário :

I - A evolução sociológica facultada pela emancipação da mulher tendeu a parificar a situação económico-social dos cônjuges no sentido de apontar como regra geral para que consumada a separação ou divórcio cada um deles deva prover à respectiva subsistência.
II - Todavia há que atender a situações criadas, emergentes de uniões matrimoniais estáveis e duradouras, firmadas há várias décadas, onde foram assumidas obrigações e criadas, à luz dos valores então dominantes, fundadas expectativas de perpetuidade do vínculo matrimonial.
III - Assim a extinção do vínculo não deve abrir a porta a que o cônjuge impetrante seja relegado para um patamar de subsistência mínima, não sendo aceitável sem mais a passagem abrupta de uma situação de desafogo para outra de simples cobertura de necessidades basilares e que só depois de exauridos todo o capital de raiz dos seus bens próprios, ainda que com algum valor, lhe seja concedida uma pensão de alimentos.
IV - Nestas circunstâncias, e mau grado não seja exigível que ao cônjuge impetrante de alimentos seja garantida a situação económico-social que mantivera na constância do matrimónio, compreende-se que princípio da solidariedade se projecte com mais intensidade protegendo o membro mais débil do extinto casal em grande parte também à luz do que foram o ideário, expectativas e práticas do matrimónio extinto.
V - Mostra-se adequado fixar, a título de alimentos, a quantia de € 250,00 mensais ao ex-cônjuge impetrante com o 6.º ano de escolaridade que não trabalha e não aufere rendimentos, sendo que o ex-marido é industrial e aufere para além de outros rendimentos o vencimento declarado de € 1.784,60 numa sociedade de construção civil a qual muito embora possua um passivo elevado conta ainda com 35 trabalhadores.
Decisão Texto Integral:

     1. RELATÓRIO.

     Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

AA residente na rua ........., lote n.º ..., ....andar direito, Castelo Branco, instaurou acção declarativa com processo ordinário contra BB, com domicílio profissional na Avenida ......, Escalos de Cima, pedindo:

     - Se reconhecesse a favor dela o direito a alimentos;

     - Se reconhecesse a possibilidade e o dever de o Réu os prestar;

- Se condenasse o Réu a pagar-lhe uma pensão de alimentos de montante nunca inferior a € 1 200 mensais.

     Alegou, em síntese, que foi casada com o Réu e que o casamento foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, que não tem bens ou rendimentos que lhe permitam prover ao seu sustento, nem capacidade ou qualificações que lhe permitam angariar rendimentos e que o Réu tem bens e rendimentos para lhe prestar alimentos em montante nunca inferior a € 1.200 mensais.

     Contestou o Réu alegando que a Autora não tem necessidade de alimentos e que ele não tem possibilidades de lhos prestar.

     O processo prosseguiu os seus termos e a final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou o Réu a pagar à Autora o montante de € 350,00, por mês, a título de alimentos definitivos.

     A Autora e o Réu não se conformaram com a sentença e interpuseram recurso pedindo a Autora a fixação de alimentos “num valor próximo ao peticionado” (€ 1.200,00); o Réu a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido.

     O Tribunal da Relação julgou procedente o recurso do Réu e, em consequência, revogou a sentença e absolvendo-o do pedido.

     De novo recorre, agora de revista, a Autora, pedindo que se revogue o decidido, e se decida a acção nos termos que propugna.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     1) O acórdão recorrido, ao decidir julgar improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente, recusando a fixação do quantitativo de alimentos em montante superior ao determinado na 1ª instância - e, mais, julgando procedente o recurso do Réu, revogando a sentença do Tribunal de Castelo Branco e absolvendo o R. do pedido, qual fosse, o de prestação de alimentos à Recorrente, sua ex-cônjuge, errou quer na interpretação e aplicação das competentes normas legais, quer na determinação das mesmas.

     2) Atenta a situação económico-financeira do Recorrido e a correspondente factualidade dada como provada - designadamente sob os pontos 7, 8, 9,    10, 14, 40, 42, 48, 49 - afigura-se pacífico que os meios do Recorrido são suficientes para prestar alimentos à Recorrente.

     3) Quanto à necessidade da Recorrente de alimentos, ela há-de aferir-se pela sua concreta situação, ou seja, atendendo à factualidade dada como provada (designadamente, sob os pontos 4 a 6, 11 a 13, 16 a 21, 27 a 29, 31 a 33 e 54).

     4) Andou mal o acórdão desde logo na interpretação dos preceitos legais dos artigos 2003°, n° 1, 2004º e 2016°, nº 3 do CC, ao afastar absoluta e cabalmente o padrão de vida proporcionado pelo casamento na ponderação da medida dos alimentos.

     5) O vínculo conjugal a que se reportam os autos é, ainda, um exemplo paradigmático do tradicional modelo de casamento, do marido como "chefe de família" e que a mesma sustenta, enquanto a mulher permanece em casa, criando e cuidando dos filhos, do lar e do marido, aliviando-o de qualquer tarefa de carácter doméstico e dessa forma permitindo e contribuindo para a economia do casal e respectivo património.

     6) Mais adequada e acertada, pois, se afigura a interpretação mais próxima da atendibilidade do padrão de vida gozado durante o (longo) matrimónio.

     7) A necessidade da Recorrente aferir-se-á, como não pode deixar de ser, pelas concretas circunstâncias do caso presente, designadamente as que o Código Civil referencia no nº 3 do artº 2016°.

     8)   À fixação do concreto valor dos alimentos não pode, salvo o devido respeito, ser alheio o estilo de vida económico e social da Recorrente, de mais de 25 anos, por forma a garantir-se-lhe, como lhe é devido, uma vida normal e digna, com razoável qualidade, no contexto da sua própria normalidade económico-social, e a permitir-lhe a manutenção da sua dignidade pessoal, sem ser ilegitimamente obrigada a, para mais abruptamente, romper com o seu estatuto social e económico, e afastar-se, por completo, da sua rotina, dos seus hábitos e do seu círculo social.

     9) A obrigação de alimentos entre cônjuges divorciados radica na ideia de "solidariedade pós-conjugal" (tese defendida pelos Profs. Doutores Guilherme Oliveira e Pereira Coelho) - a qual tem plena justificação no caso dos autos - e, por conseguinte, sob pena de iniquidade, atender ao contexto e às condições do casamento (e ao contributo da Recorrente para as mesmas).

     10) O alimentando tem direito, ainda no domínio da aplicação do disposto nos artigos 2003°, nº 1, 2004º, n° 1, e 2016º, nº 3 do Código Civil, a que lhe seja assegurada uma sobrevivência condigna.

     11) A decisão proferida em 1ª instância, mesmo recorrendo, como a própria elucida, a um critério que afasta a obrigação de assegurar ao ex-cônjuge necessitado o mesmo nível de vida que este tinha à data da dissolução do casamento - donde resultará, pois, o erro em que incorreu na fixação do quantitativo dos alimentos a prestar -, concluiu, bem, pela forma que aqui se reproduz:

     12) Ao assegurar grande parte das obrigações domésticas, contribuiu durante cerca de 25 anos para que o marido se pudesse dedicar aos seus negócios, de que ainda hoje este tira grande parte dos seus rendimento, bem assim para o acumular de património e riqueza para o casal (não se esquecendo que, por via de tal dedicação exclusiva não dispõe a Autora de qualquer experiência profissional)' (…) a Autora, no presente momento, está numa situação de necessidade que a leva, justificadamente, a carecer de alimentos do Réu e que este, no presente, tem condições económicas, para lhos prestar, na medida da sua disponibilidade, sem que conste que tal coloque, em perigo, em risco ou prejudique, a sua própria manutenção.

     13) A Recorrente, para satisfazer as suas necessidades primárias, gasta mais de 550,00 € mensais, pois que, para além dos 350,00 € em alimentação e dos 200,00 € em gás, electricidade, água e telefone - dissociáveis da necessidade de habitação - ainda tem encargos "com o condomínio e despesas médicas e/ou medicamentosas", entre outros, notórios (designadamente fiscais).

     14) Assim, ainda que, sem conceder, interpretando o artigo 2003º, nº 1 do CC no mais estrito sentido possível, mostra-se desproporcionado, por insuficiência, o montante dos alimentos que lhe foi fixado pela sentença da 1.a instância, no valor de 350,00 €/mês, podendo o Recorrido prestá-los em montante superior.

     15) Havia (e há), pois que rectificá-lo em conformidade com o disposto no artº 2004º, nº 1 do Cód. Civil.

     16) A necessidade da Recorrente é uma carência actual e certa, não meramente provável e futura, pois que, não obstante, na sequência da partilha do património do casal, em 2009, ter recebido a importância de cerca de 58 mil euros, a verdade é que nem esse capital nem o respectivo rendimento são susceptíveis de satisfazer as necessidades básicas e essenciais da Recorrente:

     17) Nem o montante recebido, sob pena de se esgotar, nem a sua rendibilidade, permitem cobrir sequer parte considerável das necessidades primárias da Recorrente, sendo certo que, por não ter quaisquer outros rendimentos, e face ao esvaziamento que lhe é ainda imposto pelo incumprimento, pelo Recorrido, desde há cerca de 2 anos e meio, da decisão judicial que o condenou ao pagamento à Recorrente de alimentos - primeiro, a título de alimentos provisórios, no montante de 500,00 €, e posteriormente, a título de alimentos definitivos, no montante de 350,00 € -, tal montante vem vindo, inevitavelmente, a exaurir-se.

     18) Na avaliação da actual situação de necessidade da Recorrente não pode deixar de considerar-se, como fez a douta sentença proferida em 1ª instância, que aquela importância será necessariamente despendida num curto espaço de tempo.

     19) Permanece válida e actual a "projecção" do Tribunal de 1ª instância, que, justamente, referia: não se vê ou, pelo menos, sempre seria bastante difícil, nos tempos que correm, fazer a Autora qualquer aplicação de tal montante que lhe pudesse render a supra mencionada quantia de € 500,00 mensais ou quantia que se dela aproximasse. Ou seja, apesar de a Autora ter ficado com algum património, a sua liquidez não é palpável, nem cremos existirem razões para acreditar, de uma forma optimista, que o possa vir a ser num futuro próximo.

     20) E se a importância em dinheiro recebida é insusceptível de proporcionar meios de subsistência suficientes à Recorrente, ainda mais o são os bens, móveis e imóveis, que lhe foram adjudicados, porquanto, nesse caso, acresce que qualquer rendimento que deles pudesse advir está na inteira dependência da vontade de terceiros em arrendá-los ou adquiri-los, o que, para mais nos dias que correm, em que, consabidamente, o sector imobiliário enfrenta uma crise histórica, é cenário, pelo menos, muito improvável.

     21) O património da Recorrente, segura e decididamente, não gera nenhum rendimento, muito menos significativo, que possa garantir o seu sustento.

     22) É razoavelmente previsível, com segurança, que, atentos os gastos que possui, que ultrapassam mensalmente os 550,00 €, e a ausência de quaisquer rendimentos, a Recorrente necessita e necessitará de alimentos do seu ex-cônjuge.

     23) Não pode, pois, ser abandonada à sua sorte, quando, efectivamente, carece de alimentos, não por opção, não por ociosidade, não por serem supérfluos os seus gastos e necessidades, mas porque depende economicamente, em absoluto, do Recorrido.

     24) Foi, pois, erradamente aplicada e interpretada também a norma constante do nº 2 do artº 2004° do CC.

     25) O acórdão recorrido é tanto mais contrário à lei e iníquo quanto é certo que precipita a Recorrida para uma situação de verdadeiro alarme social e de permanente angústia, atentatória dos seus direitos de personalidade e contra a qual nada pode fazer, que é a de ver o único rendimento de que, com segurança, dispõe, a definhar, dia após dia, por mais que se atenha aos gastos com as suas necessidades essenciais.

     26) Interpretando e aplicando o direito como o fez, a decisão recorrida contraria as próprias finalidades, a que se propõem os artigos 2003°, 2004° e 2016° do CC, de acautelar e garantir o direito a alimentos a quem deles efectivamente carece, mais negando o direito da Recorrente de viver condignamente.

     27) A errada interpretação e aplicação das normas legais, de que resultou a recusa de alimentos à Recorrente, constitui, ademais, um clamoroso erro de justiça, que, se impõe corrigir.

     28) Podendo o Recorrido prestar alimentos, como pode, haviam de ter sido fixados alimentos definitivos à Recorrente, e fixados na medida das suas reais carências, permitindo-lhe a invocada vivência normal e digna.

     29) Sempre teria direito a alimentos a Recorrente, atento o disposto no nº 2 do artigo 2016º do CC, norma de que se não fez aplicação no caso concreto e que, chegando-se à conclusão, como chegou, de que a Recorrente não tinha necessidade de alimentos, deveria ter aplicado.

     30) É de mais elementar justiça a atribuição de alimentos à Recorrente, atendendo, designadamente, à idade da Recorrente e ao seu estado de saúde, à duração do vínculo matrimonial, aos comprovados papel desempenhado pela Recorrente para a economia do casal, e dedicação exclusiva da Recorrente ao casamento e à família, com total sacrifício da sua instrução e formação, que, objectivamente, resultou na nula empregabilidade da Recorrente e na consequente incapacidade de se sustentar a si mesma.

     31) Da correcta aplicação e interpretação dos preceitos legais pertinentes na matéria, quais sejam, os artigos 2003º, 2004º, 2009º e 2016º do Código Civil, decorre o direito da Recorrente a alimentos, pois que se encontram preenchidos os respectivos pressupostos, de facto e de direito, seja por via da necessidade que aquela deles tem, seja por via da equidade da sua atribuição, quer porque esta solução encontra correspondência na letra da lei, quer porque vai ao encontro do espírito da mesma.

     32) No sentido da verificação da obrigação de alimentos decidiram, justamente, as doutas sentença proferida na 1ª instância e decisão que, em sede de providência cautelar, fixou o montante dos alimentos provisórios em 500,00 € mensais.

     33) Ao decidir, como decidiu, de forma diferente, negando a existência do próprio direito a alimentos da Recorrente (e em conformidade recusando a fixação de quantitativo dos alimentos superior ao determinado pela douta sentença do Tribunal de 1ª instância, o qual é insuficiente para suprir as necessidades da ora Recorrente, podendo o Recorrido prestá-los em montante superior), o acórdão do TRC não operou a correcta aplicação e interpretação dos preceitos legais aplicáveis ao caso sub iudice, violando-os.

     34) Fundamentam, por conseguinte, o presente recurso, quer o erro de interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, quais sejam, os artigos 2003º, nº 1, 2004º, nsº 1 e 2, 2009°, nº 1, al. a), e 2016º, nº 1, al. c), 1ª parte, e nº 3, quer o erro na determinação da norma aplicável, qual seja, a do artigo 2016º, nº 2, todos do Código Civil, na redacção aplicável aos autos.

     Contra-alegou o recorrido pugnando pela confirmação do acórdão em crise.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                                 2. FUNDAMENTOS.

     O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes,

     2.1. Factos.

     2.1.1. A requerente e o requerido consorciaram-se, em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão de adquiridos, em 13 de Agosto de 1975.

     2.1.2. Tal união perdurou até 16 de Outubro de 2003, altura em que o casamento foi dissolvido por divórcio, convolado em mútuo consentimento, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, sob o número 1496/03.4 TBCTB.

     2.1.3. Aquando do divórcio e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 1775º do Código Civil, os então cônjuges prescindiram, mutuamente, de alimentos.

     2.1.4. Desde que se casou com o Réu, a Autora nunca exerceu qualquer actividade profissional.

     2.1.5. A Autora é uma pessoa doente, padecendo de problemas graves ao nível cervical, apresentando um esmagamento da segunda vértebra, o que impõe a sua sujeição a tratamentos de fisioterapia.

     2.1.6. sofre de problemas das vias respiratórias, nomeadamente sinusite, rinite alérgica, o que implica, por prescrição médica, a sua sujeição a tratamentos termais.

     2.1.7. O Réu é empresário da construção civil.

     2.1.8. É Presidente da Junta de Freguesia dos Escalos de Cima, onde aufere vencimento não inferior a € 250,00 mensais.

     2.1.9. Explora uma pedreira localizada num imóvel de que o casal é proprietário.

     2.1.10. Recebe como contrapartida de um arrendamento celebrado com a TMN, que tem por objecto uma faixa de terreno para instalação de uma antena desta operadora de telefones móveis, uma renda mensal.

     2.1.11. Nunca a Autora e a sua família passaram privações.

     2.1.12. Todos os alimentos consumidos em casa eram de primeira qualidade; a Autora deslocava-se pelo menos uma vez por semana ao cabeleireiro e à esteticista; adquiria roupas de marca para si e seus, os filhos e marido; adquiria bons cremes; bons perfumes e o Réu, amiúde, oferecia-lhe jóias.

     2.1.13. Todos os anos, por imperativos de saúde a Autora passava uma semana nas termas, instalada em bons hotéis.

     2.1.14. O Réu, quando saiu de casa, passou a entregar cerca de € 1.000,00 para o sustento da Autora e dos dois filhos do casal que com esta ficaram a viver.

     2.1.15. O Réu efectuava o pagamento de tal quantia através de depósito bancário.

     2.1.16. A Autora não tem rendimentos.

     2.1.17. A Autora tem 52 anos de idade e casou-se aos 17 anos, passando a dedicar-se, exclusivamente, a cuidar do lar, dos dois filhos e do marido.

     2.1.18. A Autora acompanhava os filhos nos respectivos momentos de doença, lazer e estudo.

     2.1.19. A Autora sempre assumiu grande parte das obrigações domésticas,

     2.1.20. Permitindo que o Réu se dedicasse, a tempo inteiro, aos negócios e à política.

     2.1.21. A Autora nunca trabalhou, tendo, como habilitações literárias, o 6º ano de Escolaridade.

     2.1.22. Desde que ocorreu a separação do casal, a Autora tem sofrido de depressão, tendo sido assistida em consultas de psiquiatria no H.A.L.

     2.1.23. O filho mais velho da Autora pagou algumas contas desta.

     2.1.24. O veículo de que a Autora é proprietária encontra-se parado na garagem.

     2.1.25. O Réu tem algumas propriedades rústicas das quais é retirado azeite.

     2.1.26. O Réu é caçador e almoça diariamente fora de casa.

     2.1.27. Antes da separação, a Autora e os filhos permaneciam uma semana na Golegã, onde arrendavam casa, durante a Feira do Cavalo.

     2.1.28. No Verão passava duas semanas no Algarve, no empreendimento Montechoro, onde o casal é proprietário de duas semanas, num apartamento, em “time sharing”.

     2.1.29. A Autora tem necessidade de despender a quantia de € 350,00 mensais para fazer face às suas necessidades de alimentação.

     2.1.30. A Autora custeia os medicamentos que lhe são prescritos. 

     2.1.31. A Autora custeia os tratamentos termais que lhe são prescritos.

     2.1.32. Com o pagamento de gás, água, electricidade e telefone despende um montante mensal de € 200,00.

     2.1.33. A Autora custeia as despesas de condomínio.

     2.1.34. Quando ocorreu a separação do casal, os filhos do mesmo continuaram a viver com a Autora.

     2.1.35. Quando ocorreu a separação do casal, ambos os filhos eram ainda estudantes.

     2.1.36. Entretanto o filho mais velho casou-se, passando a viver de forma independente dos pais, é engenheiro civil, trabalha na “Construções Afonso J.J. Batista, Ld.ª”.

     2.1.37. O filho mais novo é solteiro e, por se ter incompatibilizado com a mãe, passou a viver com a namorada, sendo ajudado, em termos económicos, pelo progenitor.

     2.1.38. A Autora, desde 2000, utiliza, em exclusivo, a sua habitação, uma garagem, um veículo automóvel, uma casa nos Escalos de Cima, com horta, piscina e garagem, a qual se encontra desabitada grande parte do ano.

     2.1.39. A dada altura, depois da separação, a Autora recusava-se a assinar as actas da sociedade “Construções Afonso J.J. Batista, Ldª” e a assinar letras.

     2.1.40. O Réu tem como rendimentos mensais: a) O vencimento da sociedade “Construções Afonso J.J. Batista, Ld.ª”, no valor de € 1.784,60; b) da Junta de Freguesia dos Escalos de Cima, o valor de € 250,00; c) da prestação da antena da TMN, o valor de € 200,64.

     2.1.41. A sociedade tem cerca de 35 trabalhadores.

     2.1.42. Por decisão de 14-07-2005, transitada em julgado, proferida no âmbito do procedimento cautelar de alimentos provisórios, com o nº 1733/05.0TBCTB-A, apenso a este autos, ficou o Réu obrigado a pagar mensalmente, à Autora, a título de alimentos provisórios, a quantia mensal de € 500,00.

     2.1.43. As propriedades rústicas não dão lucro.

     2.1.44. O filho mais novo do casal passou a explorar todas as propriedades rústicas que eram do casal e respectivos rendimentos.

     2.1.45. Este procedeu a um projecto agrícola que, apresentado à Banca, por esta foi concedido um empréstimo de € 40.000,00 para exploração dos referidos terrenos.

     2.1.46. Devido ao empréstimo referido em 45 e, também, às propriedades referidas em 44., o filho mais novo do casal pode desempenhar a actividade profissional para a qual estudou.

     2.1.47. Só o filho CC gere aquelas propriedades.

     2.1.48. As propriedades rústicas que eram do casal têm cerca de 1100 oliveiras.

     2.1.49. O Réu custeia o consumo de água, luz, gás e telefone, bem como paga a prestação da casa onde vive e respectivo condomínio e suporta ainda as despesas com a sua alimentação.

     2.1.50. A sociedade “Construções Afonso J.J. Batista, Ldª” apresentava, em Março de 2005, um passivo de € 103.754.000,00.

     2.1.51. O activo da sociedade, edifício, máquinas e camiões é inferior ao passivo.

     2.1.52. Os lucros da sociedade não têm vindo a ser distribuídos, sendo aplicados em investimento da sociedade.

     2.1.53. O Réu foi emigrante em França enquanto solteiro, onde auferiu fundos, no seu regresso a Portugal, com os fundos adquiridos, formou, com os irmãos, a firma “António de Jesus Batista & Irmãos, Ldª”, em Alcains, e desta, aquando da cessão de quotas, formou a actual firma de que a requerente também é sócia, e isto, então, de há 24 anos até ao ano de 2000, constitui a origem dos bens do casal.

     2.1.54. Da certidão de fls. 161 e seguintes dos autos resulta ainda que por sentença proferida a 07-05-2009, complementada por despacho de 21-12-2009, transitada em julgada, foi homologada partilha judicial dos bens por via da qual foral adjudicados à requerente os seguintes bens: € 1984,505 em dinheiro; Recheio do apartamento de Castelo Branco, no valor de € 16.000,00; Recheio da habitação dos Escalos de Cima, no valor de € 5.000,00; Veículo automóvel de matrícula 00-00-00, no valor de € 5.000,00; Imóvel identificado como a fracção M correspondente ao 2.º andar Dt.º do prédio urbano constituído em propriedade horizontal inscrito na matriz respectiva sob o artigo 0000, sito na Avenida ......./Rua ........., ..., em Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco e com o valor Tributável de € 41.155,52; Direito a metade do prédio urbano sito em Escalos de Cima, Rua ............., .. com área coberta de 212,60 m2, área descoberta de 5465,80 m2, com um anexo de 56,00 m2, outro de 76 m2 e outro de 224,40 m2, a confrontar a norte e sul com DD, a nascente e a poente com via pública, inscrito na Repartição de Finanças respectiva sob artigo matricial 941, não descrito na Conservatória do Registo Predial e com o valor patrimonial de € 48.452,85;     Recebeu de tornas, do requerido, o montante de € 27.500,00.  

                            +

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

     - Considerações sobre o dever de alimentos em sede geral e critérios a observar na respectiva atribuição.

     - O caso vertente à luz dos factos provados e das traves mestras da problemática em análise.

                         2.2.1. Considerações sobre o dever de alimentos em sede geral e critérios a observar na respectiva atribuição.

     Estatui o artigo 2003º nº 1 do Código Civil - Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem - “Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”. Na vigência da sociedade conjugal – lê-se no artigo 2015º - (…) os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do artigo 1 675º”. Estatui o artigo 2016º nº 1 que 1 – Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

     2 – Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.

     3 – Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.

     4 – O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens”. 

     Por seu turno o artigo 2004º do Diploma Legal estabelece refere que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.

     2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.”.

     Quanto ao montante dos alimentos rege o artigo 2016º-A estatuindo que “1 – Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.

     2 – O tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge.

     3 – O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.

     4 – O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.

     Este normativo legal veio precisar critérios na atribuição da pensão que constavam já do artigo 2016º na redacção que lhe fora conferida pelo DL 497/76 de 25 de Novembro; de salientar que agora manda atender-se à hipótese de o cônjuge devedor ter contraído novo matrimónio ou encetado uma união de facto, a preferência de um filho do cônjuge devedor sobre o ex-cônjuge impetrante de alimentos e ainda, o que sobremaneira interessa para o nosso caso, a consideração de que o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio, assim se superando por via legislativa dúvidas que acerca deste ponto se vinham mantendo ma jurisprudência. Mas é claro que isto não justifica pura e simplesmente que seja irrelevante para a fixação de pensão alimentar o nível de vida anteriormente mantido, como aliás resulta do nº 1 do artigo 2.016º-A, quando manda contemplar a duração do matrimónio a colaboração prestada para a economia familiar; também a conjuntura do momento em que são fixados os alimentos releva muito especialmente quando se está num período de contracção da economia em que o emprego escasseia e muito especialmente para quem não tem grandes habilitações. Assim a extinção do vínculo matrimonial não justifica, a nosso ver, que o cônjuge impetrante seja relegado para um patamar de subsistência mínima, não sendo aceitável sem mais a passagem abrupta de uma situação de desafogo para outra de simples cobertura de necessidades basilares. A correcta fixação do “quantum alimentar” deve pois afastar-se de posições extremas; e nem outra coisa resulta, a nosso ver, da correcta interpretação da lei; o legislador limitou-se a afastar a obrigação de ser mantido o padrão de vida da vigência do casamento, mas não propendeu para a solução oposta.

                      2.2.2. O caso vertente à luz dos factos provados e das traves mestras da problemática em análise.

     Revertendo ao caso concreto há que apurar se a Autora necessita que lhe seja atribuída uma pensão de alimentos. São a este propósito divergentes as posições da sentença e do Acórdão da Relação. A primeira propendeu para a solução afirmativa e concedeu à impetrante a pensão de € 350. Já a 2ª instância considerou que a Autora ficou após a partilha dos bens do casal com bens suficientes para prover à sua subsistência não estando em condições de lhe ser atribuída pensão alimentar.

     Tomando posição sobre as duas soluções em presença diremos que o juízo da 1ª instância é aquele que nos parece mais consentâneo com justiça do caso concreto; na verdade o juízo equitativo desta controvérsia passa pela ponderação conjunta de três factores conjugados; as necessidades da Autora; a capacidade de prestação de alimentos por parte do Réu e ainda a conjuntura económica particularmente difícil que o país atravessa.

     A Autora encontra-se desde 16 de Outubro de 2003 divorciada do Réu por mútuo consentimento; casara aos 17 anos, tendo apenas como habilitações o 6ª ano de escolaridade. Na vigência do casamento nunca passou privações auferindo, pelo contrário, de uma situação desafogada, cuidando por seu turno exclusivamente do seus dois filhos, do marido e da vida do lar. Hoje a Autora é doente padecendo de problemas graves a nível cervical apresentando um esmagamento da segunda vértebra o que impõe a sujeição da tratamentos de fisioterapia, sofrendo, além disso, de problemas de vias respiratórias, o que implica por prescrição médica a sujeição a problemas termais. Não tem quaisquer rendimentos, não trabalha e é um facto notório que as suas escassas habilitações no momento actual dificultam necessariamente encontrar qualquer tipo de ocupação. Gasta mensalmente a importância de € 350,00 s para fazer face às despesas com a sua alimentação tendo além disso de custear os tratamentos termais que lhe são prescritos. É bem certo que aquando da partilha dos bens recebeu quantias em dinheiro e ainda uma fracção predial correspondente a um 2º andar em Castelo Branco e ainda o direito a metade de um prédio urbano com o valor de € 48.452,85; e dir-se-á: trata-se de bens que poderia alienar, a fim de obter meios de subsistência… Por outro lado em matéria de alimentos não pode ignorar-se as profundas alterações sociológicas que o casamento tem vindo a registar nas últimas décadas; esbateu-se o conceito de matrimónio com vocação para durar uma vida, a mulher emancipou-se, exercendo hoje, a par com o homem, o mesmo tipo de actividades profissionais, por isso se compreendendo que a lei estabeleça como regra geral a de que após o divórcio cada um dos cônjuges deverá prosseguir cada qual a sua vida própria subsistindo pelos seus meios. Só que não pode esquecer-se que existem casos em que o casamento remonta há várias décadas e foi celebrado de harmonia com pressupostos tradicionais e de duração tendencialmente perpétua; neste quadro era o homem que provia o casal dos meios materiais necessários à subsistência sendo a mulher confinada a uma função de gestora do lar e garante da respectiva estabilidade. Nestes casos, os laços de solidariedade eram muito estreitos e a perspectiva de ruptura era muito remota, pelo que se compreende que quando uma união destas se dissolve, o princípio da solidariedade se projecte com mais intensidade, protegendo o membro mais débil do extinto casal em grande parte também à luz do que foram o ideário, expectativas e práticas do matrimónio; e se bem que não haja que assegurar à impetrante de alimentos o mesmo nível que tinha na vigência da sociedade conjugal compreende-se que não tendo este rendimentos que lhe possam advir do trabalho e não lhe proporcionando os seus bens réditos, não tem liquidez, sendo certo que não deverá exigir-se que exaura o seu património – o qual se bem que não despiciendo se gastará inexoravelmente - para garantir a sua subsistência de molde a que só quando se encontrar numa situação de carência total possa obter da parte do ex-marido uma pensão alimentar. A duração do casamento e os cânones pelos quais o mesmo se pautou e a contribuição prestada pela Autora para o sucesso do casal que integrou, justificam-no; e a situação do Réu permite-o; na verdade para além de dispor de vários bens aquele aufere o vencimento mensal da sociedade “Construções Afonso JJ Baptista Lda. no valor apurado de € 1.784,60; da Junta de Escalos de Cima o valor de € 250,00; da prestação da antena da TMN o valor de € 200,64. Por outro lado ainda que a sociedade tenha um passivo elevado, o certo é que mesmo que eventualmente configure uma hipótese de “empresa marginal”, não deixa de manter 35 trabalhadores ao seu serviço o que implica já por si uma dimensão razoável. Nesta conformidade poderá suportar sem grande dificuldade a pensão alimentar de € 250,00 mensais para a Autora como auxílio à satisfação das despesas certas que tem que suportar com a sua subsistência nomeadamente saúde e alimentação.

          Poderá então assentar-se à guisa de sumário e conclusões:

     1) A evolução sociológica facultada emancipação da mulher tendeu a parificar a situação económico-social dos cônjuges no sentido de apontar como regra geral para que consumada a separação ou divórcio cada um deles deva prover à respectiva subsistência.

     2) Todavia há que atender a situações criadas, emergentes de uniões matrimoniais estáveis e duradouras, firmadas há várias décadas, onde foram assumidas obrigações e criadas, à luz dos valores então dominantes, fundadas expectativas de perpetuidade do vínculo matrimonial.

     3) Assim a extinção do vínculo não deve abrir a porta a que o cônjuge impetrante seja relegado para um patamar de subsistência mínima, não sendo aceitável sem mais a passagem abrupta de uma situação de desafogo para outra de simples cobertura de necessidades basilares e que só depois de exauridos todo o capital de raiz dos seus bens próprios, ainda que com algum valor, lhe seja concedida uma pensão de alimentos

     4) Nestas circunstâncias e mau grado não seja exigível que ao cônjuge impetrante de alimentos seja garantida a situação económico-social que mantivera na constância do matrimónio compreende-se que princípio da solidariedade se projecte com mais intensidade protegendo o membro mais débil do extinto casal em grande parte também à luz do que foram o ideário, expectativas e práticas do matrimónio extinto.

     5) Mostra-se adequado fixar a título de alimentos a quantia de € 250,00 mensais ao ex-cônjuge impetrante com o 6º ano de escolaridade que não trabalha e não aufere rendimentos sendo que o ex-marido é industrial e aufere para além de outros rendimentos o vencimento declarado de 1.784,60 numa sociedade de construção civil a qual muito embora possua um passivo elevado conta ainda com 35 trabalhadores.

                                 3. DECISÃO.

     Pelo exposto acorda-se conceder parcialmente a revista e revogando o decidido condena-se o Réu BB no pagamento da prestação mensal de € 250,00 a título de alimentos à Autora AA.

     Custas na proporção do vencimento/decaimento.

Lisboa, 28 de Junho de 2012

Távora Vítor (Relator)

Sérgio Poças

Granja da Fonseca