Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B1169
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
LICITAÇÕES
ANULAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: SJ200404150011697
Data do Acordão: 04/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 4832/03
Data: 10/16/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a decisão de facto proferida pela Relação quando esta deu como provado algum facto sem produção de prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico, pelo que não pode sindicar o juízo da Relação sobre os motivos da não reclamação da relação de bens ou da não licitação no processo de inventário nem do que o magistrado da 1ª instância haja afirmado aos interessados, não constante da respectiva acta.
2. Não obstante os bens integrantes do património hereditário do inventariado corresponderem à meação dele no património que formava com a cabeça de casal, esta deve relacionar todos os bens que integravam aquele património, independentemente da sua quota de cônjuge meeiro e da dos herdeiros do de cujus.
3. A falta de relacionamento de bens pode ser suscitada até ao trânsito da sentença homologatória da partilha na instância que a proferiu, mas não apenas em recurso.
4. A licitação é, grosso modo, a oferta por cada interessado de valores sucessivamente mais elevados relativamente a bens integrados em determinado património, em regra hereditário, para lhe serem adjudicados em partilha judicial, que se realizada como se de arrematação em geral se tratasse.
5. A anulação do acto de licitação é susceptível de ocorrer em razão de vícios de vontade dos licitantes ou de vícios de natureza processual, mas, em qualquer caso, sob pena de preclusão, tem de ser invocada, no prazo legal, na 1ª instância.
6. fase do julgamento do processo de inventário é constituída pelo conjunto do despacho determinativo da partilha, mapa informativo que haja, mapa da partilha e sentença homologatória da partilha.
7. Não deve o recorrente ser condenado por litigância de má fé no recurso quem o baseou em factos que se ignora serem ou não verdadeiros, nem por discordar na interpretação da lei e na sua aplicação aos factos provados.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- "A" instaurou, no dia 15 de Março de 1999, processo de inventário, contra B, C e cônjuge D, E e cônjuge F, G e H, no qual a requerente foi nomeada cabeça de casal.
C e D reclamaram da relação de bens sob o fundamento de falta de relacionação, A reconheceu a existência de alguns bens, e o juiz por despacho proferido no dia 19 de Junho de 2001, julgou a reclamação procedente na parte concernente a esse reconhecimento.
Foi concedido o apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária e de patrocínio judiciário a C e a D, tendo-lhes sido nomeado patrono oficioso o advogado I.
Procedeu-se à conferência de interessados, onde os recorrentes estiveram presentes, tal como o seu advogado, foram excluídas da relação de bens as verbas nºs. 1 a 4 e formado um lote único com as verbas 21 e 22, e houve licitações.
A apresentou requerimento de forma à partilha, que reformulou na sequência de despacho judicial e houve mapa informativo de excesso de adjudicação.
Elaborado o mapa da partilha sem reclamação, foi proferida, no dia 25 de Setembro de 2003, sentença homologatória da partilha, da qual apelaram C e D, recurso que foi julgado improcedente pela Relação.

C e D interpuseram recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- foram relacionadas por metade as verbas 5, 5-A, 5-B, 5-C, 5-D, 9 a 18, 18-A a 18-AB e 19 e 20, e deviam tê-lo sido pela totalidade;
- não reclamaram dessa parte por nessa altura não estarem representados por advogado e de não se haverem apercebido das limitações a que estariam sujeitos nos termos subsequentes da partilha;
- na conferência de interessados, na altura das licitações, manifestaram à juíza aquela limitação, ela disse estar precludido o direito para essa reclamação e não lhes foi aceite um recurso do despacho homologatório da acta da conferência de reacção à relação de bens e licitação;
- à juíza cabia um papel mais amplo e activo na defesa dos interesses antagónicos manifestados pelas partes e da defesa da considerada mais débil, no caso os recorrentes, devendo tê-los alertado das irregularidades verificadas ou atender aos seus esclarecimentos;
- ela preteriu os interesses dos recorrentes cujo direito à igualdade de tratamento perante a lei e a defesa dos seus direitos legalmente protegidos em relação aos demais herdeiros, e que deveria salvaguardar;
- o nº. 6 do artigo 1348º do Código de Processo Civil permite a reclamação contra a relação de bens até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha;
- impugnam a sentença homologatória da partilha quanto à inclusão das verbas 7 e 8, porque na conferência de interessados apenas sabiam da dificuldade da herança no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os vinhos relacionados sob a última das referidas verbas, razão porque nela não licitaram;
- souberam depois que o tribunal não reconheceu o direito de propriedade dos vinhos à herança, a cabeça de casal não comunicou aos interessados esse facto na conferência de interessados, actuando sem a lealdade processual a que estava obrigada, deixando os recorrentes em plano desigual em relação a ela e aos herdeiros à mesma agrupados;
- tendo o vinho permanecido na titularidade da "J, Lda.", aumentou o valor da verba nº. 7 relativa à quota na herança daquela sociedade, do que não foram esclarecidos pela cabeça de casal, agindo esta de má fé e no intuito de prejudicar os interesses e direitos dos recorrentes;
- a Relação não interpretou nem aplicou correctamente os artigos 909º, 1350º, 1353º, 1372º a 1374º do Código de Processo Civil, e 13º, 19º e 202º da Constituição, devendo ser anulada a licitação das verbas relacionadas por metade e das verbas nºs. 7 e 8, ou ser repetida a sua licitação.

