Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | SERRA BAPTISTA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO LEGITIMIDADE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO CHEQUE TÍTULO EXECUTIVO PRESCRIÇÃO CONTRATO DE MÚTUO NEGÓCIO FORMAL NULIDADE | ||
Data do Acordão: | 02/20/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL - DIREITO DA FAMÍLIA - CASAMENTO / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO AOS BENS DOS CÔNJUGES. DIREITO COMERCIAL - TÍTULOS DE CRÉDITO / CHEQUES. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO / ESPÉCIES DE ACÇÕES / LEGITIMIDADE DAS PARTES - ACÇÃO EXECUTIVA / TÍTULOS EXECUTIVOS - PROCESSO DE EXECUÇÃO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO. | ||
Doutrina: | - A. Castro, Acção Executiva Singular …, p. 90. - A. Varela, RLJ Ano 121.º, p. 148. - Amâncio Ferreira, Curso do Processo de Execução, p. 21 - Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, p. 333. - Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pp. 23, 80. - Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 610/611. - Pinto Furtado, Títulos de Crédito, p. 285. - Pinto Furtado, Títulos de Crédito, p. 82. - Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, pp. 70, 109 e ss. - Rodrigues Bastos, Notas ao “Código de Processo Civil”, vol. I, p. 102. - Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, p. 26, 68/70, 135 e ss.. -Lebre de Freitas, A Acção Executiva, p. 26; A Acção Executiva depois da Reforma, pp. 62, 121, 171 e ss.; “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. 1.º, p. 92. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 286.º, 289.º, 364.º, 1143.º, 1678.º, N.º3. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 4.º, N.º3, 26.º, N.º3, 45.º, N.º1, 46.º, 55.º, 56.º, 58.º, 816.º. LEI Nº 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGO 6.º. LUC: - ARTIGO 52.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: -DE 26/2/2008, Pº 1136/05.0TBCVL-A.C1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: -DE 18/12/95, BOL. 452, 490. -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 4/5/1999, BOL. 487, P. 242. -DE 4/4/2006, Pº 06A736, IN WWW.DGSI.PT . -DE 21/10/2010, Pº 172/08.6TBGRD-A.S1, DE 10/7/2008, Pº 08A1582, DE 4/12/2007, Pº 07A3805, DE 27/11/2007, Pº 07B3685, DE 5/7/2007, Pº 07ª1999 E DE 22/5/2003, Pº 03B1281, TODOS IN WWW.DGSI.PT . -DE 12/1/2012, REVISTA Nº 395/10. 8TBMLG-A.P1.S1 E DE 9/3/2004, REVISTA Nº 4109/03. * ASSENTO DO STJ N.º 4/95, IN DR I-A, DE 17/5/95. | ||
Sumário : | 1. Verifica-se a ilegitimidade executiva quando a parte não coincida com aquela que consta no título executivo, sem outra circunstância – que fuja à regra – que lhe atribua legitimidade. Não bastando, para contrariar este princípio, saber-se que o exequente, único titular do cheque, e que emprestou ao executado quantia em dinheiro que tal cheque titula, é casado, desconhecendo-se, para mais, qual o regime de bens de tal matrimónio. 2. O cheque, privado embora da sua eficácia cambiária, por prescrição da obrigação cartular, poderá servir como quirógrafo da obrigação contraída por aquele que nele figura como sacador perante o credor, assim mantendo a natureza de título executivo, desde que o seu titular alegue, no requerimento executivo, a relação causal que motivou a correspondente emissão. 3. Mas, se esta resultar de um negócio formal, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento fundamental do mesmo, já o documento em questão não poderá constituir título executivo. Procedendo a oposição, com a extinção da execução, já que tal título executivo não garante a validade formal do negócio jurídico subjacente. Atingindo a invalidade formal do negócio a exequibilidade da pretensão incorporada no título executivo. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
Por apenso aos autos de processo executivo para pagamento de quantia certa que AA e mulher BB move contra CC, veio esta opor-se à execução, alegando que o cheque, título executivo, não foi apresentado a pagamento dentro do prazo legal e que quando a execução foi proposta, há muito que o prazo para intentar acção contra o sacador estava esgotado. E, ainda que assim não se entendesse, a relação subjacente alegada no requerimento de execução é um empréstimo no valor de € 70.000,00 e o mútuo superior a € 20.000,00 constitui um negócio formal só sendo válido se celebrado por escritura pública. Motivo pelo qual terá que se concluir, mesmo à luz desta doutrina, pela inexistência de título executivo, pelo que terá que ser julgada extinta a presente execução. Por outro lado, também o título invocado é um cheque pós-datado, que foi passado e entregue ao exequente em Junho de 2005, para garantia de um empréstimo contraído em Dezembro de 2004, que cumpriu na íntegra. Os exequentes litigam de má-fé, devendo ser condenados no pagamento de multa e indemnização á executada.
Admitida a oposição e notificados os exequentes, vieram estes contestar dizendo que alegaram no seu requerimento executivo a obrigação subjacente à emissão do cheque. No que concerne à questão da alegada prescrição, o cheque também é válido como documento particular. Com o alargamento das funções notariais a advogados e outras entidades a escritura pública deixou de ser obrigatória. O cheque dado à execução e sobre que versam os presentes autos, não configura qualquer contrato de mútuo. O cheque que titula um contrato pelo qual os exequentes emprestaram à executada dinheiro (€ 70.000,00) e que esta se obrigou a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, é o junto como doc. 2 Com o requerimento executivo. A executada/opoente deve ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização, por ter inventado a história do furto do cheque e omitir o laudo de honorários que os exequentes juntam.
Foi proferido saneador-sentença, no qual foi a oposição julgada procedente por provada e, em consequência, foi julgada extinta a instância executiva. Tendo sido ambas as partes absolvidas do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Inconformados, vieram os exequentes interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, na procedência do mesmo, na revogação da decisão recorrida e na improcedência da oposição, se ordenou o prosseguimento da execução, com a ressalva de que a quantia exequenda inclui os juros apenas desde a data da citação para a acção executiva.
Agora irresignada a opoente/recorrida veio pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª – Os Venerandos Desembargadores dizem o seguinte na página 9 do acórdão recorrido: Na verdade, dispõe o art.º 28.º, nº 2 do CPC que: “É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. " 2ª - Acresce o disposto no nº 1, do art. 28.º-A do CPC que dispõe que "Devem ser propostas por marido e mulher, (...) as acções de que possa resultar (...) a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos. Dispõe o art 28.º, nº 2 do CPC que: "É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado." 3ª - "Ora, como é referido na sentença recorrida, o cheque dado à execução encontra-se prescrito pelo que, enquanto título cambiário, não constitui título executivo. Logo, a única hipótese de o cheque valer como título executivo é se o aceitarmos como mero quirógrafo, consubstanciando um reconhecimento de dívida, alegada que seja a relação subjacente à emissão subjacente à emissão do título dado à execução. Ora, no caso concreto foi alegado que essa relação subjacente foi a celebração de um contrato de mútuo entre exequente e executada. Caso tivesse sido instaurada a acção declarativa pedindo a restituição do valor mutuado, não se suscitariam dúvidas sobre a legitimidade do cônjuge do mutuante, para reclamar o pagamento da quantia mutuada, tendo em conta o disposto no art. 1678.º, nº 3 do C.Civil. Assim, sendo a mulher parte interessada na relação jurídica subjacente, não há fundamento para a mesma ser considerada parte ilegítima na execução." 4ª - O douto acórdão fez tábua rasa do disposto nos arts 55.º e 56.º do CPC, porquanto o art. 55.º do CPC - que estabelece a legitimidade do exequente e do executado é bastante claro: a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. 5ª - E a regra geral da determinação da legitimidade apenas comporta os desvios do art. 56º do CPC, quando se trate de sucessões, execução por dívida provida de garantia real ou tenha sido movida apenas contra o terceiro e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com a garantia real - o que não constitui de todo, o caso sub iudice, por não se integrar em nenhuma das circunstâncias. 6ª - O Acórdão recorrido confundiu a acção declarativa com a acção executiva, já que a legitimidade das partes no domínio da acção executiva não radica na posição das mesmas no âmbito da relação material controvertida, mas confina-se ao posicionamento que assumem no titulo executivo, sendo partes legítimas quem no título executivo figure como credor e devedor da prestação, funcionando aquele como delimitador subjectivo da execução - cfr. art. 55.º do CPC. 7ª - Por isso, a legitimidade das partes a que aludem os arts. 26.º e segts do CPC tem de ceder perante as normas específicas estatuídas para a legitimidade das partes em matéria da acção executiva, regulada no Título II, Capítulo I, do CPC, arts 55.º e segts. 8ª - ln casu, a legitimidade dos exequentes e executados encontra-se prevista nos arts 55.º e segs do CPC. 9ª - O douto acórdão aplicou, assim, indevidamente o estatuído no art. 28.º, nº 2 do CPC. 10ª- O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 55.º do CPC. 11ª- Entendeu-se, e bem, na sentença recorrida que "o cheque apresentado como título executivo, valendo como mero quirógrafo, não revestindo a forma legal exigida para o mútuo, não constitui titulo executivo "faltando, por conseguinte, ao título “ exequibilidade intrínseca". Assim, com este fundamento julgou a oposição procedente" (negrito nosso). 12ª- O Acórdão recorrido revogou a sentença, com os seguintes fundamentos: “declarada a nulidade de um neg6cio, essa declaração tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, nos termos do art. 289.º, nº- 1 do Código Civil. Assim, “nesta exacta medida, mas evidentemente só nela, a exequibilidade intrínseca do título está em consonância com a sua exequibilidade extrínseca". E, por isso, o cheque dado à execução, uma vez comprovado que o mesmo se destinou a restituir quantia mutuada através de contrato de mútuo, nulo por falta de forma, constitui suficiente título executivo… " 13ª- E, fundamenta o seu entendimento, num acórdão deste Supremo, que trata de uma situação diferente da sub-judice, não se trata de um cheque. 14ª- No caso sub-judice, estamos perante um cheque, um cheque extinto por revogação e prescrição com uma ordem de revogação por extravio, o que significa que aquele cheque não incorpora uma ordem de pagamento. 15ª- Além disso, a sua emissão provém de um negócio formal, cuja forma não foi observada. 16ª- Acresce que, o cheque foi apresentado a pagamento muito além do prazo de 8 dias fixado no art. 29.ºda LU relativa ao cheque. 17ª- A apresentação do cheque a pagamento em tempo útil pelo seu portador (o exequente) era condição ou requisito da acção cambiária contra o sacador (o executado) - art. 40.º daquela LU. 18ª- Como o não foi, o cheque enquanto tal (título cambiário) não é título executivo. 19ª- Como decidiu, o já remoto mas ainda actual, acórdão deste Supremo de 23/03/1973 (BMJ 225, p. 236), verificada a prescrição o título cambiário só vale como título particular da obrigação causal desde que esteja de harmonia com a forma legal exigida. 20ª- Isto equivale a dizer que, o título cambiário prescrito não é título executivo se provém de negócio jurídico com requisitos formais "ad substantiam" que ele não satisfaz. 21ª- Com efeito, no caso em apreço estamos perante um negócio jurídico com requisitos formais "ad substantiam", que não foram observados. 22ª- Consequentemente, o cheque em apreço não pode configurar título executivo, à luz do nosso ordenamento jurídico. 23ª- O acórdão recorrido incorreu em erro de direito, ao julgar o cheque, proveniente de um negócio formal, sem observância da forma legal, válido como título executivo. 24ª- O acórdão recorrido, violou, assim, os artigo 55.º e o artigo 46.º, alínea c) ambos do C.P.Civil.
Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir. * Vem dado como PROVADO: Podendo, ainda, dar-se como assente, tendo em conta o que consta do cheque de fls 8 e 9 do processo executivo, que o mesmo foi apresentado a pagamento fora do prazo de oito dias contado da data da sua emissão. * São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC[2], bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal. Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.
E que assim se podem resumir: 1ª – a da (i)legitimidade activa da exequente; 2ª – a da (in)validade do cheque dado à execução.
Comecemos, naturalmente, pela primeira: a da (i)legitimidade activa da exequente.
Sustenta a recorrente que, estabelecida que está a legitimidade do exequente e do executado no art. 55.º, sem estar em causa qualquer um dos desvios do art. 56.º seguinte, dúvidas não restarão que no tocante à legitimidade activa, a execução terá de ser instaurada por quem no título tiver a posição de credor. Tendo as regras dos arts 26.º e ss de ceder perante as regras específicas da execução. Sendo, assim, a exequente mulher parte ilegítima na execução.
Os recorridos, entendendo que tudo se passa no âmbito da relação jurídica subjacente ao título executivo, sustentam ser a exequente mulher parte legítima na acção.
As senhoras Juízas e o senhor Juiz Desembargadores, sobre a legitimidade da exequente, decidiram o seguinte: Encontrando-se o cheque dado à execução prescrito, sem que, assim, possa constituir, enquanto título cambiário, título executivo, pode, no entanto, valer como tal se o aceitarmos como mero quirógrafo, alegada que seja no requerimento executivo, como foi, a relação subjacente à sua emissão. Tendo sido, com efeito, alegado que tal relação foi a celebração de um contrato de mútuo entre o exequente executada, é o cônjuge mulher parte interessada em tal relação subjacente, face ao disposto no art. 1678.º, nº 3 do CC. Devendo, assim, ser considerada parte legítima na execução.
Vejamos, não se olvidando que estamos perante uma acção executiva e não perante uma acção declarativa:
Facultando o processo executivo ao exequente a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente (art. 4.º, nº 3)[3], ou seja, a obtenção da realização coactiva de uma prestação não cumprida.
Aferindo-se a legitimidade das partes para a execução, em regra, em função do próprio título executivo, sendo legítimas aquelas que no mesmo figuram como credor e devedor (art. 55.º, nº 1). O credor, seja, o titular activo do direito à prestação, tem legitimidade para assumir a posição de exequente; o devedor, isto é, o titular passivo daquele direito, a de executado.
Verificando-se a ilegitimidade executiva quando a parte não coincida com aquela que consta do título, sem outra circunstância – que fuja à regra – que lhe atribua legitimidade[4]. E que aqui não se vislumbra. Não se podendo concluir, sem mais, e desde logo, sempre se dirá, se bem que tal não fosse essencial para a solução desta questão[5], que o dinheiro emprestado, invocado como relação subjacente do cheque em apreço, era bem comum do casal, estando, assim, sujeito aos poderes de administração de ambos os cônjuges (art. 1678.º, nº 3 do CC) ou que a mulher fosse, de qualquer forma, interessada em tal relação subjacente[6]. Não se vislumbrando, também sem mais, a permissão da coligação de partes, como eventualmente aferidora, em excepção à regra, da legitimidade singular (art. 58.º).
Com efeito, a função de legitimação desempenhada pelos títulos executivos serve também para delimitar subjectivamente a execução, sendo, repete-se, o exequente parte legítima se figura no título como credor da prestação. O que in casu não sucede. Não havendo aqui que recorrer à titularidade da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor (art. 26.º, nº 3), exprimindo, em sentido formal, a posição das partes perante a pretensão deduzida[7]. Critério este que exprime a legitimidade processual na acção declarativa[8]. Mas já não na acção executiva[9].
A exequente mulher é, pois, parte ilegítima na execução, como bem decidido foi na 1ª instância, julgando-se, assim, quanto a ela, extinta a execução. * Passemos à segunda questão: a da (in)validade do cheque dado à execução.
Toda a execução, como é bem sabido, tem por base um título executivo[10], pelo qual se determina o seu fim e limites – art. 45º, nº 1.
De facto, para que possa ser pedida a realização coactiva de uma prestação, o dever de prestar respectivo tem de, desde logo, constar de um título, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere um grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva[11]. Não bastando alegar a existência do título, sendo antes necessário exibi-lo, sendo sempre indispensável que ele tenha força executiva.
Cumprindo o título executivo uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das medidas coactivas impostas ao executado pelo Tribunal[12].
A exequibilidade extrínseca da pretensão é, pois, conferida pela sua incorporação num título executivo, num documento que formaliza por via legal “a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida”.
O título executivo é, assim, pressuposto ou condição geral de qualquer execução, sua condição necessária e suficiente. Não havendo acção executiva sem título.
Os títulos executivos são os indicados na lei como tal (art. 46º), estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade – nullus titulus sine lege – sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo[13].
Conferindo a al. c) do citado art. 46º exequibilidade aos documentos particulares assinados pelo devedor, que importem, além do mais, constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinável ou determinado em face do título[14]. Assim se exigindo que os mesmos, para terem exequibilidade, formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, que sejam fonte de um direito de crédito ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída[15].
Não restando dúvidas, mau grado a alteração da redacção dada ao citado art. 46.º, nº 1, al. c), que, antes da Reforma de 95/96, aludia, de forma expressa, aos cheques, que estes constituirão título executivo enquanto tal, embora, enquanto títulos de crédito, estejam sujeitos a prazos curtos de prescrição.
Sendo certo que, estando prescrita a obrigação cambiária[16] titulada pelo cheque ora em causa, não pode o mesmo, tal como todos parece concordarem, em si mesmo, valer como título de crédito cambiário[17].
Usando, no entanto, entender-se, na esteira de jurisprudência e doutrina que julgamos consensual e praticamente pacífica[18]/[19], e que perfilhamos, que, embora privado o cheque da sua eficácia cambiária, por prescrição da obrigação cartular, poderá o credor dele se servir como quirógrafo[20]/[21]/[22] da obrigação perante si contraída por aquele que no título figura como sacador, desde que, no requerimento executivo, alegue a relação causal que motivou a correspondente emissão[23]/[24]/[25]/[26]. Com efeito, apesar de estar prescrito o direito de accionar o responsável pelo pagamento do cheque, nos termos do art. 52.º da LUC, este documento mantém, a despeito disso, a natureza de título executivo desde que se encontre assinado pelo devedor e contenha o reconhecimento de uma obrigação pecuniária. À pretensão abstracta ínsita no cheque sucede a pretensão causal, devidamente alegada pelo exequente com a junção do cheque documento cujo direito de acção tenha prescrito[27]. Bem se podendo entender que o título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na acção, não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não[28].. Podendo também dizer-se que a causa de pedir é um elemento essencial de identificação da pretensão processual ao passo que o título executivo é um instrumento probatório especial da obrigação exequenda[29]. Sendo a causa facto (as mais das vezes complexo nos seus efeitos) que serve de fonte à pretensão processual. O título executivo será, pois, o documento ou a obrigação documentada, cuja realização o exequente pretende[30]. E, como o cheque, título de crédito em causa, não menciona a causa da obrigação cambiária assumida pelo obrigado, estando, como tal, prescrito[31], haverá que saber qual a causa da sua subscrição, ou seja, a designada relação subjacente ou causal[32].
Importando, ainda, saber se a mesma resulta ou não de algum negócio jurídico formal. E, se tal ocorrer, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento fundamental do mesmo, já o documento não poderá constituir título executivo[33]. Assim se devendo ressalvar o caso da obrigação a que se reporta o título emergir de um negócio jurídico formal, sendo a sua causa um elemento essencial deste. Pois, neste caso, entendemos também nós, que, se o título executivo não garantir a validade formal do negócio jurídico subjacente, como sucederá com a nulidade do mesmo, procederá a oposição à execução com tal fundamento, devendo, assim, esta ser julgada extinta (art. 816.º). Sucedendo que, se houver invalidade formal do negócio jurídico, tal afectará não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo. Atingindo a nulidade formal, não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do título[34].
E, não se diga que o art. 289.º, nº 1 do CC prescreve que a declaração de nulidade do negócio, que pode até ter lugar oficiosamente pelo Tribunal (art. 286.º, parte final do mesmo diploma legal), manda restituir tudo o que tiver sido prestado[35]. Não produzindo o negócio nulo, ab initio, os efeitos a que tendia por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo. Operando a nulidade de que encontra ferido ipso jure, sem necessidade de se intentar uma acção para ser emitida uma declaração nesse sentido[36]. Sendo, ainda certo, sempre se dirá, que, quando a lei exija documento autêntico, autenticado ou particular e esta exigência não seja respeitada, o acto só pode ser provado por um outro documento que não seja de solenidade formal inferior (art. 364.º do CC, quanto aos efeitos da falta de forma no regime de prova).
Pois, e falávamos no citado art. 289.º, como antes dito, a invalidade do negócio afecta a eficácia do documento como título executivo. E sem título executivo não há lugar a execução. Podendo ler-se, a propósito, no aludido acórdão deste STJ de 10/7/2008:
Devendo a obrigação de restituição, por nulidade do negócio, se caso disso for, seja, se a parte voluntariamente não a acatar, ficar-se para o processo declarativo, com todas as garantias que este, com os seus articulados, dará no conhecimento do negócio efectivamente celebrado entre as partes e dos seus alegados ou verificados vícios[37]. Pelo que, repete-se, o cheque prescrito, dado como título executivo, pode valer como quirógrafo a implicar o reconhecimento da obrigação causal subjacente, pelo exequente alegada no seu requerimento executivo, desde que não sujeito a específicas formalidades legais, ou seja, desde que não haja requisitos de forma a observar como condição de validade do negócio[38].
Ora, provado vem das instâncias que o documento dado à execução resulta de um empréstimo no valor de € 70 000,00, actualmente reduzido a € 35 000,00 por pagamento da quantia restante, feito pelo exequente à executada, em 2.12.2004. Sendo tal mútuo a verdadeira causa de pedir da obrigação executada. Nos termos do disposto no art. 1143.º do CC, na redacção à data de tal negócio vigente, tal contrato só seria válido se celebrado por escritura pública. Pelo que, não tendo sido observada tal forma, é o mesmo nulo. Valendo, assim, quanto ao título executivo em apreço as considerações atrás mencionadas. * Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em, na concessão da revista, se revogar o acórdão recorrido, com a manutenção do despacho saneador-sentença proferido na 1ª instância, e a consequente extinção da instância executiva. Custas (e também nas instâncias) pelos recorridos.
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2014
Serra Baptista (Relator) Álvaro Rodrigues Fernando Bento
_________________________ [12] Ac. do STJ de 4/5/99, Bol. 487, p. 242. [13] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, p. 26 e Amâncio Ferreira, Curso do Processo de Execução, p. 21. [21] Estando-se, assim, perante um documento particular assinado pelo devedor do qual transparece o reconhecimento da dívida que foi causa da sua subscrição. [22] Assim se inscrevendo na referida al. c) do art. 46º, pois está assinado pelo devedor, admitindo, caso tal causa seja alegada no requerimento executivo, o reconhecimento de um empréstimo que o exequente terá concedido. Conservando, pois, apesar de prescrito, e em princípio, a sua exequibilidade quanto à relação fundamental que lhe é subjacente. [27] Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., p. 68/69. [28] Alguma doutrina identifica o título executivo com a causa de pedir da acção executiva – Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, p. 23 e A. Castro, Acção Executiva Singular …, p. 90. [29] Ac da RC de 26/2/2008 (Hélder Roque), Pº 1136/05.oTBCVL-A.C1. [30] A. Varela, RLJ Ano 121.º, p. 148. |