Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
251/13.8TBPTB-C.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE TERCEIRO
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
PENHORA
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A delimitação entre as figuras da excepção de caso julgado e da autoridade de caso julgado estabelece-se da seguinte forma:

- se no processo subsequente nada há de novo a decidir relativa mente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, já tendo sido, na íntegra, valorados) verifica-se a excepção de caso julgado;

- se o objecto do processo precedente não esgota o objecto do processo subsequente, ocorrendo relação de dependência ou de prejudicialidade entre os dois distintos objectos, há lugar à autoridade ou força de caso julgado.

II - A autoridade de caso julgado opera positivamente na definição do direito, relevando em matéria de mérito da acção, contribuindo para a procedência ou para a improcedência do pedido.

III - Se o exequente, credor do executado transmitente, move execução contra este e contra o executado adquirente do direito, e contra ambos já havia intentado previamente acção pauliana, e se os embargantes de terceiro, pese embora serem pai e mãe dos executados, vêm invocar a aquisição originária do prédio penhorado, não são eles parte na causa, como o exige o disposto no art. 342.º, n.º l, do CPC, pelo que não apenas lhes é lícito embargar, como se não lhes pode opor a sentença proferida na acção pauliana, enquanto caso julgado, nas diversas acepções do conceito.

Decisão Texto Integral:              

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


                  

As Partes, o Pedido e o Objecto do Processo

 Na execução com o nº 251/13…, que a Exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Noroeste, CRL, move contra os Executados JCN – Lubrificantes e Combustíveis, Ldª, AA, BB, CC e DD, vieram EE e mulher FF deduzir embargos de terceiro.

 Pediram fosse ordenado o levantamento das penhoras efectuadas sobre o prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, descrito no art. 1º da p.i.

Como fundamento do seu pedido alegaram que, na execução, a Exequente pediu a penhora do prédio identificado, prédio esse, porém, que   não pertence aos Executados DD e BB, pese embora o que consta do registo, mas antes aos Embargantes, que o adquiriram por usucapião, posto que há mais de 30 anos que se encontram na sua posse de forma contínua, pacífica, pública e de boa fé.

Os Embargantes já instauraram acção de reivindicação, com referência ao imóvel em questão, que deu origem ao processo com o nº 530/17….

As penhoras efectuadas sobre o referido prédio ofendem, por isso, o direito de propriedade dos Embargantes, os quais não são parte nos autos.

Apenas a Exequente apresentou contestação, na qual invocou a extemporaneidade dos embargos, por terem sido deduzidos 30 dias após a data em que os embargantes tiveram conhecimento da alegada ofensa ao seu direito de propriedade, a ilegitimidade dos embargantes e a autoridade do caso julgado.

Com efeito, a CCAMN intentou a ação nº 106/14… contra os Executados DD e mulher e DD na qual pediu a impugnação pauliana da doação do prédio descrito na CRP com o nº ….26, que é objeto dos presentes autos.

Nessa acção foi proferida sentença, já transitada em julgado, que declarou ineficaz em relação à CCAMN a doação do referido prédio e lhe reconheceu o direito de executar tal prédio no património de DD.

Reconhecido judicialmente tal direito, não pode agora contrariar-se essa decisão judicial pois a autoridade de caso julgado implica a aceitação da decisão proferida na acção de impugnação pauliana a qual se insere, quanto ao seu objecto, no objecto dos presentes autos, enquanto questão prejudicial.

Impugnou ainda a factualidade invocada pelos Embargantes, na medida em que os Embargantes nunca foram proprietários do imóvel, o qual pertencia a BB, que o doou ao seu irmão DD.

Tendo o Embargante EE falecido em 15/05/2020, foram habilitados no processo, em sua representação, os seus sucessores FF, BB, DD e GG, para com eles prosseguirem os autos.


As Decisões Judiciais

Finda a fase dos articulados e após audiência prévia, da sentença proferida na Comarca resultou o bom fundamento da alegação da Exequente – foi previamente reconhecido em acção judicial o direito de propriedade do Embargado DD sobre o prédio urbano em causa, bem como o direito de a ora Exequente executar esse referido prédio.

Trata-se de questão prejudicial nos presentes embargos.

Concluiu assim que “se verifica nos autos a autoridade do caso julgado que constitui excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, pelo que se absolvem os embargados da instância (art. 576º nº 2 do CPC) – ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos”.

Ao invés, o acórdão recorrido entendeu que se não verificava “a excepção inominada de autoridade de caso julgado”, pelo que revogou a decisão recorrida, determinando que os autos prosseguissem os seus ulteriores termos.

Considerou que os Embargantes não foram parte na anterior acção de impugnação pauliana, intentada contra DD e mulher, arrogando-se agora esses Embargantes um direito de propriedade incompatível com o direito dirimido na acção, não se podendo sequer falar, no caso, de eficácia reflexa da autoridade de caso julgado.


Contra esta decisão reage de revista a Exequente/Embargada, formulando as seguintes conclusões de recurso:

1.ª - O tribunal a quo não esteve bem na subsunção que fez do caso sub judice à doutrina amplamente defendida em torno da autoridade do caso julgado. Salvo melhor opinião, a decisão impugnada parece ter-se abstraído dos desenvolvimentos teóricos e conceptuais que desenvolveu e concluído em sentido divergente com a doutrina e jurisprudência citada porque pese embora tenha começado por afirmar que para verificação de tal exceção não se exige uma tríplice identidade - sujeito, pedido e causa de pedir - acabou por decidir que no caso em apreço não se verifica essa mesma autoridade por falta de coincidência de pedido e causa de pedir.

2. ª - Acontece que, se compararmos os embargos apresentados pelos recorridos e a ação pauliana n.º 106/14…, cuja sentença já transitou em julgado, rapidamente se conclui existir uma relação de prejudicialidade entre os processos. É que, num e noutro, discutem-se os mesmos fundamentos substanciais e nestes autos procura-se obter o mesmo efeito jurídico que justificou a apresentação da ação pauliana: o reconhecimento do direito de propriedade sobre um mesmo prédio. Prova disso resulta do facto de na contestação/reconvenção daquela ação primitiva DD ter peticionado o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio, que agora é invocado pelos recorridos. Dito de outo modo, a questão essencial a discutir resulta numa só: quem é o efetivo e real titular do direito de propriedade sobre o prédio penhorado? Da sentença proferida na ação pauliana resulta reconhecido o direito de propriedade a favor de DD, pelo que se conclui não existir dúvida alguma que já foi decidida, por sentença judicial anterior e transitada em julgado, a questão essencial trazida aos presentes autos pelos recorridos e que o Tribunal de 1.ª instância estava impedido de se pronunciar sobre a mesma questão novamente

- vd. art.ºs 576.º, 577.º, al. i), 580.º, 581.º, 619.º e 621.º ss. do CPC;

- vd. Ac. do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165; Acórdão do STJ, de 20.6.2012, Ac. do TRC de 28.09.2010, proc. n.º 392/09.6TBCVL.C1 e Ac. do TRP de 09.05.2016, proc. n.º 1316/10.3TBPVZ.P2;

- vd. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pp. 712 e 7143.ª 

Igualmente merece reparo a decisão impugnada porque não parece ser de manter a interpretação restrita da eficácia reflexa do caso julgado formado pela acção pauliana: não só porque o caso julgado tem eficácia erga omnes, como pelo facto de, mesmo que assim não se entendesse, considerando as circunstâncias em apreço, outro entendimento não se mostrar adequado ou respeitador das razões que lhe são subjacentes. Isto porque EE participou ativa e proximamente nessa ação primitiva: aí facultou documentos probatórios; sempre teve dela perfeito, completo e pleno conhecimento; sempre esteve igualmente consciente das suas implicações; e ainda foi nela testemunha e reconheceu que o direito de propriedade sobre o prédio pertencia ao seu filho DD. Por tudo isso, será de reconhecer que os recorridos foram ouvidos na ação pauliana e aí tiveram possibilidade de invocar o seu direito de propriedade sobre o prédio - assim falecendo a ideia de necessidade de proteção dos recorridos como terceiros à ação pauliana que não tiveram possibilidade de ver apreciada a sua pretensão

- vd. art.ºs 580.º, 581.º, 619.º e 621.º e ss. do CPC;

- vd. Ac. do STJ, 15.01.2013, proferido no proc. n.º 816/09.2TBAGD.C1.S1;

- vd. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pp. 712 e 714 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 306.

4.ª - Por fim, o Tribunal a quo não esteve bem ao não se pronunciar sobre a atuação em claro abuso de direito pelos recorridos. Diferentemente do que afirmou, existe matéria factual suficiente para, objetivamente, comprovar tal atuação: EE foi testemunha na ação pauliana, afirmando que a propriedade do prédio agora penhorado pertencia ao seu filho DD; DD afirmou aí que o prédio lhe havia sido doado pelo seu irmão como forma de proteger o património do mesmo; na ação em causa, o recorrido nunca invocou o seu direito de propriedade sobre o prédio, não deduziu oposição ou sequer impugnou a sentença que reconheceu esse direito a favor do referido DD; logo depois, instaura uma acção de reivindicação contra esse mesmo filho, invocando o seu alegado direito de propriedade sobre o prédio; essa ação não foi, deliberadamente, contestada por DD; porque essa ação foi julgada improcedente e a recorrente penhorou o prédio vieram agora EE e mulher invocar o direito de propriedade sobre o mesmo, de maneira a evitar a prossecução da execução. Estas atitudes contraditórias apenas podem ser configuradas como parte de uma estratégia encenada entre todos para afastar o prédio da propriedade de DD e BB e, então, impedir que a recorrente seja ressarcida pelo crédito que detém sobre os executados:

- vd. art.º 334.º do CC

- vd. TRL de 24.04.2008, proc. n.º 2889/2008-6.


Por contra-alegações, a Embargante FF sustenta a negação da revista, face ao bem fundado do acórdão.

Factos Apurados

1 - Em 31 de agosto de 2013, a Exequente instaurou no Tribunal Judicial .... contra, entre outros, os Executados BB e mulher, a execução comum apensa, na qual reclamava um crédito à data calculado em € 307 984,32.

2 - Em 28.03.2014, no âmbito dessa execução, foi penhorado o prédio urbano, composto por casa … e … andar, para habitação, sito no lugar .... - ...., freguesia ....(....) e ...., inscrito na matriz sob o art. …69 e descrito no registo predial sob o n.º ….26.

3 - Em 04.06.2014, DD apresentou um requerimento nesse processo, declarando que o prédio lhe pertencia, por lhe ter sido doado por aqueles BB e mulher.

4 - A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Noroeste, CRL instaurou contra BB e mulher AA e DD uma acção comum, que correu termos com o n.º 106/…, peticionando, a título principal, a declaração de nulidade, por simulação, da doação que os primeiros declararam a favor do segundo e, subsidiariamente, a impugnação pauliana do mesmo negócio, que teve por objeto o prédio urbano identificado em 2.

5 - Na contestação da referida ação, DD deduziu reconvenção e peticionou o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio, tendo para o efeito alegado, entre o mais:

- não ter existido simulação, tendo a doação sido feita para proteger o património de BB e família;

- o prédio sempre esteve na posse de EE e FF, pessoas que aí construíram uma casa de habitação e suportaram os respetivos custos de construção e despesas mensais;

- sempre foram eles os possuidores e proprietários do prédio;

- BB nunca teve qualquer relação com o prédio em causa.

6 - A CCAMN desistiu do pedido que havia formulado a título principal.

7 - Em 14.03.2017, foi proferida sentença na referida acção com o seguinte teor decisório: “Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente e, em consequência, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido subsidiário formulado pela autora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo …, CRL, assim julgando procedente a arguida impugnação pauliana e, em consequência, declara-se ineficaz quanto à autora a doação, titulada pela escritura celebrada em 29.06.2012, podendo assim a autora executar o seu crédito titulado pelas livranças nºs ….0441 e ….7799, sobre o prédio urbano identificado nos autos”.

Conhecendo:


I


 O caso julgado pode ser visto enquanto excepção material dilatória, bem como enquanto autoridade do caso julgado.

A diferença é conhecida e foi já escalpelizada nas decisões proferidas - nos termos dos artºs 580º nºs 1 e 2 e 581º nº 1 CPCiv, acontece excepção de caso julgado quando se repetem, numa acção diversa da já julgada, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir; visa-se assim, com a actuação da excepção, evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

Todavia, nos termos do artº 619º nº 1 CPCiv, transitada em julgado a sentença, o respectivo conteúdo fica tendo força obrigatória no processo e fora dele, nos limites fixados nos artºs 580ºss. CPCiv, incluindo, portanto, o disposto no artº 581º.

A delimitação entre as duas figuras poderá assim estabelecer-se da seguinte forma, consoante Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, Bol.325/159 a 179:

- se no processo subsequente nada há de novo a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, já tendo sido, na íntegra, valorados) verifica-se a excepção de caso julgado;

- se o objecto do processo precedente não esgota o objecto do processo subsequente, ocorrendo relação de dependência ou de prejudicialidade entre os dois distintos objectos, há lugar à autoridade ou força de caso julgado; assim, o objecto da primeira decisão tem de constituir questão prejudicial na segunda acção, pressuposto necessário da decisão de mérito (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código Anotado, 2º, 2ª ed., pg. 354).

Ou seja: para existir excepção de caso julgado, o objecto das duas acções deve ser idêntico; para existir autoridade de caso julgado, o objecto das duas acções deve ser diverso, embora o objecto de uma delas deva ser prejudicial do objecto da outra.

A excepção de caso julgado constitui-se como excepção dilatória – artº 576º nº 2 CPCiv.

Ao invés, a autoridade de caso julgado opera positivamente na definição do direito, relevando em matéria de mérito da acção, contribuindo para a procedência ou para a improcedência do pedido.

No caso dos autos, a Embargada invocou, no respectivo articulado, a autoridade do caso julgado, implicando a aceitação da decisão proferida em acção pauliana anterior, que a ora Embargada moveu contra os aqui Executados DD, BB e AA.

No dispositivo da referida acção pauliana, foi declarada ineficaz, quanto à ora Exequente, a doação titulada por escritura celebrada no Cartório Notarial de HH, em 29/6/2012, e reconhecido o direito de a ora Exequente executar o prédio no património do Réu DD.

A Embargada/Exequente concluiu, porém, que “a autoridade do caso julgado constitui excepção dilatória inominada, obstando assim a decisão proferida no âmbito da referida acção pauliana ao conhecimento dos factos alegados pelos embargantes - cfr. art.º 576.º n.º 2 CPC”.

Da mesma forma, a sentença proferida em 1ª instância reconheceu a existência de uma autoridade do caso julgado, mas tratou-a como excepção dilatória nominada, tendo absolvido os Embargados da instância – artº 576º nº 2 CPCiv.

O acórdão da Relação não abordou este tema – apenas afastou a autoridade de caso julgado enquanto “excepção inominada”, determinando o prosseguimento dos autos.

Portanto, neste momento de revista, a questão que se nos coloca é a seguinte – existia um caso julgado formado na anterior decisão em matéria de impugnação pauliana, susceptível de retirar fundamento à acção interposta pelos ora Embargantes?



II


O prédio penhorado foi objecto de doação a BB e mais tarde doado por este mesmo BB a DD – ambos são executados nos presentes autos.

A doação a DD foi levada a registo em 22/1/2014.

Na execução de que os presentes autos são apenso, o referido prédio doado foi penhorado em 28/3/2014 (data da inscrição registral).

Daí a prévia acção pauliana, registada como tal em 3/9/2014. A decisão judicial transitada, cujo dispositivo foi já supra aludido, foi também levada a registo.

Como é sabido, na interpretação da norma do artº 616º nº 1 CCiv, diz-se que são três os direitos conferidos ao credor:

- restituição dos bens, na medida do respectivo interesse;

- prática dos actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei;

- direito de execução no património do obrigado à restituição (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 3ª ed., pg. 602).

Portanto, o bem transmitido continua a integrar o património do adquirente, ainda que sujeito à agressão do credor do transmitente, na medida do que for necessário para a satisfação do crédito deste.

Foi o que ocorreu nos autos – o Exequente, credor do transmitente BB, move execução contra este e contra o adquirente do direito, DD, contra quem já havia intentado previamente a acção pauliana.

Todavia, do ponto de vista dos Embargantes, é inegável que vêm agora invocar um direito (a aquisição originária do prédio) de que são titulares e, independentemente do mérito do que pedem, não são eles parte na causa, no caso, o processo executivo, como o exige o disposto no artº 342º nº 1 CPCiv.

Os Embargantes também não invocam ter adquirido o prédio – ou ter acedido na posse – de qualquer um dos executados na acção principal, pois nesse caso poderiam ficar sujeitos às consequências do disposto no artº 263º nº 3 CPCiv, isto é, sujeitos ao decidido como caso julgado, sem prejuízo do disposto no artº 613º nº 1 CCiv.

Vem invocada a usucapião, ou aquisição originária, base da ordem jurídica real e que, na perspectiva dos Embargantes, poderá fazer sobrepor a posição do possuidor (titular aparente) à do titular absentista – segundo o artº 1287º CCiv, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação.

Nada se pode, em tese, obstar a tal invocação pelos Embargantes.

Os Embargantes não só são completamente alheios à acção pauliana anterior, como nunca lhe poderiam ser opostos os meros factos provados noutra acção, ou as eventuais consequências que para eles decorressem de comportamentos por eles assumidos noutros locais ou processos, sem prejuízo da condenação como litigantes de má fé – v.g., artº 542º nº 2 CPCiv.

Os Embargantes, quando se arrogam a titularidade de uma relação ou posição jurídica incompatível com a reconhecida na sentença anterior, devem-se-lhe reconhecer “a ampla possibilidade de alegar e demonstrar a existência do seu direito, incompatível com a decisão passada em julgado” – cf. Antunes Varela, José Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1983, pg. 709.

Percebe-se o enfoque dado à matéria no acórdão recorrido, mas não é tanto a ausência de caso julgado reflexo que conduz à improcedência do caso julgado, seja numa vertente de excepção peremptória, seja na vertente de força de caso julgado, mas antes o facto de “toda a execução ter por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva” (artº 10º nº 5 CPCiv).

E os limites da acção executiva dos autos decorriam precisamente quer dos títulos de crédito - livranças subscritas, que são os títulos executivos, e onde os Embargantes não constam, quer da sentença de condenação ocorrida na acção prévia de impugnação pauliana, condição da legitimidade do Executado donatário DD, acção essa na qual os Embargantes não foram demandados.

Daí que lhes fosse plenamente permitido embargar de terceiro.

Quanto à invocada actuação dos Embargantes em abuso de direito, e pese embora se tratar dos pai e mãe dos Executados e condenados na acção declarativa pauliana, há que salientar que, para que se prove o abuso, é necessário provar o direito, facto a que se propõem os Embargantes e que, como dito, independentemente do mérito, não lhes poderá ser negado.

Saliente-se por fim que foi invocada na contestação apresentada pela Exequente matéria relativa à extemporaneidade ou caducidade do direito a deduzir embargos de terceiro, matéria que aparentemente ainda não foi objecto de apreciação no processo e que cumpre conhecer, à luz da norma do artº 344º nº 2 CPCiv.

Em suma, não existem assim condições para conceder a impetrada revista.

Concluindo:

I – A delimitação entre as figuras da excepção de caso julgado e da autoridade de caso julgado estabelece-se da seguinte forma:

- se no processo subsequente nada há de novo a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, já tendo sido, na íntegra, valorados) verifica-se a excepção de caso julgado;

- se o objecto do processo precedente não esgota o objecto do processo subsequente, ocorrendo relação de dependência ou de prejudicialidade entre os dois distintos objectos, há lugar à autoridade ou força de caso julgado.

II – A autoridade de caso julgado opera positivamente na definição do direito, relevando em matéria de mérito da acção, contribuindo para a procedência ou para a improcedência do pedido.

III - Se o Exequente, credor do Executado transmitente, move execução contra este e contra o Executado adquirente do direito, e contra ambos já havia intentado previamente acção pauliana, e se os Embargantes de terceiro, pese embora serem pai e mãe dos Executados, vêm invocar a aquisição originária do prédio penhorado, não são eles parte na causa, como o exige o disposto no artº 342º nº 1 CPCiv, pelo que não apenas lhes é lícito embargar, como se não lhes pode opor a sentença proferida na acção pauliana, enquanto caso julgado, nas diversas acepções do conceito.


Decisão:

Nega-se a revista.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 14/10/2021


Vieira e Cunha (relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes