Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
170/11.2TBMUR-A.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: VENDA JUDICIAL
ANULAÇÃO DA VENDA
CASO JULGADO
ADJUDICAÇÃO
IMOVEL
REMIÇÃO
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / CASO JULGADO / RECURSOS - PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / VENDA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 195.º, 613.º, N.º 1, 616.º, N.º 2, AL. A), 629.º, N.º 2, 671.º, N.º 2, AL. A), 839.º, N.º 1, AL. C).
Sumário :
Proferida decisão em 12-04-2016 pelo Tribunal anulando a venda de imóvel por propostas em carta fechada nos termos dos arts. 195.º e 839.º, n.º 1, al. c) do CPC unicamente com fundamento em violação de lei da decisão transitada em julgado de 16-10-2014 de adjudicação de imóvel à remidora, proferida em auto de abertura de propostas em carta fechada, tal decisão de anulação viola o caso julgado determinado pela decisão de adjudicação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA interpõe recurso de revista do acórdão da Relação que confirmou a decisão de 1ª instância de 12-4-2016 que anulou o ato de venda de imóvel penhorado à executada Destinos BB, S.A. nos termos conjugados dos artigos 195.º e 839.º/1, alínea d) do CPC.

2. Essa decisão é do seguinte teor:

Compulsados os autos constata-se que, no dia de abertura de propostas em carta fechada, foi adjudicado 1/2 do imóvel rústico, situado em ..., inscrito na matriz predial sob os artigos 3...1 e 3...2 da freguesia de M... e descrito na Conservatória do Registo  Predial de M... sob o nº 109.

Verifica-se ainda que, o imóvel supra referido é da propriedade da sociedade executada, conforme descrição em anexo pelo que há que apreciar se o mesmo poderia ser objeto de remição pela filha dos executados CC e DD.

Cumpre apreciar:

Dispõe o art.843.º, n.º1, alínea b) do CPC que “o direito de remição pode ser exercido, nas outras modalidades de venda (ex: por negociação particular) até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”, sendo certo que tal direito apenas pode ser exercido pelo cônjuge, ascendentes ou descendentes. AA é filha dos executados CC e DD.

Ora, uma vez que a proprietária do imóvel é uma pessoa coletiva, como é obvio, a mesma não tem nem pode ter cônjuge, ascendentes ou descendentes. 

Assim sendo, os descendentes do sócio gerente da sociedade executada (art.842.º do CPC) não pode exercer o direito de remição relativamente a bem imóvel propriedade da sociedade executada.

Tendo em consideração que foi praticado um ato que não tem cobertura legal, uma vez que AA não reúne os pressupostos legalmente previstos para exercer o direito de remição para adquirir ½ do imóvel penhorado nos autos, outra consequência não pode ser tirada que não seja determinar a anulação do ato de venda, nos termos plasmados no art.195.º ex vi do artigo 839.º do CPC, n.º 1, al. c), o que se decide. Notifique e comunique à AE.

3. A decisão proferida pelo Tribunal resultou de requerimento em que o agente de execução pediu esclarecimentos ao Tribunal em 28-10-2015 nos termos do artigo 723.º/1, alínea d) do CPC que prescreve competir ao juiz decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.

4. O pedido de esclarecimento foi este:

EE […], Agente de Execução nos presentes autos, vem, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 723.º do CPC, requerer a V. Ex.ª se digne prestar o seguinte esclarecimento:

No dia de abertura de propostas em carta fechada foi adjudicado o imóvel rústico, situado em ..., inscrito na matriz predial sob os artigos 3...1 e 3...2 da freguesia de M... e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o nº 109.

O imóvel supra referido é da propriedade da sociedade executada, conforme descrição em anexo.

Uma vez que a proprietária do imóvel trata-se de Pessoa Coletiva, não tendo assim, cônjuge, ascendentes nem descendentes, suscitam dúvidas à signatária sobre aplicação do artigo 842.º do CPC, quanto aos descendentes do sócio gerente da sociedade executada.

A Senhora AA é filha dos executados CC e DD, contudo, o imóvel adjudicado é da propriedade da sociedade executada.

Deste modo, requer-se a V. Ex.ª se digne esclarecer a signatária quanto à questão supra exposta.

5. O ato anulado foi a venda por propostas em carta fechada ocorrida em 16-10-2014 em que a ora recorrente exerceu o direito de remição sendo-lhe adjudicado o imóvel.

6. A remidora considera que a decisão proferida constitui ofensa do caso julgado por ter transitado a decisão de adjudicação do imóvel penhorado à remidora.

7. Sustenta ainda que é lícita a remição ainda que o imóvel penhorado seja propriedade da sociedade executada sendo a remidora filha dos demais executados na qualidade de fiadores da sociedade que dela são acionistas.

Apreciando

8. O recurso com fundamento em ofensa de caso julgado é sempre admissível (artigo 629.º/2, alínea a) e 671.º/2, alínea a) do CPC).

9. Os poderes de cognição do STJ estão limitados à questão da ofensa do caso julgado, pois o fundamento de admissibilidade do recurso não é daqueles que permitem uma reapreciação do mérito da decisão como sucede quando estão em causa outros fundamentos de recurso.

10. A recorrente sustenta que, depois da prolação de decisão a adjudicar o imóvel à remidora, a decisão proferida que considerou impor-se a anulação do ato de venda pelo facto de a recorrente não reunir os pressupostos legalmente previstos para o direito de remição, tal decisão viola o princípio do caso julgado e o disposto no artigo 613.º/1 do CPC.

11. Com efeito, segundo a recorrente, não tendo sido interposto reclamação ou recurso do despacho de adjudicação, proferido em 16-10-2014, formou-se caso julgado, tornando-se com a decisão de adjudicação perfeita a venda judicial independentemente da entrega do bem que é seu objeto.

12. O Tribunal da Relação considera que a situação em causa se subsume ao disposto no artigo 616.º/2, alínea a) do CPC que admite a reforma da decisão quando ocorra manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.

13. Sustenta a Relação que "a aceitar-se que, efetivamente, à recorrente não assiste o direito de remição, por não lhe ser atribuído legalmente, estamos de facto, perante uma situação subsumível ao n.º2, alínea a) do artigo 616.º do CPC.

14. Situação esta que se verifica no presente caso, atribuindo-se um direito a quem, afinal, pelas normas jurídicas aplicáveis, não podia ter sido reconhecido.

15. O despacho recorrido concluiu no sentido da nulidade da adjudicação por ter sido praticado um ato que não tem cobertura legal, dado o recorrente não reunir os pressupostos legalmente previstos para exercer o direito de remição para adquirir 1/2 do imóvel penhorado nos autos.

16. Atuando o tribunal recorrido dentro do âmbito do seu poder jurisdicional, improcedeu, nessa parte, a apelação.

17. Está aqui em causa saber se a decisão de adjudicação à remidora AA podia ser alterada pela decisão posterior que anulou o ato de venda.

18. Afigura-se que não, considerando que o fundamento invocado para anulação da venda foi apenas e tão somente o facto de não assistir à ora recorrente o direito de remição.

19. Como se disse, não estando no âmbito deste recurso de revista declarar se, sim ou não, a recorrente podia exercer direito de remição, certo é que, exercendo- -o e sendo-lhe adjudicado a verba n.º 2 do auto de penhora por decisão transitada em julgado, admitir-se mais tarde que o imóvel não lhe devia ter sido adjudicado por não lhe assistir o direito de remição, traduz violação do caso julgado

20. A anulação do ato de venda não se funda em nenhum fundamento que determina a ineficácia da decisão de adjudicação do imóvel à recorrente; com efeito, como se refere na decisão recorrida, o Tribunal anulou a venda " tendo em consideração que foi praticado um ato que não tem cobertura legal, uma vez que AA não reúne os pressupostos legalmente previstos para exercer o direito de remição para adquirir ½ do imóvel penhorado nos autos, outra consequência não pode ser tirada que não seja determinar a anulação do ato de venda, nos termos plasmados no art.195.º ex vi artigo 839.º do CPC, n.º 1, al. c), o que se decide".

21. Não incorreu o Tribunal em nenhuma nulidade processual suscetível de ser abrangida pelo artigo 195.º do CPC, mas antes, a entender-se que não assiste o direito de remição a favor da recorrente que, por decisão lhe foi reconhecido, em errada aplicação da lei do processo.

22. Proferida a decisão objeto de recurso e sendo esta suscetível de impugnação, como efetivamente sucede, não tinha a parte lesada de pedir reforma nos termos do artigo 616.º/2 do CPC; de igual modo quanto à decisão que adjudicou a referida verba à recorrente, a reforma apenas podia ser requerida pelo interessado lesado, designadamente aquele que apresentou proposta que ficou afastada pelo exercício do direito de remição pela recorrente. Não o tendo sido, a decisão que adjudicou o imóvel transitou em julgado.

23. Com efeito, não houve, no caso vertente, requerimento das partes a pedir a reforma da decisão que adjudicou o imóvel à remidora e da decisão não foi interposto recurso que seria admissível.

24. Assim sendo, não podia o Tribunal, na base de requerimento do agente de execução apresentado mais de um ano depois, alterar a decisão proferida pois esta transitara em julgado e, consequentemente, não podia anular oficiosamente a venda judicial fundada no entendimento de que violava a lei a decisão de adjudicação do imóvel ao remidor.

Concluindo

Proferida decisão em 12-4-2016 pelo Tribunal anulando a venda de imóvel por propostas em carta fechada nos termos dos artigo 195.º e 839.º/1, alínea c) do CPC/2013 unicamente com fundamento em violação de lei da decisão transitada em julgado de 16-10-2014 de adjudicação de imóvel à remidora, proferida em auto de abertura de propostas em carta fechada, tal decisão de anulação viola o caso julgado determinado pela decisão de adjudicação.


Decisão

Concede-se a revista e, consequentemente, transitada em julgado a decisão que adjudicou à requerente, enquanto remidora, o identificado imóvel, deve a execução prosseguir os seus termos sem a anulação da venda judicial efetivada.

Sem custas a cargo da recorrente aqui e na Relação.


Lisboa, 29-6-2017

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Távora Victor