Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
427/08.0TBSTB.E1.S2
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
INTENÇÃO DE MATAR
HOMICÍDIO QUALIFICADO
CAÇADEIRA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ROUBO
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 09/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Sumário :

I - O erro notório na apreciação da prova, da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, como tem sido repetido à saciedade na jurisprudência deste Supremo Tribunal, tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma. Por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida.
II - Na valoração do depoimento de co-arguidos, haverá que ter em conta que a regra geral em matéria probatória é a da admissibilidade de todos os meios de prova, salvo se forem excepcionados por lei (art. 125.º do CPP). O art. 126.º deste Código não contempla entre os “métodos proibidos de prova” o depoimento, num processo, de alguém que era arguido noutro processo pela prática do mesmo crime, e que tenha levado à respectiva condenação (com trânsito em julgado ou sem ele).
III - O que não impede, obviamente, que as regras da experiência e a convicção livre do julgador convocadas para o apuramento dos factos (art. 127.º do CPP) tenham em conta a condição dos depoentes valorizando criticamente o que têm para dizer e porque é que vieram dizer o que disseram, já que a tal não eram obrigados.
IV - A intenção de matar – como a disposição ou o estado de ânimo do agente –, é um facto do foro psicológico, só a ele se chegará através de manifestações exteriores concludentes.
V - No caso em análise, o arguido integrou um gang composto por indivíduos que se tinham deslocado da Roménia, sem profissão, e que se dedicava à pilhagem do que encontravam. Aquando do cometimento de um dos crimes de roubo, deu-se o homicídio (qualificado pelas als. g) e i) [actuais, h) e j)] do n.º 2 do art. 132.º do CP) de um dos seguranças do estabelecimento. O homicídio em apreço teve lugar num contexto de grande violência, com o uso de uma caçadeira, sendo os tiros disparados contra a porta de uma casa de banho onde a vítima se tinha refugiado. As necessidades de prevenção geral e especial são importantes. A culpa, essa, deverá ser aferida, nomeadamente, com atenção ao facto de o arguido ter actuado com dolo eventual. Por outro lado, a ausência de antecedentes criminais em Portugal não é factor atenuativo de relevo e o recorrente não colaborou com o tribunal, negando sempre os factos, ou “dando uma explicação que não teve acolhimento”. A tudo atendendo, mantém-se a pena aplicada de 16 anos de prisão.
VI- O art. 77.º do CP, no seu n.º 1, manda aplicar uma pena única quando alguém tiver praticado vários crimes antes de ter transitado em julgado a condenação por qualquer deles e o seu n.º 2 diz que a pena a eleger se situará entre a medida da parcelar mais alta e a soma de todas elas – no caso concreto, entre 16 anos e 25 anos de prisão, sendo certo que a soma aritmética das parcelares apontaria para 35 anos e 6 meses de prisão.
VII - Quanto a critérios de aferição da pena conjunta, na ponderação dos factos no seu conjunto, de nove crimes (dois homicídios qualificados, um consumado e outro tentado, dois roubos qualificados, dois furtos simples, dois furtos de uso de veículo e um de dano), em dois dias seguidos, releva, antes do mais, em termos de prevenção geral. A actuação nocturna e altamente violenta do grupo em questão só pode ter deixado um rasto de sentimentos fortes de insegurança, nos locais da sua passagem, e não só aí. Sendo assim, a pena imposta de 20 anos de prisão revela-se adequada à consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do recorrente.

Decisão Texto Integral: