Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15273/18.4T8SNT-A.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
CRÉDITO BANCÁRIO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
JUROS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
VENCIMENTO DA DÍVIDA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 02/09/2021
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA, REPRISTINADA A DECISÃO DA 1ª INSTÂNCIA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no art.º 310.º, al, e), do Código Civil.

II. O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:



I. Relatório


AA e BB deduziram, mediante os presentes embargos de executado, oposição à execução para pagamento de quantia certa que foi movida, a si e a Clubrubik, Lda., e CC, pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., invocando, em síntese, a inexistência de título executivo, a prescrição e, subsidiariamente, a iliquidez e a inexigibilidade da obrigação exequenda. Para fundamentar a excepção da prescrição, única que importa aqui considerar, alegaram que, de acordo com o contrato de mútuo, o capital mutuado seria reembolsado em 84 prestações mensais, a que acresceriam os juros remuneratórios; aquele contrato foi celebrado em 19/7/2012 e o vencimento da última prestação paga ocorreu em 19/6/2013, pelo que, tendo decorrido mais de cinco anos entre essa data e 17/9/2018, data da citação dos fiadores/embargantes, o direito exequendo já se encontra prescrito, por força do decurso do prazo previsto no art.º 310, al. e) do Código Civil, aqui aplicável.

A exequente contestou, pugnando pela improcedência da excepção da prescrição, sustentando que o prazo aplicável era de 20 anos e que, em 25/8/2016, comunicou à mutuária, ao executado CC e aos embargantes, que considerava vencida a totalidade da dívida, o que determina a aplicação à dívida global daquele prazo de prescrição ordinário.

Na fase do saneamento, foi proferido saneador/sentença, onde foi julgada procedente a excepção da prescrição e extinta a execução em relação aos executados AA e BB.           

Inconformada, a exequente interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação …. apreciou e decidiu, por acórdão de 24/9/2020, deliberando julgá-lo parcialmente procedente “julgando-se prescrito o alegado direito de crédito da exequente/apelante apenas quanto às prestações com datas de vencimento em 19/06/2013, 19/07/2013 e 19/08/2013, e julgando-se improcedente a excepção de prescrição quanto às demais prestações.

Não conformados, os embargantes interpuseram recurso de revista e apresentaram a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

“A. O acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, por violação de lei substantiva, mormente artigos 309.º, n.º 1, alínea e) e 781.º, ambos do Código Civil.

B. O direito de crédito emergente do contrato de mútuo de 10/07/2012, dado à execução, prescreveu por ter decorrido entre a data do incumprimento do referido contrato (18/06/2013) e a data da sua citação (19/09/2018) o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em resultado da inércia da Recorrida.

C. Na modalidade da prescrição ordinária, para a produção do seu efeito, basta o beneficiário alegar e provar o decurso do prazo da prescrição, que pode variar, prevendo-se um prazo ordinário de vinte anos (art. 309.º do CC) e um prazo comum de cinco anos, aplicável nomeadamente às prestações periódicas (art. 310.º do CC).

D. É o caso do direito a juros, convencionais ou legais (artigo 310.º, alínea d), do CC), e é também o caso, por expressa determinação legal, das quotas de amortização do capital pagável com os juros (artigo 310.º, alínea e), do CC).

E. Os contratos de mútuo constituem o caso paradigmático de acordos de amortização, pois a obrigação unitária assumida pelos mutuários é compartimentada num mútuo e respectivos juros.

F. O acordo pelo qual se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se “compartimenta” é uma quota de amortização. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil

G. O facto provado sob a alínea a) do acórdão recorrido é suficiente para que se sustente que há um plano de amortização, que as prestações mensais de restituição da quantia mutuada são quotas de amortização do capital e que as quotas de amortização do capital são pagáveis com os juros.

H. Em primeiro lugar, há um plano de amortização, «No contrato de mútuo […] a Caixa Geral de Créditos, S.A declarou emprestar a Clubrubik, Lda., aí designada «Devedora» ou «Cliente», a quantia de €60.000,00, que esta última se obrigou a restituir no prazo de 84 meses, através do pagamento de prestações, mensais, sucessivas e iguais, de capital e juros».

I. Em segundo lugar, as prestações mensais de restituição da quantia mutuada são quotas de amortização do capital. Com as prestações mensais e sucessivas pretende-se o reembolso da quantia, ou seja, a amortização do capital mutuado.

J. Em terceiro lugar, as quotas de amortização do capital são pagáveis com os juros: “… a quantia mutuada [devia] ser reembolsada em 84 prestações mensais e sucessivas, acrescidas de juros compensatórios convencionados, contabilizados à taxa de juros correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 7%”.

K. Na contagem do prazo, a regra é começar a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido (art. 306.º, n.º 1, do CC).

L. Como decorre da materialidade apurada, a Recorrida, à data da instauração da execução, em 01 de Setembro de 2018, requereu o pagamento global de € 51.588,40, dos quais € 27.142,81 a título de capital, e € 11.583,54 a título de juros de mora, € 8.981,27, a título de juros e € 3.880,78, a respeito de comissões, e as prestações mensais que se venceram a partir de 19/06/2013, inclusive, não foram pagas.

M. O direito de crédito da Embargada, ora Recorrida, é, assim, composto por capital e Juros, juros de mora e comissões, nomeadamente os vencidos a partir de 19 de Junho de 2013, contando-se o prazo de prescrição a partir desta data.

N. A interrupção da prescrição relativamente ao devedor e aos fiadores, existe agora a regra da autonomia entre a obrigação principal (do devedor) e a acessória (do fiador), como decorre do disposto no art. 636.º, n.º 1, do CC

O. À data em que a ação foi proposta - 19/07/2012-, como na data em que foram citados para a mesma - 17/09/2018 - já havia decorrido mais de 5 anos sobre a data – 19/06/2013- em que a Exequente podia exercer o seu direito de exigir judicialmente a quantia exequenda, sendo que só a citação tem efeito interruptivo.

P. Assim, tendo decorrido o prazo de cinco anos, sem qualquer interrupção, o direito de crédito exequendo encontra-se prescrito em relação aos fiadores, ora Recorrentes, pelo que estes podem recusar o cumprimento da prestação e opor-se à exigência coerciva do direito do direito de crédito.

Q. Ora, considerando tais características específicas da obrigação, não se pode deixar de concluir que, em relação a ela, se verifica a razão de protecção que explica o particular dever de diligência legalmente exigido ao titular do correspondente direito de crédito, acima invocada.

R. Nesse contexto, é irrelevante, para o efeito de afastar a aplicabilidade do prazo prescricional em causa, que o direito de crédito se vença na totalidade por efeito do incumprimento e/ou da alegada interpelação dos embargantes, como defende a embargada.

S. É, pois, de concluir que ao direito de crédito exequendo em causa se aplica o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC, sendo irrelevante o regime estatuído no 781.º do CC.

T. Este entendimento não saí beliscado mesmo no caso em que, como alegadamente fez a Recorrente, deu por vencidas todas as demais prestações (conforme alega no seu requerimento executivo – mas que não ficou provado), uma vez que «facto de vencida uma quota e não paga se vencerem todas as posteriores não releva para a sua prescrição, porque esta respeita a cada uma das quotas de amortização e não ao todo da dívida - depois que os executados deixaram de pagar as prestações (de amortização do capital pagável com juros), a prescrição não pode pôr-se em relação às “quotas em dívida” como um todo, mas em relação a cada uma delas, pois o seu pagamento ficou assim escalonado» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 12/19/2017, no âmbito do processo n.º 561/16.2T8VIS-A.C1).

U. Se assim não fosse estando a prescrição dependente do vencimento das demais prestações por um acto do credor, significaria que o devedor ficaria “amarrado” a essa dívida ad aeternum.

V. Assim e à luz jurisprudência supra citada, mormente a sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, podemos concluir que a quantia exequenda se encontra prescrita, uma vez que desde a data em que a Recorrente podia ter exigido todas as demais prestações (19/06/2013) [não ficou provado a data em que a Recorrente alegadamente deu por vencidas as prestações] até à data da citação dos Recorrentes – que constitui a causa de interrupção da prescrição – (17/09/2018), decorreu mais de 5 anos, devendo, naturalmente improceder igualmente o recurso nesta parte.

Nestes termos e nos melhores de direito, impetrando o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento à presente revista, revogando o acórdão recorrido, repristinando-se o sentido decisório da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª Instância.”


A recorrida contra-alegou pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se a prescrição se verifica relativamente à totalidade da quantia exequenda, nos termos do art.º 310.º, al. e), do Código Civil.


II. Fundamentação

1. De facto

  No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:

I. Da sentença:

a) Por documento particular rubricado e subscrito pelas partes, datado de 19 de Julho de 2012, foi firmado um acordo, designado «Contrato de Mútuo», que aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual a Caixa Geral de Créditos, S.A., declarou emprestar a Clubrubik, Lda., aí designada «Devedora» ou «Cliente», a quantia de €60.000,00, que esta última se obrigou a restituir no prazo de 84 meses, através do pagamento de prestações, mensais, sucessivas e iguais, de capital e juros, contabilizados à taxa de juros correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 7%.

b) Os embargantes intervieram no referido acordo, declarando, além do mais, que se constituem «FIADORES solidários e principais pagadores de todas as quantias que sejam ou venham a ser devidas à CAIXA pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a CAIXA e a CLIENTE».

c) As prestações mensais que se venceram a partir de 19/06/2013, inclusive, não foram pagas.

d) A exequente, ora embargada, intentou a acção executiva a que estes autos estão apensos em 01/09/2018.

e) Os embargantes foram citados para os termos da referida execução em 17/09/2018.


II. Aditados pela Relação (com base nos documentos e no acordo das partes, ao abrigo do disposto nos art.ºs 663.º n.º 2 e 607.º n.º 4, ambos do CPC):

 a) 1) Na cláusula 6. do documento referido em a) consta:

 «Prazo global: 84 meses, a contar da data da perfeição do contrato»

a) 2. Na cláusula 10 consta:

«10.1 - Os juros serão calculados dia a dia sobre o capital em cada momento em dívida e liquidados e pagos no final de cada período de contagem de juros, em conjunto com as prestações adiante referidas.

10.2. - Entende-se, para efeitos deste contrato, por período de contagem de juros o mês, iniciando-se o primeiro período na data da perfeição do contrato.

10.3 - O capital será reembolsado em prestações mensais, sucessivas e iguais, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da perfeição deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.

10.4 - Caso a perfeição do contrato ocorra num dos últimos cinco dias do mês que estiver em curso, as prestações de juros e de capital só serão pagas no terceiro dia útil do mês seguinte relativamente à data em que as mesmas seriam exigíveis de acordo com os número anteriores, vencendo-se juros até à data do pagamento.».

a) 3. Na cláusula 20, com a epígrafe «Comunicação de responsabilidade ao Banco de Portugal» consta, além do mais:

«20.4 - A CGD informará oportunamente cada um dos devedores do início da comunicação em situação de incumprimento; no caso dos fiadores ou avalistas, a comunicação da situação de incumprimento só se verificará se estes, depois de informados da situação de incumprimento dos devedores, não procederem ao pagamento do crédito dentro do prazo estabelecido para esse efeito».

 a) 4. Na cláusula 21 consta, além do mais:

«21.1 - A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

  a) Incumprimento pela Cliente ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;

(…)».

  a) 4) Na cláusula 28 consta:

 «28.1 - O presente contrato considera-se perfeito quando contiver as assinaturas de todos os contratantes.

28.2 - A data de perfeição é a que for aposta na zona de assinaturas dos representantes da CGD, enquanto contratante que assina em último lugar.

28.3 - Na falta de indicação da data referida no número anterior, considera-se o contrato assinado na data da sua feitura.

28.4 - Quando a data de perfeição do contrato não coincida com a data da sua feitura, a CGD dará conhecimento à Cliente e aos demais Contratantes da data de perfeição, mediante simples entrega de fotocópia ou duplicado do contrato, que conterá a indicação da data de perfeição e, bem assim, da taxa de juro nominal e da TAE aplicáveis ni primeiro período de contagem de juros».

2. De direito

É sabido que, pelo instituto da prescrição, a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando o seu titular não actue durante certo lapso de tempo indicado na lei (art.º 304.º, n.º 1, do Código Civil).

Trata-se de um instituto de ordem pública por via do qual o decurso de um prazo fixado na lei opera a modificação da obrigação civil em obrigação natural (art.º 304.º, n.º 2).

Quanto ao seu fundamento, o Prof. Vaz Serra escreveu:

“Sem querer entrar na discussão de qual seja exactamente o fundamento da prescrição, que uns vêem na probabilidade de ter sido feito o pagamento, outros na presunção de renúncia do credor, ou na sanção da sua negligência, ou na consolidação das situações de facto, ou na protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento ou sossegado quanto à não exigência da dívida, ou na necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, ou na de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos, ou na de promover o exercício oportuno dos direitos – pode dizer-se que a prescrição se baseia, mais ou menos em todas estas considerações, sem que possa afirmar-se só uma delas ser decisiva e relevante”[3].

A nossa jurisprudência situa o fundamento específico da prescrição na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei.

O art.º 310.º, al. e), do Código Civil prevê um prazo especial de prescrição extintiva, dispondo:

Prescrevem no prazo de cinco anos… as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.

A ratio normalmente apontada para a existência deste prazo, mais curto, de prescrição “consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja existência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor”[4].

O acórdão recorrido, aplicando esta norma, julgou prescrito o direito de crédito da exequente apenas quanto às prestações com datas de vencimento em 19/6/2013, 19/7/2013 e 19/8/2013, mas já não relativamente às restantes, por considerar que, não tendo ficado provado que tenha ocorrido o vencimento antecipado da dívida, as prestações continuaram a vencer-se até à data em que os executados foram citados para a execução, a qual teve lugar em 17/9/2018.

Consequentemente, julgou improcedente a excepção da prescrição quanto a estas prestações, assim revogando, ainda que implicitamente, a sentença que fora objecto da apelação, a qual havia julgado procedente “a excepção de prescrição do direito de crédito exequendo” e, em consequência, julgado extinta a execução em relação aos executados, aqui embargantes.

No recurso, os recorrentes sustentam que o direito de crédito invocado pela exequente se encontra integralmente prescrito, sendo o prazo especial de cinco anos aplicável a toda a dívida.

Por sua vez, a recorrida, sem pôr em causa a aplicação do aludido prazo de cinco anos, tanto mais que aceita a prescrição das três primeiras prestações, sustenta que a prescrição não ocorreu relativamente às demais porque “respeita a cada uma das quotas de amortização e não ao todo da dívida”.

Que dizer?

Não está em causa a natureza do prazo – ordinário ou especial – aqui aplicável.

Embora os recorrentes se refiram ao prazo ordinário de 20 anos e se esforcem, citando abundante jurisprudência, em sustentar que não se trata desse prazo, mas do especial de cinco anos, a verdade é que está já assente, até porque foi aceite pela recorrida, que, no caso, tem aplicação o prazo especial previsto no mencionado art.º 310.º, al. e).

Ainda assim, para que dúvidas não subsistam, importa reafirmar que é este o prazo que tem aplicação no caso em análise.

Com efeito, estamos perante uma situação perfeitamente subsumível à alínea e) daquele preceito, porquanto se trata de uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.

Nestes casos, a doutrina entende que “na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.”[5]

Por conseguinte, “a estipulação de um plano de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas frações, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração de capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista na referida alínea e), do artigo 310º, do CC e prejudica a aplicação do prazo ordinário de prescrição de vinte anos.”[6]

A jurisprudência deste Supremo Tribunal também tem tido o mesmo entendimento, citando-se aqui, a título de exemplo, os acórdãos de 27/3/2014, processo n.º189/12.6TBHRT-A.L1.S, de 29/9/2016, processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, de 10/9/2020, processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 e de 12/11/2020, processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Como se escreveu no antepenúltimo aresto e transcreveu no último, “no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.

Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.”.

Não vemos razões para não acolher esta orientação seguida por este Supremo Tribunal, pelo que concluímos pela aplicação do regime previsto no art.º 310.º, alínea e), do Código Civil, como, aliás, decidiram as instâncias.

A verdadeira questão que se coloca consiste em saber se esse regime se aplica a todo o crédito exequendo.

Como se dá nota no citado acórdão de 12/11/2020, “tem sido igualmente entendido por este Supremo Tribunal que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição” – cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 4/5/1993, publicado na Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, T. II, pág. 82, de 18/10/2018, processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 e de 23/1/2020, processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1.

Neste acórdão, considerou-se que a obrigação unitária, compartimentada em capital e juros, resultante do mútuo, pelo acordo de amortização celebrado, se converte em cada uma das prestações estipuladas no acordo de amortização, as quais caiem, quer globalmente quer parcelarmente, na alçada do art.º 310.º do Código Civil.

Ora, tratando-se de uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado em fracções, não se vislumbra por que razão o regime do art.º 310.º, al. e), do Código Civil não deva ser aplicado a todo o crédito exequendo, independentemente do clausulado acerca do pagamento de cada uma das fracções e ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.

Com efeito, o art.º 781.º do Código Civil prevê o vencimento imediato de todas as fracções por via da falta de pagamento de uma delas. E apenas o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo. Nada mais, designadamente a alteração da natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, de acordo com o AUJ n.º 7/2009 (in DR, Série I, de 5/52009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento[7]. Note-se que nada foi acordado em contrário, resultando até da cláusula 21.1.a) do respectivo contrato que a Caixa credora poderia considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato cumprimento, o que, aliás, fez instaurando a execução a que respeitam estes embargos.

O fundamento da prescrição quinquenal não deixa de subsistir com tal vencimento, continuando a verificar-se a necessidade da sua aplicação, por forma a evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.

Vencidas todas as prestações, por falta de pagamento das que acabaram por ser declaradas prescritas no acórdão recorrido, é irrelevante a interpelação para pagamento das restantes, nos termos do plano convencionado, contrariamente ao sustentado naquele aresto.

Tendo cessado o pagamento das prestações convencionadas em 19/6/2013 e tendo decorrido mais de cinco anos, após essa data, sem que a exequente nada fizesse com vista a obter o seu pagamento, acabando por propor a acção executiva apenas em 1/9/2018, cremos não haver dúvidas de que ocorreu a prescrição relativamente a todas, visto que a mesma apenas foi interrompida em 6/9/2018 (cfr. art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil), pois, entretanto, não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção, legalmente previstas, como bem se decidiu na sentença.

Em face do exposto, estabelecido que o prazo de prescrição é de cinco anos e que este prazo é aplicável a todas as prestações vencidas e não pagas, conclui-se estar verificada a prescrição do crédito exequendo.

Consequentemente, o acórdão recorrido não pode ser mantido, havendo que o revogar e repristinar a sentença que apreciou.


 Sumário:

1. Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no art.º 310.º, al, e), do Código Civil.

2. O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.


III. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, na parte em que julgou improcedente a excepção da prescrição, repristinando-se a decisão da 1.ª instância.


*

Custas pela embargada/recorrida.

*

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2021

Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar, sendo que a 1.ª Adjunta apresentou a declaração de voto que abaixo se transcreve.


Fernando Augusto Samões (Relator que assina digitalmente)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta) Declaração de voto

Quanto à fundamentação do acórdão, em conformidade com o que foi sustentando nos acórdãos de 16-06-2020 (proc. n.º 23762/15.6T8PRT-A.P1.S1) e de 26-01-2021 (proc. n.º  20767/16.3T8PRT-A.S2) de que fui relatora, estabeleço apenas a reserva de que o art. 781.º do CC deve ser entendido como atribuindo ao credor o poder de provocar o vencimento da obrigação e não como produzindo ope legis esse vencimento, independentemente de uma decisão sua. Todavia, revestindo-se o preceito do art. 781.º do CC de natureza supletiva, as partes podem acordar no vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade de interpelação do devedor. Compulsada a matéria de facto dada como provada pelas Instâncias, verifica-se que, no ponto a) 4. (cláusula 21.1.a) do contrato de mútuo), ficou provado o acordo das partes sobre um regime diverso do que resulta do artigo 781.º do CC.


António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)

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[1] Do Tribunal Judicial da Comarca de ……. – Juízo de Execução de …. – Juiz …..
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] In Prescrição Extintiva e Caducidade, 1961, págs. 32 e segs.
[4] Júlio Gomes, anotação ao art.º 310.º, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, 214, pág. 755.
[5] Cf. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.º a 333.º, do Código Civil, Coimbra editora, 2ª edição, Junho de 2014, pág. 127.
[6] Cf. Ana Filipa Morais Antunes, obra citada, pág. 128.
[7] Neste sentido, também o citado acórdão de10/9/2020, deste Supremo Tribunal.