Responderam os recorridos, em síntese de alegação:
- os recorrentes não reclamaram da relação de bens quanto às verbas relacionadas por metade e transitou em julgado o despacho que admitiu os bens relacionados pelo cabeça de casal na sequência de reclamação pelos primeiros;
- sempre faltaria interesse em agir aos recorrentes porque licitaram em algumas das verbas relacionadas por metade que indicaram;
- são novas as questões da sua fragilidade, da exclusão das verbas 7 e 8 e dos motivos da licitação e se ela ocorreu ou não com erro é matéria de facto de que o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer no recurso;
- nenhuma das normas invocadas pelos recorrentes, no recurso está em causa, o recurso não pode incidir sobre a sentença homologatória da partilha e só visa obstar à rápida realização da justiça;
- os recorrentes devem ser condenados por litigância de má fé por invocarem no recurso factos que sabem não serem verdadeiros.

II- É a seguinte a factualidade e a dinâmica processual declarada provada no acórdão recorrido:
1. Na relação de bens, A, cabeça de casal, relacionou por metade as verbas nºs. 5, 5-A, 5-B, 5-C, 5-D, 9 a 18, 18-A a 18-AB e 19 e 20 e, por inteiro, as verbas 7 e 8, e em relação a todas elas não houve reclamação.
2. As verbas mencionadas sob 1, nºs. 5, 5-A, 5-B, 5-C, 5-D, 9 a 18, 18-A a 18-AB e 19 reportam-se a depósitos bancários ou a bens móveis e a verba 20 a metade indivisa de uma fracção autónoma, sita na Rua Pinto Bessa, Campanhã, Porto, com o valor patrimonial de 76.800$.
3. A verba nº. 7 refere-se a uma quota com o valor nominal de 470.000$ na "J, Lda.", relacionada por esse com o valor.
4. A verba nº. 8 refere-se a um quarto indiviso de 49.795 litros de vinho generoso do Douro, registados na Federação dos Viticultores da Região do Douro - Casa do Douro -, em nome do inventariado e de L, M e N, à guarda da "J, Lda.", e que esta se recusa a entregar à herança, no valor estimado de 6.224.375$.
5. Na conferência de interessados estiveram presentes os recorrentes, acompanhados do respectivo advogado, nada constando da acta sobre aquelas verbas, salvo sobre a respectiva licitação que sobre elas incidiu, sendo que a recorrente licitou nas verba nºs. 6, 18-G, 18-J e 18Y, 20, 24, 25,26, 27, 28.
6. Encerrados a conferência de interessados e o acto de licitação, os recorrentes apresentaram um requerimento de interposição de recurso do despacho que homologou a acta de conferência de interessados e licitações, a juíza convidou-os a esclarecerem do que pretendiam recorrer, eles nada esclareceram e o recurso não foi admitido.
7. A juíza ordenou que se procedesse à partilha de acordo com a forma apresentada pela cabeça de casal, em que ela reconheceu que as verbas mencionadas sob 1, excepto a nº. 8, terem sido relacionadas por metade em razão da exclusão da meação dela.

III- As questões essenciais decidendas são as de saber se deve ou não ser anulado o acto de licitação das verbas mencionadas sob II 1, 3 e 4 e se os recorrentes devem ou não ser condenados por litigância de má fé.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes e pelos recorridos, a resposta às referidas questões pressupõe a análise da seguinte problemática:
- limites do conhecimento da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça no confronto com o alegado pelos recorrentes;
- consequência jurídica da interposição de recurso pelos recorrentes na 1ª instância;
- terminus ad quem da reclamação da relação de bens no confronto da pretensão formulada no recurso pelos recorrentes;
- fins da conferência de interessados no confronto com a pretensão dos recorrentes;
- estrutura do acto de licitação e fundamento legal da sua anulação;
- o comportamento processual dos recorrentes no recurso revela ou não terem agido de má fé?
- síntese da solução para o caso decorrente dos factos e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1. Salvo casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (artigo 26º do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº. 3/99, de 13 de Janeiro - LOFTJ).
Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
Excepcionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, nº. 2 e 729º, nº. 2, do Código Civil).
Decorrentemente, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer da matéria de facto quando o tribunal recorrido deu como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico.
Em consequência do exposto não pode este tribunal conhecer, por um lado, dos motivos pelos quais os recorrentes não reclamaram da relação de bens no que concerne às verbas mencionadas por metade, do seu desconhecimento da decisão judicial que havia negado a pertença à herança do vinho relacionado sob a verba nº. 7, dos motivos por que nela não licitaram, da omissão de comunicação daquele facto pela cabeça de casal e dos respectivos motivos.
E, por outro, do aumento do valor da quota relacionada sob o nº. 8, e sobre se, na conferência de interessados, na altura das licitações, os recorrentes manifestaram à respectiva magistrada judicial a limitação resultante do relacionamento de verbas por metade e se ela lhe afirmou a preclusão da reclamação, certo que tal não consta da acta concernente, ou se, como partes, estavam afectados de alguma fragilidade.

2. Encerrados a conferência de interessados e o acto de licitação, os recorrentes apresentaram um requerimento de interposição de recurso do despacho que homologou a acta de conferência de interessados e licitações, a juíza convidou-os a esclarecerem do que pretendiam recorrer, eles nada esclareceram e o recurso não foi admitido.
Quanto a este ponto importa salientar que na referida sede processual não foi proferido qualquer despacho de homologação.
De qualquer modo, discordando os recorrentes da decisão da magistrada da 1ª instância que lhe não admitiu o recurso, podiam dela reclamar para o presidente do tribunal competente para dele conhecer (artigo 688º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
Mas assim não procederam, certo que se conformaram com o despacho de não admissão do recurso, deixando-o o transitar em julgado e produzir efeitos de caso julgado formal (artigos 672º e 677º do Código de Processo Civil).
Face a este circunstancialismo não assume qualquer relevo ou utilidade para os recorrentes, como é natural, a sua alegação de a magistrada da 1ª instância não haver admitido o recurso do despacho que indicou como homologatório da acta de conferência de interessados e das licitações.

