Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
42/2001.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: HIPOTECA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
COISA ALHEIA
NULIDADE
INEFICÁCIA
REGISTO PREDIAL
BEM IMÓVEL
AQUISIÇÃO
TERCEIRO
BOA FÉ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - DIREITOS REAIS
Doutrina: - Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 118º, págs. 310 e segs..
- Gabriel Órfão Gonçalves, Aquisição Tabular, 2ª edição, págs. 26 e 27, 29
- Isabel Pereira Mendes, in C.R.Predial anotado 15ª edição, pág. 169.
- Oliveira Ascenção, Reais, pág. 372.
- Oliveira Ascenção, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. III, 1992, págs. 470 a 474.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol II, 3ª edição, pag.189.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, 5ª edição, pág. 98.
- Raúl Ventura, Revista da Ordem dos Advogados, ano 40, págs. 307 e 308.
- Romano Martinez, Direito das Obrigações, Contratos, 2ª edição, pág. 113.
- Vaz Serra, RLJ, 106º, págs. 25, 26, 29, 31 e 32, comentando um acórdão do STJ (de 21-1-1972).
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 289.º, 291.º, 406.º, N.º 2, 474.º, 687.º, 715.º, 892.º, 939.º.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL: - ARTIGOS 5.º, N.º 4, 8.º, N.º 1, 17.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 18-2-2003, C.J., ACÓRDÃOS DO STJ, 2003, TOMO I, PÁG. 108;
- DE 27-4-2005, C.J., 2005, TOMO II, PÁGS. 74 E SEGS.;
- DE 21-4-2009, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF ;
- DE 30-6-2009 E DE 14-9-2010, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF ;
- DE 14-9-2010 EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF .

ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA 3/99, PUBLICADO NO D.R.-I-A DE 10/7/1999.
Sumário : I - Para que o devedor (ou terceiro) possa constituir uma hipoteca, sobre um bem imóvel, será indispensável que tenha o poder de dispor dele. Um sujeito não pode constituir hipoteca sobre coisa cuja disposição lhe não caiba – cf. art. 715.º do CC.
II - A nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz, ou seja, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património, por não poder actuar-se, juridicamente, a transferência do seu direito real.
III - Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda, em relação a ele, é res inter alios acta), este poderá reivindicar a coisa, directamente do comprador, sem ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu a venda e sem necessidade de promover a prévia declaração judicial de nulidade do respectivo contrato.
IV - Sendo o negócio ineficaz em relação ao proprietário, redunda irrelevante a invocação do disposto nos arts. 291.º do CC e 17.º, n.º 2, do CRgP.
V - O art. 291.º do CC visa a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente (ou subadquirente) que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art. 289.º do CC) quando estão em causa bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.
VI - O terceiro adquirente fica, nos termos daquela disposição legal, protegido pelo registo público, desde que se verifiquem os requisitos aí enunciados. Mas será sempre necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo, ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então.
VII - Porém, de harmonia com o n.º 2 do art. 291.º do CC, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir, cedem se a acção de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro de três anos posteriores ao negócio. Nesta circunstância, os direitos de terceiro não serão considerados, mesmo que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de declaração de nulidade ou anulação.
VIII - Segundo o art. 17.º do CRgP, desde que o registo do acto seja anterior ao registo de acção de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé. Esta disposição, em confronto com o art. 291.º do CC, estabelece, a propósito das causas de nulidade do registo, as condições de invocação da nulidade (n.º 1) e as circunstâncias em que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título onerosos por terceiro de boa fé. Ou seja, o art. 291.º trata da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (nulidade substantiva), ao passo que o art. 17.º trata da nulidade do registo (nulidade registral).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I- Relatório:
1-1- AA e mulher BB, propuseram a presente acção com processo ordinário contra CC e DD e EE - Banco M... Imobiliário, S.A. (hoje Banco C... Português, SA), pedindo que sejam os RR. condenados a reconhecê-los como os titulares do direito de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../... e inscrito na matriz, sob o artigo ..., por o terem adquirido por usucapião, a reconhecerem que quer à data da transmissão do quinhão hereditário por sucessão legítima de FF, a favor do R. CC, quer à data do registo da hipoteca a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., o direito de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial e a que esses registos se referem já era deles, AA., que sejam declarados nulos esses registos e ordenado o cancelamento referente às apresentações .../...; .../... e respectiva conversão .../000....
Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que o A. AA comprou a FF, já falecida e a seu filho, o R. CC, o mencionado imóvel sendo que, à data da compra, estava inscrito, na Conservatória do Registo Predial, em nome de ambos os vendedores, sem determinação de parte ou direito. Pela ap. 23, de 30.07.99, mostra-se inscrita a aquisição do mesmo prédio, a favor do R. CC, por transmissão do quinhão hereditário, por sucessão legítima de FF. Pela apresentação nº 1, de 17.02.2000, a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., encontra-se registralmente inscrita hipoteca voluntária a incidir sobre o indicado prédio, para garantia de empréstimo no valor de 12.000.000$00. A primeira apresentação é nula e a segunda não pode manter-se, sendo tais registos nulos, porque, naquelas datas, o direito de propriedade sobre o imóvel em questão já se havia transferido para o A. que, apesar de não ter registado a sua aquisição, tem a posse sobre o prédio que comprou, desde a data da transmissão e adquiriu-o, também por usucapião.

O R. CC contestou, em síntese, deduzindo a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, uma vez que o cônjuge não foi demandado, invocando ainda a nulidade da escritura pública de compra e venda que o A. alegou ter celebrado, por falsidade, uma vez que não a assinou, ou se assim se não entender, que a mesma é anulável, em virtude de padecer de esquizofrenia, encontrando-se afectado de incapacidade acidental no momento da sua celebração. Por impugnação, alegou que não estão verificados os pressupostos da usucapião, até porque a posse do A. dura apenas há 11 anos.
Impugnou também o valor atribuído pelo A., à presente causa.
Deduziu reconvenção, em que pediu:
Que se declare que o R. CC sofre de esquizofrenia, bem como que essa doença se manifesta há mais de vinte anos;
Que se declare que, em consequência dessa patologia, o R. CC não tinha, nem podia ter consciência de emitir quaisquer declarações negociais, estando, em 16 de Julho de 1990, afectado de uma verdadeira incapacidade acidental;
Que se declare nula ou anulável a escritura de compra e venda que o A. invoca ter celebrado com o R.;
Que se declare que o R. CC é o dono e legítimo possuidor do prédio urbano identificado na petição, e que sejam os AA. condenados a reconhecer esse direito de propriedade.

O Banco C... P..., SA, apresentou também contestação, juntando documento comprovativo da extinção do R. inicial EE-Banco M... Imobiliário, S.A., através de fusão por incorporação na entidade contestante, alegando em síntese:
Que estava convencido de que o prédio objecto destes autos pertencia apenas ao R. CC, sendo certo que apenas teve conhecimento da alegada venda feita ao A. quando foi citado para a presente acção e que apenas concedeu o empréstimo bancário ao R. CC em virtude de beneficiar de garantia decorrente da hipoteca e constituída por este último e de a ter a convicção de que tal hipoteca era válida. Ainda que os AA. tenham validamente comprado o imóvel não podem opor essa compra ao Banco R., atento o disposto nos arts. 5º nº 1 e 17º nº 2 do Código de Registo Predial, uma vez que o Banco tem de ser considerado terceiro de boa fé.
Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Os AA. replicaram, concluindo como na petição inicial.
Deduziram o incidente de intervenção principal provocada que, foi admitido, na sequência do que foi DD citada para a causa, tendo aderido ao articulado apresentado por seu marido, o R..

Foram levadas a cabo diligências de avaliação do imóvel objecto dos autos, com vista à fixação do valor da causa.

Teve lugar audiência preliminar, a que se seguiu a prolação de despacho saneador, no qual foi atribuída à causa o valor de esc. 22.000.000$00, tendo sido admitida a reconvenção e organizadas a matéria assente e a base instrutória, após o que se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta declarou-se que os AA. AA e mulher, BB são os titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano casa de habitação composta de rés do chão, primeiro e segundo andares com setenta e oito metros quadrados e quintal com trinta metros quadrados, sita em Tomar, na Rua de S. J..., com os números ... e... a ... e ..., freguesia de São J... B..., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../... e inscrita na matriz, sob o artigo ..., por o terem adquirido por escritura pública de compra e venda outorgada no dia dezasseis de Julho de 1990, na Secretaria Notarial de Tomar, condenando-se os RR. a reconhecerem que, quer à data da transmissão do quinhão hereditário por sucessão legítima de FF, a favor do R. CC, quer à data do registo da hipoteca a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., o direito de propriedade sobre o prédio acima descrito e inscrita na matriz, sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../... e a que esses registos se referem já era dos AA., declarando-se nulos e de nenhum efeito, os seguintes registos que incidiram sobre o prédio acima identificado:
Apresentação 23 de 30.07.99 inscrição da a aquisição do prédio dito em C) da matéria assente, a favor do R. CC, por transmissão do quinhão hereditário, por sucessão legitima de FF; Apresentação 1 de 17.02.2000, a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., incorporado por fusão, no Banco C... P..., S.A., de hipoteca voluntária a incidir sobre o prédio descrito em C) da matéria assente, para garantia de empréstimo no valor de 12.000.000$00; Apresentação 15 de 28.07.2000, relativa à conversão do registo da mesma hipoteca.
Mais se determinou o cancelamento de todos estes registos, absolvendo-se os RR. do restante pedido.

1-2- Não se conformando com esta decisão dela recorreram o R. Banco C... P..., SA e o R. CC de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 2-3-2010, revogado a douta sentença recorrida, na parte em que declara nula a Apresentação 1 de 17.02.2000, a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., incorporado por fusão, no Banco C... P..., S.A., de hipoteca voluntária a incidir sobre o prédio descrito em C) da matéria assente, para garantia de empréstimo no valor de 12.000.000$00 e a Apresentação 15 de 28.07.2000, relativa à conversão do registo da mesma hipoteca, bem como na parte em que determina o cancelamento dos referidos registos, mantendo a decisão em toda a parte restante.
Em resultado da alteração, o acórdão da Relação alterou a proporção das custas fixada na primeira instância, ficando em partes iguais, a cargo dos AA. e dos RR. CC e DD, mantendo as custas da reconvenção, a cargo dos reconvintes CC e DD.

1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
a) Os A.A. e o R. EE-Banco M... não são terceiros para efeitos de registo, uma vez que não adquiriram os respectivos direitos “de um autor comum”.
b) Em consequência, o direito de propriedade do prédio de que tratam os autos, adquirido e não registado pelos A.A., é oponível ao R. EE-Banco M... .
c) O R. EE-Banco M..., alguns anos após a aquisição do direito de propriedade do prédio pelos A.A. constituiu e portanto registou sobre esse prédio uma hipoteca, em negócio de mutuo celebrado com o R. CC.
d) Nestas circunstâncias, e porque à data da referida hipoteca, o prédio hipotecado não se encontrava no património do R. CC, mas sim no património dos A.A. traduziu-se um tal negócio numa oneração de bens alheios, por falta de legitimidade substantiva do R. CC para esse efeito.
e) Tal hipoteca é, assim, ineficaz em relação aos A.A. como verdadeiros proprietários do prédio à data da constituição e, portanto, do registo, da hipoteca.
f) Como o vício que inquina a hipoteca voluntária, em relação aos AA. é a ineficácia, nem o disposto no art. 17 n°2 do CRP nem no art. 291º do C.C. é aplicável ao caso.
g) O douto acórdão recorrido, violou, por isso, o disposto no art. 17 n°2 do CRP.

O recorrido Banco C... P... S.A. contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:
- Se se deve manter o registo da hipoteca voluntária realizada pelo R. CC, a favor do Banco R.

2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1. No dia dezasseis de Julho de 1990, na Secretaria Notarial de Tomar, foi elaborada uma escritura denominada de «Compra e Venda», com o seguinte teor:
«(...) perante mim GG, Notário do Primeiro Cartório, compareceram como outorgantes:
«Primeiro: a) FF, que também usa FF, viúva; b) CC, divorciado; Ambos residentes em Tomar, na Rua A... H..., ...º, ...º, naturais de S. J... B..., Tomar;
«Segundo: AA, casado com BB, em comunhão de adquiridos, residente em Tomar na Q... de S... A..., natural de A..., Ferreira do Zêzere.
«Verifiquei a identidade dos outorgantes por conhecimento pessoal.
«Pelos primeiros outorgantes, foi dito: Que vendem ao segundo outorgante, pelo preço de cinco mil e quinhentos contos, que já receberam e livre de encargos, uma casa de habitação composta de rés do chão, primeiro e segundo andares com setenta e oito metros quadrados e quintal com trinta metros quadrados, nesta cidade, na Rua de S. ..., com os números ... e ... a ... e ..., freguesia de S... J... B..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../..., com registo de aquisição sem determinação de parte ou direito a favor deles vendedores pela inscrição G-..., inscrito na matriz sob o artigo ... e ... e ..., com o valor patrimonial de sete milhões novecentos e setenta e oito mil oitocentos e quarenta e cinco escudos.
«Disse o segundo outorgante que aceita esta venda.
( ... )
«Esta escritura foi lida aos outorgantes e aos mesmos feita a explicação do seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de todos» (alínea A) da matéria assente);
2. No final da escritura dita em A) encontram-se manuscritas quatro assinaturas, sendo perceptíveis as duas primeiras, com os dizeres «FF» e «CC» (alínea B) da matéria assente);
3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob a ficha nº 00.../..., o prédio urbano sito na Rua de S.J..., ... a ..., freguesia de S. J... B..., composto de casa de habitação de r/chão, primeiro e segundo andares, com a área de 78 m2 e quintal com 30 m2, inscrito na matriz predial sob o art. ... (alínea C) da matéria assente);
4. Pela ap. 07 de 06.07.88 havia sido inscrita a aquisição do prédio dito em C) a favor de FF ou FF, viúva, e de CC, divorciado, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão legítima de CC (alínea F) da matéria assente);
5. Pela ap. 23 de 30.07.99 mostra-se inscrita a aquisição do prédio dito em C) a favor do R. CC, por transmissão do quinhão hereditário, por sucessão legitima de FF (alínea D) da matéria assente);
6. Pela apresentação nº 1, de 17.02.2000, a favor do R. Banco encontra-se registralmente inscrita hipoteca voluntária a incidir sobre o prédio descrito em C), para garantia de empréstimo no valor de 12.000.000$00 (alínea E) da matéria assente);
7. O EE-Banco M... Imobiliário, S.A. extinguiu-se através da fusão por incorporação no Banco C... P..., S.A. (alínea G) da matéria assente)
8. Por escritura pública outorgada em 5 de Março de 1993 o A. e a interveniente declararam ceder a exploração do estabelecimento comercial de «B...», sito no rés-do-chão do prédio descrito em A) e C) à sociedade «B...-G... H..., Lda.», que declarou aceitar, pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos, pelo preço de 600.00$00, a pagar em duodécimos de 50.000$00 (alínea H) da matéria assente);
9. Por sentença proferida em 03.07.2002, no âmbito do processo especial de interdição nº 124/2001, do 2º juízo do Tribunal da comarca de Torres Novas, transitada em julgado, foi julgado totalmente improcedente o pedido de decretação da interdição por anomalia psíquica de CC (alínea I) da matéria assente);
10. O A. celebrou um contrato denominado de arrendamento do primeiro andar e sótão do prédio descrito em A) e C) supra com HH, com início em 1 de Novembro de 1993 (resposta ao nº 1 da base instrutória);
11. O A. tem pago, desde 1991, a contribuição autárquica relativa ao prédio descrito em A) e C) supra (resposta ao nº 2 da base instrutória);
12. Tem efectuado, no mesmo prédio, todas as obras de conservação e reparação, desde 16.07.1990 até hoje (resposta ao nº 3 da base instrutória);
13. Continuadamente (resposta ao nº 4 da base instrutória);
14. À vista de toda a gente (resposta ao nº 5 da base instrutória);
15. Sem qualquer oposição (resposta ao nº 6 da base instrutória);
16. Convencido de ser o verdadeiro e único dono do prédio (resposta ao nº 7 da base instrutória);
17. Na data dita em E) supra, o R. Banco estava convencido de que o prédio descrito em A) e C) pertencia apenas ao R. CC (resposta ao nº 8 da base instrutória);
18. O R. Banco apenas teve conhecimento da alegada venda feita ao autor quando foi citado para a presente acção (resposta ao nº 9 da base instrutória);
19. O R. Banco apenas concedeu o empréstimo bancário ao R. CC em virtude de beneficiar de garantia decorrente da hipoteca e constituída por este último e de a ter a convicção de que tal hipoteca era válida (resposta ao nº 10 da base instrutória);
20. O R. CC sofre de doença psicótica do tipo esquizofrenia paranóide, que se terá iniciado com 13 anos de idade e que origina períodos de organização mental, com outros de desorganização, sendo que nestes é de prever que não consiga gerir por si só os seus bens (resposta ao nº 12 da base instrutória).

