Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
635/09.6YFLSB
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PAULO SÁ
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TERRAÇOS
PARTES COMUNS
OBRAS
INOVAÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
LEGITIMIDADE
INEFICÁCIA
BOA FÉ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA E NÃO CONHECIDO O RECURSO SUBORDINADO
Doutrina: HENRIQUE MESQUITA in RDES XXIII, pp. 94 e 95); PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 446 e 447;
CARVALHO FERNANDES (Teoria Geral do Direito Civil, AAFDL, Vol. I, Tomo I, pp. 152 a 154); CASTRO MENDES (Direito Processual Civil”, Volume II, Edição da AAFDL, 1980, pp. 268 a 270)
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: ARTIGOS NºS 1421º Nº 1 A) E B) E 1051 ALÍNEA C)
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO STJ, DE 11 DE OUTUBRO DE 1989 E DE 4 DE OUTUBRO DE 1995, IN WWW.DGSI.PT, NºS SJ198910110748792 E SJ199510040872612
Sumário :
I - O terraço de cobertura é parte comum do edifício constituído em propriedade horizontal, nos termos do art. 1421.º, n.º 1, al. b), do CC. A constituição de propriedade horizontal importa a extinção do direito de propriedade antigo, com a constituição, em sua substituição, de um direito real novo, pelo que, com aquele acto, melhor com a alienação da primeira das fracções autónomas (como condição suspensiva da eficácia daquele) o arrendamento quanto àquele concreto objecto se extingue por caducidade – cf. art. 1051.º, al. c), do CC.
II - A colocação de anúncios luminosos na fachada do edifício constitui inovação nas partes comuns, entendida a fachada como parte da sua estrutura para efeitos da al. a), do n.º 1, do art. 1412.º do CC.
III - O regime dos diversos tipos de deteriorações ou obras que o locatário pode fazer nos espaços locados só tem razão de ser relativamente aos imóveis arrendados e às áreas dos mesmos sobre os quais o locador só pode acordar com o seu inquilino que este último efectue obras de conservação ordinária, extraordinária e/ou de beneficiação, nos exactos limites do que se contém licitamente na sua esfera jurídica e foi cedido temporariamente ao arrendatário.
IV - O senhorio, ainda que seja proprietário de um dado imóvel, só pode consentir em obras a realizar pelo arrendatário nas estritas fronteiras do que foi especificamente cedido a este, já não podendo acordar obras com ele que afectem outros espaços, arrendados ou pertencentes a terceiros, por não ter legitimidade para o fazer.
V - Toda a autorização para obras, posterior à constituição da propriedade horizontal e à alienação de, pelo menos, uma fracção, está ferida, de ilegitimidade, pois que, ao tempo em que foi concedida, a ré não se encontrava na posição relativa, face ao direito, que lhe permitisse o respectivo exercício.
VI - A ilegitimidade conduz à ineficácia da autorização; como acto ineficaz, o mesmo não á apto a produzir os seus efeitos, maxime, em relação aos demais condóminos do prédio.
VII - Se a situação pré-existente à constituição da propriedade horizontal, no que concerne às partes comuns, deve ser acatada pelos condóminos, já qualquer modificação introduzida nas mesmas, em momento posterior (ainda que em virtude de autorização do senhorio anterior à constituição da propriedade horizontal, que, no que respeita aos espaços comuns, caducaria) tinha de ser sujeita à sua aprovação, nos termos gerais.
VIII - A conduta da ré violou culposamente o princípio contratual da boa fé, ao não informar devidamente o inquilino relativamente à situação do prédio e ao induzir em erro a autora, quando consentiu, sem limitações, as obras sobre as partes comuns daquele, tendo-a levado a realizar, inadvertida e ilicitamente as mesmas e a sofrer depois a inerente condenação judicial no sentido da sua demolição e/ou reposição do imóvel no seu estado anterior, podendo inscrever-se, dessa maneira, na sua esfera jurídica de prejuízos ressarcíveis, traduzidos nas despesas com as obras realizadas.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – AA – COMÉRCIO DE VIATURAS, LDA (posteriormente substituída, na pendência dos autos e por via de incidente de habilitação de cessionário, por T… – COMERCIO DE AUTOMOVEIS, S.A), intentou, em 17.09.2002, acção declarativa de condenação com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB – SOCIEDADE AGRÍCOLA E DE ADMINISTRAÇAO DE IMOVEIS, L.DA, pedindo, em síntese, que a Ré seja condenada:
1) a pagar-lhe a quantia de € 236.598,00 (Esc. 47.433.639$30), correspondente ao valor de 3/10 da amortização das despesas de instalação realizadas pela Autora;
2) a pagar-lhe a quantia de € 12.839,06 (Esc. 2.574.000$00), correspondente ao montante gasto para cumprimento do acórdão que a condenou na demolição das obras;
3) a reconhecer que, em virtude da redução da área locada por razões exclusivamente imputáveis à Ré, deve a renda global do locado, para o futuro, ser reduzida e fixada em € 4.987,98 (Esc. 1.000.000$00);
4) a pagar, à Autora, o reembolso da parte da renda já paga, no montante de € 144.834,31 (Esc. 29.036.672$00);
5) a pagar, à Autora, as custas pagas na acção movida pelo condómino, no montante de € 704,80 (Esc. 141.300$00).

Para tanto alega, em síntese:

Explora um estabelecimento comercial, de que é arrendatária, na fracção designada pela letra “A” do prédio, sito na Rua D. E…, n. os 118, 118- A, 118-B, 120-A e 120-B nesta cidade, fracção que é propriedade da Ré, exercendo naquele estabelecimento as actividades de garagem, estação de serviço, venda de combustíveis e lubrificantes, recolha de automóveis, lavagens e lubrificações, reparações, venda e exposição de veículos novos e usados, venda e armazém de acessórios, peças de automóveis e escritórios.
Recebeu o arrendamento em causa por fusão da sociedade R… − Comércio de Automóveis, L.da, sendo que o relativo aos n.os 118-A e 118-B havia sido celebrado em 26 de Agosto de 1969 e o pertinente ao n.º 120-A em 5 de Março de 1982.
Por forma a adequar as instalações aos fins prosseguidos pelas actividades a que se dedicavam as sucessivas arrendatárias, foram sendo efectuadas, ao longo dos anos, obras no locado, as quais foram autorizadas pelos contratos de arrendamento e pela Ré, sendo que, por escritura pública de 28 de Março de 1993, foram alterados os contratos de arrendamento, com vista à realização de obras, vindo a ser aumentados os valores das rendas cobradas.
Essas obras foram executadas, com, entre outras, a alteração do tecto da construção existente nos terraços de tardoz, a impermeabilização e repavimentação do chão do terraço, a abertura de um buraco no canto esquerdo do terraço e instalação de um monta-cargas, a substituição de rede na vedação do terraço e a colocação de um novo anúncio na fachada do prédio.
A Ré sempre se apresentou junto das sucessivas arrendatárias como a única e exclusiva proprietária do prédio onde se situavam os locados, facto que, contudo, deixou de se verificar em 18 de Março de 1983, data em que foi outorgada escritura pública que anexou os prédios sob os n.os 118-A, 118--B, 120-A e 120-B e constituiu a respectiva propriedade horizontal.

Devidamente citada, a Ré veio contestar, nos moldes constantes de fls. 205 e seguintes, impugnando parte da realidade afirmada pela Autora, quer a título de falsidade, quer de desconhecimento, invocando, em síntese, que apenas o arrendamento da loja sob o n.º 118 compreendia o respectivo terraço, nunca tendo sido dado à antecessora da Autora e para esta transmitido o direito de utilizar o terraço da loja com entrada pelo n.º 120 que era contíguo àquele outro.
Argumentou, bem assim, que as únicas obras autorizadas foram as relativas à garagem do n.º 118 e terraço de cobertura da mesma e as pertinentes ao interior da loja com entrada pelo n.º 120, sendo que, à data da escritura de alteração do arrendamento, a Autora já sabia que a Ré não era a proprietária única de todo o imóvel, facto que lhe foi comunicado em conversas havidas, tendo a Autora assistido às vistorias camarárias efectuadas para a atribuição da licença de constituição da propriedade horizontal.
Invocou, ainda, o desconhecimento das acções judiciais relatadas pela Autora, aduzindo que apenas por culpa desta não foi, ela Ré, chamada a intervir na demanda, não tendo aquela agido diligentemente na sua defesa, nomeadamente, omitindo a prova de que era detentora do direito de utilização do terraço de cobertura do n.º 118 e que a autorização para o anúncio já lhe havia sido dada antes da constituição da propriedade horizontal.

Replicou a Autora, a pretexto de excepção deduzida na contestação, invocando que o terraço de cobertura do n.º 120 sempre foi incluído no arrendamento e que, mesmo a provar-se o alegado pela Ré, nunca esses factos podem conduzir à total improcedência da acção, uma vez que as obras realizadas o foram na totalidade do terraço que constitui actualmente a cobertura do prédio.

Pugnou pela procedência da acção, nos termos oportunamente peticionados.

Após a realização de Audiência Preliminar, onde as partes requereram a suspensão da instância, com vista a tentarem chegar a um acordo, que nunca veio a acontecer, foi proferido despacho saneador bem como fixada a matéria de facto assente e elaborada a respectiva base instrutória, que foram objecto de reclamação pela Autora, tendo a mesma sido deferida, com a eliminação de um artigo da base instrutória (que passou a alínea da matéria de facto assente) e o aditamento de 6 novos artigos a essa mesma peça processual.

As partes apresentaram os seus requerimentos de prova, tendo a Autora requerido a gravação da prova a produzir na audiência de discussão e julgamento, o que veio a ser deferido.

Foi efectuada uma peritagem, por determinação oficiosa do tribunal recorrido, encontrando-se o respectivo relatório junto a fls. 628 e seguintes.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo-se respondido aos factos da base instrutória, em ter havido reclamações.

Foi proferida, de seguida, sentença, que julgou os pedidos formulados pela autora parcialmente procedentes e, nessa mesma medida, condenou a ré a pagar àquela a quantia que, em liquidação posterior a esta sentença, se apurar, como correspondendo a 1/3 das custas suportadas pela primeira, na acção declarativa de condenação movida por A… M… M… V… S…, que correu os seus termos no 10.º Juízo Cível, 3.ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, até ao limite de Euros 704,80 (setecentos e quatro euros e oitenta cêntimos).
No mais, julgaram-se os pedidos formulados pela autora improcedentes e dos mesmos se absolveu a ré.
Nas custas condenaram-se autora e ré, em proporção que se fixou, provisoriamente, em 0,17% para a segunda e, no restante, para a primeira, proporção essa, a definir, definitivamente, com a liquidação da sentença.

Inconformada, apelou a A. para a Relação, recurso que foi admitido.

A Relação veio, além do mais a julgar improcedente o recurso de apelação interposto por T… − COMERCIO DE AUTOMÓVEIS, SA; a não conhecer do recurso subordinado interposto por BB − SOCIEDADE AGRÍCOLA E DE ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS, L.DA e a confirmar a sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância.

De tal acórdão, veio novamente a A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido como tal.

A A. sintetizou o seu recurso nas seguintes conclusões:

a) a descrição da lide feita no “Relatório”(fls. 7 a 18) está perfeita;
b) os factos seriados de 1 a 63 (fls. 18 a 28) constituem os Factos Provados;
c) outros factos, também dados como provados pelo Tribunal, complementam o afirmado no ponto 50 relativamente à não existência duma autorização “escrita”para as obras;
d) esses outros factos foram os seguintes:
dl) pedido discriminado formulado pela Autora em 14.1.93 (fls. 256 e n.os 13 e 14 dos Factos Provados);
d2) resposta clara e precisa da Ré, BB, em 17.1.93 (fls. 255 e n.os 15 e 17 dos Factos Provados);
d3) teor e conteúdo da Memória Descritiva subscrita pelo Arquitecto e autorização da CML (fls. 260 e 254);
d4) a inclusão em 26.3.93, duma cláusula de texto igual nos 1.° e 2.° contratos (26.8.69 e 5.3.82; n.os 12 e 18 dos Factos Provados) que, não fazendo destrinça entre prédios 118 e 120, permitiram à Recar-2 abrir “vãos” e mexer na própria estrutura do edifício;
d5) a partir de 18.3.83, os terraços dos dois prédios (118 e 120) passaram a constituir juridicamente um só (n.os 24 e 25 dos Factos Provados e fls. 113 in fine);
d6) a utilização pelas inquilinas (R… e Entreposto LisboaAA), durante sete anos, da totalidade da área do terraço com parqueamento de viaturas (n°. 61 dos Factos Provados)
d7) a Ratificação e Confirmação por parte da senhoria e do Condomínio de todas as obras executadas nas partes comuns sem distinção dos espaços do n°. 118 e do n.º. 120 (n°s. 52 a 55 dos Factos Provados);
e) estes factos, todos provados, atestam uma autorização geral dada pela senhoria à inquilina, sem qualquer destrinça entre prédio 118 e prédio 120;
f) estes factos, todos individualizados, nas alegações, têm a sustentá-los a prova documental junta aos autos;
g) tais factos são os “elementos probatórios”a que se refere o art°. 690-A/1 al. b do CPC e que teriam permitido à Relação concluir por uma autorização geral da senhoria para as obras efectuadas no terraço único do prédio;
h) tal desiderato ficou expresso nas alíneas c, d e h das Conclusões da apelante (fls. 784 e 785);
i) o acórdão recorrido, ao desconsiderar estes factos individualizados pela apelante e sustentados pela respectiva prova documental, violou o disposto nos art°.s 690-A/1/b e 712 do CPC, pelo que este Supremo Tribunal, embora sem conhecer da matéria de facto, deve reconhecer que a Relação devia ter-se pronunciado sobre o fundo da questão;
j) inteiramente de acordo com o decidido em A2a) do douto Acórdão recorrido;
k) na perspectiva do Acórdão recorrido, quando, em 1993, a Autora, inquilina, executou as obras pretendidas no terraço todo, cometeu uma ilicitude na parte do terraço correspondente ao n°.120;
1) ousamos acrescentar − esta ilicitude abrangeu também as obras executadas no espaço do n.º. 118 pois, tratando-se de partes comuns, nada podia ser feito sem o consentimento do Condomínio;
m) só que a Autora, até à citação da acção movida pelo condómino, V... S..., ignorava a existência do Condomínio;
n) com a ocorrência dos factos discriminados nas anteriores alíneas d1 a d7 houve um alargamento do objecto de ambos os contratos (de 26.8.69 e de 5.3.82), exclusivamente no plano das relações entre inquilina e senhoria;
o) e este alargamento do locado está implícito no âmbito da condenação do acórdão da Relação de 12.11.98, na medida em que este manda demolir, sem excepção, todas as obras efectuadas “nos terraços de cobertura”, ou seja, sem destrinça pelo n°. 118 e pelo n°. 120 (fls. 171 e n.º. 32 dos Factos Provados);
p) daqui concluímos que o entendimento do acórdão recorrido, ao fazer uma destrinça entre espaços do prédio 118 e do prédio 120, está a contrariar o entendimento do acórdão condenatório de 12.11.98, que não faz qualquer destrinça entre os espaços desses dois prédios;
q) achamos assim que o Acórdão recorrido, ao distinguir no terraço único, as obras do espaço do n°. 118 das obras do espaço do n.º 120, para só considerar aquelas como abrangidas pela ratificação do Condomínio, excluindo estas, está a desrespeitar o sentido que um “declaratário normal” daria ao conteúdo da acta, violando, deste modo, os art°.s 236/1 e 238/1 do Cód. Civil;
r) os condóminos, após a constituição da horizontalidade (18.3.83; n.º 24 dos Factos Provados) tinham de acatar o disposto nos dois primeiros negócios locativos (26.8.69 e 5.3.82; n.os 6 e 12 dos Factos Provados) e
s) após essa constituição (18.3.83) qualquer alteração às partes comuns estava sujeita ao consentimento do Condomínio;
t) não tendo a Ré, senhoria, informado a Autora, inquilina, da existência do Condomínio, com violação do disposto no art°. 227 Cód. Civil;
u) o 2°. contrato locatício (5.3.82), com a alteração que lhe foi introduzida pelo 3°. contrato (26.3.93) veio permitir à inquilina, Recar-2, as obras no espaço do seu terraço, terraço este que, na ocasião dessas obras, (1993) era também o terraço do n°. 118, já que, após a criação do condomínio (18.3.83; n.º. 24 dos Factos Provados), passou a haver um só e único terraço;
v) o Acórdão recorrido, ao considerar a existência de dois espaços no terraço uno, defendendo que um (o do n.º. 118) está abrangido pela Ratificação e o outro (o do n°. 120) não está, vem contrariar o disposto no n°. 1/b do art°. 1421 C.Civil que cria um só regime jurídico para todo o “terraço de cobertura”
w) pelo que é ilegal afirmar-se que a Autora actuou “por sua conta e risco, nunca podendo a Ré (BB) ser responsabilizada... pelo custo das mesmas e da sua posterior eliminação” (pág. 40 do Acórdão);
x) ambas as condenações (a da Relação e a do STJ) da Autora não fazem a mais pequena destrinça entre trabalhos executados no prédio 118 e trabalhos executados no prédio 120;
y) a conduta da Ré violou culposamente o princípio contratual da boa-fé “ao induzir em erro a Autora quando consentiu, sem limitações”(e portanto sem destrinça dos prédios 118 e 120; o sublinhado é nosso) “as obras sobre partes comuns” do prédio;
z) A Autora empregou “todos os esforços para evitar a condenação” na acção movida pelo condómino, V... S...;
aa) O acto deliberativo do Condomínio, transposto na acta de fls. 214 e 215 dos autos, não era motivo legal para incumprir o decidido nos acórdãos condenatórios da Relação e do Supremo, respectivamente, de Novembro de 98 e de Setembro de 99;
ab) embora a Autora, inquilina, tenha deduzido embargos de executado ao condómino, V... S..., com base na acta de fls. 214 e 215, embargos estes que decaíram por desistência deste exequente, condómino, (facto este que lamentavelmente não pode chegar ao conhecimento deste Supremo Tribunal arredando-se assim a verdade material em proveito da verdade formal), esse acto deliberativo do Condomínio não constituía fundamento legal para incumprir os referidos acórdãos condenatórios da Relação e do Supremo, já transitados;
ac) ainda ressoa com um travo amargo nos ouvidos do signatário o comentário da Sra. Juíza da l.ª. instância, na execução do condómino, V… S…, quando a ora recorrente lhe apresentou cópia da acta confirmativa do Condomínio “O Sr. Advogado está a gozar com o Tribunal? Desde quando é que um documento particular se sobrepõe à força vinculativa duma decisão judicial transitada?!”
ad) as obras executadas pela Autora, inquilina, no espaço do n°. 120, também foram ratificadas pelo acto deliberativo do Condomínio de 12.1.2000; é o sentido que resulta da simples leitura desta acta quando feita por um “declaratário normal”, nos termos dos art°.s 236/1 e 238/1 C. Civil;
ae) existe um nexo de “causalidade adequada” entre a conduta omissiva e negligente da Ré, BB, e os danos reclamados pela sua inquilina, Recar-2;
af) a interpretação do acórdão recorrido, nesta parte, ao julgar pela inexistência do nexo de causalidade adequada, afigura-se-nos ilegal por contrária aos preceitos normativos que regulam a Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos, nomeadamente, os art.os 483 e seg.s do Cód. Civil, sem esquecer o art°. 563;
ag) a Autora, inquilina, acatou e cumpriu, embora não na sua totalidade, com o decidido pelos Acórdãos da Relação e do STJ;
ah) com efeito, a demolição da impermeabilização a demolição da repavimentação e a recolocação da rede velha em todo o terraço do n°. 118 e do n°. 120, ordenadas pelos acórdãos condenatórios, não foram executadas pela Autora;
ai) por força dos acórdãos condenatórios, a Autora, inquilina, foi forçada a deixar de utilizar todo o espaço do terraço, quer do n°. 118 quer do n.º 120, o que significou uma efectiva redução da área locada, redução esta que justifica (ao contrário do decidido no acórdão recorrido) e fundamenta uma redução proporcional da renda (art.º 1040 Cód. Civil);
aj) nesta parte e com todo o respeito pela posição defendida no acórdão recorrido, entendemos que este fez uma incorrecta interpretação daquele preceito legal;
ak) tendo as instâncias concluído pela irresponsabilidade da Ré na sua actuação, não há qualquer razão legal para lhe imputar uma parte das custas na acção movida pelo condómino, V… S…;
al) se há responsabilidade da Ré, senhoria, na sua actuação (como entendemos que há), então, a sua responsabilidade pelas custas e pelos danos reclamados deve ser total e não limitada a uma parte das custas.

Conclui, pedindo a procedência da revista, reconhecendo-se a violação do disposto nos art.os 690-A/1/b e 712 CPC, 236/1 e 238/1, 1421/1/b e 1040 estes do Cód. Civil, e modificando-se o acórdão recorrido de forma a julgar--se procedente a apelação interposta pela recorrente, com a condenação da Ré, senhoria, BB, na totalidade do pedido.

A R. contralegou, concluindo do seguinte modo:

1. A Apelante vem solicitar que este Tribunal aprecie a decisão do acórdão de não alterar a matéria provada do ponto 50.
2. Nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 712.º do CPC o Supremo Tribunal de Justiça não pode apreciar esta questão.
3. De qualquer forma, a matéria provada indica que a R. não concedeu autorização escrita para a realização de obras no terraço de cobertura da loja do número 120.
4. Nos termos do disposto no artigo 690º-A do CPC ao requerer a alteração de uma decisão sobre a matéria de facto assente devia a apelante ter indicado quais os concretos meios probatórios existentes nos autos que impunham decisão diversa da recorrida.
5. A Apelante não indica quais esses meios probatórios.
6. Assim sendo, deve este pedido ser rejeitado.
7. De qualquer forma, não consta dos autos qualquer documento que titule uma autorização escrita ou verbal para obras do terraço de cobertura da loja com entrada pelo número 120.
8. Nunca foi solicitado ao Tribunal da Relação, no âmbito deste processo, que emitisse qualquer juízo de valor sobre outro acórdão.
9. Não estão os juízes do Tribunal da Relação obrigados a subscrever entendimentos de outros seus Colegas em processos diferentes, com partes, pedidos e causas de pedir distintos e muito menos tal facto pode ser objecto ou motivação de recurso.
10. Nos termos do disposto no artigo 671º nº 1 do CPC a decisão do referido acórdão não vincula os Juízes deste processo.
11. Após a constituição da propriedade horizontal, os dois prédios, que passaram a ser só um, continuaram a ter dois terraços, como se alcança de folhas 5 do documento 11 junto pela Apelante com a p.i..
12. De qualquer forma uma eventual união jurídica de dois terraços provocada pela constituição da propriedade horizontal e pela união dos dois prédios num único artigo matricial e descrição não promoveria o “alargamento” do objecto do arrendamento ao terraço contíguo.
13. A A., depois de 1969, nunca solicitou à Apelada autorização para realizar obras no terraço que levava de arrendamento (terraço de cobertura da garagem do prédio 118).
14. As obras autorizadas em 1993 não envolviam qualquer terraço ou outra parte comum do edifício.
15. Essa autorização de obras, dada em 17/1/93, referia-se expressamente ao pedido formulado pela inquilina no dia 14 de Janeiro de 1993 e referia-se a obras a realizar nos estabelecimentos.
16. Foi alegado pela Apelante que por diversas vezes e durante 6 anos solicitou à apelada que promovesse uma assembleia de condóminos para permitir contestar a acção movida pelo outro condómino V… S… .
17. Foi exclusivamente nesse pressuposto, a pedido da apelante e com base nas minutas de actas por esta enviada que foi redigida a acta junta aos autos. (conf. documentos 19 e 20 juntos pela Apelante na p.i.)
18. O uso do termo “ratificação” foi expressamente solicitado pela Apelante à Apelada.
19. A acta não indica quais as obras em causa, pelo que nem sequer se pode dizer que se referisse às obras do terraço.
20. A dita ratificação acabou por provocar a licitude de qualquer conduta que a Apelada pudesse ter tido.
21. A conduta da apelada não foi geradora de qualquer dano para a apelante.
22. A Apelante fez as demolições que entendeu já depois de ter na sua mão a acta da assembleia e antes de qualquer decisão do embargo.

A apelada requer que neste recurso, a título subsidiário, se conheça dos fundamentos da defesa em que decaiu e que adiante se indicam:

23. Ao contrário do que indica a douta sentença, a autorização para as obras dos estabelecimentos foi dada em 17 de Janeiro de 1993, através da carta que a Apelada remeteu à Apelante, junta nos autos.
24. Essa autorização de obras referia, expressamente, o pedido formulado pela inquilina no dia 14 de Janeiro de 1993.
25. A demolição de paredes e abertura de vãos expressa na autorização não se refere a paredes e vãos que fossem partes comuns, mas sim, como resulta dos pontos 7, 46 e 47 dos factos provados, às paredes interiores que ligavam a garagem e a loja arrendadas, que eram fracções contíguas.
26. A douta sentença recorrida não tomou em atenção estes meios probatórios e considerou que as obras foram realizadas, com base na autorização dada na escritura de alteração de arrendamento, celebrada em 26 de Março de 1993.
27. Não tendo tomado em consideração o pedido de obras antes formulado pela inquilina, a douta sentença recorrida entende que, por ser lata, a autorização dada na escritura abrangia todas as partes do locado, incluindo o terraço.
28. Esta conclusão, além de não ter fundamento, contraria a prova feita nos autos.
29. De acordo com os documentos juntos pela Apelante aos autos, em 27 de Janeiro de 2004, as obras em causa foram licenciadas e realizadas com base na autorização dada em Janeiro de 1993.
30. Se atentarmos bem às datas, no dia da escritura em que a douta sentença diz que a autorização foi concedida, já as obras se tinham iniciado e até concluído, conforme antes se tinha referido.
31. Não tem qualquer fundamento a presunção realizada pela douta sentença que a autorização de obras no locado, por não discriminar as partes do mesmo, abrangia um terraço que, pelo menos, a senhoria sabia já ser parte comum.
32. O que será lícito presumir, face à matéria de facto provada, nomeadamente que o aumento de renda se deu por causa do preço de mercado e das obras interiores, é que a autorização de obras não incluía o terraço.
33. Ficou provado (cfr. art. 49º) que a escritura de alteração do arrendamento foi marcada e solicitada pela Apelante.
34. Nesse documento não é feita qualquer menção a autorização de obras no terraço de cobertura.
35. Ficou provado que a propriedade horizontal do imóvel tinha sido constituída 10 anos antes.
36. A constituição da propriedade horizontal implica uma prévia vistoria camarária a todas as fracções e fica registada no processo camarário do imóvel.
37. A vistoria e processo camarário encontram-se descritos a folhas 3 da escritura que constitui o documento 11 junto pela Apelante com a douta p.i..
38. As obras em crise foram efectuadas com prévio licenciamento camarário.
39. Esse licenciamento camarário foi solicitado e promovido pela Apelante.
40. Pelo menos nessa altura, antes da realização das obras, a Apelante teve conhecimento que o imóvel estava constituído em propriedade horizontal.
41. A Apelada na qualidade de senhoria e condómina do prédio sempre teria que prestar autorização a todas as obras que afectassem o locado, seja no que respeita às suas paredes interiores como exteriores.
42. Ao contrário do que alega a douta sentença não pode ignorar-se que foi dado como não provado o facto de que a Apelada se arrogava proprietária do imóvel.
43. Esse facto, alegado pela Apelante, era o único que podia ter relevo para que se pudesse demonstrar a tese da douta sentença.
44. Face a isto, não podia a douta sentença ter concluído que a senhoria se apresentou como proprietária de todo o prédio, nomeadamente do terraço do nº 118.
45. A autorização de obras dada não constituiu uma modificação do contrato de arrendamento nem um outro qualquer contrato.
46. Mas, mesmo que a autorização de obras fosse um contrato ou uma alteração contratual, tendo sido celebrado o contrato de alteração do arrendamento nos termos acordados pelas partes, ficou afastada a possibilidade de se discutir a responsabilidade pré-contratual.
47. Resulta claro do contrato assinado em 1993 que, apesar do aumento da renda, o objecto do arrendamento se manteve inalterado.
48. Resulta do fixado no ponto 48 da matéria provada que o aumento de renda resultou apenas de um acerto por referência aos preços de mercado para o tipo de utilização dos locados e uma contrapartida pelas obras interiores de adaptação.
49. A Apelada outorgou a escritura e concedeu a licença de obras solicitada.
50. Como se verifica, a Apelada cumpriu a sua parte no contrato.
51. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 659º nº 3 do C.P.C. e 227º n.º 1 do CC.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

II.A. De Facto

É a seguinte de facto fixada pela 1.ª instância, que a Relação manteve:

1. A Autora “ENTREPOSTO LISBOAAA – COMÉRCIO DE VIATURAS, L.DA” é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização e reparação de veículos automóveis, respectivos acessórios e sobressalentes [cópia certificada de certidão do registo comercial junta de fls. 450 a 463].
2. No exercício da sua actividade, a mesma Autora explora, entre outros, um estabelecimento comercial de que é arrendatária, instalado na fracção A do prédio urbano em regime de propriedade horizontal composto por rés-do-chão, garagens e seis andares, sito na Rua D… E.., n.os 118, 118-A, 118-B, 120, 120-A e 120-B, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 17507, a fls. 176 verso, do livro B 63 (ficha n.º 00098/220585) e inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Arroios, sob o n.º 1915 [alínea A) dos factos assentes].
3. A fracção A do prédio acima descrito é uma ocupação ampla destinada a comércio, com instalações sanitárias e uma galeria, para a qual o acesso é feito através de uma rampa [alínea B) dos factos assentes].
4. Tem acesso à via pública pelos n.os 118-A, 118-B e 120-A e ocupa toda a área do identificado prédio, com excepção das entradas comuns [alínea C) dos factos assentes].
5. A fracção identificada em 2. é propriedade da Sociedade BB, ora Ré [alínea D dos factos assentes].
6. Por contrato de “trespasse e arrendamento”, com data de 26 de Agosto de 1969, em que foram outorgantes V… S… LIMITADA, E… COMERCIAL DE AUTOMÓVEIS E…, SARL. e BB SOCIEDADE DE ENSINO E DE EMPREENDIMENTOS COMERCIAIS E INDUSTRIAIS, SARL, foi acordado o seguinte: “pelo primeiro outorgante foi dito: Que a sua representada V… S…, LIMITADA é arrendatária da garagem e primeiro andar, com entrada pelos números cento e dezoito B da Rua D… E…, locais estes que fazem parte do prédio que a sociedade representada pelos terceiros outorgantes possui na mesma rua e nesta cidade, com os números cento e dezoito a cento e dezoito C, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Arroios, sob o artigo dois mil setecentos e quatro, com o rendimento colectável de duzentos e dezasseis mil escudos, como verifiquei na respectiva caderneta predial, expedida pela Repartição de Finanças do Primeiro Bairro Fiscal de Lisboa, em vinte e um de Março de mil novecentos e cinquenta e cinco, devidamente actualizada, que foi exibida, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número dezassete mil quinhentos e sete, a folhas cento e setenta e seis verso, do livro B sessenta e três.
Que este arrendamento foi celebrado por escritura publica de seis de Abril de mil novecentos e sessenta e sete, exarada a folhas cinquenta e quatro e seguintes, do livro E vinte e seis de notas, do Quarto Cartório Notarial de Lisboa.
Que do mesmo arrendamento consta, entre outras cláusulas, que a entrada para o primeiro andar é também feita pela porta principal do citado prédio e que os locais arrendados se destinam a garagem, estação de serviço e venda de óleos e gasolina;
Que, pela presente escritura, ele, primeiro outorgante, em nome da sociedade V… S…, Limitada, trespassa à sociedade E… COMERCIAL DE AUTOMÓVEIS, E…, SARL, que o segundo outorgante representa, a garagem e o primeiro andar acima identificados, pelo preço de um milhão de escudos, preço que já recebeu e do qual dá quitação;
Que este trespasse é feito sem encargos e, portanto, sem passivo, compreendendo apenas a cedência dos locais arrendados e as máquinas, maquinismos, utensílios e instalações que se encontram na mencionada garagem e primeiro andar;
Que os locais, objecto do presente trespasse, serão entregues pela cedente à sociedade cessionária no prazo de seis dias, a contar desta data, ou seja, no próximo dia um de Setembro.
Que a sociedade cedente cede e transfere para a sociedade cessionária todo o domínio, direito e acção e posse que tem tido até agora sobre os locais arrendados e identificados na presente escritura.
Seguidamente, pelos terceiros outorgantes foi dito:
Que a sociedade sua representada, BB, SOCIEDADE DE ENSINO E EMPREENDIMENTOS COMERCIAIS E INDUSTRIAIS, SARL, como dona e legítima proprietária do prédio sito em Lisboa, na Rua Dona Estefânia, números cento e dezoito a cento e dezoito C, dá de arrendamento à representada do segundo outorgante, E… COMERCIAL DE AUTOMÓVEIS − E…, SARL, a garagem com entrada pelos números cento e dezoito B do citado imóvel, o primeiro andar do mesmo, que também tem entrada pela porta principal com o número cento e dezoito, que agora foram trespassados, e ainda parte do terraço da cobertura da garagem, com a área e localização constantes da planta em duplicado, de que um exemplar fica em poder de cada uma das partes − senhoria e inquilina, devidamente assinado pelos seus representantes, nos termos das condições seguintes:
Primeiro − O arrendamento é feito pelo prazo de um ano a contar do dia um de Setembro de mil novecentos e sessenta e nove, e renovável por idênticos períodos sucessivos.
Segundo − A renda mensal é de quarenta mil escudos para a garagem primeiro andar e parte do terraço arrendados, a pagar em dinheiro, adiantadamente, no actual domicílio da Senhoria, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.
Parágrafo único − Em virtude da nova renda convencionada na presente escritura, a sociedade senhoria declara expressamente e para os devidos efeitos que, deste modo, usou da faculdade consignada no número três do artigo mil cento e cinco do Código Civil, sem que para tanto tenha recorrido à avaliação fiscal, pelo que se obriga a não requerer esta antes de decorridos cinco anos sobre a data da presente escritura.
Terceiro − A garagem e primeiro andar arrendados destinam-se a garagem, estação de serviço, venda de combustíveis e lubrificantes, pequenas reparações de mecânica, electricidade, pintura, bate-chapas e estofador, venda e exposição de veículos novos e usados, venda e armazém de acessórios e peças de automóveis e escritórios.
Parágrafo único − Os trabalhos e reparações abrangidos pelo objecto do presente arrendamento deverão ser feitos de modo a que deles resultem apenas os ruídos normais destas actividades, nos termos da legislação vigente e autorizações concedidas nos alvarás e licenças de que a sociedade inquilina seja ou venha a ser titular.
Quarto − A sociedade inquilina fica desde já autorizada a fazer nos locais arrendados à sua custa as obras que forem necessárias à adaptação dos mesmos ao seu comércio e industria, nomeadamente, as relativas à instalação de um stand de vendas de viaturas com gabinetes, à remodelação das instalações da estação de serviço, à montagem de máquinas e maquinismos, à construção de novos sanitários, à alteração e ampliação dos escritórios, à montagem de uma cabine de retoques de pintura, à montagem de uma compartimentação para um ferramenteiro, à alteração dos sanitários do primeiro andar e à sua adaptação a laboratórios de electricidade, à instalação, por construção do tipo pré fabricado de um refeitório e vestiário na área do terraço correspondente à área da cobertura da garagem, a abertura de uma comunicação ou acesso entre a garagem e este terraço ou cobertura onde se procederá à instalação destas construções, à pintura e beneficiação em geral do aspecto das instalações e locais arrendados.
Parágrafo único − A instalação de construções de tipo pré fabricado no terraço ou cobertura da garagem que também faz parte deste arrendamento, deverá ser feita por modo a que a utilização daquela pelo pessoal da sociedade inquilina não perturbe a tranquilidade e sossego dos restantes inquilinos do prédio na utilização da parte do mesmo terraço que lhes está afecta, nem permita a devassa das casas que dão para as traseiras do prédio, pelo que as mesmas construções não terão acesso pelo terraço mas sim pela comunicação entre estas e a garagem e terão, ainda, janelas com vidros foscos cuja abertura não contrarie as condições referidas no presente.
Exceptua-se o acesso ao terraço e paredes das instalações nele existentes, quando e para os fins de limpeza e conservação que a sociedade inquilina mande proceder.
Quinto − A sociedade inquilina fica também expressamente autorizada a substituir os portões de entrada da garagem por outros da sua escolha e a colocar na fachada do prédio até à altura das instalações dos locais que lhe são arrendados os anúncios luminosos que mande fazer para o efeito.
Sexto − As obras autorizadas pela presente consideram-se incorporadas no imóvel como benfeitorias em relação às quais a sociedade inquilina não terá o direito de retenção, na alternativa de restituir os locais arrendados ao estado e configurações existentes à data deste arrendamento. Para efeitos deste artigo entende-se que só farão parte integrante do prédio aquelas benfeitorias que, pela sua natureza, passarem a estar incorporadas na construção do imóvel.
Sétimo − Verificando-se caso fortuito ou de força maior que destrua o prédio acima identificado ou parte do mesmo, considerar-se-á, desde logo, rescindido o contrato de arrendamento, tendo a sociedade inquilina direito à devolução da renda ou rendas antecipadamente pagas.
Oitavo − A arrendatária obriga-se, quando não lhe convier a continuação deste arrendamento a, por escrito com quarenta dias de antecedência e a mostrar os locais arrendados a quem quiser vê-los todos os dias úteis, à excepção dos sábados durante as horas em que tiver o seu estabelecimento aberto ao público.
Nono − Para as questões emergentes deste contrato será competente o foro da comarca de Lisboa.
E pelo segundo outorgante foi dito:
Que para a sociedade sua representada, E… COMERCIAL DE AUTOMÓVEIS, E…, SARL, aceita o trespasse e arrendamento constantes da presente escritura e nos termos nela referidos.
Assim o outorgaram por minuta (...)“ [alínea E dos factos assentes].
7. Não estava também abrangida pelo supra mencionado contrato de arrendamento a loja com entrada pelo n.º 120-A do prédio sito na Rua D… E…, hoje incluída na fracção A, loja essa contígua à garagem e 1º andar com entrada pelos n.os 118-A e 1 18-B que constam do referido contrato de arrendamento inicial [alínea F) dos factos assentes.
8. Porque foi à sociedade E… COMERCIAL DE AUTOMÓVEIS – E…, S.A.R.L. que, inicialmente, por escritura pública de trespasse e arrendamento datada de 26 de Agosto de 1969 foram trespassados a garagem e a parte sobrelevada ou galeria da mesma (referida erradamente na escritura como 1º andar), com entrada pelos n.os 118-A e 118-B da Rua D… E…, pela sociedade V… S…, L.DA (à altura arrendatária dos locais mencionados) [alínea G) dos factos assentes].
9. Pela mesma escritura, a BB, antiga senhoria da Sociedade V… S…, L.da deu de arrendamento ao E… Comercial a referida garagem e galeria, com entrada pelos n.os 118-A e 118-B [alínea H) dos factos assentes].
10. Em 22 de Dezembro de 1980, a inquilina − então E… COMERCIAL – trespassou à R… – COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, LDA, o mesmo locado [alínea I) dos factos assentes].
11. A arrendatária do locado em questão é o ENTREPOSTO LISBOAAA − ora Autora [alínea J) dos factos assentes].
12. A loja sita no n.º 120-A foi dada de arrendamento pela Ré BB à R… – COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, L.DA, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado por escritura de 5 de Março de 1982 que se junta e dá por integralmente reproduzido sob Doc. 6, e do qual consta, com interesse para a decisão, o seguinte:
“A representada dos primeiros outorgantes dá de arrendamento à segunda outorgante “R… − COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, LIMITADA”, a loja número cento e vinte A do prédio situado na Rua D… E…, número cento e vinte e cento e vinte-B, na freguesia de Arroios, de Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo novecentos e doze.
Dois − A loja arrendada, identificada no número anterior, destina-se ao comércio automóvel e a actividades inerentes ao sector automóvel.
Segundo
O contrato terá a duração de seis meses, findos os quais se renovará por sucessivos períodos de seis meses, com início em um de Janeiro de 1982.
Terceiro
A renda mensal é de vinte e cinco mil escudos, com vencimento no primeiro dia útil a que respeitar, devendo ser paga na Delegação do BANCO T… A…, na Avenida da República, número … e …, desta cidade de Lisboa.
Quarto (...)
Quinto
Um − A segunda outorgante só poderá efectuar obras ou benfeitorias mediante autorização escrita da primeira outorgante.
Dois − Terminado o arrendamento, a segunda outorgante não poderá levantar quaisquer benfeitorias nem terá o direito a qualquer indemnização por elas ou por quaisquer obras realizadas.” [alínea K dos factos assentes].
13. Em 1993, a então inquilina − R… − pretendeu de novo realizar obras no locado, com vista à modernização das instalações [alínea L) dos factos assentes].
14. Solicitou autorização para as obras que pretendia realizar junto da ora Ré [alínea M) dos factos assentes].
15. Autorização essa que obteve por carta datada de 17 de Janeiro de 1993 [alínea N) dos factos assentes].
16. Entre a R… (inquilina à altura dos acontecimentos) e a ora Ré − BB − foi celebrado o contrato de alteração aos contratos de arrendamento, por escritura pública, no dia 26 de Março de 1993 que alterou apenas dois números em cada contrato, a saber:
− O número 2 e o seu parágrafo bem como o corpo do número 4 do contrato de arrendamento celebrado em 26.8.1969 e
− O número 3 bem como o número 5 do contrato de arrendamento titulado pela escritura de 5.3.1982 [alínea O) dos factos assentes].
17. Estipulou o referido contrato que o preço da renda referente à garagem e parte sobrelevada ou galeria da mesma, com entrada pelos n.os 118-A e 118-B passaria de Esc. 192.571$00 (cento e noventa e dois mil, quinhentos e setenta e um escudos), para Esc. 1.000.000$00 (um milhão de escudos), sendo que o preço da renda referente à loja com entrada pelo n.º 120-A passaria de Esc. 98.161$00 (noventa e oito mil, cento e sessenta e um escudos) para Esc. 400.000$00 (quatrocentos mil escudos) [alínea P) dos factos assentes].
18. Por escritura de vinte e seis de Março de 1993 a ré e a RECAR 2 − Comércio de Automóveis, Limitada, acordaram o seguinte, naquilo que releva para o caso dos autos:
“A sociedade pelos outorgantes identificados em primeiro lugar, “BB – SOCIEDADE AGRÍCOLA E DE ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS, LIMITADA” é proprietária do prédio urbano na Rua D… E…, número cento e dezoito e cento e dezoito B, cento e vinte, cento e vinte A e cento e vinte E, inscrito na respectiva matriz sob o artigo mil novecentos e quinze do mencionado prédio, a sociedade representada pelos segundos, “R…, COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, LIMITADA” é arrendatária:
a) Da garagem com entrada pelos números cento e dezoito A e cento e dezoito B, da parte sobrelevada ou galeria da mesma, referida erradamente na escritura como «primeiro andar” e da parte do terraço e que faz a cobertura da garagem; o contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, a contar de um de Setembro de mil novecentos e sessenta e nove, com início a folhas vinte e oito do livro D cinquenta e quatro do Décimo Segundo Cartório Notarial de Lisboa; a renda actual é de cento e noventa e dois mil e quinhentos escudos; b) Da loja, com entrada pelo número cento e vinte e cento e vinte A; o contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de seis meses, com início em um de Janeiro de mil novecentos e oitenta e dois, por escritura de cinco de Março de mil novecentos e oitenta e dois, com início a folhas cento e dezanove do livro um H do Vigésimo Terceiro Cartório Notarial de Lisboa, sendo a renda mensal actual de noventa e oito mil cento e sessenta e um escudos.
Pela presente escritura alteram:
Primeiro − O número segundo e seu parágrafo e o corpo do número quarto do contrato de arrendamento celebrado em vinte e seis de Agosto de mil novecentos e sessenta e nove a que se refere a anterior alínea a), cláusulas que passam a ter a seguinte redacção:
“Segunda − A renda mensal a partir de um de Fevereiro de mil novecentos e noventa e três, é de um milhão de escudos, para a garagem, galeria ou sobreloja e parte do terraço arrendados, a pagar na sede da senhoria ou em conta bancária por esta a indicar, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.
Parágrafo único − a renda acima estipulada poderá ser alterada, por avaliação do imóvel, se uma futura legislação sobre rendas comerciais o permitir; todavia, nos primeiros cinco anos a contar de vinte e seis de Março de mil novecentos e noventa e três, a renda não sofrerá qualquer alteração, podendo apenas ser actualizada, anualmente, segundo os coeficientes legais;
Quarto − A sociedade inquilina fica desde já autorizada a efectuar de sua conta e responsabilidade todas as obras, adaptações ou arranjos que forem convenientes ao exercício da sua actividade comercial, designadamente as que importem o levantamento de paredes ou divisórias ou a sua demolição e a abertura de janelas, portas ou vãos, bem como alterar as redes de canalização de água ou esgotos, salvaguardando, todavia, sempre a segurança do prédio;
Segundo — O número terceiro e o número quinto do contrato de arrendamento titulado pela escritura de cinco de Março de mil, novecentos e oitenta e dois, referida na anterior alínea b), passam a ter a seguinte redacção:
“Terceiro − A renda mensal a partir de um de Fevereiro de mil novecentos e noventa e três é de quatrocentos mil escudos, a pagar na sede da senhoria ou em conta bancária por esta a indicar, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito;
Parágrafo único − A renda acima estipulada poderá ser alterada, por avaliação do imóvel, se uma futura legislação sobre rendas comerciais o permitir; todavia, nos primeiros cinco anos a contar da presente data, a renda não sofrerá qualquer alteração podendo apenas ser actualizada anualmente segundo coeficientes legais.
Quinto − Um − A sociedade inquilina fica desde já autorizada a efectuar de sua conta e responsabilidade todas as obras, adaptações ou arranjos que forem convenientes ao exercício da sua actividade comercial, designadamente as que importem o levantamento de paredes ou divisórias ou a sua demolição e a abertura de janelas, portas, ou vãos, bem como alterar as redes de canalização de água ou esgotos, salvaguardando, todavia e sempre a segurança do prédio;
Dois − Terminado o arrendamento, a inquilina não poderá levantar quaisquer benfeitorias nem terá o direito a qualquer indemnização por elas ou por quaisquer obras realizadas.
Três − A inquilina fica também expressamente autorizada a substituir os portões de entrada da loja por outros de sua escolha e a colocar na fachada do prédio, até à altura das instalações dos locais que lhe são arrendados, os anúncios luminosos que mande fazer para o efeito.” [alínea Q dos factos assentes].
19. A sociedade “R…” fundiu-se com outras sociedades, tendo sido incorporada na autora “ENTREPOSTO LISBOAAA − COMÉRCIO DE VIATURAS, L.DA”, encontrando-se essa fusão registada em 5 de Janeiro de 1994 [certidão de fls. 447 a 463].
20. O estabelecimento da Autora funciona como garagem, estação de serviço, venda de combustíveis e lubrificantes, recolha de automóveis, lavagens e lubrificações, pequenas reparações, venda e exposição de veículos novos e usados, venda e armazém de acessórios, peças de automóveis e escritórios [resposta ao art.º 1.º da base instrutória].
21. A Ré autorizou as obras que a R… lhe havia solicitado autorização para realizar, tendo a R… despendido Esc. 158.112.131$00 em obras nos locados, em Outubro de 1993 [resposta ao art.º 4.º da base instrutória].
22. A R… realizou, entre outras, as seguintes obras:
− Alteração do tecto da construção existente nos terraços de tardoz, mediante a substituição da estrutura de tijolos de vidro encaixilhados em estruturas metálicas por uma abóbada redonda de estrutura metálica revestida a acrílico de cerca de 3 metros de altura;
− Impermeabilização e repavimentação do chão do terraço;
− Abertura de um buraco no canto esquerdo do terraço e instalação de um monta-cargas;
− Substituição da rede velha da vedação no terraço por uma rede nova;
− Colocação de um anúncio novo na fachada do prédio [resposta ao art.º 5.º da base instrutória].
23. As obras no terraço resolveram o problema das infiltrações [resposta ao art.º 6.º da base instrutória].
24.Os prédios correspondentes aos n.os 118 a 118-B e 120 a 120-B foram constituídos em propriedade horizontal por escritura de 18 de Março de 1983 [resposta ao art.º 8.º da base instrutória].
25. A constituição do prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa mediante a descrição 0098/220585 em propriedade horizontal encontra-se efectuada mediante a apresentação 06/070983 [alínea R) dos factos assentes].
26. A Ré foi citada para contestar uma acção judicial contra si movida por A… M… M… V… S… [certidão de fls. 389 a 446].
27. 0 Autor dessa acção movia a mesma na qualidade de condómino da fracção “B” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua D. E… n.os 118-A, 118-B, 120, 120-A e 120-B, ou seja, do prédio referido em 23 [mesma certidão].
28. A… M… M… V… S… intentou a referida acção no 10.º Juízo Cível, 3.ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pedindo que a aqui autora fosse condenada, entre outros, a:
− Retirar o anúncio que colocara;
− Repor a parede e floreira que destruíra;
− Demolir a construção nos terraços de tardoz;
− Tapar a abertura efectuada no terraço esquerdo;
− Não estacionar carros nos terraços de cobertura [idem].
29. Fundamentou esse pedido no facto de a Ré não ter legitimidade para levar a cabo as obras realizadas, na medida em que as mesmas foram efectuadas nas partes comuns do prédio, necessitando para tal da autorização dos demais condóminos [idem].
30. Por sentença de 31 de Outubro de 1997 foi a acção julgada improcedente e em consequência a aqui Autora absolvida do pedido [idem].
31. Não se conformando com essa sentença, o Autor da referida acção, interpôs recurso da mesma sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa [idem].
32. Nesse Venerando Tribunal, por douto acórdão de 12 de Novembro de 1998, junto de fls. 401 a 431 e que aqui se dá por reproduzido, a sentença da 1.ª instância foi parcialmente revogada, tendo a ali ré sido condenada a:
− Demolir todas as obras efectuadas nos terraços de cobertura;
− Não utilizar esses terraços para parqueamento de veículos;
− Retirar o anúncio da fachada do prédio [idem].
33. Inconformada com esse acórdão, a aqui Autora recorreu do mesmo para o Supremo Tribunal de Justiça, que por douto acórdão de 28 de Setembro de 1999 veio a confirmar o anterior acórdão da Relação de Lisboa [idem].
34. Posteriormente foi promovida por A… M… M… V… S…, junto da 10.ª Vara Cível de Lisboa, a execução do mencionado acórdão [informação de fls. 318, pedida oficiosamente].
35. Durante o ano de 1994 e princípios de 1995, a Autora procurou por diversas vezes explicar ao Dr. J… V… S… a necessidade de a Ré dar apoio no processo à ora Autora, solicitando que o Dr. J… V… S… facultasse acesso ao seu advogado com vista à convocação de uma assembleia-geral de condóminos, visando obter a ratificação das obras realizadas [resposta ao art.º 12.º da base instrutória].
36. Para este efeito, foram remetidas aos gerentes da Ré cartas a 8 de Junho de 1994, a 2 de Janeiro de 1995 e a 13 de Setembro de 1995, bem como feitos diversos contactos telefónicos [resposta ao art.º 13.º da base instrutória.
37. O Mandatário da Autora remeteu ao Dr. J… V… S…, por fax, no dia 26 de Junho de 1994, uma minuta de convocatória e outra de acta de assembleia de condóminos, de forma a facilitar a realização da assembleia [resposta ao art.º 15.º da base instrutória].
38. Questionada, nas cartas de 2 de Janeiro de 1995 e 13 de Setembro de 1995, se houvera já procedido à realização da assembleia de condóminos, a Ré nada disse [resposta ao art.º 16.º da base instrutória].
39. Nem o Dr. J… V…, nem o Dr. A… A… da S…, seu pai e também sócio da sociedade BB, deram qualquer resposta às cartas ou possibilitaram o acesso ao seu advogado [resposta ao art.º 17.º da base instrutória].
40. Nova tentativa se sucedeu em 30 de Novembro de 1998, logo após o acórdão da Relação, através do envio pela autora de nova carta à sociedade BB, informando-a de que iria recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, a fim de esgotar todas as hipóteses judiciais de modificar o decidido no acórdão [resposta ao art.º 18.º da base instrutória].
41. Após o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou o da Relação, a Autora tentou entrar de novo em contacto com a sociedade BB, endereçando-lhe carta no dia 26 de Outubro de 1999, mais uma vez sem sucesso [resposta ao art.º 20.º da base instrutória].
42. A Autora não obteve sucesso nas suas pretensões e procedeu à execução do decidido no acórdão do STJ [resposta aos art.os 23.º e 24.º da base instrutória].
43.Para tanto teve de:
− Destruir a abóbada redonda de perfis laminados, revestida a acrílico, com cerca de 4 metros de altura, que efectuou sobre a construção existente no terraço;
− Fechar a abertura que efectuara no canto esquerdo do terraço e remover o monta-cargas, ficando, por isso, este sem qualquer utilização;
− Cortar o anúncio da fachada do prédio [resposta ao art.º 25.º da base instrutória].
44. As obras efectuadas pela Autora − em cumprimento do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito dos autos de acção ordinária n.º 4624/93, da 3.ª Secção da 10.ª Vara Cível − só ficaram concluídas no dia 17 de Outubro, por motivo imputável à empresa responsável pela empreitada [resposta ao art.º 10.º da base instrutória].
45. Essas obras obrigaram ao dispêndio pela Autora do montante de Esc. 2.574.000$00 (Euros 12.839,06) [respostas aos artigos 11.º e 26.º da base instrutória].
46. A Ré autorizou as obras mencionadas nas escrituras referidas em 6. e 18. [resposta aos art.os 30.º, 31.º e 32.º da base instrutória].
47. A Autora remodelou os interiores do locado para fazer face às exigências da marca que agora e naquele local iria representar [resposta ao art.º 33.º da base instrutória].
48.O aumento do valor da renda resultou de um acerto por referência aos preços de mercado para o tipo de utilização dos locados e uma contrapartida pelas obras interiores de adaptação à marca que a Autora iria representar [resposta ao art.º 35.º da base instrutória].
49. A escritura de alteração de arrendamento foi marcada e preparada pela autora [resposta ao art.º 38.º da base instrutória].
50. A Ré não concedeu autorização escrita à RECAR 2, nem à autora, para realizarem obras no terraço de cobertura por cima da loja com entrada pelo n.º 120 [resposta ao art.º 41.º da base instrutória].
51. A impermeabilização e repavimentação do terraço, foram efectuadas, tendo também em vista a sua utilização como parqueamento de veículos, apenas possível com instalação de um monta-cargas [resposta ao art.º 44.º da base instrutória].
52. No seguimento das diligências da Autora junto da Ré, esta procurou proceder a uma ratificação da autorização concedida para as obras feitas no edifício [alínea S) dos factos assentes].
53. A Ré convocou, para efeitos de ratificação da autorização concedida, uma Assembleia de Condóminos para o dia 12 de Janeiro de 2000 [alínea Z) dos factos assentes].
54. Em 12 de Janeiro de 2000 a Assembleia de Condóminos do Prédio 118 a 120 da Rua D. Estefânia, aprovou todas as obras realizadas pela Autora nas partes comuns do edifício, assim como a manutenção do cartaz na fachada [alínea T) dos factos assentes].
55. O que fez, nos termos da acta junta de fls. 213 a 216, que aqui se dá por reproduzida [facto alegado pela Ré no art.º 73.º da contestação e aceite pela Autora na réplica].
56.A referida assembleia-geral foi convocada com a ordem de trabalhos indicada pela Autora [alínea U) dos factos assentes].
57. A Ré, representada nessa assembleia, ainda no mesmo mês, remeteu à autora uma cópia da referida deliberação [alínea V) dos factos assentes].
58. A referida acta foi entregue a tempo da Autora deduzir embargos à execução promovida pelos terceiros [alínea X) dos factos assentes].
59. A quantia de Esc. 47.433.639$00 (Euros 236.598) corresponde a 3/10 de Esc. 158.112.131$00 [resposta ao art.º 45.º da base instrutória].
60. A renda tem sido aumentada todos os anos de acordo com os coeficientes legais e, em 2002, está em Esc. 1.363.426$00 (Euros 6.795.75) + Esc. 544.970$00 (Euros 2.718,30), ou seja, um total de Esc. 1.907.396$00 (Euros 9.514,05) [resposta ao art.º 46.º da base instrutória].
61. Desde Janeiro de 2000 a Autora deixou de usar o terraço como estacionamento [resposta ao art.º 47.º da base instrutória].
62. A Autora continua a pagar a renda de Esc. 1.907.396$00 (Euros 9.514,05) [resposta ao art.º 48.º da base instrutória].
63. As custas suportadas pela Autora com a acção movida pelo condómino A… M… M… V… S… atingiram a quantia de Euros 704,80 [facto alegado pela autora na alínea d), do art.º 152.º da petição inicial e não impugnado pela Ré na sua contestação]

II.B. De Direito

II.B.1. Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Civil, doravante CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.

São suscitadas no presente recurso as questões da:
– Discussão sobre a matéria de facto fixada pelas instâncias
- Objecto dos contratos de arrendamento e alcance das obras autorizadas pela Ré
- Requisitos da responsabilidade civil
- Redução da renda
- Pedido subsidiário da Ré

II.B.2. Sobre o primeiro ponto passaremos adiante, pois como o próprio recorrente reconhece são exíguos os poderes censórios do STJ nesta matéria e, manifestamente, não são aduzidos argumentos que justifiquem o seu esclarecimento ou ampliação.

II.B.3. Antes de nos debruçarmos sobre as questões concretas colocadas pelo recorrente, importa fazer uma clarificação do que está em debate.

A autora estrutura a presente acção como uma acção de regresso contra a sua senhoria pelos prejuízos que diz ter sofrido em razão da condenação em acção intentada por um dos condóminos do prédio de que é arrendatária.

Imputa esses danos a conduta ilícita da ré, que faz fundar na autorização para obras no locado, que a mesma concedeu após a constituição em regime de propriedade horizontal do prédio em que aquele se insere.

Um dos condóminos do prédio propôs uma acção contra a A, visando a reposição do prédio ao estado em que se encontrava antes de o A. nele ter feito obras em partes comuns, tendo a autora sido condenada a demolir todas as obras efectuadas nos terraços de cobertura do prédio, a não utilizar os mesmos como parqueamento de veículos e a retirar o anúncio da fachada do prédio.

II.B.4. Objecto dos contratos de arrendamento

O recorrente não discute a aplicabilidade ao caso concreto das normas relativas ao arrendamento do CC, depois alterado pelo RAU, aprovado pelo DL 321-B/90 de 15.10.

Também, embora seja um ponto em que o recorrente está em desacordo com o acórdão recorrido, o claro texto dos dois contratos de arrendamento referidos nos autos não consente dúvidas de que ao locatário apenas era concedido o gozo temporário da parte do terraço que cobria o espaço correspondente aos números 118-A e 118-B, não consentindo já a utilização da parte do terraço respeitante ao número 120 e 120 A.

Como se diz no acórdão recorrido, “[n]ada no seu conteúdo, alcance ou sentido, quer tomado cada um dos documentos em si e por si, quer conjugados um com o outro, consente tal uso originário ou superveniente (busque-se tal tese na unificação dos dois imóveis e concomitante constituição em propriedade horizontal ou na alteração parcial dos dois arrendamentos comerciais), não se descortinando base factual ou jurídica para derivar o alargamento da área locada (parte do terraço), no quadro do segundo contrato (120 e 120-A) da mencionada fusão de imóveis e unificação dos terraços”

A unificação dos dois terraços com que a A. argumenta para justificar os pedidos é, desde logo, desmentida pela alteração introduzida em 1993 nos dois arrendamentos, só se aludindo a terraço na alínea a) da mesma (relativa ao locado correspondente aos números 118-A e 118-B), como ainda porque, tendo o dito terraço a natureza de espaço comum, mal se compreenderia que, sem a intervenção e autorização dos demais condóminos, fosse possível ocorrer tal extensão do objecto do segundo contrato ao terraço da respectiva fracção.

Como igualmente se disse no acórdão recorrido, não releva particularmente a unificação dos dois prédios ocorrida em 1983, que passaram a constituir fracções de uma propriedade horizontal.

No caso, a constituição do edifício em propriedade horizontal deu-se por negócio jurídico unilateral celebrado pela ré, enquanto proprietária única do prédio.

Nas palavras de HENRIQUE MESQUITA “o título constitutivo da propriedade horizontal é o acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm eficácia real. Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual nessa medida deixa de ter um conteúdo típico” (in RDES XXIII, pp. 94 e 95).

Mas, como assinalam PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 446 e 447) “sem dúvida que a declaração unilateral do proprietário do edifício, embora seja qualificada pela lei como título constitutivo do condomínio, não pode originar, só por si, uma situação plena e acabada de propriedade horizontal, pois esta figura jurídica pressupõe uma pluralidade de condóminos (cfr. art.º 1414.º), que, no caso, não existe. Enquanto as várias fracções autónomas pertencerem a uma só pessoa, o regime da propriedade horizontal é obviamente inaplicável”. E mais adiante “quanto a tudo o mais que de uma situação de propriedade horizontal decorre – sujeição de determinadas partes do edifício ao regime da compropriedade, eleição do administrador destas partes comuns, limitações relativas ao uso das fracções autónomas, etc – a eficácia do título fica dependente da alienação de, pelo menos, uma das fracções autónomas, pois que, só nessa altura, surgirá a pluralidade de condóminos, pressuposto essencial da aplicação do regime dos art.os 1414.º e seguintes” (o texto refere o art.º 1441.º, o que se deverá certamente a lapso de escrita).

Concluem os mencionados Autores: “a declaração em que o proprietário exprime a vontade de sujeitar o edifício ao regime da propriedade horizontal tem de considerar-se, pois, nesta medida e para este efeito, um negócio de eficácia suspensa, isto é, um negócio necessariamente sujeito a condição suspensiva (condictio iuris) da alienação de alguma das fracções autónomas do edifício” (ibidem).

Nesta perspectiva, a constituição da propriedade horizontal quando decorrente da declaração unilateral do proprietário único, implica segundo os referidos autores que “o negócio jurídico de constituição da propriedade horizontal (…) é um acto de mera administração, pois não envolve a alienação de qualquer fracção do imóvel, apenas modificando o estatuto de natureza real a que este se encontra sujeito”, mas “embora não revista a natureza de um acto de disposição, o negócio de constituição da propriedade horizontal opera, no entanto, a modificação do estatuto real a que o imóvel se encontrava sujeito, extinguindo o direito de propriedade normal e constituindo, em sua substituição, um direito real novo” (ob. cit., p. 408).

E continuam: “(…) embora os esquemas da propriedade e da compropriedade permitam explicar todo o regime da propriedade horizontal, esta figura é mais do que a mera justaposição daqueles dois direitos: trata--se de um direito real novo, de um novo tipo introduzido no direito das coisas”.

O artigo 1421.º do Código Civil, na sua redacção original (os números 1, alíneas b) e d), 2, alínea d) vieram a ser alterados e o número 3 aditado pelo Decreto-Lei n.º 267/94 de 25.10, com entrada em vigor em 1.1.1995 - alterações indicadas a negrito no texto), aplicável à data da constituição da propriedade, rezava o seguinte:
Artigo 1421.º
(Partes comuns do prédio)
1. São comuns as seguintes partes do edifício:
a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento (de qualquer fracção);
c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;
d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado e semelhantes (gás, comunicações e semelhantes).
2. Presumem-se ainda comuns:
a) Os pátios e jardins anexos ao edifício;
b) Os ascensores;
c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro;
d) As garagens (e outros lugares de estacionamento);
e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.
3. O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns.

O terraço de cobertura que faz parte do arrendamento em causa (concretamente, parte do terraço sobre a garagem com acesso pelos n.os 118-A e 118-B) é parte comum da propriedade horizontal, nos termos do citado artigo.

Entendendo que a constituição de propriedade horizontal importa, nos termos do ensinamento acima expresso, a extinção do direito de propriedade antigo, com a constituição, em sua substituição, de um direito real novo, poderia atingir-se a conclusão de que, com aquele acto, ou melhor, com a alienação da primeira das fracções autónomas (como condição suspensiva da eficácia daquele), o arrendamento em discussão na acção, quanto àquele concreto objecto, se teria extinguido por caducidade (alínea c) do art.º 1051.º, do Código Civil).

Não foi esse, porém, o entendimento do douto acórdão condenatório que serve de base à presente acção de regresso.

Com efeito, entendeu-se, pelo contrário, que, com a constituição da propriedade horizontal ocorreu uma oneração do direito do proprietário/senhorio e, ao abrigo do art.º 1057.º do Código Civil e do princípio “emptio non tollit locatum” que aquele exprime, o arrendamento sobre aquela parte comum se manteve, sendo oponível aos adquirentes das fracções autónomas.

Apesar de nos termos do citado acórdão o objecto do arrendamento se ter mantido intacto, o mesmo não sucedeu, como se viu, com a legitimidade para autorizar obras nas partes que, após a alienação da primeira das fracções autónomas, passaram a ser comuns.

Para autorizar a realização dessas obras, segundo o mesmo acórdão, a ré perdeu legitimidade.

E aqui ingressamos directamente na controvérsia da acção.

As obras em causa são inovações nas partes comuns, entendidas aquelas como as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa ou as modificações da afectação ou destino da coisa ou, ainda, como as obras que constituem alteração do prédio tal como originariamente existia à data da constituição da propriedade horizontal (nesses dois sentidos, respectivamente, acórdãos do STJ, de 11 de Outubro de 1989 e de 4 de Outubro de 1995, in www.dgsi.pt, n.os SJ198910110748792 e SJ199510040872612).

Como inovações, as mesmas carecem de aprovação, nos termos do art.º 1425.º, n.º 1, do Código Civil.

Ora, apesar da constituição da propriedade horizontal cerca de 10 anos antes e da venda de, pelo menos, uma das fracções, a um terceiro, a ré, alterando o contrato de arrendamento original (de 1969), autoriza, em 1993, a antecessora da autora, a “(…) a efectuar, de sua conta e responsabilidade, todas as obras, adaptações ou arranjos que forem convenientes ao exercício da sua actividade comercial, designadamente as que importem o levantamento de paredes ou divisórias ou a sua demolição e a abertura de janelas, portas ou vãos, bem como alterar as redes de canalização de agua ou esgotos, salvaguardando, todavia e sempre a segurança do prédio”.

Por outro lado, no mesmo acto, a ré autoriza a então inquilina a colocar (em relação a ambos os objectos do arrendamento – garagem com entrada pelos nºs 118-A e 118-B e loja com entrada pelo nº 120-A) anúncios luminosos na fachada do prédio.

E a referida autorização para obras tinha por objecto, também, o terraço sobre a garagem com entrada pelos n.os 118-A e 118-B.

A autorização para obras é lata e compreende, por não o discriminar, todo o locado, o que vale dizer que é extensiva à parte do terraço que serve de cobertura à referida garagem, também ela locada (e cujo arrendamento expressamente se manteve naquela alteração, como resulta da redacção da cláusula segunda, emergente da mesma, quando refere textualmente “a renda mensal (…) para a garagem, galeria ou sobreloja e parte do terraço arrendados (…)”). E isto, apesar de não pormenorizar, contrariamente ao que se fazia no contrato original, quais as concretas obras a efectuar nesse espaço (na versão original de 1969, consignou-se que estava compreendida na autorização “a instalação, por construção de tipo pré-fabricado, de um refeitório e vestiários na área do terraço correspondente à cobertura da garagem, a abertura de uma comunicação ou acesso entre a garagem e este terraço ou cobertura onde se procederá à instalação destas construções”).

Conclui-se, pois, que os termos da autorização de 1993 compreendem a realização, pela inquilina, de obras no referido terraço e, logo, na parte comum do edifício.

Compreendem, ainda, a colocação de anúncios luminosos na fachada do prédio, o que também constitui inovação nas partes comuns (entendida a fachada como parte da estrutura do edifício para os efeitos da alínea a), do n.º 1, do art.º 1421.º, do Código Civil).

De qualquer modo fica excluída, quer por via dos contratos de arrendamento, quer por via da constituição da propriedade horizontal, o direito da A. ao uso do terraço correspondente à fracção 120-A.

II.B.5. Alcance das obras autorizadas pela Ré

A Autora afirma que a Ré lhe terá dado autorização para a realização de obras sobre espaços comuns do condomínio, sendo certo desconhecer a unificação e constituição da propriedade horizontal relativamente aos dois imóveis, estando convencida de que os espaços locados eram integralmente da propriedade da Ré e senhoria e, ignorar, por isso, a falta de legitimidade da ré, para autorizar livremente tais obras.

A este propósito e antes de analisarmos a problemática em causa, convirá ter em atenção o que estatuíam os artigos 1036.º, 1043.º do Código Civil e 4.º, 11.º a 13.º e 120.º do RAU, aí se prevendo os diversos tipos de deteriorações ou obras que o locatário pode fazer nos espaços locados, assim se compreendendo e justificando as autorizações de obras dadas antecipadamente nos dois contratos de arrendamento e depois na correspondente alteração, concedidas ao abrigo dos artigos 11.º e 120.º, n.º 1 do RAU.

Importa, contudo, realçar que o referenciado regime só tem razão de ser relativamente aos imóveis arrendados e às áreas dos mesmos sobre os quais o senhorio tem um legítimo poder de utilização e decisão, ou seja, o locador só pode acordar com o seu inquilino que este último efectue obras de conservação ordinária, extraordinária e/ou de beneficiação, nos exactos limites do que se contem licitamente na sua esfera jurídica e foi cedido temporariamente ao arrendatário.

O senhorio, ainda que seja proprietário de um dado imóvel, só pode consentir em obras a realizar pelo arrendatário nas estritas fronteiras do que foi especificamente cedido a este, já não podendo acordar obras com ele que afectem outros espaços, arrendados ou pertencentes a terceiros, por não ter legitimidade para o fazer.

Toda a autorização para obras, posterior à constituição da propriedade horizontal e à alienação de, pelo menos, uma fracção, está ferida, de ilegitimidade, pois que ao tempo em que foi concedida, a ré não se encontrava na posição relativa, face ao direito, que lhe permitisse o respectivo exercício.

Sobre a legitimidade, ensina CARVALHO FERNANDES “(…) para que uma pessoa aja validamente, além de ser capaz, deve encontrar-se numa certa posição face ao direito ou à vinculação a que o seu acto respeita. A questão não se coloca, pois, aqui ao nível de uma qualidade da pessoa, mas da existência de uma determinada posição relativa entre a pessoa e o direito (ou o bem sobre que esse direito incide). Quando essa relação existe diz-se que há legitimidade”. Conclui o citado autor nesse trecho que “(…) estamos agora aptos a definir legitimidade como susceptibilidade de certa pessoa exercer um direito ou cumprir uma vinculação resultante de uma relação existente entre essa pessoa e o direito ou a vinculação em causa” (Teoria Geral do Direito Civil, AAFDL, Vol. I, Tomo I, pp. 152 a 154).

Sobre as consequências da falta de legitimidade, refere o citado autor que “o Cód. Civ., se não ocupa especificamente da legitimidade, nem define para este instituto um regime unitário. Nem, de resto, seria exigível que o fizesse, dado o carácter fragmentário daquele instituto e a diversidade de situações por ele abrangidas” (ob. cit. vol. II, p. 250).

Adianta o mesmo autor que casos existem em que a ilegitimidade importa a nulidade (situação da venda de coisa alheia tratada no art.º 892.º, do Código Civil), outros em que o efeito negativo é a anulabilidade (v.g actos praticados no exercício do poder paternal) e, ainda noutros, em que a consequência é a ineficácia (por exemplo, actos praticados pelo representante sem poderes ou com abuso de representação, conforme os art.os 268.º e 269.º do Código Civil) [ob. cit, pp. 250 e 251]).

Acompanhamos a posição defendida no acórdão da Relação, proferido na acção proposta contra a aqui A, que considerou que, no caso, a ilegitimidade conduzia à ineficácia da autorização.

Como acto ineficaz, o mesmo não é apto a produzir os seus efeitos, maxime, em relação aos demais condóminos do prédio, entre eles, o autor da demanda que está na origem desta outra.

Temos, assim, por certo, que, apesar da alteração da situação jurídica dos dois imóveis e dos respectivos proprietários, a Autora manteve o seu direito à utilização de parte do terraço que se achava titulada e legitimada pelo contrato de arrendamento de 1969.(tal situação jurídica nasce anteriormente, num cenário assaz diferente, conferindo, nessa medida, à demandante, direitos adquiridos de uso e fruição oponíveis aos demais condóminos e ainda que partilhados com eles, das partes comuns que integravam o objecto dos contratos de arrendamento — v. g., paredes exteriores e terraço).

Porém, tendo a alteração aos contratos de arrendamento dos autos ocorrido em Março de 1993, ou seja, antes da introdução do número 3 do artigo 1421.º acima transcrito, facilmente se conclui que as paredes exteriores, os espaços de circulação comuns a mais do que dois condóminos e os terraços, apesar da sua natureza de partes comuns, não podiam, em sede do respectivo título constitutivo, ficar afectas ao uso exclusivo da Ré (e, subsequentemente, à recorrente, na sua qualidade de inquilina).

Chegados aqui, se a situação pré-existente, à constituição da propriedade horizontal, tinha, no que concerne às partes comuns, de ser acatada pelos condóminos, já qualquer modificação introduzida nas mesmas em momento posterior (ainda que em virtude de autorização do senhorio anterior à constituição da propriedade horizontal, que, em nosso entender e no que respeita aos espaços comuns, caducaria) tinha de ser sujeita à sua aprovação, nos termos gerais, cenário esse que não aconteceu, tendo a Ré, no quadro da renegociação dos contratos de arrendamento dos autos omitido essa informação à Autora (tendo que aceitar-se, face à matéria de facto dado como provada, que a A. não conhecia a unificação dos dois prédios), quando era sua obrigação contratual, em nome do princípio da boa-fé que deve nortear quer as conversações prévias à celebração dos contratos (artigo 227.º do Código Civil), como o seu cumprimento (artigo 762.º do mesmo texto legal), com maior incidência naquele tipo de negócios jurídicos de execução complexa e duradoura, como são os contratos locativos, prestar as referidas informações.

Já vimos que a Ré não tinha legitimidade para, só por si, consentir na realização de obras de qualquer natureza em espaços comuns, dos quais era somente comproprietária, em conjunto com os demais condóminos, carecendo para o efeito da autorização prévia, obtida nos termos legais ou previstos no título constitutivo e/ou Regulamento.

Por outro lado, da análise dos dois contratos de arrendamento resulta claro que apenas no de 1969 se faz referência a alterações no terraço (... à instalação, por construção do tipo pré fabricado, de um refeitório e vestiário na área do terraço correspondente à área da cobertura da garagem, a abertura de uma comunicação ou acesso entre a garagem e este terraço ou cobertura onde se procederá à instalação destas construções).

E nada em contrário se extrai das cartas de fls 112 (doc n.º 7) ou da carta endereçada pela A. à Ré de que aquela é resposta.

Relativamente à abertura de um buraco no canto esquerdo do terraço e a instalação de um monta-cargas (na parte do terraço sobre a loja com entrada pelo n.º 120-A, como se deu como provado no acórdão da Relação de Lisboa em que esta acção se funda) nenhuma autorização foi pelo senhorio concedida.

Terá, pois, que se concluir, de acordo com as instâncias, que as obras executadas pela Ré na parte do terraço correspondente ao número 120 nunca é abrangido, quer expressa como tacitamente, pelas autorizações da A. pelo que todas as obras que a Autora aí efectuou foram por sua conta e risco, nunca podendo a Ré ser responsabilizada, em termos contratuais e no quadro desta acção de regresso, pelos custos das mesmas e da sua posterior eliminação.

Idêntico raciocínio não pode ser feito quanto à colocação do anúncio na fachada do prédio nem no que concerne ao terraço (ou parte do terraço) respeitante ao número 118, pois tal aposição e demais trabalhos demandavam o aludido consentimento prévio do condomínio, o que só veio a acontecer, a posteriori, no ano de 2000.

II.B.6. Responsabilidade da Ré e direito de regresso

A Autora foi demandada pelo condómino A… M… M… V… S…, através de acção declarativa de condenação como processo ordinário, instaurada no último trimestre de 1993, relativamente às obras que fez sobre as partes comuns do prédio (paredes e terraços) e que terminaram em Outubro de 1993, tendo a Autora, segundo ela própria e por responsabilidade dos seus serviços jurídicos, deixado precludir o direito ao chamamento à autoria da Ré, nos termos do artigo 325.º do Código de Processo Civil, na sua versão anterior à reforma de 1995/96.

A dita acção ordinária de condenação foi efectivamente instaurada quando ainda os artigos 320.º e seguintes do Código de Processo Civil previam os incidentes de intervenção de terceiros como os da nomeação à acção, chamamento à demanda e chamamento à autoria, estatuindo o artigo 325.º que “o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo à autoria” (número 1) e que “se não o chamar, terá de provar, na acção de indemnização, que na demanda anterior empregou todos os esforços para evitar a condenação” (número 2).

Ora, atendendo aos factos dados como provados e à análise jurídica que fizemos dos mesmos, constata-se que a conduta da Ré violou culposamente o princípio contratual da boa fé, ao não informar devidamente a sua inquilina relativamente à situação do prédio e ao induzir em erro a Autora, quando consentiu, sem limitações, as obras sobre partes comuns daquele, tendo-a levado a realizar, inadvertida e ilicitamente as mesmas e a sofrer depois a inerente condenação judicial no sentido da sua demolição e/ou reposição do imóvel no seu estado anterior, podendo inscrever-se, dessa maneira, na sua esfera jurídica prejuízos ressarcíveis, traduzidos nas despesas com as obras e contra-obras realizadas.

O descrito cenário confere, pois, numa primeira abordagem, um direito de regresso da Autora sobre a Ré, relativamente aos danos que lhe podem ser imputados, quer objectiva como subjectivamente, não se mostrando o mesmo prejudicado pelo facto de não ter sido oportunamente desencadeado o incidente de chamamento à autoria da Ré.

Como refere CASTRO MENDES (Direito Processual Civil”, Volume II, Edição da AAFDL, 1980, pp. 268 a 270): «(...) A ideia geral agora é outra: é a de o réu chamar ao processo, para zelar por que este seja bem conduzido, uma pessoa que, caso o réu perca o processo, terá de indemnizar o mesmo réu. (...) O chamamento à autoria é, porém, inteiramente facultativo para o réu. Já não é, como a nomeação à acção, um dever mas um simples ónus, cuja preterição tem só a consequência prevista no artigo 325.º, n.º 2”.

Temos de concordar com a sentença da 1ª instância quando, face à factualidade dada como assente e aos documentos juntos aos autos, considerou que a aqui Autora tinha empregue todos os esforços para evitar a condenação, pois a mesma desenvolveu, quer judicial, como extrajudicialmente, uma série de intensas, continuadas e persistentes diligências junto da Ré, com vista a resolver rápida e eficazmente o litígio em questão.

II.B.7. Requisitos da responsabilidade civil

Sendo assim, que danos sofridos pela Autora é que podem ser assacados, nesta sede, à Ré, em termos de causalidade adequada?

O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.11.1998 (fls. 141 a 172), confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/09/1999 (fls. 361 e seguintes) determinou o seguinte:

- Demolição de todas aquelas efectuadas nos terraços de cobertura;
- Retirada do anúncio colocado na fachada do prédio;

As referidas decisões judiciais dos nossos tribunais superiores vedavam ainda a utilização pela Autora dos ditos terraços de cobertura para parqueamento de viaturas automóveis.

A sentença recorrida só considerou uma parte das custas que a Apelante suportou no quadro da acção ordinária que lhe foi instaurada pelo condómino.

Serão estes danos indemnizáveis?

Importa frisar que, tendo a A. feito diversas diligências junto da Ré para obstar à execução do peticionado pelo condómino V… S… esta, por sua vez, procurou obter dos condóminos autorização para a ratificação das obras realizadas, o que veio a conseguir, em 12 de Fevereiro de 2000, dando desse facto conhecimento à A.

Ora, em 19.11.1999, o condómino A… M… M… V… S… instaurou a execução para prestação de facto, execução essa que ficou suspensa, por despacho de 5.04.2004 até à decisão final da acção principal de que era dependente o embargo de obra nova requerido pelo condomínio, e a A. só deu parcial execução à decisão final da acção que a condenou, no final de 2001.

Perante este extenso cenário factual, mal se compreende que a Autora venha reclamar junto da Ré a liquidação dos danos que alegadamente lhe foram causados pela conduta omissiva e negligente daquela, na sua qualidade de senhoria, pois, na sequência da deliberação da Assembleia de Condóminos que, por uma maioria de 79%, ratificou as obras realizadas pela demandante e a colocação do anúncio na fachada do prédio, bem como a própria autorização, dada nesse sentido, pela Ré em 1993, deixaram as ditas alterações de estar numa situação de ilegalidade, facto modificativo esse que, tendo sido comunicado atempadamente à executada, podia e devia ser deduzido em sede de embargos de executado (cf. artigos 812.º e 813.º, alínea g) do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela reforma de 1995/96), ignorando este tribunal (e também as instâncias) se o AA – COMERCIO DE VIATURAS, L.DA deduziu ou não tal oposição no quadro da dita acção executiva.

Independentemente de tal facto, o que importa realçar é que a Autora, com essa ratificação das obras e autorização da Ré, tinha motivo jurídico superveniente, relevante e suficiente para não dar cumprimento e reverter mesmo a aludida ordem judicial de demolição e reposição, através da mencionada oposição à execução, recaindo inteiramente sobre ela as consequências de natureza processual e substantiva que a lei associa a tal omissão.

Nessa medida, também a Autora agiu por sua conta e risco ao proceder nos moldes descritos nos pontos 42 a 44, na parte que se encontrava coberta pelo consentimento prestado a posteriori pelo condomínio, apesar de ter fundamento legal para o não fazer.

II.B.8. – Redução da renda

A Autora, de entre os diversos pedidos feitos, pretende também uma redução da renda paga por entender que, com as restrições que lhe foram judicialmente impostas, o espaço que lhe havia sido locado ficou reduzido, mas, conforme ressalta do que se deixou exposto, tal não é exacto, pois o terraço relativo ao número 120-A nunca fez parte dos arrendamentos dos autos, tendo-se mantido inalterado o objecto destes últimos, não obstante o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Por outro lado, resulta da factualidade provada que a A. remodelou os interiores do locado para fazer face às exigências da marca que agora e naquele local iria representar e que o aumento do valor da renda resultou de um acerto por referência aos preços de mercado para o tipo de utilização dos locados e uma contrapartida pelas obras interiores de adaptação à marca que a Autora iria representar [resposta aos art.os 33.º e 35.º da base instrutória].

Ou seja, o aumento do valor da renda nada teve a ver com qualquer aumento de espaço do locado nem sequer com a utilização do terraço do número 118, sendo incontroverso que o facto de o terraço ter deixado de poder ser utilizado para parqueamento de viaturas não o inutiliza para muitas outras funções, integradas no objecto social da A.

Logo, também não há justificação para a pretendida redução da renda.

II.B.9. Responsabilidade pelas custas na acção movida pelo condómino

O acórdão recorrido não abordou esta questão, de forma expressa.

No entanto, tendo considerado inexistir nexo de causalidade relativamente aos danos que o A. invocava, a decisão não poderia deixar no sentido da improcedência.

E naturalmente se apreciássemos essa questão, não teríamos forma de divergir do decidido.

Porém, uma vez que se está perante uma omissão de pronúncia que não foi arguida, nem sequer poderemos conhecer dela.

II.B.10. Ampliação do Recurso pela Ré

Face ao que se deixou acima decidido (confirmação integral da sentença recorrida), perde, manifestamente, utilidade e razão de ser a apreciação da ampliação do presente recurso de revista, pedida, a título subsidiário, pela Ré.


III. Decisão:

Nestes termos, em conformidade com o exposto, acorda-se em negar a revista do A, confirmando-se inteiramente o acórdão recorrido e em não conhecer do recurso subordinado.

Custas do recurso principal e subordinado pela A.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2010

Paulo Sá (Relator)

Mário Cruz

Garcia Calejo