Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CARVALHO | ||
Descritores: | INQUÉRITO ACUSAÇÃO PARTICULAR CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE NULIDADE JUÍZ DE INSTRUÇÃO COMPETÊNCIA MATERIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 02/28/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | DEFERIDA | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A HONRA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E TRIBUNAL / COMPETÊNCIA - JULGAMENTO / ACTOS PRELIMINARES. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 17.º, 33.º, N.º1, 313.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 183.º, 184.º. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : |
I - Após o despacho do M.º P.º que ordenou o arquivamento do inquérito, o denunciante, bem ou mal, deduziu uma acusação particular contra o denunciado, no caso um Juiz Desembargador, pelo crime do art.º 183.º do C. Penal e arguiu, simultaneamente, uma nulidade perante o Juiz Conselheiro da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça. II - O M.º P.º remeteu os autos ao Juiz de Instrução, apenas para este admitir o denunciante como assistente. Porém, o juiz de instrução (no caso um Juiz Conselheiro do STJ, dada a qualidade profissional do denunciado), não só admitiu o denunciante como assistente, como se pronunciou sobre a eventual nulidade arguida pelo denunciante/assistente. III - Ora, compete ao juiz de instrução “proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste Código” (art.º 17.º do CPP). IV - Por isso, deduzida acusação particular, a arguição de uma nulidade do inquérito, feita em simultâneo com tal acusação, só poderá caber ao juiz competente para proferir despacho nos termos do art.º 313.º do CPP e não ao juiz de instrução, salvo se o arguido, notificado de tal acusação, vier requerer instrução. V - Assim, a arguição de nulidade, que até nem foi dirigida ao juiz de instrução, não poderia ter sido apreciada pelo Excm.º Conselheiro a exercer funções de juiz de instrução, por falta de competência material para esse efeito. VI - Deste modo, nos termos do art.º 33.º, n.º 1, do CPP, há que anular o despacho recorrido e ordenar a remessa dos autos para o M.º P.º, tendo em vista o normal prosseguimento do processo, designadamente, com a notificação ao denunciado da acusação particular. VII - A arguição da dita nulidade será apreciada pelo juiz que se revelar posteriormente competente, que decidirá se dela toma conhecimento ou não, que poderá vir a ser, ou o juiz de instrução, caso essa fase processual venha a ser requerida pelo arguido, ou então o que, por nova distribuição, for designado para proferir despacho nos termos do art.º 313.º do CPP. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça 1. “A” apresentou denúncia contra o Sr. Juiz Desembargador Dr. “B”, pela prática do crime de publicidade e calúnia, previsto no art.º 183.º do C. Penal, requerendo a instauração de procedimento criminal contra o mesmo. Instaurado inquérito no Supremo Tribunal de Justiça e realizadas as diligências de prova entendidas como necessárias pelo Ministério Público, veio a Procuradora Geral Adjunta que o dirigiu a proferir despacho de arquivamento, por não se ter indiciado a prática de qualquer crime. Notificado do despacho de arquivamento, veio o participante requerer a sua constituição como assistente, deduzir acusação contra o denunciado e arguir a nulidade de tal despacho, por requerimento dirigido a Juiz Conselheiro da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, alegando, em síntese, que face ao disposto no n.º 1 do art.º 285.º do CPP, findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular. “Assim, o participante teria de ser notificado pelo Ministério Público para, querendo, deduzir acusação particular e para se constituir assistente no prazo de 10 dias. A preterição da formalidade referida no ponto anterior constitui uma nulidade que se invoca para todos os efeito legais, devendo assim o despacho da Senhora Procuradora [Geral] Adjunta ser declarado nulo." O Juiz Conselheiro da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça a quem foi distribuído o processo como Juiz de Instrução admitiu o denunciante como assistente e lavrou o seguinte despacho: «Por via judicial, o despacho de arquivamento apenas é impugnável, através da abertura de instrução, nos termos e pressupostos contemplados no art.º 287.º do CPP. Não foi requerida a abertura de instrução. A pretensa nulidade arguida respeita a ato do Ministério Público, no âmbito das comunicações do despacho de arquivamento, em inquérito, cuja direção cabe ao Ministério Público – art.ºs 263.º n.º 1 e 277.º n.º 2 do CPP. É pois, o Ministério Público, a entidade competente para conhecer da invocada nulidade. Notifique e regressem os autos ao Ministério Público.»
2. O assistente interpôs recurso de tal despacho judicial que não conheceu da nulidade e concluiu assim: 1- O douto despacho viola a al. b) do n.º 1 do art.º 287.º do CPP. 2- O MP estava obrigado a notificar o assistente para os efeitos do n.º 1 do art.º 285.º, o que não fez. 3 - Deve ser proferido acórdão que considere nulo o despacho do M.P. na parte em que não notificou o assistente para deduzir acusação particular e, em consequência, ser o assistente notificado nos termos do n.º 1 do art.º 285.º. Termos em que requer a revogação do douto despacho no segmento acima referido, devendo ser proferido acórdão que considere procedente a invocada nulidade e, em consequência, cumprido o disposto no n.º 1 do art.º 285.º do CPP (…).
3. O Ministério Público respondeu ao recurso e concluiu deste modo: 1- O exercício da ação penal cabe exclusivamente ao Ministério Público, sendo os seus despachos de arquivamento e notificações feitas no respetivo âmbito, apenas sindicáveis pela sua hierarquia. 2- Só por lapso detetável, além do mais, também, pela omissão do cumprimento do estipulado no art.º 285.º (2) do CPP, se fez referência, apenas, ao art.º 180.º do CP, quando de facto referência deveria ter sido feita, igualmente, desde logo, pela qualidade de Juiz Desembargador detida pelo participado, aos art.ºs 183.º, 184.º última parte e 188.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal. 3- Assim, não revestindo o crime aqui em causa, natureza particular, não se justificava nem justifica, a notificação do recorrente nos termos e para os efeitos do art.º 285.º (1) do CPP. Termos em que o presente recurso não deveria merecer provimento.
4. Na vista ao M.º P.º a que se refere o art.º 416.º, n.º 1, do CPP, disse a PGA no STJ o seguinte: «Concordamos com douto despacho recorrido, que não merece qualquer censura. Efetivamente, para fazer intervir o controlo judicial o recorrente tinha duas opções: requerer a abertura de instrução, para que o Juiz de Instrução apreciasse da bondade da decisão do Ministério Público de arquivar o Inquérito; deduzir acusação - tal como fez -interpelando assim o Juiz do Julgamento para que julgasse o denunciado. Competindo a direção do Inquérito ao Ministério Público e no reforço da estrutura acusatória do processo penal, fora das hipóteses supra descritas, o controlo da atuação do Ministério Público, durante o Inquérito e quando da prolação do despacho final, nomeadamente no tocante a eventuais inexistências, nulidade ou irregularidades de atos processuais, efetiva-se mediante reclamação para o Superior Hierárquico e não através da intervenção de Magistrado Judicial. Face ao acima exposto, o recurso é manifestamente improcedente, devendo ser rejeitado - artigo 420.°, n.º 1, alínea a), do CPP.»
5. O recorrente, notificado desse Parecer, disse, no essencial, o seguinte: «Face ao disposto no artigo 277.º do CPP e contrariamente ao parecer da Digna Procuradora -Geral Adjunta não está em causa o assistente reclamar hierarquicamente do despacho de arquivamento do inquérito. Efetivamente o que está em causa é a omissão de notificação do assistente pelo Ministério Público para os efeitos do art.º 285.º do CPP. A circunstância do assistente ter deduzido a acusação particular não obsta a que seja reconhecida a existência de nulidade da omissão de notificação para esse fim. Tal notificação constitui um ato legalmente obrigatório e como tal sujeito a controle jurisdicional, conforme resulta do disposto no artigo 120.º n.º 2 al. d) do CPP. “A falta de notificação do assistente para deduzir acusação particular configura a nulidade sanável referida na alínea d) do n.º 2 do art.º 120.º do CPP" - Ac. TRP de 27/06/2012.Termos em que, contrariamente ao parecer da Digna Procuradora Geral Adjunta se mantem válido e pertinente o recurso.»
6. Por decisão sumária do relator, proferida em 21 de janeiro de 2013, o recurso foi rejeitado por manifesta improcedência, com os seguintes fundamentos: «Do disposto nos art.ºs 118.º a 123.º e 379.º, n.º 2, do CPP, conclui-se que as nulidades dos atos processuais devem arguir-se perante a entidade que as cometeu, para que, podendo, as possa sanar, sendo única exceção a esta regra a nulidade da sentença, a qual deve ser arguida no recurso a que haja lugar. Assim, se o assistente entendia que o Ministério Público, no seu despacho de arquivamento, cometera uma nulidade por omissão de uma notificação, deveria tê-la arguido perante a Magistrada que o cometera e, se esta não lhe desse razão, poderia, então, atuar de três maneiras diferentes, independentemente da dita notificação (cujo efeito prático seria, no caso, apenas o de dar início ao prazo respetivo): ou deduzir acusação caso entendesse que o crime era particular (art.º 285.º, n.º 1, do CPP), ou requerer instrução caso o crime não fosse particular (art.º 287.º, n.º 1, al. b, do CPP), ou pedir a intervenção hierárquica (art.º 278.º, n.º 1, do CPP). O assistente optou pela primeira hipótese, pois deduziu acusação particular. Mas, para além disso, fez uso de um meio anómalo e ilegal, pois pediu a intervenção “corretora” do juiz de instrução criminal, no sentido de declarar a nulidade e de, implicitamente, obrigar o MP a sanar o vício. Ora, os atos do inquérito são dirigidos pelo Ministério Público (art.º 263.º do CPP) e ao juiz de instrução não é atribuído poder para fiscalizar, revogar ou alterar tais atos, estando a sua competência funcional definida, para essa fase processual, pelos art.ºs 268.º e 269.º, onde não consta o poder de declarar a nulidade do despacho de arquivamento e das respetivas notificações. As Magistraturas judicial e do MP são autónomas e independentes, não sendo nunca o juiz um superior hierárquico do MP, pois cada um atua processualmente de acordo com as suas competências próprias, definidas na lei. A intervenção que o recorrente pediu ao Juiz Conselheiro designado como juiz de instrução, para declarar a nulidade do despacho de arquivamento, constituiu um requerimento ilegal e, como tal, teria de ser indeferido. Por isso, o recurso agora interposto mostra-se manifestamente improcedente. Pelo exposto, por decisão sumária do relator, rejeita-se o recurso interposto pelo assistente “A”, por manifesta improcedência. Fixa-se em 5 (cinco) UC de taxa de justiça devida pela recorrente (tabela III do RCP), o qual pagará ainda, nos termos do n.º 3 do art.º 420.º do CPP, uma soma de 3 (três) UC».
7. O recorrente reclamou para a conferência, nos termos do art.º 417.º, n.º 8, do CPP, dizendo, no que importa, o seguinte: «Logo que foi notificado do despacho de 'arquivamento o ora recorrente arguiu a nulidade do referido despacho perante o Senhor Juiz Conselheiro e apresentou, desde logo, a acusação particular requerendo a constituição como assistente. E fê-lo diante do Senhor Juiz Conselheiro porque tinha findado o inquérito e, a partir desse momento, o assistente só podia sindicar o despacho da Magistrada Procuradora junto do Juiz; repete-se: já tinha terminado o inquérito. Assim, a partir do momento em que o recorrente, em simultâneo, vem arguir a nulidade da omissão do Ministério Público quanto ao cumprimento do disposto no art.º 285.º n.º 1 do CPP e deduzir acusação particular, a verificação da existência de nulidade é da exclusiva competência do senhor Juiz conforme resulta do disposto no art.º 311.º n.º 1 do CPP. O MP não decide acerca de nulidades. Não se controla a si próprio. Ou, dito de outro modo, não o deve fazer, porque não tem sustento legal. Efetivamente, a partir do momento em que o recorrente deduz acusação particular, o saneamento do processo, designadamente no que concerne à apreciação das nulidades, é da exclusiva competência do Juiz, como decorre com toda a evidência do art.º 311.º n.º 1 do CPP. Aliás uma interpretação feita deste artigo como a agora feita nesta decisão sumária viola frontalmente o art.º 20.º da CRP. Assim, face ao disposto no nº 6 do artigo 417º do CPP, vem o recorrente reclamar da decisão sumária, pois não há circunstâncias que obstem ao conhecimento do recurso, porquanto, contrariamente à douta decisão, não houve qualquer requerimento ilegal do recorrente».
8. Colhidos os vistos em simultâneo, vieram os autos à conferência, a qual se processou de acordo com o formalismo legal. Cumpre decidir.
Do relatório resulta que o recorrente, notificado do despacho de arquivamento, então na qualidade de denunciante, veio constituir-se assistente, deduzir acusação contra o denunciado e arguir a nulidade de tal despacho, por requerimento dirigido ao Juiz Conselheiro da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça. O M.º P.º no STJ pronunciou-se no sentido de ser o crime cujo arquivamento se ordenou, não o do art.º 183.º do C. Penal, como por lapso aí se dizia, mas o do art.º 184.º do mesmo diploma, pelo que não revestia natureza de crime particular. Assim, não havia que notificar o denunciante para, querendo, deduzir acusação particular e, portanto, não se verificava qualquer nulidade. Simultaneamente, remeteu os autos ao Juiz Conselheiro a exercer funções de juiz de instrução, para a admissão do denunciante como assistente, à qual não se opôs. Distribuídos os autos a um Juiz Conselheiro, a exercer funções de juiz de instrução, o mesmo admitiu o denunciante como assistente e lavrou despacho a determinar que o Ministério Público seria a entidade competente para conhecer da invocada nulidade, motivo pelo qual ordenou que os autos fossem de novo entregues a esse Magistrado. O denunciante, agora já constituído assistente, interpôs recurso de tal despacho judicial que não conheceu da nulidade por ele invocada. Ora, repensando melhor, a decisão sumária que o relator proferiu não pode subsistir. Com efeito, só poderia ter cabimento processual a rejeição do recurso se o despacho recorrido tivesse sido lavrado pelo juiz competente. Mas não o foi. Na verdade, bem ou mal, o denunciante deduziu uma acusação particular e arguiu, simultaneamente, uma nulidade perante o Juiz Conselheiro da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça. O M.º P.º remeteu os autos ao Juiz de Instrução, apenas para este admitir o denunciante como assistente. Porém, o juiz de instrução (no caso um Juiz Conselheiro do STJ, dada a qualidade profissional do denunciado), não só admitiu o denunciante como assistente, como se pronunciou sobre a eventual nulidade arguida pelo denunciante/assistente. Ora, compete ao juiz de instrução “proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste Código” (art.º 17.º do CPP). Por isso, deduzida acusação particular, a arguição de uma nulidade do inquérito, feita em simultâneo com tal acusação, só poderá caber ao juiz competente para proferir despacho nos termos do art.º 313.º do CPP e não ao juiz de instrução, salvo se o arguido, notificado de tal acusação, vier requerer instrução. Assim, a arguição de nulidade, que até nem foi dirigida ao juiz de instrução, não poderia ter sido apreciada pelo Excm.º Conselheiro a exercer funções de juiz de instrução, por falta de competência material para esse efeito. Deste modo, nos termos do art.º 33.º, n.º 1, do CPP, há que anular o despacho recorrido e ordenar a remessa dos autos para o M.º P.º, tendo em vista o normal prosseguimento do processo, designadamente, com a notificação ao denunciado da acusação particular. A arguição da dita nulidade será apreciada pelo juiz que se revelar posteriormente competente, que decidirá se dela toma conhecimento ou não, que poderá vir a ser, ou o juiz de instrução, caso essa fase processual venha a ser requerida pelo arguido, ou então o que, por nova distribuição, for designado para proferir despacho nos termos do art.º 313.º do CPP.
9. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em deferir a reclamação, revogar a decisão sumária do relator, anular o despacho recorrido e ordenar a devolução dos autos ao Ministério Público neste Tribunal, para proceder conforme o indicado. Não há lugar a tributação. Supremo Tribunal de Justiça, 28 de fevereiro de 2013
(SANTOS CARVALHO)
(RODRIGUES DA COSTA) |