3. Apresentada a relação de bens, são os interessados notificados de que podem reclamar contra ela, no prazo de 10 dias, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, ou reclamando a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão na descrição dos bens, que releve na partilha (artigo 1340º, nº. 3, do Código de Processo Civil).
As reclamações contra a relação de bens ainda podem ser apresentadas posteriormente, mas o reclamante será condenado em multa se não demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio por facto que lhe não seja imputável (artigo 1348º, nº. 6, do Código de Processo Civil).
Assim, verificando-se a falta de relacionação de bens antes do trânsito em julgado da sentença homologatória do acto de partilha, caso em que os bens omitidos são sujeitos à tramitação que é própria do processo de inventário, isto é, de correcção do seu valor, de licitação, conforme os casos, e objecto de partilha juntamente com os restantes.
Para o efeito, conforme a situação envolvente, se necessário, suspender-se-ão os actos típicos do processo de inventário, designadamente a conferência de interessados ou o acto de licitação ou os termos posteriores do processo, para que se atinja o referido desiderato.
Diversa é a solução legal, como é natural, no caso de a omissão de relacionação de bens ser verificada depois do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, caso em que se deve proceder no mesmo processo à partilha adicional, com observância, na parte aplicável, do disposto na secção sétima e anteriores do capítulo décimo-sexto do Código (artigo 1395º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
Não obstante os bens integrantes do património hereditário do inventariado corresponderem à meação dele nos bens do casal que formava com a cabeça de casal, esta deve relacionar todos os bens que integravam o património conjugal, independentemente da quota respectiva do cônjuge meeiro e dos herdeiros do de cujus.
Por isso, no caso vertente, não podia a recorrida A, cabeça de casal, relacionar no inventário por metade os bens que integravam o património conjugal que fora da titularidade dela e do inventariado.
As circunstâncias de na relação de bens haverem sido relacionadas por metade, quando o deviam ser por inteiro, e de dela não constar a menção de que à herança havia sido negada, por decisão judicial transitada em julgado, a titularidade do direito de propriedade sobre o vinho relacionado são susceptíveis de qualificação, à luz do disposto no artigo 1348º, nº. 1, do Código Civil, como falta de relacionação de bens e inexactidão na descrição dos bens relevante para o acto de partilha, respectivamente.
Conforme acima se referiu, quando a falta de relacionação de bens é detectada antes do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, ela pode ser objecto de reclamação até ao referido trânsito.
Todavia, como é natural, a mencionada reclamação tem de ser apresentada na 1ª instância, onde foi proferida a sentença homologatória da partilha, e nunca em recurso daquela sentença.
Não pode, por isso, assumir qualquer relevo a arguição da falta de relacionamento de bens no recurso de apelação da sentença homologatória da partilha ou no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pela Relação no seu âmbito.
Em consequência, tal como foi entendido no acórdão recorrido, não pode relevar, no sentido pretendido pelos recorrentes, a referida arguição no recurso de apelação da sentença homologatória da partilha.

4. Na conferência de interessados, podem os conferenciantes acordar por unanimidade sobre as verbas componentes, no todo ou em parte, do quinhão de cada um e o valor por que devem ser adjudicadas ou que sejam sorteadas, separadamente ou em lotes, pelos respectivos quinhões (artigo 1352º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Civil).
À conferência de interessados compete ainda deliberar sobre a aprovação do passivo e forma do seu pagamento, e ainda, na falta do mencionado acordo, sobre a reclamação contra o excesso da avaliação e quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha (artigo 1352º, nº. 4, do Código de Processo Civil).
Não tendo havido o supracitado acordo, ocorrida a deliberação da conferência de interessados sobre as mencionadas questões que haja a resolver, abre-se a licitação entre os interessados (artigo 1363º do Código de Processo Civil).
Afirmaram os recorrentes, por um lado, que na conferência de interessados, na altura das licitações, manifestaram à magistrada judicial a limitação decorrente do facto de várias verbas haverem sido relacionadas por metade e que ela lhe respondeu no sentido da preclusão da reclamação, embora os devesse ter alertado das irregularidades verificadas e ter atendido aos seus esclarecimentos.
E, por outro, que cabia à referida magistrada um papel mais activo na defesa dos interesses antagónicos manifestados pelas partes e na defesa deles como parte mais débil, e que ela os preteriu, bem como o seu direito à igualdade de tratamento perante a lei e os seus direitos legalmente protegidos face aos demais herdeiros.
É certo que no processo de inventário, dada a sua estrutura e fim, tem o juiz, à luz do princípio do inquisitório, ampla iniciativa no que concerne à correcta partilha dos bens da herança, podendo proceder às diligências e obter os esclarecimentos que tiver por convenientes (artigos 1344º, nº. 2, 1349º, nº. 3, 1353º, nº. 2 e 1373º, nº. 2 e 1380º, nº. 2, do Código de Processo Civil).
Mas não está provado, porque não consta da acta da conferência de interessados nem do auto de licitações, algo sobre a arguição perante a magistrada do processo das irregularidades em causa, tal como não está assente qualquer desigualdade processual negativa relativa aos recorrentes, certo que no acto estavam acompanhados do advogado que os patrocinava.
Os recorrentes, que estavam acompanhados pelo advogado que os patrocinava, podiam colocar formalmente perante a conferência de interessados as referidas questões, de modo a que sobre elas ele se pronunciasse, nos termos da alínea b) do nº. 4 do artigo 1353º do Código de Processo Civil.
Mas assim não procederam, porém, pelo que não assume qualquer relevo jurídico para o êxito da pretensão que formularam no recurso, a sua alegação de que a magistrada judicial que presidiu à conferência de interessados e ao acto de licitação lhes preterir direitos e ou interesses decorrentes da herança em causa.

5. Não ocorrendo o acordo dos interessados na partilha a que se reporta o nº. 1, e resolvidas as questões mencionadas no nº. 4, ambos do artigo 1353º do Código de Processo Civil, abre-se licitação entre eles, com a estrutura de uma arrematação (artigos 1363º, nº. 1, e 1373º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
A licitação é, grosso modo, a oferta por cada interessado de valores sucessivamente mais elevados relativamente a bens integrados em determinado património hereditário, para lhe ser adjudicado na partilha judicial.
Ao referir que a licitação tem a estrutura de uma arrematação, a lei não pretende significar tratar-se de um contrato de compra e venda, mas tão só que se realiza como se de arrematação em geral se tratasse.
Tendo em conta a forma do acto de licitação e o concernente efeito jurídico, a sua natureza jurídica é a de um negócio jurídico oneroso unilateral tendente à partilha dos elementos integrantes de determinado património indiviso e à concretização do quinhão do respectivo licitante.
O artigo 1372º do Código de Processo Civil refere-se a uma particular situação de anulação do acto de licitação a requerimento do Ministério Público motivada pela ideia de defesa do interesse de incapazes ou equiparados.
Fora dessa situação, a anulação do acto de licitação é regida em termos substantivos pela lei geral relativa à falta e aos vícios da vontade a que se reportam os artigos 240º a 257º do Código Civil.
Dada a natureza jurídica do acto de licitação a que acima se fez referência, ele é susceptível de ser anulado por virtude do cometimento de nulidades processuais, nos termos gerais do artigo 201º do Código de Processo Civil (artigo 909º, nº. 1, alínea c), do Código de Processo Civil).
A prática de um acto não admitida por lei, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa (artigo 201º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
Se um acto tiver de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, sem que a nulidade de parte do acto afecte a parte que dela seja independente (artigo 201º, nº. 2, do Código de Processo Civil).
À luz dos referidos normativos, a nulidade dos actos processuais só pode ser invocada pelo interessado, que lhe não tenha dado causa, na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto, no prazo geral de dez dias (artigos 153º, nº. 1, e 203º do Código de Processo Civil).
Se a parte estiver presente, por si ou pelo respectivo mandatário, no momento em que a nulidade é cometida, deve arguí-la até ao termo do acto processual em causa; não estando a parte presente, o prazo de arguição é contado do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele.
Mas nesta última hipótese, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela pudesse conhecer se agisse com a devida diligência (artigo 205º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
Em qualquer caso, face à regra de que aos tribunais superiores compete a reapreciação de questões decididas em instância inferior e não a apreciação de questões novas, salvo na situação excepcional a que alude o nº. 3 do artigo 205º do Código de Processo Civil, a arguição da nulidade deve ocorrer no tribunal onde foi cometida.
Não está em causa no recurso qualquer pretensão de anulação do acto de licitação afectado por algum vício de vontade ou erro dos recorrentes, naturalmente porque eles, no que concerne a essas verbas em que licitaram, não tinham dúvidas sobre o respectivo objecto.
Sendo de considerar como nulidade processual o facto de ter sido realizado o acto de licitações sobre bens relacionados por metade do respectivo direito, os recorrentes não a arguiram perante o tribunal da 1ª instância no decêndio posterior ao seu cometimento na sua presença, sanada estaria, irrelevando a circunstância de ter sido invocada em sede de recurso.
Acresce que, depois das licitações, são ouvidos sobre a forma da partilha os advogados dos interessados e o Ministério Público (artigo 1373º, nº. 1, do Código Civil).
E, no prazo de dez dias, deve o juiz proferir despacho determinativo do modo como a partilha deve ser organizada, no qual devem ser resolvidas todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha, podendo proceder-se à produção de prova que seja necessária, sem prejuízo de os interessados serem remetidos para os meios comuns quando houver questões de facto que exijam larga instrução (artigo 1373º, nº. 2, do Código de Processo Civil).
O despacho determinativo da partilha só pode ser impugnado no recurso de apelação interposta da sentença homologatória da partilha (artigo 1373º, nº. 3, do Código de Processo Civil).
Tendo em conta o disposto neste artigo, no confronto do que se prescreve no nº. 1 do artigo 1373º deste Código, pode concluir-se que a fase do julgamento no processo de inventário é constituída pelo despacho determinativo da partilha e pela sentença homologatória concernente.
Não tendo as questões suscitadas pelos recorrentes no recurso sido objecto do despacho determinativo da partilha nem de decisão posterior, certo é que não podiam ser objecto do recurso de apelação, nem do de revista, por se tratar de questões novas.

6. Os recorridos afirmaram, na resposta ao recurso, deverem os recorrentes ser condenados por litigância de má fé por invocarem no recurso factos que sabem não serem verdadeiros.
Expressa a lei, em tanto quanto releva no caso vertente, que tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa entre duas e cem unidades de conta, ou seja, entre € 178,00 e € 8.900,00 (artigos 102º, alínea a), do Código das Custas Judiciais e 456º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
As partes têm o dever de boa fé processual, devendo agir no processo de boa fé, sob pena de infracção desse dever (artigo 266º-A do Código de Processo Civil).
Diz-se litigante de má fé, por um lado, quem, com dolo ou negligência grave, deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (artigo 456º, nº. 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil).
E, por outro, quem tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (artigo 456º, nº. 2, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil).
Assim, do ponto de vista subjectivo, os comportamentos processuais dolosos, bem como os que traduzam em erro grosseiro ou culpa grave, ou seja, os casos em que a parte sabia não ter razão para litigar e, não obstante, litigou, ou naqueles em que o fez temerariamente, bem como a grave omissão do dever de cooperação e o abuso dos meios processuais com fins que não são os de realização da justiça do caso são sancionados no quadro da litigância de má fé.
Os recorrentes afirmaram nos recursos de apelação e de revista factos que não estão provados e que nem foram apreciados na 1ª instância, e expressam no recurso de revista, conforme resulta do exposto, argumentos fáctico-jurídicos irrelevantes para o êxito da sua pretensão.
Todavia, por um lado, ignora-se se os referidos factos são ou não verdadeiros, e não pode a mera discordância na interpretação da lei e na sua aplicação aos factos ser considerada litigância de má fé.

7. Inexiste fundamento legal para a anulação do acto de licitação pretendido pelos recorrentes, pelo que o recurso improcede.
Assim, ao negar provimento ao recurso de apelação, a Relação não infringiu os normativos dos artigos 909º, 1353º e 1372º a 1374º do Código de Processo Civil.
Ademais, não se vislumbra que a Relação tenha operado em relação a alguma das mencionadas normas interpretação desconforme com os artigos 13º, 19º ou 202º da Constituição ou com algum princípio nesta consignado.
Não resultam do processo elementos que permitam a conclusão no sentido de que os recorrentes agiram no recurso em termos de litigância de má fé, pelo que inexiste fundamento legal para a sua condenação em multa a esse título.
Vencidos no recurso são os recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, como beneficiam no apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, alínea a), 37º, nº. 1, 54º, nºs. 1 e 3, e 57º, nº. 1, da Lei nº. 30-E/2000, de 20 de Dezembro, inexiste fundamento legal para sejam condenados no pagamento das custas do recurso.
Como os recorrentes foram patrocinados no recurso de revista pelo advogado I, impõe-se a fixação dos respectivos honorários, no montante correspondente a duas unidades de conta (nº. 2.4.1. da Portaria nº. 150/2002, de 19 de Fevereiro).
Como o serviço de patrocínio em causa foi prestado no recurso entre 3 de Novembro de 2003 e 18 de Dezembro de 2003, a unidade de conta a considerar na fixação dos honorários respectivos é que vigorava nessa data, ou seja, a correspondente a € 79,81 (artigos 12º, nº. 1, do Código Civil, 5º e 6º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 212/89, de 30 de Junho, e 1º do Decreto-Lei nº. 573/99, de 30 de Dezembro).

IV- Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, e fixam-se os honorários devidos ao advogado I no montante de cento e cinquenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos.

Lisboa, 15 de Abril de 2004
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís