Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2532/05.5TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: INSOLVÊNCIA
ENTIDADE EMPREGADORA
ACÇÃO DECLARATIVA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 262
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
1. Durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos nesse processo e segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que consubstancia um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.
2. Aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos, deixa de ter utilidade o prosseguimento de acção declarativa tendente ao reconhecimento de invocados créditos laborais, já que os mesmos terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência, pelo que, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, a instância pertinente àquela acção declarativa deve ser declarada extinta, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil.
3. Tendo a decisão de despedimento colectivo produzido efeitos em 15 de Fevereiro de 2005 e considerando que o processo de insolvência foi instaurado em 22 de Novembro de 2006, o fundamento dos créditos laborais peticionados pelos autores é anterior à data de declaração da insolvência da empregadora, circunstância que obsta à sua verificação ulterior, nos termos do artigo 146.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 8 de Junho de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 2.º Juízo, 3.ª Secção, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, instauraram a presente acção especial de impugnação de despedimento colectivo, ao abrigo do disposto nos artigos 156.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra JJ, S. A., pedindo que fosse declarada a nulidade do despedimento colectivo que os abrangeu, «pela inexistência de fundamentos legais e pela preterição das formalidades legais a que alude o art. 431.º, n.º 1, al. c), do Código do Trabalho e, relativamente à 1.ª A., o art. 98.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 35/2004», e condenada a ré «na reintegração dos AA. nos seus postos de trabalho, sem afectação da categoria, antiguidade e o mais legal, pagando todos os vencimentos vencidos e os que se vierem a vencer até à efectiva reintegração», «no pagamento das diferenças salariais resultantes do não pagamento do subsídio de chefia nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal» e, bem assim, «no pagamento das comissões de venda a bordo em falta desde 2003, dos feriados e das importâncias devidas a título de rectificação dos valores das ajudas de custo, tudo a apurar em execução de sentença».

Os autores alegaram, em síntese, que a ré, por carta de 29 de Outubro de 2004, comunicou-lhes a intenção de fazer cessar os seus contratos de trabalho, no âmbito de um processo de despedimento colectivo, o qual culminou com a decisão de despedimento dos autores, comunicada em 14 de Dezembro de 2004, para produzir efeitos em 15 de Fevereiro de 2005, sendo que, «além da arbitrariedade que fere os invocados critérios de selecção dos trabalhadores abrangidos, são manifestamente improcedentes os motivos justificativos alegados para o despedimento».

Entretanto, o trabalhador LL, também atingido pelo despedimento colectivo efectuado, deduziu intervenção principal espontânea, a qual foi admitida (fls. 426), tendo feito seus os articulados dos autores.

A ré contestou, invocando que «nenhum dos Autores se recusou a receber a totalidade das quantias pagas a título de compensação pela cessação de contrato motivada pelo despedimento colectivo», devendo «considerar-se que ao receberem tais montantes compensatórios, os Autores aceitaram claramente o despedimento de que foram alvo, não tendo conseguido afastar a presunção contida no artigo 401.º, n.º 4, do Código do Trabalho», pelo que não podem agora impugnar o despedimento e não pode o tribunal conhecer das suas razões; por outro lado, defendeu a legalidade do despedimento colectivo, tendo concluído que deviam ser julgados improcedentes todos os pedidos formulados pelos autores.

Registe-se que, nos termos do n.º 3 do artigo 156.º do Código de Processo do Trabalho, a ré requereu o chamamento para intervenção na presente acção dos trabalhadores que, não sendo autores, também foram abrangidos pelo despedimento, indicando, para tanto, os trabalhadores MM, LL, NN e OO.

Os chamados, com excepção do trabalhador LL, que já tinha deduzido intervenção espontânea, foram admitidos a intervir como parte principal (fls. 461), sendo certo que a MM fez seus os articulados dos autores e a OO ofereceu o seu próprio articulado.

Foram nomeados assessores e admitidos os técnicos indicados pelas partes.

Subsequentemente, lavrada informação nos autos de que, no Tribunal de Comércio de Lisboa, 2.º Juízo, Processo n.º 1207/06.2TYLSB, instaurado em 22 de Novembro de 2006, tinha sido declarada a insolvência da JJ, S. A., por sentença de 21 de Junho de 2007, o Ex.mo Juiz de Direito determinou a notificação dos autores para requererem o que tivessem por conveniente e informarem se haviam reclamado os respectivos créditos no processo de insolvência.

A interveniente principal OO informou que, «[e]m 14/11/07, […] apresentou ao administrador da insolvência reclamação de créditos no processo de falência para o qual foi notificada» e os primitivos autores apresentaram informação «que não foram reclamados quaisquer créditos no processo de insolvência, uma vez que, nos presentes autos, se impugna um despedimento colectivo», pelo que, «só no caso de haver procedência do pedido, serão constituídos créditos laborais sobre a JJ» e, assim, «atento o disposto no artigo 85.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas», requereram que fosse «o administrador de falências notificado para se pronunciar sobre a apensação dos presentes autos ao processo de insolvência, que, desde já, também se requer».

Ordenada a notificação do administrador da insolvência para que informasse «se os créditos reclamados nestes autos foram ou não incluídos na reclamação de créditos do processo de falência», aquele informou que os autores e os chamados «não reclamaram créditos no processo de insolvência, nos termos do artigo 128.º do CIRE, pelo que não constam das relações de credores», acrescentando desconhecer «que o tenham feito nos termos do artigo 146.º do referido Código».

Junta ao processo certidão da sentença que declarou a insolvência da ré JJ e obtida a informação de que o recurso dela interposto «já desceu, tendo sido confirmada a decisão recorrida», o Ex.mo Juiz de Direito proferiu a seguinte decisão:

«Verifica-se que a Ré foi declarada insolvente, sendo que as AA., ainda que obtivessem vencimento na presente acção, sempre teriam de reclamar os seus créditos naquele processo.
Pelo exposto, julgo extinta, por inutilidade superveniente da lide, a presente acção que AA e Outros intentaram contra JJ, pessoa colectiva 5.. … ….»

2. Inconformados, os autores agravaram, pedindo a revogação da decisão recorrida, tendo o Ex.mo Juiz de Direito a quo mantido o despacho recorrido pelas razões nele constantes, mais invocando «a regra da universalidade de reclamação dos créditos no processo de falência, donde não se exclui o caso dos processos impugnativos do despedimento. Se o trabalhador ali não os reclamar (ou se o administrador não os inserir na relação de créditos) de nada lhe vale a sentença laboral, por força da regra da eficácia relativa do caso julgado. E nunca poderá executar estes créditos. Por último, o juiz da falência dispõe dos mesmos meios processuais de que dispõe o juiz laboral.»

O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu negar provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida, sendo contra esta decisão do Tribunal da Relação que os autores agora se insurgem, mediante recurso de agravo — recebido como recurso de revista, mas que o relator, neste Supremo Tribunal, alterou para recurso de agravo na 2.ª instância —, em que foram alinhadas as conclusões seguintes:

«1ª Com a devida vénia, não podem os ora Recorrentes aceitar a extinção da presente acção com fundamento na impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, por manterem interesse legítimo no seu prosseguimento em vista de obter um[a] decisão definitiva sobre a ilicitude do despedimento colectivo e o montante dos créditos laborais daí advenientes. De facto,
2ª Como se defende predominantemente na nossa jurisprudência,
Declarada a insolvência da entidade patronal, não se verifica a inutilidade superveniente da lide numa acção, de natureza laboral, em que se reclamem créditos resultantes da execução e cessação do contrato de trabalho” — Acórdão da Relação de Lisboa de 09-04-2008
E,
I – Em acção pendente contra uma Ré que, posteriormente, é declarada insolvente — e não tendo havido apensação ao processo de insolvência — não existem razões para ser declarada a inutilidade superveniente da lide, mesmo que, naquele, o Autor tenha, entretanto, reclamado os seus créditos.
II – A inutilidade superveniente só ocorreria se, nos termos do artigo 140.º, n.º 1, do CIRE, tivesse sido proferida decisão sobre o crédito reclamado pelo Autor” — Acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2008.
A declaração de insolvência da entidade patronal não implica a inutilidade superveniente da lide da acção de impugnação de despedimento ilícito, cujo julgamento ainda não tenha sido efectuado” — Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de [29-10-2007].
3ª Ora, in casu, tratando-se como se trata de uma acção de impugnação de despedimento colectivo que ainda não foi julgada, só com a procedência do pedido, isto é, só com o reconhecimento da ilicitude desse despedimento é que haverá créditos a reclamar (montantes das retribuições vencidas).
Pelo que, e sempre com o devido respeito, não se pode afirmar que a respectiva tramitação se tornou inútil.
4ª O prosseguimento da presente acção não se revela impossível ou desprovido de utilidade com a declaração de insolvência da JJ, sendo legítima a pretensão dos AA. em obter uma sentença que lhe[s] confira o exercício dos seus direitos e lhe[s] permita dela retirar toda a utilidade prática.
5ª Acontece mesmo que, no caso sub judice, a tramitação ulterior da acção afigura-se necessária e imprescindível ao apuramento da existência de créditos laborais pelos AA., que, munidos dessa sentença, poderão recorrer ao meio processual previsto e regulado nos arts. 146.º e ss. do CIRE.
6ª Na verdade, o CIRE, no art. 146.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e b), permitirá sempre aos AA. irem ao processo de insolvência reclamar os créditos que se vierem a constituir no âmbito da presente acção, de modo a ali serem atendidos, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor.
7ª Efectivamente, porque os créditos dos AA. serão constituídos posteriormente ao prazo para reclamação previsto no art. 128.º do CIRE (e não tendo os AA. sido avisados nos termos do art. 129.º do mesmo diploma legal), poderão ser verificados ulteriormente, até ao prazo de 3 meses seguintes à respectiva constituição.
8ª Concluindo-se, por conseguinte, que os AA. mantêm interesse legítimo no prosseguimento da presente acção para obter um[a] decisão definitiva sobre os créditos laborais peticionados, para que, em acção de verificação ulterior de créditos, possam vê-los reconhecidos e graduados.
9ª Por outro lado ainda, a utilidade prática da presente acção poderá igualmente verificar--se caso se venha a revelar a insuficiência do produto da massa insolvente da Ré para pagamento dos seus créditos, podendo nesse caso os Recorrentes, se tiverem uma sentença que lhe[s] permita tal desiderato, socorrer-se do disposto no artigo 317.º e seguintes do Regulamento do Código do Trabalho aprovado pelo D.L n.º 35/2004, de 29 de Julho (preceitos ainda vigentes ex vi art. 12.º, n.º 6, al. o), da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro).
10ª Razão porque não podem os aqui Recorrentes conformar-se com o douto acórdão ora em crise, que, sempre com o devido respeito, nos parece contraditório ao defender, num primeiro momento que “na presente acção não estão em causa bens susceptíveis de integrar a massa insolvente, razão pela qual não se justificava a apensação dos presentes autos aos de insolvência, a qual efectivamente não foi requerida pelo administrador de falência”, sendo que, a final, conclui que “a pretensão dos AA. só pode encontrar satisfação no âmbito do processo de insolvência, ou seja, fora do presente processo, cuja prossecução, por isso, se nos afigura inútil”.
11ª Seja como for, estabelecendo o art. 85.º do CIRE que “todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”, o certo é que, pelo Sr. Administrador da Insolvência da JJ, não foi requerida a apensação destes autos (intentados em 2005-06-08) aos de insolvência (2006-11-22) não obstante até, os AA. o terem vindo “lembrar” da respectiva existência (vd. fls. 1 e 957).
12ª Pelo que é forçoso concluir que o douto acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, [violou] o artigo 85.º, n.º 1, do CIRE e ainda o artigo 287.º, alínea e), do CPC.»

Terminam concluindo que «deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências».
A recorrida não contra-alegou.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que o recurso merecia provimento, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso, a única questão posta é a de saber se a declaração de insolvência da ré empregadora determina a extinção da instância, nos termos previstos na alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil.

Refira-se que, à data da instauração do processo de insolvência, vigorava o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, alterado, naquela data, pelos Decretos-Leis n.os 200/2004, de 18 de Agosto, e 76-A/2006, de 29 de Março, adiante designado por CIRE.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. O tribunal recorrido tomou em consideração a factualidade seguinte:

1) A ré JJ, S. A., em 29 de Outubro de 2004, enviou uma carta a cada um dos autores comunicando-lhes que iria proceder a um despedimento colectivo que os abrangeria. E, em 14 de Dezembro de 2004, enviou uma carta a cada um dos autores com a decisão de despedimento, que produziria efeitos em 15 de Fevereiro de 2005;
2) Por sentença transitada em julgado, a ré JJ, S. A., foi declarada insolvente, no processo que sob o n.º 1207/06 corre termos no 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa;
3) Nesse processo foi declarado aberto incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos;
4) Os autores intentaram a presente acção em 08.06.2005, e o processo de insolvência foi instaurado em 22.11.2006;
5) O administrador da insolvência não solicitou a apensação dos presentes autos aos de insolvência;

Eis o acervo factual a considerar para resolver a questão posta no recurso.

2. No entender dos recorrentes, «in casu, tratando-se como se trata de uma acção de impugnação de despedimento colectivo que ainda não foi julgada, só com a procedência do pedido, isto é, só com o reconhecimento da ilicitude desse despedimento é que haverá créditos a reclamar (montantes das retribuições vencidas)», pelo que «não se pode afirmar que a respectiva tramitação se tornou inútil», «sendo legítima a pretensão dos AA. em obter uma sentença que lhes confira o exercício dos seus direitos e lhes permita dela retirar toda a utilidade prática».

Aliás, prosseguem os recorrentes, «a tramitação ulterior da acção afigura-se necessária e imprescindível ao apuramento da existência de créditos laborais pelos AA., que, munidos dessa sentença, poderão recorrer ao meio processual previsto e regulado nos arts. 146.º e ss. do CIRE».

Enfim, os recorrentes propugnam que «a utilidade prática da presente acção poderá igualmente verificar-se caso se venha a revelar a insuficiência do produto da massa insolvente da Ré para pagamento dos seus créditos, podendo nesse caso os Recorrentes, se tiverem uma sentença que lhe permita tal desiderato, socorrer-se do disposto no artigo 317.º e seguintes do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pelo D.L n.º 35/2004, de 29 de Julho».

Por sua vez, o acórdão recorrido decidiu «que a declaração de insolvência do devedor contra quem pendem acções declarativas para apuramento de eventuais direitos de crédito, determina a inutilização superveniente da instância declarativa, na justa medida em que o fim visado por este processo fica “consumido” e “prejudicado” por aquele», tendo aduzido que, declarada a insolvência, se vencem imediatamente todas as obrigações do insolvente, abrindo-se a fase de convocação dos credores e respectiva reclamação de créditos, a qual tem um carácter universal, abrangendo todos os créditos existentes à data da declaração da insolvência, independentemente da natureza e fundamento do crédito e da qualidade do credor, nos termos do disposto nos artigos 47.º, n.º 1, e 128.º, n.º 1, do CIRE, e mesmo que o credor tenha o seu crédito já reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência para obter o seu pagamento.

Assim, prossegue o acórdão recorrido, deixa de ter interesse para o credor dispor de uma decisão anterior que lhe defina a existência do crédito, pois sempre terá de o demonstrar no âmbito do próprio processo de insolvência e, neste processo, terá a oportunidade de discutir todas as questões relacionadas com o crédito que reclama, podendo aí ser apreciada a questão da licitude do despedimento, pois o tribunal de insolvência tem competência material plena para decidir todos os litígios, incluindo os que estão deferidos a tribunais de competência especializada, como acontece no caso da impugnação do despedimento, tendo o juiz de insolvência os mesmos meios processuais que o juiz de trabalho para se pronunciar sobre o mérito da causa, não ficando, assim, prejudicadas ou diminuídas as garantias das partes.

Registe-se que, como adverte o acórdão recorrido, tem havido divergência de entendimentos na jurisprudência dos tribunais da Relação sobre a questão em apreciação, desenhando-se duas vias de solução, cuja dissonância se reconduz à determinação do momento a partir do qual se pode afirmar, com segurança, a inutilidade superveniente da acção declarativa.

Uma das posições defende que, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência da ré, verifica-se a inutilidade superveniente da lide laboral (cf., neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Outubro de 2006, Processo n.º 6544/2006-4, do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Outubro de 2008, Processo n.º 0852812, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Novembro de 2008, Processo n.º 9836/2008-6, do Tribunal da Relação do Porto, de 8 de Junho de 2009, Processo n.º 116/08.5TUMTS.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

A outra posição, aceitando que o trabalhador/credor sempre terá de reclamar o respectivo crédito no âmbito do processo de insolvência, pois só aí poderá obter pagamento, defende, contudo, que a inutilidade da acção declarativa apenas ocorrerá a partir do momento em que, no processo de insolvência, é proferida sentença de verificação de créditos, uma vez que, a partir desse momento, é essa sentença que reconhece e define os direitos dos credores, conservando, antes desse momento, a acção declarativa a sua utilidade na medida em que a sentença a proferir nessa acção poderá ser invocada para efeitos de verificação do crédito na insolvência e na medida em que tal sentença sempre poderá vir a produzir efeitos nas situações em que o processo de insolvência é encerrado antes do rateio e sem que chegue a ser proferida sentença de verificação de créditos (cf., neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Fevereiro de 2007, Processo n.º 168/06.2TTCBR.C1, do Tribunal da Relação do Porto, de 29 de Outubro de 2007, Processo n.º 0714018, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Abril de 2008, Processo n.º 10486/2007-4, do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de Dezembro de 2008, Processo n.º 0836085, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Saliente-se que os apontados entendimentos jurisprudenciais reconhecem a especificidade da situação prevista no artigo 39.º do CIRE, em que o juiz, concluindo que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, dá apenas cumprimento ao disposto nas alíneas a) a d) e h) do artigo 36.º do CIRE e declara aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, e não seja requerido que a sentença seja complementada com as restantes menções daquele artigo 36.º, caso em que o processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado [artigo 39.º, n.º 7, alínea b)], não conduzindo tal declaração de insolvência à inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil (cf., neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Março de 2009, Processo n.º 2113/04.0YXLSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt) — no caso, não se aplica tal restrição, pois foi declarado aberto incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado prazo para a reclamação de créditos [facto provado 3)].

Neste plano de consideração, importa ainda tomar em atenção que o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva tem assento constitucional (artigo 20.º, n.º 1, e respectiva epígrafe, da Constituição da República Portuguesa) e que o artigo 2.º do Código de Processo Civil explicita as diversas vertentes desse direito fundamental ao estabelecer que «[a] protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar» (n.º 1) e que «[a] todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção» (n.º 2).

Quer isto dizer, que terá sempre de ser afirmada uma solução que garanta a efectiva apreciação dos pedidos formulados pelos autores, quer ela venha a ocorrer no âmbito da instância laboral, quer venha a ocorrer na instância da insolvência.

2.1. O artigo 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil, normativo que se projecta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, estipula que a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

A impossibilidade da lide ocorre por morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objecto do processo, ou por extinção de um dos interesses em conflito. Por sua vez, a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cf., sobre esta temática, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pp. 367-373, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 510-512, e ainda CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 280-282).

Note-se que a impossibilidade ou inutilidade da lide é uma impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído pela lei.

Há, assim, que examinar os efeitos da declaração de insolvência na presente instância declarativa, sendo que o artigo 1.º do CIRE, com a epígrafe «Finalidade do processo de insolvência», estabelece que «[o] processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente».

2.2. Os efeitos da declaração de insolvência acham-se previstos no Título IV do sobredito Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem, respeitando os artigos 81.º a 84.º aos efeitos sobre o devedor e outras pessoas, os artigos 85.º a 89.º aos efeitos processuais, os artigos 90.º a 101.º aos efeitos sobre os créditos, os artigos 102.º a 119.º aos efeitos sobre os negócios em curso e, finalmente, os artigos 120.º a 127.º à resolução em benefício da massa insolvente.

Em relação aos efeitos processuais sobre as acções declarativas pendentes à data da declaração da insolvência, reza a artigo 85.º que, «[d]eclarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo» (n.º 1) e que «[o] juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos de insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente» (n.º 2).

Ora, tais situações não se configuram no caso em apreciação, razão pela qual não se justificava a apensação dos presentes autos aos de insolvência, a qual efectivamente não foi requerida pelo respectivo administrador.

Não ocorre, pois, a pretendida violação do «artigo 85.º, n.º 1, do CIRE».

2.3. Na presente acção, os autores pedem a sua reintegração e a definição de créditos resultantes da eventual ilicitude do despedimento colectivo, bem como da execução dos contratos de trabalho que vigoraram entre os autores e a ré, sucedendo que, posteriormente à instauração da presente acção, a ré foi declarada insolvente por sentença que, entretanto, transitou em julgado.

Ora, segundo o disposto no artigo 90.º, «[o]s credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código [o CIRE], durante a pendência do processo de insolvência».
Tal como anotam LUÍS CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, QUID JURIS, Sociedade Editora, Lisboa, 2009, p. 364):

«Este preceito regula o exercício dos direitos dos credores contra o devedor no período de pendência do processo de insolvência.
A solução nele consagrada é a que manifestamente se impõe, pelo que, apesar da sua novidade formal, não significa, no plano substancial, um regime diferente do que não podia deixar de ser sustentado na vigência da lei anterior.
Na verdade, o artigo 90.º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos “em conformidade com os preceitos do presente Código”. Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE.
É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o artigo 1.º do Código.
Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo (cfr. artigo 98.º, n.º 3; vd., também, o n.º 2 do artigo 87.º). Neste ponto, o CIRE diverge do que, a propósito, se acolhia no […] artigo 188.º, n.º 3, do CPEREF [Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril].
Por conseguinte, a estatuição deste artigo 90.º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.»

Assim, o que releva para efeito de obter o pagamento do crédito no processo de insolvência é apenas a reclamação e a verificação do crédito que é feita no próprio processo de insolvência.

Na verdade, estabelece o n.º 1 do artigo 47.º que, «[d]eclarada a insolvência, todos os titulares de créditos da natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio».

E, por seu lado, o artigo 128.º prescreve que, «[d]entro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham» (n.º 1) e que «[a] verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento» (n.º 3).

Como salientam LUÍS CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA (ob. cit., p. 448), da articulação do n.º 1 com o n.º 3, primeira parte, do artigo 128.º «resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação», sendo que «[a] formulação ampla da primeira parte do n.º 3 é corroborada pela segunda parte que, à semelhança do que estatuía o n.º 3 do artigo 188.º do CPEREF [Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93], não dispensa a reclamação dos créditos que tenham sido reconhecidos por decisão definitiva, se os seus titulares pretenderem ser pagos no processo, à custa da massa insolvente».

Do exposto resulta que, transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor, não sendo aberto o incidente de qualificação com carácter limitado ou declarado aberto esse incidente, sendo requerido, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º, o complemento da sentença, deixa de ter interesse o prosseguimento de acção instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito, já que os mesmos terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.
Com efeito, tal como é acentuado no acórdão recorrido, «de nada serve a sentença proferida na acção instaurada contra o devedor, se o credor não reclamar o crédito no processo de insolvência, porquanto jamais poderá tal decisão ser dada à execução para cumprimento coercivo, uma vez que, de acordo com o disposto no art. 88.º do CIRE, a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência. Por outro lado, nada obsta a que no processo de insolvência, nomeadamente na verificação de créditos, possa ser apreciada a questão da ilicitude do despedimento (individual ou colectivo), bem como dos respectivos direitos dela decorrentes, nos termos previstos nos [artigos 128.º a 140.º]. Desde logo porque o tribunal da insolvência tem competência material plena para poder decidir todos os litígios, incluindo aqueles que estão deferidos a tribunais de competência especializada, como os emergentes da impugnação do despedimento (individual ou colectivo), sendo que o juiz da insolvência possui os mesmos meios processuais que o juiz laboral para se pronunciar de mérito, se tal for necessário».