2-3- No douto acórdão recorrido e para o que interessa para o presente recurso, em divergência com a douta sentença de 1ª instância, entendeu-se que “no que concerne ao registo da hipoteca a favor do Apelante, é inquestionável o facto de a mesma ter sido constituída sobre um imóvel que não estava no património do devedor, à data da respectiva constituição, traduzindo-se numa oneração de bens alheios, por falta de legitimidade substantiva do réu CC”, sendo a questão debatida a de saber se os direitos adquiridos pelo Banco, emergentes da hipoteca (garantia real sobre o imóvel) serão prejudicados em consequência do vício que está na sua base (oneração por parte de quem já não era dono do prédio). Fez-se depois uma análise ao disposto nos arts. 291º do C.Civil e o nº 2 do art. 17º do C.R.Predial, tendo-se concluído que “verificando-se a nulidade do registo por ter sido lavrado com base num título falso (alínea a) do artigo 16º), a declaração dessa nulidade não poderá deixar de integrar a previsão do artigo 17º, nº 2, sendo aplicável a consequência prevista na mesma norma: se o terceiro estiver de boa fé, mantém-se o registo, não ficando prejudicado nos direitos que adquiriu a título oneroso”. Assim, aplicando no caso o regime desta disposição, tendo provado o Banco apelante a sua boa fé e a anterioridade do registo do seu direito real (hipoteca), não pode ser prejudicado pela declaração de nulidade do registo da aquisição do prédio a favor do R. CC. Assim e em conclusão referiu-se que o registo anterior (a favor do R. CC) é nulo, como se decidiu na douta sentença recorrida, cabendo aos AA. a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio, o qual, no entanto, se encontra validamente onerado com a hipoteca registada a favor do Banco apelante. Em razão deste entendimento proferiu-se a decisão acima indicada.
Por sua vez, o recorrente defende que os A.A. e o R. EE-Banco M... não são terceiros para efeitos de registo, uma vez que não adquiriram os respectivos direitos “de um autor comum”, pelo que o direito de propriedade do prédio de que tratam os autos, adquirido e não registado pelos A.A., é oponível ao R. EE- Banco M... . O R. Banco M..., alguns anos após a aquisição do direito de propriedade do prédio pelos A.A. constituiu e portanto registou sobre esse prédio uma hipoteca, em negócio de mutuo celebrado com o R. CC. Nestas circunstâncias, e porque à data da referida hipoteca, o prédio hipotecado não se encontrava no património do R. CC, mas sim no património dos A.A. traduziu-se um tal negócio numa oneração de bens alheios, por falta de legitimidade substantiva do R. CC para esse efeito. Tal hipoteca é, assim, ineficaz em relação aos A.A. como verdadeiros proprietários do prédio à data da constituição e, portanto, do registo da hipoteca. Como o vício que inquina a hipoteca voluntária, em relação aos AA., é a ineficácia, nem o disposto no art. 17 n°2 do CRP nem no art. 291º do C.C., são aplicáveis ao caso. Por isso, entende que o registo da hipoteca a favor do Banco, não se deve manter.
Vejamos:
Em causa no presente recurso está apenas a circunstância de o acórdão recorrido, em divergência com a sentença de 1ª instância, ter considerado que o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio se encontra validamente onerado com a hipoteca inscrita a favor do Banco, entendendo, face à boa fé deste e à anterioridade do registo da hipoteca, não poder este ónus ser prejudicado pela declaração de nulidade do registo de aquisição do prédio a favor do R. CC.
Através dos factos provados concluiu-se que o R. CC e a sua mãe, em 1988, quando eram ambos donos do prédio em questão «sem determinação de parte ou de direito», inscreveram a sua aquisição no registo. Em 1990 venderam, por escritura pública, o prédio aos AA.. Posteriormente, o R. CC (quando o prédio já não lhe pertencia), inscreveu a seu favor a aquisição da totalidade do imóvel no registo. Em 2000 o R. CC e o R. Banco celebraram o contrato na sequência do qual, para garantia de um financiamento, veio a ser registada a hipoteca sobre o imóvel.
Face a estes factos a primeira conclusão a retirar e desde logo, é que quando o R. CC constituiu a hipoteca sobre o imóvel em questão, já não era dele proprietário e, por isso, não o poderia alienar. Assim, poder-se-á dizer que a hipoteca não se constitui validamente. Com efeito, como resulta do art. 715º do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), só tem legitimidade para hipotecar (hipoteca voluntária, como sucede no caso) quem puder alienar os respectivos bens. Daqui resulta que para que o devedor (ou terceiro) possa constituir uma hipoteca sobre um bem imóvel, será indispensável que tenha o poder de dispor dele. Um sujeito não pode constituir hipoteca sobre coisa cuja disposição lhe não caiba.
Decorre do disposto no art. 939º, que as normas de compra e venda são aplicáveis a outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles (na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas).
Sendo o contrato aqui em causa um contrato oneroso, mediante o qual se estabeleceu a hipoteca (encargo) sobre o dito bem, somos em crer dever aplicar à situação as normas de compra e venda.
Neste sentido e como deriva do art. 892º, o acto que estabeleceu a hipoteca sobre o bem é nulo (o R. CC não tinha direito de disposição sobre o imóvel, designadamente por não ser já dele proprietário).
Porém, como tem entendido a doutrina a jurisprudência Vaz Serra em RLJ, 106º, 26, Pires de Lima e Antunes Varela em C.Civil Anotado, Vol II, 3ª edição, pag.189, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol III, 5ª edição, pág. 98 e Acs. deste STJ de 18-2-2003, Col. Jur. 2003, Tomo I, pág. 106, de 30-6-2009 e de 14-9-2010, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf., a nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz, ou seja, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património, por não poder actuar-se, juridicamente, a transferência do seu direito real. A este propósito diz Vaz Serra In RLJ 106º, pág. 25 e 26, comentando um acórdão deste STJ (de 21-1-1972) em que estava em causa uma situação de venda de bens comuns por um comproprietário, que “…o acto de disposição efectuado por um dos consortes é, em relação aos outros, res inter alios acta, não carecendo eles, por conseguinte, de propor uma acção de anulação para retirar ao acto os seus efeitos, o que não seria razoável, por os forçar aos incómodos e despesas de uma acção de anulação de um acto em que não consentiram e que lesa os seus direitos. Só entre os contraentes (v.g. o vendedor e o comprador de coisa alheia) é que seria nulo ou anulável…; relativamente ao verdadeiro proprietário, a alienação não produz efeitos …”. De igual entendimento é Raul Ventura In Revista da Ordem dos Advogados, ano 40, pág. 307 “relativamente ao verdadeiro proprietário da coisa, o contrato de compra e venda de coisa alheia é res inter alios acta, que não altera o seu direito de propriedade…”
Neste sentido estabelece o art. 406º nº 2 que o contrato, em relação a terceiros (e o proprietário do bem é terceiro em relação à venda de coisa alheia) só produz efeitos nos casos e nos termos especialmente previstos na lei.
Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda em relação a ele é “res inter alios acta”), este poderá reivindicar a coisa, directamente, do comprador, sem necessidade de promover a prévia declaração judicial da nulidade do aludido contrato. Neste sentido refere Menezes Leitão que o proprietário deverá “sempre a ser admitido a exercer a reivindicação (art. 1311º), sem ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu na venda” Obra citada, pág. 98.. Isto caso não ocorra a usucapião a favor do comprador ou a aquisição tabular a favor desse mesmo comprador Menezes Leitão, obra citada, pág. 98, nota de rodapé nº 221..
No caso dos autos, pese embora a hipoteca À hipoteca, como já dissemos, deve ser aplicado o regime da compra e venda. em relação ao A. deva ser considerada ineficaz, o certo é que a mesma encontra-se “protegida” pelo registo. Nestas circunstâncias, dada a correspondente aquisição tabular, o respectivo contrato que a produziu deve ser discutido.
Tem-se debatido se o proprietário, sendo estranho ao contrato da venda de coisa que lhe pertencia, tem legitimidade para propor a nulidade desse contrato. A esta questão responde Raul Ventura afirmativamente Artigo citado inserido na Revista da Ordem dos Advogados, págs. 307 e 308. porque “sendo um contrato absolutamente nulo, há prioridade da nulidade sobre a eficácia, isto é, a falta de produção de efeitos do contrato do contrato relativamente ao verdadeiro proprietário é consequência da nulidade e não de uma simples ineficácia…”. A este propósito no Acórdão deste STJ de 18-2-2003 (em Col. Jur. Acórdãos do STJ, 2003, Tomo I, pág. 108) fazendo-se referência ao entendimento de Romano Martinez (Direito das Obrigações, Contratos, 2ª edição, pág. 113), considerou-se que este Mestre, embora sem falar em ineficácia, “alude à possibilidade de o titular do bem alienado defender o seu direito através de uma acção de reivindicação ou de restituição de posse”. Acrescenta-se, “porém, expressamente que o titular da coisa pode também, ao abrigo do art. 286º, arguir a nulidade do contrato, embora não necessite fazê-lo; e de facto, se a legitimidade para a invocação de nulidade se basta com a titularidade de uma relação jurídica cuja consistência jurídica ou prática seja afectada pelo negócio nulo …difícil seria não aceitar que o titular ofendido está numa posição que assegura, de forma bastante, a sua legitimação para arguir, se o tiver como conveniente, o correspondente vício”. Serve isto para dizer que, não obstante o negócio seja ineficaz em relação ao proprietário da coisa, este, se o achar conveniente, poderá arguir a nulidade do contrato, embora não o necessite fazer.
Voltando ao caso dos autos podemos concluir, pelas razões já ditas, que a hipoteca não se constituiu validamente, tendo sido já considerada nula Vide sentença de 1ª instância, que não foi revogada na Relação quanto a esse aspecto..
A hipoteca foi, porém, objecto de registo O registo tem quanto à hipoteca carácter constitutivo, pois não existe sem se encontrar registada (art. 687º do C.Civil) e, por isso, os AA. pediram que o esse registo fosse declarado nulo, em consonância aliás, com o disposto no art. 8º nº 1 do C.R.Predial que estabelece que “os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo”.
Se o comprador estiver de boa fé, o vendedor não lhe pode opor essa nulidade, bem como não o pode o comprador doloso ao vendedor que estiver de boa fé (artigo 892º última parte). Mas esta a inoponibilidade da nulidade não tem aplicação ao presente caso pois, como decorre da própria formulação da disposição, vigora apenas nas relações internas entre vendedor e comprador da coisa alheia, sendo certo que, nos presentes autos a questão que se suscita é a da oponibilidade em relação a não intervenientes no negócio, o A..
Pese embora a hipoteca seja nula (ineficaz em relação ao A.), o certo é que foi registada pelo beneficiário, o Banco R..
Portanto a questão que se coloca será a de saber se a nulidade (ineficácia) da hipoteca poderá ser invocada relevantemente em relação ao Banco R., tendo dado as instâncias respostas divergentes, a 1ª instância entendeu que sim, o douto acórdão recorrido considerou que “tendo-se provado a boa fé da entidade bancária e a anterioridade do registo do seu direito real (hipoteca), não pode a mesma ser prejudicada pela declaração de nulidade do registo da aquisição do prédio a favor do devedor” e, por isso, entendeu que não.
Poder-se-á dizer, desde logo, que sendo o negócio ineficaz em relação aos AA., proprietários, redunda irrelevante a invocação do disposto no artigo 291º do Código Civil e no artigo 17º, nº 2, do Código de Registo Predial (neste sentido acórdão deste STJ de 14-9-2010 em www.dgsi.pt/jstj.nsf). Todavia dada a inscrição registral de tal hipoteca a favor do Banco R. (aquisição tabular) e dado o pedido que os AA. formularam de nulidade de tal registo, somos em crer dever indagar da aplicação ao caso do regime estabelecido pelos arts. 291º e 17º nº 2 do C.R.Predial.
Em relação à nulidade estabelece o art. 291º:
1- A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação.
2- Os direitos de terceiro não são, todavia reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
3- É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável”.
Visa este dispositivo a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente (ou subadquirente) que no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo, assim, um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou da anulabilidade do negócio (art. 289º), quando estão em causa bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo. Isto “na medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo período posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável, fazer prevalecer o seu direito (real) referente o imóvel ou ao móvel sujeito a registo sobre o direito, relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade ou anulação” Antunes Varela, na Rev. de Leg. e Jur., ano 118º, págs. 310 e segs...
Como refere a propósito do art. 291º Oliveira Ascenção In Teoria Geral do Direito Civil – Vol. III, 1992, págs. 470 a 474., a disposição “regula uma situação importante, que é a do terceiro subadquirente do bem proveniente do acto inválido estar protegido por um registo público… art. 291º permite que a aquisição de imóveis, ou de móveis sujeitos a registo, fique consolidada, desde que se verifique uma lista densa de requisitos. É necessário que tenha havido uma aquisição: a título oneroso, de boa-fé, registada antes de o ser a acção de nulidade ou de anulação, ou o registo de acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio, já tenham decorrido três anos após a conclusão do negócio…. Qual o fundamento desta aquisição de direitos por parte de quem era apenas titular aparente? Não é a boa fé, pois como vimos esta não é fundamento autónomo de protecção de terceiros contra a juridicidade substantiva. Surge apenas como elemento complementar, tal como a onerosidade do negócio, Não é o facto de se ter registado, pois o registo não tem em geral efeitos atributivos entre nós. O registo que for contrário à legalidade substantiva pode ser destruído. Só pode ser a circunstância de o adquirente beneficiar da fé pública de um registo preexistente e ter feito essa a sua aquisição confiando nesse registo. Ao registo está ligada a fé pública, a garantia da verdade das situações publicitadas. A aquisição que se fizer conformemente aos registos existentes mesmo que estes sejam incorrectos, está amparada pela aparência resultante do registo. Isto nos leva a concluir que no art. 291º está implícito ainda outro pressuposto, pois só ele explica esta actuação anómala: é necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo – ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então. Mas mesmo assim, só se concorrerem todos os outros requisitos indicados por lei. Apenas acrescentaremos que a referência à confiança no registo é abstracta e não concreta. Funciona como justificação da lei, mas não se exige em concreto a prova de uma situação subjectiva de confiança. Portanto, o fundamento está verdadeiramente na aparência registral ou, mais simplesmente, na fé pública do registo. A lei fala descoloridamente na “inoponibilidade” da nulidade e da anulação. Mas não há mera inoponibilidade: há um verdadeiro efeito atributivo do registo. Quem era titular aparente passa a ser titular verdadeiro, resolvendo-se direito do verdadeiro titular”.
Haverá, pois, a reter que o terceiro adquirente, ou nas palavras de Oliveira Ascenção, terceiro subadquirente do bem proveniente do acto inválido, fica nos termos da disposição, protegido pelo registo público, desde que se verifiquem os requisitos aí enunciados. Mas será sempre necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo, ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então.
Porém, de harmonia com o nº 2 da disposição, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir, cedem se a acção de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro de três anos posteriores ao negócio. Nesta circunstância, os direitos de terceiro não serão considerados, mesmo que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de declaração de nulidade ou anulação.
Desta disposição resulta ainda, que o terceiro só poderá prevalecer-se da protecção concedida pelo dispositivo se tiver registado a sua aquisição e se estiver de boa fé. Mas o registo só será relevante se a acção de nulidade ou anulação não for interposta e registada dentro de três anos posteriores ao negócio.
A respeito deste dispositivo refere Gabriel Órfão Gonçalves In Aquisição Tabular, 2ª edição, págs. 26 e 27.
justamente para que a protecção dada ao terceiro não se transforme em absoluta desprotecção para a(s) parte(s) interessada(s) na arguição do(s) vício(s) do negócio, vem a lei, no nº 2 do art. 291º, estabelecer que os direitos adquiridos pelo terceiro não são reconhecidos, se a acção destinada a declarar a nulidade ou anular o negócio for proposta e registada no prazo de 3 anos a contar da celebração deste”. E mais adiante “a norma visa, claro está, dar um prazo ao contraentes para descobrir e actuar sobre qualquer malformação contratual. Se o fizerem dentro de três anos, o negócio será «com êxito» anulado ou declarado nulo: haverá total efeito retroactivo, com prejuízo para os terceiros que sobre a coisa tenham adquirido algum direito. Por outro lado, findo os três anos, os terceiros saberão que não poderão ser importunados por vícios de negócio antes celebrados”.
Ora, como se refere e se aceita no douto acórdão recorrido, a presente acção foi registada menos de três anos depois da conclusão do negócio outorgado pelos RR. Como se refere no acórdão e resulta aliás do documento de fls. 148 e segs., a hipoteca foi registada a 17-2-2000, a presente acção foi intentada em 30-1-2001, sendo que a acção já se encontrava, em 13-11-2001, registada., o que é bastante para, nos termos da dita disposição legal e independentemente da questão da boa fé Os factos provados, como se assinala na decisão recorrida, demonstram a boa fé do terceiro adquirente, o Banco R., afastar a pretendida inoponibilidade da nulidade do negócio aos AA., considerando-se, assim, irrelevante o registo da aquisição pelos RR. apesar de ter realizado anteriormente ao registo da acção.
Sobre a matéria estabelece também o art. 17º nº 1 do C.R.Predial que “a nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado”. Acrescenta o nº 2 da disposição (com interesse directo para a decisão) que “a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade”.
Quer dizer, segundo este dispositivo, desde que o registo do acto seja anterior ao registo de acção de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro Terceiros para efeito de registo são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si (art. 5º nº 4 do C.R.Predial (vide ainda Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 3/99, publicado no D.R.-I-A de 10/7/1999). As instâncias consideraram, sem oposição dos recorrentes, que os AA. e o Banco R. não são terceiros entre si porque não adquiriram os respectivos direitos de “um autor comum”. de boa fé.
Esta disposição, em confronto com o referido art. 291º (que está inserido na secção de nulidade e anulabilidade do negócio jurídico), estabelece, a propósito das causas de nulidade do registo, as condições de invocação da nulidade (nº 1) e as circunstâncias em que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé. Ou seja, o art. 291º trata da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (nulidade substantiva), ao passo que o art. 17º trata da nulidade do registo (nulidade registral) Evidentemente que se não desconhece que na base de uma nulidade registral, pode estar uma nulidade substantiva.. Como refere Gabriel Órfão Gonçalves Obra citada, pág. 29. a respeito desta norma “no art. 291º eram os vícios do negócio anterior que não afectavam os direitos adquiridos por terceiro sobre determinado bem, decorrido que estivesse um prazo de três anos sobre aquele primeiro negócio sem ter sido registada uma acção de anulação ou de declaração de nulidade. Aqui (art. 17º nº 2) não há qualquer negócio viciado cuja validade venha a ser exposta. O que há é um registo nulo. A declaração de nulidade de um registo não prejudica então terceiros que adquiriram direitos sobre o bem cujo registo era nulo. E o registo é nulo nos casos previstos no art. 16º do CRPr.
Portanto são diversos os pontos de incidência das normas em confronto Diga-se a este propósito, como tem vindo a decidir, segundo cremos de forma uniforme, este Supremo Tribunal, o art. 291º nºs 1 e 2 está em vigor, não tendo sido revogado pelo art. 17º nº 2 do C.R.Predial – Ac. de 27-4-2005 – Col. Jur. 2005, Tomo II, págs. 74 e segs.e Oliveira Ascenção (em Reais, pág. 372) sublinha a discrepância entre os conceitos valorativos das normas (arts. 291º do C.Civil e 17º nº 2 do C.R.Predial), entendendo dever aplicar o prazo de três também às situações de nulidade o registo a que alude o art. 17º nº2. Isto porque “se aquele que negociou com outrem pode, no prazo de 3 anos, desfazer a aparência em que terceiros confiaram, com prejuízo para os mesmos, por maioria de razão se há-de conceder o mesmo benefício a quem, com total desconhecimento da realidade, vê um bem até aí seu ser transferido para a esfera jurídica de outrem, sem que a sua vontade tivesse qualquer relevância nessa ocorrência jurídica” – Gabriel Órfão Gonçalves, obra referida, pág. 32.. Neste sentido afirma-se no Acórdão deste STJ de 21-4-2009 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf) que “não nos suscitam dúvidas que o conceito constante do artigo 291º nº 2 da lei civil se reporta à invalidade substantiva, enquanto o nº 2 do artigo do Código de Registo Predial se limita à nulidade registral…”.
No caso dos autos, do que se tratava era declarar nulo o negócio celebrado entre o R. CC e o R. Banco Note-se que como se disse acima, pese embora a ineficácia do negócio em relação a si, os AA. não estavam impedidos de interpor acção com vista a declarar a nulidade de tal contrato, tendo legitimidade para isso (vide sobre o assunto Raul Ventura, artigo indicado inserido na Revista da Ordem dos Advogados, pág. 308, o que foi deferido. Daí que nos pareça, que aplicação ao caso do disposto no art. 291º nºs 1 e 2 se nos afigure correcto.
No douto acórdão recorrido, aceitando-se a posição de Isabel Pereira Mendes (expressa in C.R.Predial anotado 15ª edição, pág. 169), referiu-se que “afigura-se que da leitura e confronto das duas normas (artigos 291/1CC e 17/2 CRP), não resulta qualquer indicação expressa que possa suportar o argumento de que nas suas previsões legais se integram situações fácticas diversas, baseando-se essa diversidade na diferente posição relativa do terceiro adquirente de boa fé”. Por isso, concluiu que “a delimitação entre as hipóteses que caem sob a alçada do n.º 2 do artigo 17.º do CRP e as que estão sujeitas ao regime previsto no art.º 291º do Código Civil deve fazer-se de acordo com o seguinte critério: o regime previsto no art.º 291.º do Código Civil só deve aplicar-se quando o terceiro de boa fé não tenha actuado com base no registo, isto é, quando o negócio nulo ou anulável não tenha sido registado”. Se tal foi registado, merece a protecção registral e o acto mantém-se válido.
Somos em crer que este raciocínio parte de uma imprecisão. Tanto a aplicação de uma disposição como outra implica o registo do negócio nulo. Segundo cremos a situação a que o acórdão se quer referir, será outra, sendo aquela em que o terceiro adquire o bem (ou o encargo) na pendência de registo e regista, por sua vez, a sua aquisição. Nesta circunstância a protecção do registo, decorrente do disposto no art. 17º nº 2 do C.R.Predial, seria plena.
Não aceitamos que este entendimento porque, para além do que já referimos no que toca à nulidade substantiva de que trata a situação dos autos, como diz, com o nosso apoio, a este propósito, Gabriel Órfão Gonçalves Obra referida pág. 31. “uma tal interpretação… violaria o mínimo de protecção constitucional que a nossa ordem jurídica oferece à propriedade. Não basta justificar a norma pela protecção que ela oferece aos terceiros… Contestamos o argumento velado de que se trata de mera opção: entre proteger terceiros – com inerente sacrifício para o até então titular -,com desprezo para a tutela da aparência em que esses terceiros confiam. Mesmo que se tratasse de uma tal opção legislativa …, ainda assim penderíamos para a protecção dada ao antigo titular. É que entre proteger o novo adquirente, baseado num argumento – legítimo – de tutela da aparência e resguardar o antigo titular, optamos pela última solução… Apelamos a um sentido lato do brocardo prior in tempore, potior in jure ou, mais não seja, a uma prevalência da estabilidade social. Quem estabelece uma relação de gozo sobre uma coisa, há determinado tempo, acaba por desenvolver uma quantidade e uma qualidade de expectativas – maxime no caso da habitação – que merece maior protecção do que aquele cuja situação jurídica acabou por ser constituída”. Daí o legislador civil ter entendido conceder a protecção a que alude o art. 291º, ao beneficiário da declaração de nulidade ou anulação do negócio.
Mas mesmo que assim não fosse, a nosso ver, a aplicação ao presente caso do disposto no art. 17º nº 2 do C.R.Predial seria sempre de afastar, visto que, como já se mencionou em nota de rodapé, as instâncias consideraram (correctamente) que os AA. e o banco R. não são terceiros para efeito de registo, dado que não adquiriram os respectivos direitos de «um autor comum» (art. 5º nº 4 do C.R.Predial). Não sendo terceiros entre si não se vê como poderia ser aplicado ao caso o disposto naquela disposição legal.
Assim, por aplicação do disposto no art. 291º e dado que presente acção foi registada menos de três anos após a conclusão do negócio outorgado pelos RR., os direito do R. Banco (hipoteca) não poderá ser reconhecido, não obstante ter realizado o registo do ónus (e este se basear num direito registado) anteriormente ao registo desta acção.
A posição assumida pelo douto acórdão recorrido será, pois, de revogar.
Em consequência, deve declarar-se nulo e de nenhum efeito o registo efectuado a favor do R. banco (hipoteca voluntária), com cancelamento desse registo.

III- Decisão:
Por tudo o exposto concede-se a revista repristinando-se, quanto ao registo a favor do Banco R., a douta decisão de 1ª instância.
Custas na acção conforme foi decido na 1ª instância e na revista pelo banco recorrido.

Supremo Tribunal de Justiça,
Lisboa, 16 de Novembro de 2010.

Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Sebastião Póvoas