Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | ORLANDO AFONSO | ||
Descritores: | PROPRIEDADE INDUSTRIAL PATENTE MEDICAMENTO GENÉRICO MEDICAMENTO DE REFERÊNCIA AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO TRANSMISSÃO SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA INCUMPRIMENTO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 05/20/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - INVENÇÕES / PATENTES / EFEITOS DA PATENTE / CERTIFICADO COMPLEMENTAR DE PROTECÇÃO PARA MEDICAMENTOS ( CERTIFICADO COMPLEMENTAR DE PROTEÇÃO PARA MEDICAMENTOS ). DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO ( REALIZAÇÃO COATIVA DA PRESTAÇÃO ) - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / PARTES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( EFEITOS ). | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 829.º-A, 1305.º. CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGOS 51.º, 99.º, 101.º, 115.º, 116.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 56.º, 57.º, 263.º, N.º3, 498.º, 671.º, ESTATUTO DO MEDICAMENTO, APROVADO PELO DL N.º 176/2006, DE 30-08, COM ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DL N.º 182/2009, DE 07-08, DL N.º 64/2010, DE 09-06, DL N.º 106-A/2010, DE 01-10, LEI 25/2011, DE 16-06, LEI N.º 62/2011, DE 12-12, LEI N.º 11/2012, DE 08-03, DL N.º 20/2013, DE 14-02, DL N.º 128/2013, DE 05-09 E LEI N.º 51/2014, DE 25-08: - ARTIGOS 3.º, 14.º, 23.º, 23.º-A, 37.º, 179.º. | ||
Legislação Comunitária: | DIRECTIVA 2001/83/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 06-11-2011, A DIRECTIVA 2004/27/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 31-03-2004 E O REGULAMENTO (CE) N.º 726/2004 DE 31-03-2004, ENTRETANTO ALTERADO PELO REGULAMENTO (CE) 1901/2006 DE 12-12-2006, QUE INSTITUIU UMA AGÊNCIA EUROPEIA DE MEDICAMENTOS. REGULAMENTO N.º 469/2009, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 06-05-2009. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 10-09-2009, PROCESSO N.º 118/09.4YFLSB E DE 14-01-2014, PROCESSO N.º 7244/04.4TBCSC.L1.S1. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: -DE 02-12-2014, PROC. 1158/13.4YRLSB; -DE 26-06-2014, PROC. 787/13.YRLSB.L1-2. -ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DE LISBOA PROFERIDOS NO ÂMBITO DE DECISÕES ARBITRAIS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – CF. AC. R.L. DE 07-11-2013, PROC. N.º 854/13.0YRLSB; AC. R.L. DE 13-02-2014, PROC. N.º 1053/13.7YRLSB-2; AC. R.L. DE 12-12-2013, PROC. N.º 617/13.3YRLSB-6 E AC. RL DE 26-06-2014, PROC.Nº787/13.0YRLSB.L1-2. | ||
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Sumário : | I - O titular de uma patente tem o direito à sua exploração económica exclusiva, isto é, um verdadeiro monopólio de exploração – art. 101.º, n.º 1, do CPI –, podendo fazer valer os seus direitos contra terceiros que, de algum modo, pretendam invadir esse monopólio, enquanto aquela não caducar. II - Concretizando o conteúdo desse direito de monopólio de exploração, o art. 101.º, n.º 2, do CPI, prescreve que «a patente confere ao seu titular um conjunto de direitos, nomeadamente o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português e de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados». III - Não obstante a entrada no mercado de medicamentos genéricos implicar, necessariamente, que as patentes respeitantes aos medicamentos de referência tenham expirado (arts. 99.º e 101.º do CPI), o processo administrativo de concessão de autorização de introdução no mercado (AIM) e de fixação de preço pode ser iniciado antes dessa caducidade, por razões económicas e de ordem pública que se prendem com a morosidade de tais processos. IV - A Lei n.º 62/2011, de 12-12, ao introduzir alterações ao Estatuto do Medicamento, aditou igualmente um art. 23.º-A, no qual expressamente se declara que o pedido que visa a obtenção de inclusão do medicamento na comparticipação não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial, e que a decisão a proferir sobre a inclusão ou exclusão de medicamento na comparticipação não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial. V - De igual forma o art. 179.º do mesmo Estatuto do Medicamento, respeitante à suspensão, revogação ou alteração de autorização ou registo concedido ao abrigo do diploma passou a prever expressamente que «a autorização ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial». VI - Face ao referido em IV e V, resulta evidente a constatação, e subsequente afirmação, de que para o legislador, sem qualquer distinção, a concessão de autorização de introdução de um genérico no mercado não constitui, por si, violação da patente que proteja substância, processo de fabrico ou utilização implicada nesse medicamento, não se inserindo assim em nenhuma das actuações proibidas pela previsão do n.º 2 do art. 101.º do CPI. VII - Pelo que, podiam as demandadas ter requerido a concessão da AIM e podia o INFARMED tê-la concedido, como concedeu em alguns dos medicamente genéricos aqui em causa, sem que com isso esteja a ser violado o direito de propriedade industrial decorrente da patente do medicamento de referência. VIII - Assumido o legislador que a concessão de AIM de um genérico não constitui, por si, violação da patente – não se inserindo em nenhuma das actuações proibidas pela norma do art. 101.º, n.º 2, do CPI – não se vê que a transmissão dessa autorização para um terceiro corporize alguma das aludidas actuações tidas pelo legislador como violadoras do exclusivo, posto que a mesma – a titularidade de AIM ou a sua transmissão a terceiros – não permite iniciar a exploração industrial ou comercial de medicamentos. IX - A titularidade de uma AIM é um bem com valor económico e, como tal, um bem transaccionável que pode ser objecto de negócios jurídicos, pelo que qualquer restrição à sua transmissibilidade só se poderia justificar – na vigência dos direitos conferidos pela patente – se a simples titularidade do direito conferido pela AIM fosse ofensiva desses direitos, o que não é o caso. X - A sanção pecuniária compulsória constitui uma condenação acessória da condenação principal do devedor no cumprimento da prestação decretada por sentença judicial, estando prevista no art. 829.º-A do CC. XI - Da interpretação do art. 829.º-A do CC, no seu todo, constata-se que a aplicação da sanção pecuniária compulsória implica uma ponderação de fundo, não compatível com uma aplicação automática, indiferente à verificação de circunstâncias que determinem a existência do sério risco da continuação da prática ou da própria prática da infracção. XII - Uma correcta interpretação da norma passa assim por relevar o cumprimento ou incumprimento do devedor, pois só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovado que o devedor praticou, ou está na eminência de praticar – em termos de probabilidade –, factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença. XIII - Não tendo as recorrentes alegado e logrado demonstrar quaisquer factos dos quais se pudesse retirar que as demandadas se encontravam a levar a cabo preparativos destinados à comercialização dos genéricos de R no território português, não poderemos concluir – tal como o entenderam as instâncias – pela existência de indícios de uma violação iminente dos direitos de propriedade industrial. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório: AA e BB – Produtos Farmacêuticos Ldª. intentaram acção arbitral necessária contra CC Pharma (Malta) Limited, DD; EE – produtos farmacêuticos Ldª, FF Portugal – Comércio e Desenvolvimento de Produtos Farmacêuticos Unipessoal Ldª e GG Limited pedindo que se julgue a acção procedente, por provada, e em consequência: - se condene as demandadas a absterem-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os genéricos «ROSUVASTATINA» ou, sob esta ou quaisquer outras designações ou marcas, qualquer outro medicamento contendo Rosuvastatina como princípio activo enquanto os direitos de propriedade industrial referidos se encontrarem em vigor, ou seja, até 3 de Julho de 2017; - se condene as demandadas a não transmitir a terceiros a sua posição de requerente nos pedidos de AIMs relativos aos genéricos «Rosuvastatina» desta petição, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos; - se condene as demandadas no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de, pelo menos, € 99 700 por cada dia de incumprimento da sentença que venha a ser proferida nos termos acima peticionados. Alegaram, em síntese, as demandantes que: - a 1ª demandante é uma empresa farmacêutica de investigação, dispondo de vários medicamentos, sendo os seus produtos mais importantes, designadamente, o HH®, II ® e JJ ®; - O medicamento HH ® contém rosuvastatina cálcica como substância activa; - a 1ª demandante é titular da patente Europeia n.º 0521471, sendo que à data do pedido da EP e da prioridade aí reivindicada, a Rosuvastatina nunca tinha sido sintetizada por ninguém ou revelada por forma a ser explorada por peritos na matéria, nem tinha sido revelado o uso do processo de síntese que é mencionado na patente para obter esse produto; - A EP 521471 foi pedida em 30-06-1992 e a menção da sua concessão foi publicada no Boletim Europeu de Patentes 2000/23, em 25-10-2000; - Após a concessão a 1ª demandante apresentou junto do INPI a tradução portuguesa da EP 521471, razão pela qual a referida patente é válida e produz efeitos em Portugal até 3 de Julho de 2017, atenta a concessão do CCP (Certificado Complementar de Protecção) n.º 156; - a 2ª demandante obteve Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) para o referido medicamento contendo Rosuvastatina como substância activa, o qual é comercializado no mercado português sob a marca de HH ®; - De acordo com a lista publicada na página do Infarmed, em 11-01-2012, a demandada CC requereu junto do Infarmed a concessão de AIM para 1 medicamento, sob 4 formas, tendo como substância activa a Rosuvastatina Cálcica, a qual lhe foi concedida no dia 27-06-2012; - De acordo com a mesma lista a demandada GG requereu a concessão de AIM para um medicamento, sob 4 formas, tendo como substancia activa a Rosuvastatina Cálcica, a qual ainda não foi concedida; - De acordo com a mesma lista a demandada DD requereu a concessão de AIM para 1 medicamento, sob 8 formas, tendo como substancia activa a Rosuvastatina Cálcica, a qual ainda não foi concedida; - De acordo com a mesma lista a demandada EE requereu a concessão de AIM para um medicamento, sob 4 formas, tendo como substancia activa a Rosuvastatina Cálcica, a qual foi concedida no dia 31-07-2012; - De acordo com a mesma lista a demandada FF requereu a concessão de AIM para 1 medicamento, sob 4 formas, tendo como substancia activa a Rosuvastatina Cálcica, a qual foi concedida em 21-11-2011, tendo ainda relativamente a este medicamento sido requerido e obtida a aprovação do preço de venda ao público. As demandantes vieram comunicar aos autos acordo celebrado com a demandada EE, e informando que, na decorrência do mesmo, perderam interesse na arbitragem iniciada quanto a esta. A fls. 399-424 foi proferida sentença arbitral que: 1) Condenou as demandadas CC, DD, FF e GG a absterem-se de importar, fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no comércio ou utilizar, em Portugal, os genéricos Rosuvastatina, ou sob estas ou quaisquer outras designações ou marcas, qualquer outro medicamento contendo Rosuvastatina como princípio activo, enquanto os direitos de propriedade industrial das demandantes se encontrarem em vigor, ou seja, até 3 de Julho de 2017; 2) Absolveu as demandadas dos pedidos de não transmissão de AIM a terceiros e de condenação em sanção pecuniária compulsória; 3) Declarou extinto o processo arbitral e encerrado relativamente à demandada EE. 4) Fixou as custas a suportar pelas partes em ¾ pelas demandadas e ¼ pelas demandantes. Não se conformando com tal decisão, dela recorreram demandantes (cf. fls. 443 a 467) e demandadas GG (fls. 475), CC Pharma (fls. 519), tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de fls. 644 a 663, julgado a apelação parcialmente procedente nos seguintes termos: «Os honorários serão reduzidos a 13 500e, pelo que serão atribuídos a cada um dos Srs. Árbitros a quantia de 4 000€ e ao Sr. Secretário o montante de 1 500€; As custas da acção serão suportadas pelas demandantes em partes iguais. Em tudo o mais vai a decisão arbitral confirmada, ainda que por fundamento diverso. Ainda inconformadas vieram as demandantes AA e BB – produtos farmacêuticos Ldª. interpor recurso de revista, a título excepcional, para o STJ. Nas suas alegações de recurso apresentam as demandantes as seguintes conclusões: A. Nestes autos estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC); B. São inúmeros os casos que partilham a matéria em apreciação nos presentes autos pendentes nos Tribunais arbitrais e no Tribunal da Relação de Lisboa, sem que as opiniões, relativamente aos pedidos sob recurso têm sido tudo menos coincidentes ou isentas de discussão. C. Na sentença proferida pelo Tribunal Arbitral constituído para dirimir o litígio entre a KK e LL e outros relativamente à substância activa Rizatriptano foi decidido que não existem dúvidas sobre a condenação das demandadas no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento da decisão arbitral, dado o preenchimento de todos os requisitos para aplicação do art. 829.ºA do CC. D. Já o Tribunal constituído para dirimir o litígio KK Inc. e MM decidiu pela condenação das demandadas no pedido de não transmissão das AIMs. E. O quadro legal subjacente aos pedidos de condenação em apreço importam a apreciação e clarificação de pertinentes e relevantes questões jurídicas, como sejam: o pedido de não transmissão de AIM é de inequívoca utilidade para a tutela dos direitos em causa nos presentes autos? Em termos gerais, deverá o n.º 1 do art. 829.º-A do CC ser interpretado restritivamente, de modo a que se exclua a possibilidade do pedido de são pecuniária compulsória perante uma obrigação de prestação de facto negativo infungível futuro? F. A prolação de acórdão do STJ nos presentes autos, abordando as referidas questões, revela-se, além de útil para as recorrentes, indiscutivelmente importante para obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, motivo pelo qual deve ser admitido o recurso de revista excepcional ora interposto. G. Nestes autos estão também em causa interesses de particular relevância social (art. 672.º, n.º 1, al. b), do CPC), uma vez que a decisão tomada no aresto sob recurso pronuncia-se entre outros aspectos, sobre os requisitos gerais de admissibilidade do pedido de condenação na sessão pecuniária compulsória em caso de incumprimento da obrigação negativa, nos termos e para os efeitos previstos no art. 829.º-A do CC. H. O acórdão em crise é susceptível de aplicação a todas as situações nas quais o credor de uma obrigação de conteúdo negativo pretenda assegurar o cumprimento dessa obrigação através da fixação de uma sanção pecuniária accionável em caso de incumprimento. I. É inequívoco que esta é uma situação que se reveste de particular relevância social, para a eficácia e credibilidade do direito, da decisão e da própria justiça, devendo ser conhecida pelo STJ. J. A decisão recorrida contradiz outras decisões, transitadas em julgado, proferidas pelo mesmo Tribunal da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC) conforme se comprova pelos acórdãos fundamento que se juntam. K. Os pedidos de não transmissão a terceiros da AIM e de condenação em sanção pecuniária compulsória são uma consequência lógica do pedido de não exploração industrial e comercial dos medicamentos genéricos sub judice, uma vez que têm como finalidade garantir a tutela efectiva dos direitos de propriedade industrial que por meio da acção arbitral são exercidos. L. O tribunal a quo analisou impropriamente estes pedidos, como se de pedidos autónomos e independentes se tratassem, circunstância que levou ao erro de interpretação e aplicação da lei na decisão recorrida. M. Ao contrário do que é sustentado no acórdão recorrido, não se invoca nestes autos que a AIM constitua um acto de comercialização do medicamento, nem que a mesma AIM se traduza per se em qualquer violação do exclusivo conferido pela patente. N. Nesse âmbito a AIM consubstancia, indubitavelmente, e como o próprio nome indica, a autorização para que uma conduta infractora de direitos de patente se efective, tendo o tribunal a quo admitido, de resto, que a AIM é um pressuposto jurídico essencial para a entrada do medicamento no mercado, logo, para a concretização da infracção que se pretende evitar. O. Houve um erro de julgamento do tribunal a quo por não ter reconhecido que a tutela efectiva do direito das recorrentes se atinge, em primeira linha, com a condenação das recorridas na proibição de transmissão do AIM. P. A única forma que as recorrentes têm de efectivamente salvaguardar que a decisão do tribunal não será apenas letra morta quanto a um eventual transmissário da AIM é por via da condenação das recorridas a não realizar tal transmissão, só assim se cristalizando a tutela efectiva útil, devida constitucionalmente (art. 20.º, n.º 5, da CRP), dos seus direitos de propriedade industrial. Q. As recorrentes não formularam o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória com base nas asserções de violação actual ou iminente dos direitos sub judice em que o tribunal a quo se baseou para confirmar a decisão de absolvição das recorridas do mesmo pedido. R. O que pedira, em linha com o dispositivo do art. 829.ºA do CC, foi que o tribunal condenasse as recorridas a cumprirem uma obrigação de conteúdo negativo e infungível e que assegurasse o cumprimento dessa obrigação impondo aos devedores o pagamento da dita sanção no caso em que a incumprissem. S. Nos termos do art. 829.º-A do CC, a condenação em sanção pecuniária compulsória, quando requerida pelo credor não está na disponibilidade do tribunal, antes constituindo um dever, sempre que exista condenação na prestação de facto infungível, positivo ou negativo. T. Como tem sido unanimemente referido pela doutrina e jurisprudência, esta sanção nada mais é do que uma pressão sobre o devedor, no sentido de respeitar a decisão do tribunal que de outra forma não seria possível garantir dada a infungibilidade da prestação, sendo pois manifesto que o tribunal a quo procedeu a uma interpretação errónea da noção e razão de ser da sanção pecuniária compulsória. U. É pacífico, na doutrina civilística que as obrigações negativas (non facere), pela natureza do seu objecto – abstenção de um determinado comportamento – não podem ser realizadas por terceiro, sendo por isso infungíveis. V. É no campo das obrigações de non facere que a sanção pecuniária compulsória encontra a sua maior utilidade, como meio de prevenir o incumprimento, provocando a obediência do devedor à condenação inibitória e o respeito pela devida prestação originária de non facere. W. No caso dos autos, a efectiva tutela do direito não pode ser realizada através da execução in natura, mas já pode ser conseguida pela técnica coercitiva da sanção pecuniária compulsória, sabendo-se que a tutela inibitória é a mais idónea das tutelas do domínio dos direitos de propriedade industrial. X. A condenação numa sanção pecuniária compulsória é a ameaça de uma sanção pecuniária, ordenada pelo juiz para a hipótese de o devedor não obedecer à condenação principal, visando o cumprimento das obrigações e a eficácia da decisão do tribunal; consiste, em suma, numa condenação pecuniária acessória e condicional, distinta e independente da indemnização, a fim de forçar e incitar o obrigado a realizar a prestação devida mediante a ameaça de consequências mais gravosas para os seus interesses do que aquelas que resultam do adimplemento. Y. A condenação na sanção pecuniária compulsória não está dependente de qualquer iminência na violação – ou sequer de qualquer probabilidade de violação – da obrigação em que o devedor foi condenado. Z. A douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento sob a matéria de direito, porquanto fez uma errónea interpretação do disposto nos arts. 2.º, 3.º, n.ºs 1, 2 e 6 da Lei 62/2011 de 12-12 e do art. 829.º-A do CC, acabando por violar estes dispositivos legais, violando ainda o art. 20.º, n.º 5, da CRP. Contra-alegaram as recorridas CC Limited (cf. fls. 805 e ss) – juntando cópia de um parecer da autoria dos Prof. Oliveira Ascensão e Paulo Otero – e GG Limited ( fls. 898 e ss. *** Tudo visto, Cumpre decidir:
A) Os Factos:
Vêm assentes das instâncias os seguintes Factos Provados: 1) A Demandante (AA) é titular da Patente Europeia n.° 0521471; 2) A Patente Europeia n.° 0521471 tem por epígrafe "derivados de pirimidina corno inibidores da HMG-COA redutase"; 3) A Patente Europeia n° 0521471 foi requerida ao Instituto Europeu de Patentes em 30 de Junho de 1992, concedida em 25 de Outubro de 2000 tendo a menção da sua concessão sido publicada no Boletim Europeu de Patentes n.° 2000/43; 4) A Patente Europeia n.° 0521471 foi validada em Portugal mediante entrega da respectiva tradução no INPI em 18 de Janeiro de 2001; 5) A Patente Europeia n.° 0521471 esteve em vigor até 30 de Junho de 2012, data em que completou o seu período legal de duração; 6) A Patente Europeia n.° 0521471 inclui nas suas reivindicações a substância Rosuvastatina; 7) A Demandante (AA) é titular do Certificado Complementar de Protecção n.° 156; 8) O Certificado Complementar de Protecção n.° 156 foi concedido pelo INPI em 25 de Novembro de 2003, tendo por base a Patente Europeia n.° 0521471 e por referência à primeira autorização de introdução no mercado na Europa do medicamento contendo como substância activa a Rosuvastatina, com a marca HH; 9) A segunda Demandante (BB) é detentora de uma sublicença exclusiva em Portugal para exploração da Patente Europeia n.° 0521471 e do Certificado Complementar de Protecção n.° 156; 10) A segunda Demandante (BB) obteve autorizações de introdução no mercado para o medicamento contendo Rosuvastatina como substância activa, nas dosagens de 5 mg, 10 mg, 20 mg, e 40 mg e na forma de comprimidos revestidos por película, o qual é comercializado em Portugal sob a marca HH; 11) A Demandada CC requereu em 12 de Maio de 2011 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos denominados Rosuvastatina CC, contendo Rosuvastatina cálcica como substância activa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg, que foram concedidas em 27 de Julho de 2012; 12) A Demandada GG requereu em 25 de Novembro de 2010 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos contendo Rosuvastatina cálcica como substância activa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg,; 13) A Demandada DD requereu em 2 de Março de 2010 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos contendo Rosuvastatina cálcica como substância activa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg; 14) A Demandada EE requereu em 11 de Maio de 2011 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos denominados Rosuvastatina EE, contendo Rosuvastatina cálcica como substância activa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg, que foram concedidas em 31 de Julho de 2012; 15) A Demandada FF requereu em 30 de Janeiro de 2010 ao INFARMED autorizações para introdução no mercado de medicamentos denominados Rosuvastatina FF, contendo Rosuvastatina cálcica como substância activa, nas dosagens 5 mg, 10 mg, 20 mg e 40 mg, que foram concedidas em 21 de Novembro de 2011. Ainda com interesse para a decisão no Recurso de Apelação fixou o Tribunal da Relação os seguintes factos: 16) Por acta de 25 de Setembro de 2012 foi constituída o tribunal arbitral e fixadas as regras de funcionamento da arbitragem, com excepção das respeitantes a encargos e honorários 17) Do acordo das partes, posterior à ata, decorre que o valor da acção é de 30.001,00 € e o montante dos honorários a atribuir aos árbitros 60.000,00 € mais 20% dos honorários de um árbitro para o secretário. 18) Em 16 de Janeiro de 2013 vieram as Demandantes comunicar ao Tribunal Arbitral que, atendendo ao acordo celebrado com a Demandada EE sobre o objecto do litígio, perderam o interesse na arbitragem iniciada contra essa Demandada, requerendo a extinção do processo arbitral exclusivamente quanto a essa Demandada. 19) O prazo para contestação das restantes Demandadas findou, não tendo sido por elas apresentada contestação ou qualquer outra manifestação de vontade. 20) No entanto, o tribunal arbitral entendeu estar vinculado a proferir sentença nesta arbitragem, bastando os factos alegados pelas Demandantes e já provados pelos documentos juntos por estas, pelo que não foi levada a cabo qualquer produção de prova.
B) O Direito:
O objecto do recurso afere-se segundo o conteúdo das conclusões de alegação formuladas pelas recorrentes/demandantes. No recurso de apelação as demandantes haviam atacado a improcedência dos 2.º e 3.º pedidos – condenação na não transmissão do AIM e no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da sentença – improcedência essa que se manteve. E como tal as recorrentes/demandantes, neste recurso de revista, cingem o seu recurso a essas mesmas questões (i) condenação na não transmissão da AIM e (ii) condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória. Ficamos assim cingidos às duas questões supra elencadas: a) Condenação das requeridas na não transmissão da Autorização de Introdução do Mercado, concedida pelo Infarmed; b) Condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da sentença. Condenação das requeridas na não transmissão da Autorização de Introdução do Mercado, concedida pelo Infarmed; É dado adquirido nos autos, não estando controvertido neste momento, que as demandantes têm o exclusivo de comercialização de produtos contendo a substancia activa Rosuvastatina em Portugal. Exclusivo esse que lhes advém da patente europeia n.º 0521471, concedida pelo Instituto Europeu de Patentes à 1.ª Demandante em 25-10-2000, bem como do Certificado Complementar de Protecção n.º 156, em vigor até 03-07-2017. A patente é um direito privativo da propriedade industrial que visa proteger uma criação intelectual: não toda a qualquer criação, mas sim a que constitui uma invenção que vem dar resposta a um problema técnico. Assim as patentes serão concedidas para quaisquer invenções, em todos os domínios tecnológicos, desde que sejam novas, envolvam actividade inventiva e sejam susceptíveis de aplicação industrial (art. 51.º do CPI). Desta forma, o titular de uma patente fica com o direito à sua exploração económica exclusiva, isto é, com um verdadeiro monopólio de exploração – art. 101.º, n.º 1, do CPI (Código da Propriedade Industrial), podendo fazer valer os seus direitos contra terceiros que, de algum modo, pretendam invadir esse monopólio. Com o objectivo de proteger as empresas que se dedicam à investigação farmacêutica foi criado a nível comunitário um instrumento que, na prática, prolonga a vida útil das patentes por um período que pode atingir os 5 anos: o Certificado Complementar de Protecção (CCP). Este certificado é um mecanismo de prorrogação do prazo de duração da patente, admitido para os medicamentos e para os produtos fitofarmacêuticos (arts. 115.ç e 116.º do CPI e Regulamento n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06-05-2009. Concretizando o conteúdo desse direito de monopólio de exploração, o art.101º nº 2, do Código da Propriedade Industrial (CPI) prescreve que «a patente confere ao seu titular um conjunto de direitos, nomeadamente o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português e de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados». O primeiro pedido formulado pelas demandantes foi o de as demandadas se absterem de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar ou armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os genéricos Rosuvastatina, ou sob estas ou quaisquer outras designações ou marcas, qualquer outro medicamento contendo Rosuvastatina como princípio activo enquanto os direitos de propriedade industrial se encontrarem em vigor, ou seja, até 3 e Julho de 2017. Esse pedido foi julgado procedente quer na decisão arbitral, quer no acórdão recorrido, não estando, aqui e agora, em causa. Com efeito, entendeu-se que o que estava em causa era a condenação das demandadas a uma obrigação de non facere, por via da declaração e reconhecimento do direito de propriedade, tal como o mesmo vem tipificado pelo art. 1305.º do CC e, em conformidade, condenou-se aquelas a absterem-se de importar, fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no comércio ou utilizar os referidos produtos com a substancia activa Rosuvastatina. Não obstante, atenta a delimitação do objecto do recurso, o nó górdio centra-se em saber se esse exclusivo lhe confere o direito de exigir que as demandadas não transmitam a terceiros a autorização de introdução no mercado (AIM) dos referidos genéricos, concedida pelo INFARMED – e que consubstancia o 2.º pedido formulado pelas requerentes. E atente-se que quando se refere «2.º pedido» não é o Tribunal, ao contrário do que alegam as recorrentes, que está a autonomizar este pedido em relação ao 1.º pedido formulado. Basta atentar no requerimento de arbitragem apresentado pelas demandantes para constatar que foram elas quem autonomizaram 3 pedidos: «…Devem as demandadas ser condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os genéricos Rosuvastatina desta petição (…), Mais devem ser as demandadas condenadas, com vista a garantir o exercício dos direitos das demandantes, a não transmitir a terceiros a sua posição de requerente nos pedidos de AIMs relativos aos Genéricos Rosuvastatina (….). Requer-se ainda que, ao abrigo do disposto no art. 384º do Código do Processo Civil (CPC) e no art.829º-A do Código Civil (CC) as demandadas sejam condenadas no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de, pelo menos, € 99 700 por cada dia de incumprimento da sentença que venha a ser proferida nos termos acima peticionados.» A introdução no mercado nacional de medicamentos para uso humano está sujeita a autorização por parte do INFARMED. Essa autorização depende do preenchimento de requisitos atinentes à qualidade, segurança e eficácia terapêutica do medicamento, tendo como objectivo primordial a protecção da saúde pública. É isto que resulta do art.14º do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo DL n.º 176/2006, de 30-08, com alterações introduzidas pelo DL n.º 182/2009, de 07-08, DL n.º 64/2010, de 09-06, DL n.º 106-A/2010, de 01-10, Lei 25/2011, de 16-06, Lei n.º 62/2011, de 12-12, Lei n.º 11/2012, de 08-03, DL n.º 20/2013, de 14-02, DL n.º 128/2013, de 05-09 e Lei n.º 51/2014, de 25-08. A efectiva entrada no mercado dos medicamentos genéricos pressupõe que as patentes respeitantes aos medicamentos de referência tenham caducado. Mas a questão coloca-se em saber se não obstante a patente do medicamento de referência não ter caducado, pode ou não ser requerida a AIM de um medicamento genérico. Posto isto, e quanto à autorização de introdução do medicamento no mercado, já em tempos foi defendido que o exclusivo de comercialização concedido pela patente conferia ao seu titular o direito de impedir terceiros de praticar actos administrativos preparatórios de uma futura comercialização do produto objecto da patente, designadamente de dar início ao processo administrativo de AIM e, numa fase posterior, de obter a fixação do preço. E tanto assim foi que a apresentação do pedido de AIM de medicamentos genéricos respeitantes a medicamentos de referência com patentes ainda em vigor, por veze4s ainda com anos de vigência pela frente, desencadeou a reacção dos laboratórios dos medicamentos de referência, que invocaram quer junto das autoridades administrativas responsáveis pela concessão de AIM e fixação de preço, quer junto dos tribunais, uma violação ou ameaça de violação dos seus direitos de propriedade industrial. Esse fenómeno ganhou dimensão relevante, nomeadamente em Portugal, merecendo até menção por parte da Comissão Europeia no Relatório Final do Inquérito do Sector Farmacêutico. E nesse mesmo Relatório da Comissão Europeia, na parte respeitante ao Mercado Farmacêutico, considera-se que o denominado patente “linkage”, ou seja a pretensão de conexão entre a concessão de AIM ou de qualquer aprovação administrativa de um medicamento genérico e o estado da patente do medicamento de referência, é contrária à legislação comunitária, nomeadamente face ao disposto no art.126º da Directiva 2001/83/CE. Com efeito, a defender-se tal concepção, o que ocorreria, na prática, seria o extremo de se permitir defender que só poderia ser pedida uma AIM após a patente caducar! Assim se conferindo ao titular da patente, entretanto caducada, um novo monopólio (do decurso do prazo dos procedimentos administrativos), sem qualquer suporte jurídico – cf. art. 23.º do Estatuto do Medicamento, do qual consta que o INFARMED tem até 210 dias para decidir sobre o pedido de concessão de AIM. Por isso, somos do entendimento que podem terceiros dar inicio à pratica de actos administrativos preparatórios de uma futura comercialização de produto objecto da patente, antes mesmo desta caducar – Neste sentido Maria José Costeira e Maria Teresa Garcia, “A tutela cautelar das patentes”, in Julgar n.º 8, pág. 130 e ss. e Remédio Marques, “Medicamentos Versus Patentes”, in «Estudos de Propriedade Industrial», Coimbra Editora, pág. 84. Nesse mesmo sentido se pronunciaram os Ac. da R.L. de 02-12-2014, Processo 1158/13.4YRLSB, de 13-02-2014, proc. 1053/13.7YRLSB-2, onde se referiu que se é certo que a entrada no mercado dos medicamentos genéricos implica que as patentes respeitantes aos medicamentos de referência tenham expirado (arts.99.º e 101º do CPI), permite-se que o processo de concessão de AIM e também de fixação de preço seja iniciado antes dessa caducidade «por razões económicas e de ordem pública já enunciadas, questionadas pela morosidade do processo de concessão de AIM do genérico com interferências decorrentes da protecção de direitos de propriedade industrial …». De facto, a Lei nº 62/2011, de 12-12, ao introduzir alterações ao Estatuto do Medicamento, aditou igualmente um art.23º-A, no qual expressamente se declara que o pedido que visa a obtenção de inclusão do medicamento na comparticipação não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial, e que a decisão a proferir sobre a inclusão ou exclusão de medicamento na comparticipação não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial. Acresce ainda que, o art.179º do mesmo Estatuto do Medicamento, respeitante à suspensão, revogação ou alteração de autorização ou registo concedido ao abrigo do diploma se passou a prever expressamente que «A autorização ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial» - cf. n.º 2. Aliás, nesse mesmo sentido apontava já a Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06-11-2011, a Directiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31-03-2004 e o Regulamento (CE) n.º 726/2004 de 31-03-2004, entretanto alterado pelo Regulamento (CE) 1901/2006 de 12-12-2006, que instituiu uma Agência Europeia de Medicamentos e onde se estipula que «uma autorização de introdução no mercado de um medicamento em conformidade com o presente regulamento só pode ser concedida, recusada, alterada, suspensa, retirada ou revogada em conformidade com os procedimentos e pelas razões previstas no presente regulamento». Ou seja, em todos estes diplomas não se faz, assim, depender a concessão de AIM no mercado da inexistência de direitos de patentes vigentes que pudessem ser por ela afectados. Posto isto resulta evidente a verificação, e subsequente afirmação, de que para o legislador, sem qualquer distinção, a concessão de autorização de introdução de um genérico no mercado não constitui por si violação da patente que proteja substância, processo de fabrico ou utilização implicada nesse medicamento, não se inserindo assim em nenhuma das actuações proibidas pela previsão do nº2 do art.101º do CPI. Ou seja, numa primeira afirmação de princípio referente aos presentes autos: podiam as demandadas ter requerido a concessão da AIM e podia o INFARMED tê-la concedido, como concedeu em alguns dos medicamente genéricos aqui em causa. Assim se as demandadas podiam requerer, e requereram, se o INFARMED podia conceder, e concedeu, poder-se-á impor uma limitação à transferência dessa titularidade da AIM para terceiros, como pretendem as demandantes com o 2.º pedido formulado? Afigura-se-nos que não. Em primeiro lugar, não procede o argumento das demandantes de que só assim logram obter o efeito útil que pretendem com a presente acção. Isto porque, ao contrário daquilo que as demandantes pretendem fazer crer, o 1.º pedido formulado nos autos, julgado procedente e transitado em julgado, impor-se-á sempre a um eventual transmissário da AIM por ela afectada, constituindo caso julgado material nos termos dos art. 671º e 498º do CPC, na medida em que o adquirente tem a mesma qualidade jurídica do transmitente, sendo contra ele exequível a decisão transitada contra o adquirentes, ex vi arts.56º e 57º do CPC. Aliás o próprio regime processual civil prevê expressamente, agora no art.263ºnº 3 do CPC – anterior art. 271º nº 3 –, a vinculação do transmissário ao caso julgado proferido em acção em que este não interveio. Assim, carece de sentido o argumento de utilidade ou de esvaziamento de conteúdo útil à decisão arbitral e ao acórdão recorrido (que nesta parte a confirmou). Numa eventual transmissão da AIM impõem-se aos adquirentes as mesmas limitações de comercialização que se impõem aos transmitentes, aqui demandados, não se vendo como nem porquê ficará esvaziada de conteúdo útil a condenação das demandadas no 1º pedido formulado nos autos, e já transitada em julgado. Um eventual adquirente de AIM ficaria sujeito às mesmas condições de proibição de comercialização impostas à transmitente pelo Tribunal – neste sentido Ac. R.L. de 02-12-2014, proc. 1158/13.4YRLSB; Ac. R.L de 26-06-2014, proc. 787/13.YRLSB.L1-2. E se assim é, por um lado, por outro o Estatuto do Medicamento, no seu art.37º, permite a transferência da titularidade da AIM, sendo a mesma definida no art.3º, ppp) do mesmo Estatuto, como a «mudança de titular de uma autorização de um medicamento, desde que não se trate apenas na mudança do nome do titular que permanente o mesmo». A AIM é, como se refere na decisão arbitral, uma posição activa na esfera jurídica do (s) seu (s) titular (es), e como tal é passível de estar na disponibilidade do comércio jurídico sendo ou podendo ser objecto de negócios. Conforme já referido supra, segundo o Estatuto do Medicamento – Lei n.º 62/2011 – a decisão de concessão, registo, suspensão ou revogação de AIM é independente e não pode ter por objecto a existência, validade ou eficácia dos direitos de patente… Dar provimento ao 2º pedido formulado pelas demandantes seria, de uma forma ínvia, contornar as disposições legais e obter, por via da condenação, aquilo que a lei não permite: uma suspensão parcial da eficácia do AIM, por via da eficácia dos direitos de patente, limitando os poderes de disposição do seu titular, sobre um bem que lhe pertence. Dar provimento ao 2º pedido seria limitar, de uma forma não consentida, um direito das demandadas. Tendo o legislador assumido que a concessão de autorização de introdução de um genérico no mercado não constitui, por si, violação da patente que proteja substância, processo de fabrico ou utilização implicada nesse medicamento, não se inserindo em nenhuma das actuações proibidas pela norma do art.101º nº 2, do CPI, não se vê que a transmissão dessa autorização corporize alguma das aludidas actuações tidas pelo legislador como violadoras do exclusivo concedido pela patente – neste sentido posto que a mesma – a titularidade de AIM ou a sua transmissão a terceiros – não permite iniciar a exploração industrial ou comercial de medicamentos. Assim, se a titularidade de autorização de introdução no mercado de um medicamento não viola os direitos protegidos pela patente e certificado complementar de protecção (pois estas só tutelam erga omnes a violação da exclusividade da comercialização da invenção patenteada), então a sua transmissão a terceiros não poderá ser considerada contrária aos direitos de propriedade industrial. Como se afirma na decisão arbitral a titularidade de uma AIM é um bem com valor económico e, como tal, um bem transaccionável que pode ser objecto de negócios jurídicos. A restrição à sua transmissibilidade só se poderia justificar – na vigência dos direitos conferidos pela patente – se a simples titularidade do direito conferido pela AIM fosse ofensiva desses direitos, o que já vimos não ser o caso. Assim sendo, bem andou o acórdão recorrido ao confirmar a decisão arbitral no sentido de concluir pela ausência de fundamento legal para a condenação, pretendida pelas recorrentes, das demandadas a absterem-se de transmitir para terceiros a AIM concedida pelo Infarmed. Pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória Defendem as recorrentes a inteira aplicabilidade aos autos de uma sanção pecuniária compulsória, a qual foi negada quer pela decisão arbitral, quer pelo Acórdão recorrido, como forma de garantir a tutela efectiva do direito de propriedade industrial que por meio da presente acção é exercido. Invoca contradição de julgados, juntando cópia de alguns acórdãos supostamente em contradição. Antes de mais cumpre referir, ainda que perfunctoriamente, que os acórdãos juntos como estando em oposição se referem: - um a um contrato com cláusulas contratuais gerais, com a condenação numa sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento de um dever acessório, secundário ao contrato; - violação do exclusivo do direito de marca, com condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória; - prática de um facto ilícito, no plano administrativo, com condenação numa sanção pecuniária compulsória. Ou seja, nenhum deles se refere a direitos de propriedade industrial, e a acção intentadas ao abrigo da Lei da Arbitragem Necessária. Ou seja nos casos plasmados nos acórdãos supostamente em oposição verifica-se uma circunstância, que pode – ou não (na tese das recorrentes) – ser determinante da aplicação da sanção pecuniária compulsória: estava comprovada a prática de factos contrários à obrigação imposta na sentença. Tal não sucede nos presentes autos. Não só não está comprovada a prática de factos contrários à obrigação imposta na sentença como nem sequer estão demonstrados, ou foram alegados, factos que indiciem que as demandadas não irão cumprir a obrigação negativa imposta pela decisão arbitral e confirmada pelo Acórdão recorrido. Não há nos presentes autos, ao contrário do que acontece nos acórdãos juntos pelas recorrentes, a prática pelas demandadas de qualquer facto ilícito correspondente ao exercício do direito potestativo por parte das demandantes. Da mesma forma que não existem indícios de que iriam as mesmas demandadas, no futuro, violar a patente ou o CCP das demandantes. A acção e a decisão foram, no presente caso, determinadas pela lei sob pena de caducidade ou ineficácia, razão pela qual recaía sob as demandantes um ónus de propositura da acção arbitral. Por isso nunca poderíamos falar aqui de oposição de julgados. Não obstante, e porque a revista foi admitida como revista excepcional sem que o seu objecto tivesse sido limitado a qualquer uma das questões invocadas no mesmo, urge apreciar o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória. A sanção pecuniária compulsória constitui uma condenação acessória da condenação principal do devedor no cumprimento da prestação decretada por sentença judicial, estando prevista no art. 829º-A do CC. Dispõe este artigo no seu n.º 1 que «1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades cientificas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso». Tem sido entendimento jurisprudência, na senda aliás dos ensinamentos doutrinários, que no caso de ainda não haver incumprimento da obrigação pelo devedor ou iminência desse mesmo incumprimento não há lugar à sanção: só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovada a prática de factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença ou de factos que tornem provável o seu incumprimento. De outra forma não tem justificação a ameaça de consequências mais gravosas que a própria inibição que se decreta. O acórdão recorrido – confirmando nesta parte a decisão arbitral – condenou as demandadas a não iniciar a exploração industrial ou comercial de medicamentos contendo a Rosuvastatina como substância activa até à caducidade dos direitos de propriedade industrial invocados pela demandantes/recorrentes. Estamos assim, sem margem para quaisquer dúvidas, perante uma prestação de facto negativo, infungível e instantâneo, na medida em que foi imposta à demandada a obrigação de não praticar em território português, ou tendo em vista a sua comercialização nesse território, diversos actos de fabricação e comercialização de medicamentos genéricos contendo a substancia activa Rosuvastatina, enquanto estiver em vigor o CCP de que as demandantes são titulares. Tanto a decisão arbitral como o acórdão recorrido entenderam não ser admissível a fixação de uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal Arbitral referiu – a fls. 19 da sentença constante de fls. 417 dos autos – que «esta obrigação há-de resultar de um incumprimento actual ou iminente, alegado pelas demandantes e verificado pelo tribunal arbitral. Como salienta Calvão da Silva, “sempre que a violação da obrigação negativa possa continuar ou ser repetida, impõe-se que a sentença condene o devedor a cumpri-la no futuro, ordenando-lhe que cesse e/ou não renove a sua infracção”» (….) «É justamente nestes casos em que a violação da obrigação negativa infungível pode estar iminente, continuar ou ser repetida, que se justifica (e impõe) o estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória, como meio de prevenir a continuação ou renovação do incumprimento (….)», concluindo a final que «Não parece existir, no caso sub judice, uma violação actual ou a ameaça de uma violação iminente do direito de patente ou certificado complementar relativos à referida substância activa (Rosuvastatina). (….) Por isso a sanção pecuniária compulsória não deverá ser arbitrada agora como forma de compelir o obrigado a cumprir, se e quando este praticar, no futuro, eventuais infracções durante a vigência da patente…». Igual entendimento teve o Tribunal da Relação de Lisboa ao referir, no acórdão proferido nos autos, que «…as demandantes para além da circunstância de já terem sido atribuídas AIM ao genérico que pretendem comercializar, não alegaram outras circunstâncias factuais das quais possa resultar a formação de uma convicção no sentido de as demandadas neste processo arbitral (…) se encontrarem, neste momento, a fazer preparativos (não reconduzíveis ao cumprimento de exigências regulatórias públicas relacionadas com a demonstração da segurança, qualidade e eficácia do medicamento provida com esta substância activa) destinados à comercialização deste medicamento em Portugal (…)». Com efeito, esta tem sido a posição vingadora em todos os acórdãos da Relação de Lisboa proferidos no âmbito de decisões arbitrais de propriedade industrial – cf. Ac. R.L. de 07-11-2013, proc. n.º 854/13.0YRLSB; Ac. R.L. de 13-02-2014, proc. n.º 1053/13.7YRLSB-2; Ac. R.L. de 12-12-2013, proc. n.º 617/13.3YRLSB-6 e Ac. RL de 26-06-2014, proc.nº787/13.0YRLSB.L1-2. Todos eles são peremptórios em afirmar que a cominação de uma sanção pecuniária compulsória pressupõe uma violação actual ou iminente da obrigação de prestação de facto a que se refere. Não obstante o STJ nunca ter sido chamado a pronunciar-se sobre esta concreta questão no âmbito dos direito de propriedade industrial, o facto é que nem por isso deixamos de encontrar alguns acórdãos que relacionam a sanção pecuniária compulsória com a forma de compelir o obrigado «rebelde» a cumprir. Exemplo disso são os Acórdãos deste STJ de 10-09-2009, proferido no âmbito da Revista 118/09.4YFLSB e de 14-01-2014, proferido no âmbito da Revista n.º 7244/04.4TBCSC.L1.S1, sendo que neste último se refere que a sanção pecuniária compulsória tem por fim determinar o devedor a cumprir «vencendo a resistência da sua oposição ou da sua inacção».´ Admite-se que uma interpretação puramente literal do nº1 do art.829º-A do CC nos conduza à solução preconizada pelas demandantes, isto é, de que a sanção pecuniária compulsória deve ser fixada desde que seja requerida pelo credor de uma prestação de facto infungível, positivo ou negativo, bastando, como condição da sua fixação, o reconhecimento judicial da obrigação, a natureza infungível da prestação determinada e o requerimento do credor para que o tribunal estivesse, desde logo vinculado à condenação do devedor no pagamento da mesma. Mas, da leitura do art. 829º-A do CC no seu todo constata-se que a aplicação da sanção pecuniária compulsória implica uma ponderação de fundo, não compatível com uma aplicação automática, indiferente à verificação de circunstâncias que determinem a existência do sério risco da continuação da prática ou da própria prática da infracção. Uma correcta interpretação da norma passa assim por relevar o cumprimento ou incumprimento do devedor, pois só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovado que o devedor praticou, ou está na eminência de praticar – em termos de probabilidade –, factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença. Não tendo as recorrentes alegado e logrado demonstrar quaisquer factos dos quais se pudesse retirar que as demandadas se encontravam a levar a cabo preparativos destinados à comercialização dos genéricos de Rosuvastatina no território português, não poderemos concluir – tal como o entenderam as instâncias – pela existência de indícios de uma violação iminente dos direitos de propriedade industrial. Não tem sentido, por isso, arbitrar uma sanção pecuniária como forma de compelir o obrigado a cumprir aquilo que ele nunca incumpriu, nem ameaçou incumprir. Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em negar revista, confirmando na íntegra o acórdão recorrido. Custas pelas recorrentes. Lisboa, 20 de Maio, de 2015 Orlando Afonso (Relator) Távora Victor Granja Fonseca |