Conforme afirma MARIA ADELAIDE DOMINGOS («Efeitos Processuais da Declaração de Insolvência sobre as Acções Laborais Pendentes», in Memórias do IX e X Congressos Nacionais de Direito do Trabalho, Instituto Lusíada de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2007, p. 284), «não existe diminuição de garantias para as partes já que os meios probatórios são os mesmos que seriam permitidos no processo laboral e a forma do processo a seguir é a do processo declarativo sumário, ou seja, a forma que supletivamente o artigo 49.º, n.º 2, do CPT manda aplicar ao processo laboral comum. Vigora o princípio do inquisitório, permitindo que a decisão judicial seja fundada em factos não alegados pelas partes, em similitude com o disposto no artigo 72.º do CPT, a que acresce o carácter urgente desta fase (artigo 9.º, n.º 1), característica esta, aliás, presente nos processos impugnativos de despedimento colectivo ou de representantes sindicais ou de membros de comissão de trabalhadores (artigo 26.º, n.º 1, do CPT)».

É o que se extrai do estipulado nos artigos 130.º a 140.º do CIRE.

E mais adiante (ob. cit., p. 285), conclui a mesma AUTORA: «o processo de insolvência ao privilegiar a finalidade de liquidação do património do devedor e a correspondente repartição do produto pelos seus credores, determina que os créditos emergentes da ilicitude do despedimento se reconduzam a uma vertente indemnizatória de natureza pecuniária, implicando adaptações ao regime substantivo prescrito no Código do Trabalho, mas não existem razões processuais ou substantivas que afastem a competência do tribunal de insolvência para proceder à verificação desses créditos. Também não existem razões atendíveis para que o processo laboral impugnativo do despedimento continue a sua tramitação, pelo que transitada em julgado a sentença que declara a insolvência do devedor, deve ser extinta a instância por inutilidade da lide, nos termos do artigo 287.º, alínea e), do CPC ex vi artigo 1.º, n.º 1, do CPT» — sobre a reclamação, no processo de insolvência, de créditos a título de indemnização por despedimento ilícito, cf. MARIA JOSÉ COSTEIRA e FÁTIMA REIS SILVA, «Classificação, Verificação e Graduação de créditos no CIRE — em especial os créditos laborais», in Prontuário de Direito do Trabalho, n.os 76, 77 e 78, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 359-371.

Tudo ponderado, sufragam-se as considerações transcritas.

E não se diga que no caso de encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, situação contemplada no artigo 232.º, não sendo proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, a sentença a obter por via de uma acção declarativa terá utilidade para fazer valer esse crédito perante a devedora ou em sede de liquidação da sociedade.

Com efeito, o artigo 90.º determina, com carácter imperativo, que durante a pendência do processo de insolvência, os credores da insolvência só poderão exercer os seus direitos de acordo com os meios processuais regulados no CIRE.
Trata-se de um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.

Acresce que o CIRE prevê as estipulações processuais adequadas à audição do devedor, da assembleia de credores e dos credores da massa insolvente numa tal hipótese, antes do juiz declarar encerrado o processo, e assegura aos interessados meios processuais adequados para obstar àquele encerramento (artigo 232.º, n.º 2).

3. Os autores aduzem, porém, que «a tramitação ulterior da acção afigura-se necessária e imprescindível ao apuramento da existência de créditos laborais pelos AA., que, munidos dessa sentença, poderão recorrer ao meio processual previsto e regulado nos arts. 146.º e ss. do CIRE», sendo que «o CIRE, no art. 146.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e b), permitirá sempre aos AA. irem ao processo de insolvência reclamar os créditos que se vierem a constituir no âmbito da presente acção, de modo a ali serem atendidos, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor», pois «os créditos dos AA. serão constituídos posteriormente ao prazo para reclamação previsto no art. 128.º do CIRE (e não tendo os AA. sido avisados nos termos do art. 129.º do mesmo diploma legal), poderão ser verificados ulteriormente, até ao prazo de 3 meses seguintes à respectiva constituição».

É manifesto o equívoco dos recorrentes.

No que agora releva, o artigo 146.º estabelece:

«Artigo 146.º
(Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos)
1 – Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efectuando-se a citação dos credores por éditos de 10 dias.
2 – O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo; porém, a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior:
a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior;
b) Só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente.
……………………………..………………………………………………..»

Ora, na presente acção, os recorrentes pedem que seja declarada a nulidade do despedimento colectivo que os abrangeu e a condenação da ré a reintegrá-los nos respectivos postos de trabalho, «sem afectação da categoria, antiguidade e o mais legal, pagando todos os vencimentos vencidos e os que se vierem a vencer até à efectiva reintegração», e, bem assim, a definição de créditos resultantes da execução dos contratos de trabalho que vigoraram entre eles e a ré, pelo que, tendo a decisão de despedimento colectivo produzido efeitos em 15 de Fevereiro de 2005 [facto provado 1)] e considerando que o processo de insolvência da ré foi instaurado em 22 de Novembro de 2006 [facto provado 4)], o fundamento dos créditos peticionados pelos recorrentes é anterior à data de declaração da insolvência, circunstância que obsta à sua verificação ulterior, ao abrigo do artigo 146.º transcrito.

É que, como pondera MARIA ADELAIDE DOMINGOS (ob. cit., p. 282), «[a] constituição genética destes créditos ancora-se no próprio despedimento, ainda que os efeitos revogatórios da cessação ilícita só ocorram no momento da sentença judicial que declara a [i]licitude. Ou seja, ao caso não se aplica o disposto no artigo 146.º, n.º 2, alínea a), do CIRE, o que significa que se os créditos não forem reclamados na insolvência, poderão nunca ser verificados, bastando que o administrador da insolvência não os insira na relação de créditos reconhecidos».

Tudo para concluir que, no caso, não se aplica o preceituado no artigo 146.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), ao contrário do invocado pelos autores, nas conclusões 5.ª a 7.ª da alegação do recurso em apreciação.

4. Os autores propugnam, enfim, que «a utilidade prática da presente acção poderá igualmente verificar-se caso se venha a revelar a insuficiência do produto da massa insolvente da Ré para pagamento dos seus créditos, podendo nesse caso os Recorrentes, se tiverem uma sentença que lhes permita tal desiderato, socorrer-se do disposto no artigo 317.º e seguintes do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pelo D.L n.º 35/2004, de 29 de Julho».

O artigo 380.º do Código do Trabalho de 2003, aqui aplicável, dispõe que «[a] garantia do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil é assumida e suportada pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação especial», normativo cuja regulamentação consta dos artigos 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (Legislação especial que regulamenta o Código do Trabalho, adiante designada por LECT), que entrou em vigor em 28 de Agosto de 2004.

Ora, estatui o artigo 323.º da LECT que «[o] Fundo de Garantia Salarial efectua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual consta, designadamente, a identificação do requerente e do respectivo empregador, bem como a discriminação dos créditos objecto do pedido».

Por seu turno, o artigo 324.º da LECT determina que o requerimento previsto no artigo anterior é instruído, consoante as situações, com os seguintes meios de prova: «a) certidão ou cópia autenticada comprovativa dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo tribunal competente onde corre o processo de insolvência ou pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (IAPMEI), no caso de ter sido requerido o procedimento de conciliação; b) declaração emitida pelo empregador, comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída; c) declaração de igual teor, emitida pela Inspecção-Geral do Trabalho.»

Nesta conformidade, conforme sublinha MARIA ADELAIDE DOMINGOS (ob. cit., p. 277), «[n]ão se exige que a prova dos referidos créditos seja feita através de decisão judicial condenatória, o que vem reforçar a desnecessidade do prosseguimento da acção laboral».

Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação do recurso de agravo.

III

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao agravo e confirmar o acórdão recorrido.

Custas a cargo dos recorrentes.

Lisboa, 25 de Março de 2010

Pinto Hespanhol (Relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra