Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4077/14.3T8VNF.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: SEGURO DE HABITAÇÃO
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
DECLARATÁRIO
Data do Acordão: 06/05/2018
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DELIMITAÇÃO SUBJECTIVA DO RECURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DDO TRIBUNAL RELAÇÃO DO PORTO:


-DE 12-04-2010, PROCESSO N.º 1443/04.6TBGDM.P1, IN CJ, TOMO II, P. 202 E WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Para efeitos de um seguro de danos referente a uma habitação que garante os danos sofridos em virtude de aluimento de terras em consequência de fenómenos geológicos – i.e. de uma acção nova e rara associada à geodinâmica da crosta terrestre –, é de excluir do âmbito dessa cobertura um desabamento que haja sido causado por deficiências construtivas da moradia dos recorridos.

II - A interpretação referida em II corresponde àquela que um declaratário normal adoptaria, pois um fenómeno geológico não pode ser equiparado a deficiências de construção.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO

  

l. AA e mulher BB, intentaram acção de processo comum contra CC - Companhia de Seguros, S.A., alegando resumidamente:

Celebraram um contrato de seguro multirriscos com a R., para protecção da sua casa de habitação, e que, tendo ocorrido na mesma danos de cedência do passeio de encosto à casa e no deck do logradouro, bem como da cedência do revestimento da fachada ventilada da moradia, resultado de movimentação de terras por excessiva pluviosidade no inverno de 2012, a R. se nega a proceder ao pagamento dos prejuízos sofridos.

Concluem pedindo (após correcção do pedido), a condenação da R. no pagamento aos AA. das quantias de € 21.000,00 e € 10.600,00, acrescidas de IVA à taxa legal em vigor.


2. A R. CC - Companhia de Seguros, S.A. contestou, alegando, em síntese, que os danos verificados são decorrentes de deficiências de construção, pelo que não têm enquadramento em qualquer cobertura da apólice. Sem prejuízo, impugnam o valor sustentado como necessário para as reparações dos danos.

Conclui pedindo a improcedência da acção.


3. Realizou-se uma tentativa de conciliação que se frustrou, tendo sido proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância e proferiu-se ainda despacho de fixação do objecto do processo e dos temas da prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

 

4. Inconformados, apelaram os Autores AA e mulher BB para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por Acórdão de 18 de Dezembro de 2017, decidiu «em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a sentença recorrida e condenam a apelada CC - Companhia de Seguros, S.A.. a pagar aos apelantes indemnização pelos prejuízos sofridos, no montante que se apurar em liquidação de sentença, tendo como limite máximo o montante de 31.600,00, acrescido de IVA».


5. Inconformada, a Ré CC - Companhia de Seguros, S.A., interpôs Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

1ª- Resultando as patologias constatadas de "deficiências construtivas" está em causa a inclusão na própria cobertura de "aluimento de terras" e não simplesmente a verificação de uma exclusão, como muito bem esteve a Sentença proferida pela 1a Instância.

2ª- O contrato de seguro cobre o risco "aluimento de terras" quando o mesmo é consequência dos fenómenos geológicos de aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos, ou seja, quando tem causas naturais relacionadas com a geodinâmica ou composição da crosta terrestre.

3ª- Todos os eventos que envolvam movimentações de terras são deslizamento ou aluimento, mas nem todos são fenómenos geológicos.

4ª- Entende-se por fenómeno geológico uma acção extraordinária, natural, nova, rara, surpreendente, momentânea, e que sucede poucas vezes provocada pelas modificações internas das camadas de solo que constituem a crosta terrestre.

5ª- A origem do fenómeno geológico (aluimento, afundimento), tem de acontecer devido a processos naturais associados à geodinâmica interna e externa da crosta terrestre e não por causas climatéricas (ventos ou chuvas) e ou humanas (defeitos construtivos).

6ª- Estas últimas, ainda que se tratem de aluimento ou deslizamento, não são causados por um qualquer fenómeno geológico.

7ª- As cedências do passeio de encosto a casa, do deck do logradouro e do revestimento da fachada ventilada da moradia, em resultado de deficiências construtivas, não são fenómenos geológicos.

8ª- O evento em causa e os danos verificados nunca estão garantidos pelo contrato de seguro, porquanto a origem dos mesmos não é um fenómeno geológico.

9ª- O art. 32°, ponto 25 das cláusulas do contrato de seguro não é uma cláusula ambígua.

10ª- Os AA. não provaram os factos constitutivos do seu direito, o enquadramento na cobertura contratada de "aluimento de terras", como se lhes impugna;

11ª- Pelo que não se impunha à R. a prova da exclusão contratual à cobertura.

12ª- Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação de … violou o disposto no art. 32°, ponto 25, das cláusulas do contrato de seguro, bem como o disposto nos arts. 236° e 342° do Código Civil e nos arts. 10° e 11° do DL 446/85.

Conclui pedindo que seja julgado procedente o recurso interposto pela R., julgando-se a acção improcedente, confirmando-se a sentença proferida em 1ª-instância.


6. Os Recorridos AA e mulher BB, apresentaram contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. A tese da seguradora traduz uma incorrecta interpretação e aplicação das cláusulas do contrato de seguro, nomeadamente das cláusulas 32 e 33, violando também os artigos 236 e 239 do Código Civil.

B. Aliás, uma vez que está em causa um contrato de adesão, se alguma dúvida de interpretação existisse - e não existe -, a cláusula teria de ser interpretada no sentido mais favorável ao aderente, como prescreve o art. 11, n° 2 do DL. 446/85.

C. No conceito da recorrente, a cobertura do risco geológico só funcionaria se aparecesse um vulcão no local da casa dos autores!

D. O conceito de aluimento tem a ver com desmoronamento; derrocada; Um deslizamento/escorregamento de terra ou desabamento é um fenómeno de ordem geológica e climatológica que inclui um largo espectro de movimentos do solo, tais como quedas de rochas, falência de encostas em profundidade e fluxos superficiais de detritos.

E. Da tese da seguradora resultaria que o seguro em causa só cobriria os danos no solo e não na habitação!!!

F. Está em causa um fenómeno geológico, sendo irrelevante a profundidade a que ocorreu, até por o contrato não limitar a responsabilidade a esse aspecto.

G. Face aos factos provados, é manifesta a cobertura da situação em causa pelas cláusulas do seguro, pois é inequívoco que o solo onde se apoiava o passeio da casa dos autores, do deck do logradouro e do revestimento da fachada aluíram ou cederam, causando danos na casa.

H. Não podemos dissociar a cobertura do aluimento de terras, com as situações do

defeito de construção, porque:

a)     A cláusula 32 do contrato de seguro cobre as situações de aluimento de terras.

b)     A cláusula 33 exclui a cobertura das situações de aluimento de terras, quando os danos resultam do defeito de construção

I. Ou seja, é a própria seguradora que, no contrato de seguro, faz a conexão entre os dois fenómenos, ou seja, aluimento de terras e defeito de construção, pelo que a sua definição de "fenómeno geológico" contraria o texto do contrato de seguro.

J. Acresce que a interpretação da seguradora deixaria a cláusula do seguro sem qualquer cobertura real, pois que os autores não fizeram um seguro para cobertura do seu quintal, mas sim um seguro PROTEÇÃO CASA + Seguro Multirriscos Habitação.

K. É certo que a cobertura do seguro tem uma exclusão, mas é o seu âmbito que tem de ser analisado.

L. Acontece que a seguradora alegou apenas que os danos em causa resultaram de defeito de construção, ou seja, não logrou afastar a sua responsabilidade na medida em que não alegou nem provou os factos de onde resultaria a aplicação da cláusula de exclusão.

M. Na verdade, a cláusula de exclusão 33° exclui expressamente "3 - Perdas ou danos resultantes de deficiência de construção, de projecto, de qualidade de terrenos ou outras características do risco, que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do Tomador do Seguro ou do Segurado, assim como danos em bens seguros que estejam sujeitos a acção contínua da erosão e acção das águas, salvo se for feita prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos" - sublinhado nosso.

N. Dos autos não resulta, nem podia resultar, qualquer indicador da existência de deficiência de construção ou de projecto do imóvel, e muito menos que esta era, ou devia ser, do conhecimento prévio dos autores.

O. Cabia à seguradora o ónus de alegar e provar a verificação de uma cláusula de exclusão do risco (como facto impeditivo do direito daquele - cfr art. 342°, n° 2 do CC), o que não fez, motivo pelo qual a seguradora tem de assumir o cumprimento da sua prestação: da assunção do risco e da obrigação de pagar um determinado capital perante a ocorrência de um sinistro.

Concluem pedindo que seja negado provimento ao recurso de revista, mantendo-se o decidido pelo Tribunal da Relação.


6. O Tribunal da Relação de … admitiu o recurso (fls. 248).


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


Foram dados como provados os seguintes factos:


1.a) Os autores são donos e legítimos proprietários, bem como possuidores do prédio urbano destinado a habitação unifamiliar composto por cave, r/chão e andar, com logradouro e piscina exterior descoberta, sita na Rua …, nº …, Ribeirão, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 2442 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 5099. (artigo 1. da petição inicial)

2.b) Tal moradia foi construída em 2008 e a piscina em 2009. (artigo 2. da petição inicial)

3.c) Aquando da concessão de crédito bancário para a construção da supra mencionada moradia, para garantia de pagamento, a instituição bancária, exigiu aos autores a celebração de um seguro multi-riscos habitação. (artigo 3. da petição inicial)

4.d) O que veio a suceder em 2008-12-19, data em que foi celebrado entre os autores e a ré um contrato de seguro multi-riscos na habitação mencionada em a), o qual está titulado pela apólice nº MR79156104 – protecção casa mais. (artigos 4. e 5. da petição inicial)

5.e) O contrato teve início em 2008-12-19 e tinha pagamentos mensais, que os autores pontualmente têm cumprido e a ré tem recebido e embolsado. (artigo 6. da petição inicial)

6.f) Por via de tal contrato, a ré assumiu o dever de indemnizar os autores por danos que ocorressem no prédio dos autores, garantindo, entre outros, os danos que resultassem de aluimentos de terras, sem franquia, até ao montante de € 177.971,15. (artigo 7. da petição inicial)

7.g) Resultando das condições gerais da apólice Parte II – cláusula 32º que diz respeito ao objecto e garantias facultativas do contrato, do seu ponto 25º: “ALUIMENTO DE TERRAS Garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: Aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”. (artigo 8. da petição inicial)

8.h) Da cláusula 33ª resultam as exclusões, no que ao aluimento de terras diz respeito: “ALUIMENTOS DE TERRAS Ficam excluídos desta cobertura: 1 – Perdas ou danos resultantes de colapso total ou parcial das estruturas seguras, não relacionadas com os riscos geológicos garantidos. 2 – Perdas ou danos acontecidos em edifícios, muros, vedações, piscinas ou outros bens seguro, que estejam assentes sobre fundações que contrariem as normas técnicas ou as boas regras de engenharia de execução das mesmas, em função das características dos terrenos e do tipo de construção assim como as perdas ou danos acontecidos aos bens nele existentes. 3 – Perdas ou danos resultantes de deficiência de construção, de projecto, de qualidade de terrenos ou outras características do risco, que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do Tomador do Seguro ou do Segurado, assim como danos em bens seguros que estejam sujeitos a acção contínua da erosão e acção das águas, salvo se for feita prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos. 4 – Perdas ou danos consequentes de qualquer dos riscos garantidos por esta Condição Especial, desde que os mesmos verifiquem durante a ocorrência de abalos sísmicos ou no decurso das 72 horas seguintes à última manifestação do fenómeno sísmico. 5 – Perdas ou danos nos bens seguros se, no momento da ocorrência do evento, o edifício já se encontrava danificado, desmoronado ou deslocado das suas fundações, paredes, tectos, algerozes ou telhados. (artigo 9. da petição inicial)

9.i) O prédio referido em a) apresentava, em Setembro de 2013 cedência do passeio de encosto à casa, do deck do logradouro e do revestimento da fachada ventilada da moradia. (artigos 10. e 24 da petição inicial)

10.j) Em 2013-09-03, os AA. participaram o sinistro à R., presencialmente junto do balcão da Trofa do Banco DD, seu mediador de seguros, a fim de que diligenciassem pela instrução do processo necessário e adequado com vista a serem ressarcidos pelos prejuízos sofridos na sua moradia. (artigo 12. da petição inicial)

11.k) Nesse seguimento, a ré em 24-09-2013 efectuou uma peritagem ao imóvel em causa. (artigo 13. da petição inicial)

12.l) Em 28-11-2013, a ré, invocando deficiências construtivas, designadamente de insuficiência de compactação do solo para assentamento do pavimento, declinou a sua responsabilidade. (artigo 17. da petição inicial)

13.m) Com a participação, foram apresentados pelo A. dois orçamentos: um no valor de € 6.600,00 para “remover passeio, regularizar com massame e malha sol; assentamento de pedra vila real cm cimento cola; medidas: passeio de 40 m2 e lambrim de parede de 20 m2”; outro no valor de € 14.000,00 para reparação do deck em madeira. (artigo 7º da contestação)

14.n) As patologias constatadas resultam de deficiências construtivas, nomeadamente, insuficiente compactação do solo para assentamento dos passeios e deck. (artigo 9º da contestação)

15.o) Se o solo para assentamento dos passeios e decks tivesse sido bem compactado, o pavimento não tinha cedido. (artigo 11º da contestação)


Foram dados como Não Provados os seguintes factos


1) Os danos sofridos na habitação foram causados pelo deslize de terras nas subcamadas do solo. (artigo 20. da petição inicial)

2) Tais cedências estão causalmente associadas à infiltração das águas provenientes da pluviosidade registada no período de inverno de 2012. (artigo 25. e 27. da petição inicial)

3) A pluviosidade verificada no inverno de 2012, fez com que o solo não conseguisse em tempo útil drenar as águas acumuladas, originando o deslize de terras nas subcamadas e consequente cedência dos pavimentos. (artigo 28. da petição inicial)

4) Para a reparação dos danos verificados, terão os autores que despender das quantias de € 21.000,00 e € 10.600,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor. (artigo 33. da petição inicial)



III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação da Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente a questão concreta de que cumpre conhecer é apenas a seguinte:


1ª- O evento – sinistro – é ou não subsumível num dos riscos que as partes acordaram transferir ao celebrarem o contrato de seguro?


B) Vejamos

1 - Importa ponderar que a Recorrente/seguradora nas suas alegações de recurso bem como nas conclusões defende que a presente situação não está coberta pelo contrato de seguro que celebrou com os Recorridos.

Estaríamos, assim, perante um caso em que quer o evento quer os danos verificados não estão garantidos pelo contrato de seguro, atenta a origem dos mesmos.

Posição diametralmente oposta assumem os Recorridos.

Impõe-se desta forma apreciar a questão.


C) Para uma correcta compreensão e decisão do caso em apreço impõe-se a análise do contrato de seguro celebrado.  

Relembremos os factos essenciais.

Como resulta da matéria de facto provada os autores, que são os donos e legítimos proprietários, da moradia identificada nos autos, a qual foi construída em 2008 e a piscina em 2009, celebraram com a Ré um seguro multi-riscos habitação, o qual está titulado pela apólice nº MR7…4.

Por via desse contrato, a ré assumiu o dever de indemnizar os autores por danos que ocorressem na moradia, garantindo, entre outros, os danos que resultassem de aluimentos de terras, sem franquia, até ao montante de € 177.971,15.

Resulta das condições gerais da apólice Parte II – cláusula 32º que diz respeito ao objecto e garantias facultativas do contrato, do seu ponto 25º: “ALUIMENTO DE TERRAS Garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: Aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”.

Da cláusula 33ª resultam as exclusões, no que ao aluimento de terras diz respeito: “ALUIMENTOS DE TERRAS Ficam excluídos desta cobertura: 1 – Perdas ou danos resultantes de colapso total ou parcial das estruturas seguras, não relacionadas com os riscos geológicos garantidos. 2 – Perdas ou danos acontecidos em edifícios, muros, vedações, piscinas ou outros bens seguro, que estejam assentes sobre fundações que contrariem as normas técnicas ou as boas regras de engenharia de execução das mesmas, em função das características dos terrenos e do tipo de construção assim como as perdas ou danos acontecidos aos bens nele existentes. 3 – Perdas ou danos resultantes de deficiência de construção, de projecto, de qualidade de terrenos ou outras características do risco, que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do Tomador do Seguro ou do Segurado, assim como danos em bens seguros que estejam sujeitos a acção contínua da erosão e acção das águas, salvo se for feita prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos. 4 – Perdas ou danos consequentes de qualquer dos riscos garantidos por esta Condição Especial, desde que os mesmos verifiquem durante a ocorrência de abalos sísmicos ou no decurso das 72 horas seguintes à última manifestação do fenómeno sísmico. 5 – Perdas ou danos nos bens seguros se, no momento da ocorrência do evento, o edifício já se encontrava danificado, desmoronado ou deslocado das suas fundações, paredes, tectos, algerozes ou telhados.

A moradia apresentava, em Setembro de 2013 cedência do passeio de encosto à casa, do deck do logradouro e do revestimento da fachada ventilada.

As patologias constatadas resultam de deficiências construtivas, nomeadamente, insuficiente compactação do solo para assentamento dos passeios e deck.

Se o solo para assentamento dos passeios e decks tivesse sido bem compactado, o pavimento não tinha cedido.


D) Temos, assim que entre a Ré Seguradora/Recorrente e os Autores/recorridos foi celebrado um contrato de seguros multirriscos de habitação.

A primeira instância enquadrando, e bem, o seguro em causa como um seguro de danos, entendeu que, perante a cláusula 32ª, Parte II, ponto 25, e uma vez que ao segurado se impõe a prova dos factos (devendo a Ré/seguradora provar os factos que excluam a obrigação de indemnizar), as «deficiências construtivas não podem encontrar amparo na previsão contratual de “fenómenos sísmicos” consagrado no ponto 25.

A Relação teve entendimento diverso e após enquadrar (e bem) as condições gerais da apólice como cláusulas de adesão (artigos 10 e 11 do DL 446/85) defendeu que a cedência do solo é um fenómeno geológico que não pode deixar de se enquadrar no ponto 25 da cláusula 32, pois que qualquer declaratário normal colocado no lugar do real declaratário, no contexto do contrato individual pactuado, assim o entenderia.  

E no caso em análise não se provou qualquer causa de exclusão, designadamente que as perdas e danos resultantes, designadamente, da deficiência de construção fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do tomador de seguro, pelo que a Seguradora deve responder e indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos no âmbito da cobertura constante do ponto 25.

 

E) Importa analisar o contrato de seguro em questão

Para uma análise da natureza do contrato de seguro, veja-se o nosso Acórdão da Relação do Porto de 12-04-2010, Apelação 1443/04.6TBGDM.P1, in CJ, Tomo II, Pág. 202 e ss bem como in www.dgsi.pt.

Não vamos repetir, por desnecessário o que aí se escreveu sobre a evolução do contrato de seguro bem como a sua natureza, para aí remetendo.

No caso, dúvidas não podem restar em como estamos perante um contrato de seguros de danos, tal como vem qualificado pelas instâncias.

Importa apenas analisar o seu conteúdo e ver quais os sinistros e os danos abrangidos, muito concretamente se a situação em apreço está ou abrangida pelo seguro.

Em nosso entendimento a resposta tem necessariamente que ser negativa.

Consta das condições gerais da apólice Parte II – cláusula 32º que diz respeito ao objecto e garantias facultativas do contrato, do seu ponto 25º: “ALUIMENTO DE TERRAS Garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: Aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos”.

Com o presente contrato de seguro as partes quiseram garantir os danos sofridos na moradia «em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: Aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos».

Ora um fenómeno geológico é desde logo e como bem refere a recorrente, uma acção extraordinária, natural, nova rara surpreendente, momentânea.

Como afirma a Recorrente (cls. 5ª) «a origem do fenómeno geológico (aluimento, afundimento), tem de acontecer devido a processos naturais associados à geodinâmica interna e externa da crosta terrestre e não por causas climatéricas (ventos ou chuvas) e ou humanas (defeitos construtivos)».

Efectivamente, um fenómeno (que é uma qualquer operação nos corpos motivada pela acção de um qualquer agente físico) terá de ser uma coisa que surge de raro, de novo, uma coisa extraordinária.

E no caso estão garantidos pelo contrato os fenómenos geológicos ou seja aqueles que emergem da estrutura da terra, do globo terrestre.

Não há qualquer dúvida que estamos perante um aluimento, tal como se prevê no ponto 25 da, parte II da cláusula 32, pois que um aluimento se traduz na acção ou efeito de aluir e “aluir” mais não é do que desmoronar, desabar, cair, abater, tirar a firmeza minar.

Mas este “aluimento” ocorrido na moradia dos Autores/recorridos não foi provocado por um qualquer fenómeno geológico. Foi sim provocado por «deficiências construtivas, nomeadamente, insuficiente compactação do solo para assentamento dos passeios e deck», facto provado 14, pois que se o solo tivesse sido bem compactado o pavimento não tinha cedido (facto provado n.º 15).

As deficiências construtivas não podem ser qualificadas ou entendidas como fenómenos geológicos, pelo que o evento em causa e os respectivos danos não estão garantidos pelo contrato.

Nem se diga, como defende o Acórdão recorrido que qualquer declaratário normal colocado no lugar do real declaratário, no contexto do contrato individual pactuado, entenderia a cláusula em apreço como abrangendo os aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terreno resultantes de deficiências de construção.

Pensamos que o entendimento deve ser exactamente o contrário.

Qualquer pessoa, qualquer declaratário normal, ao celebrar um contrato deste tipo e perante aquela cláusula entenderia, compreenderia, com facilidade que um aluimento resultante de um «fenómeno geológico» não poderia estar significar que abrangia os aluimentos resultantes de «deficiências construtivas».

Uma pessoa normal, o cidadão comum, o declaratário normal colocado na posição do real declaratário, sabe que aluimentos em consequência de deficiências de construção não é equivalente a aluimentos em consequência de fenómenos geológicos.

Deste modo, porque não são resultantes de um aluimento em consequência de um fenómeno geológico, mas sim resultantes de deficiências de construção, nem o evento referido em 9 dos factos provados – cedência do passeio de encosto à casa, do deck do logradouro e do revestimento da fachada ventilada da moradia – nem os danos daí resultantes – referidos em 13 dos factos provados, se encontram abrangidos pelo contrato de seguro celebrado entre os Autores e a Recorrente/seguradora, pelo que esta não é responsável pelos prejuízos sofridos pelos Autores.

Assim, impõe-se a procedência das conclusões da Recorrente pelo que se concede a Revista.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:

1 - Conceder a revista e, revogando-se a decisão recorrida, julga-se a acção improcedente absolvendo a Recorrente/seguradora do pedido

2 - Custas pelos Recorridos. 


Lisboa, 5 de Maio de 2018


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Maria dos Prazeres Beleza