Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
659/12.6TTMTS.P2-A.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TRÂNSITO EM JULGADO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
ACESSO AO DIREITO
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO ILÍCITO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL” ANOTADO, vol. V, 1981, reimpressão, 219.
- Aníbal de Castro, IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS, 2.ª ed., 111.
- António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO, 17.ª edição, 525.
- Pedro Romano Martinez, DIREITO DO TRABALHO, 2015, 7.ª edição, 1012 e 1017.
- Rodrigues Bastos, NOTAS AO “CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, 247.
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, 422.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 628.º, 643.º, N.º 4, 652.º, N.º 3, 662.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 390.º, N.ºS 1E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 20.º, 59.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/04/1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/03/1990, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/06/1996, C.J., 1996, II/143, DE 31/01/1991, IN BMJ 403.º/382.
-DE 10/12/2015, PROC. N.º 2367/12.9TTLSB.L1.S1. NO MESMO DE 22/04/2015, PROC. N.º 822/08.4TTSNT.L1.S1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-DE 8.06.1993, D.R. II SÉRIE, DE 06/10/1993; N.º 187/2013, DE 05/05/2013; N.º 47/2010; N.º 353/2012, E N.º 313/89, ENTRE OUTROS.
Sumário :
1 – Nos termos do estabelecido no art. 662º, nº 1 do CPC, a Relação deve alterar a decisão que considerou provado um determinado facto por documento, se o teor deste for diverso do que se consignou como facto provado.

2 - O trânsito da sentença só ocorre depois de esgotados todos os meios de reação legalmente previstos ou o decurso do respetivo prazo, designadamente, a interposição de recurso nos termos gerais ou excecionais, mesmo que não admissível, a reclamação do despacho de não admissão do recurso, o pedido de reforma ou a arguição de nulidades.

3 – Tendo a parte interposto recurso de revista do acórdão da Relação que confirmou a sentença da 1ª instância e apresentado reclamação do despacho que não o admitiu, para o Supremo Tribunal de Justiça, que a desatendeu, o trânsito em julgado ocorre no décimo dia posterior ao da notificação desta decisão, caso não seja apresentada reclamação para a conferência, nos termos dos arts. 643º, nº 4 e 652º, nº 3 do CPC.

4 – O pagamento das retribuições intercalares previstas no art. 390º, nº 1 do Código do Trabalho, inclui a retribuição do período de férias e os subsídios de férias e de Natal respetivos.

5 - No caso previsto na alínea b) do mesmo preceito, da ação não ter sido proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, o subsídio de desemprego a deduzir, nos termos do art. 390º, nº 2, al. c) do Código do Trabalho é unicamente o atribuído ao trabalhador no período em que a entidade empregadora está obrigada a pagar as retribuições intercalares e não o que foi atribuído desde o despedimento.

6 – A interpretação dos arts. 390º do Código do Trabalho e 628º do Código de Processo Civil, nos termos anteriormente consignados, não viola o princípio da segurança jurídica, nem os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito ínsitos nos arts. 13º, 20º e 59º das Constituição da República Portuguesa.

Decisão Texto Integral:


PROC. 659/12.6TTMTS.P2-A.S1
REVISTA
4ª Secção

RC/FP/CM

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 – RELATÓRIO

AA intentou o presente incidente de liquidação contra BB, com os seguintes fundamentos:

“De acordo com a alínea c) da sentença proferida nos autos, a requerida foi condenada a pagar à Autora todas as prestações pecuniárias que esta deixar de auferir desde 30 dias anteriores à propositura da acção (20/06/2012) até à data do trânsito em julgado da sentença a proferir nos autos, deduzida do montante do subsídio de desemprego auferido (incumbindo neste caso à entidade patronal entregar essa quantia à Segurança Social, em conformidade com o estabelecido na alínea c) do nº 2 do artº 390º, do Código do Trabalho) acrescida de juros de mora desde o trânsito em julgado da liquidação que venha a ser efetuada das referidas quantias;

De acordo com a alínea d) da referida sentença, foi ainda, a ré condenada a pagar à Autora uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 40 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, que se vencer até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal e que nesta data ascende a € 11.239,20.”

A decisão foi alvo de recurso para o Tribunal da Relação do …, que a manteve e para o Supremo Tribunal de Justiça que, em 05/06/2014, não aceitou o recurso de revista.

A notificação desta decisão presume-se efetuada no dia 09/06/2014.

Após esse período, correu o prazo de 10 dias para a reclamação, o que significa que o trânsito em julgado da decisão ocorreu em 20/06/2014.

Entre 20/06/2012 – 30 dias anteriores à propositura da ação – e 01/09/2013 – data do fim da concessão do subsídio – recebeu a quantia de € 8.932,36 a título de subsídio de desemprego.

Termina pedindo que, tendo em conta a condenação constante da alínea c) da sentença, deve “liquidar-se o valor a ser pago pela ré, a título das prestações pecuniárias que… deixou de auferir, desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até do trânsito em julgado da decisão, deduzida do subsídio de desemprego auferido; bem como, a título de indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 40 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade que se venceu à data do trânsito em julgado, em € 33.591,05, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%”.

Notificada, a requerida deduziu oposição alegando que o acórdão da Relação do .., confirmando a sentença da 1ª instância, foi proferido em 20/12/2013.

Apesar de tal acórdão ser irrecorrível, a Autora interpôs recurso, tendo sido proferido despacho de não admissão em 12/03/2014.

Não se conformando, a Autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual também não foi aceite por decisão de 05/06/2014.

Como é entendimento de vária doutrina e jurisprudência, se uma decisão não é recorrível, por força da lei como foi decidido pelo tribunal superior, a produção dos seus efeitos deve verificar-se na data em que ela se fixe na ordem jurídica, ou seja, quando, ultrapassadas as questões da sua interpretação ou de nulidades existentes, ela se torne compreensível para os sujeitos processuais e assim insuscetível de recurso, porque a lei o não permite, no caso, em 20/12/2013.

Invocou ainda, que o pagamento das retribuições intercalares, após o decurso de 12 meses deve ser efetuado pela segurança social, nos termos do art. 98º-N do CPT, pese embora não ter a A. recorrido ao processo especial regulado nos arts. 98º-B e segs. do CPT, facto que não pode prejudicar a Ré nos seus direitos.

Alegou, por fim, que o art.º 390.º n.º 2 do CT determina que “ao montante apurado nos termos da segunda parte do número anterior deduzem-se as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento”.

No saneador conheceu-se do mérito da causa, tendo sido prolatada a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julga-se a presente liquidação parcialmente procedente por provada e fixa-se em € 14.950,58, a quantia devida pela Requerida à Requerente a título [de] prestações pecuniárias que [a] autora deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da acção (20/06/2012) até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos (20/12/13) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da liquidação que venha a ser efetuada das referidas quantias e indemnização em substituição da reintegração, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem após o trânsito da sentença que a declare devida.

Custas do incidente de liquidação a cargo de Requerente e Requerida, cuja taxa de justiça, considerando o valor e a sua complexidade, fixo em 3 UC (artºs 6º, nº 1 e 7º, nº 4 e 7 e Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais), ficando 1 UC a cargo da Requerente e o remanescente a cargo da Requerida.

Notifique e registe.»

Inconformada, a A. apelou para o Tribunal da Relação, que deliberou:

«Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do … em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por AA e em consequência:

1 - Revogar parcialmente a sentença:

a) – Fixando-se em € 18.157,23 (dezoito mil cento e cinquenta e sete euros e vinte e três cêntimos) a quantia devida pela recorrida BB à aqui recorrente a pagar à recorrente a título prestações pecuniárias que [a] autora deixou de auferir desde os 30 dias anteriores propositura da acção (20/06/2012) até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento (19/06/2014);

b) – Fixando-se em € 12.488,53 (doze mil quatrocentos e oitenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos) a indemnização substitutiva da reintegração.

2 – No mais manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

3 – Condenar ambas as partes nas custas da ação e do recurso de acordo com os critérios e proporções fixados na sentença recorrida.»

Contra o assim deliberado recorre agora a R. de revista impetrando a revogação da “decisão recorrida, substituindo-a por outra que respeite a lei e os princípios constitucionais”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da revista e da confirmação do acórdão recorrido.

A R. respondeu reeditando o que aduzira nas respetivas alegações, concluindo a sua resposta, seguramente por lapso, da seguinte forma: “Termos em que, face às razões invocadas e às doutamente supridas, deve-se negar provimento ao recurso e ao Parecer do Digno Procurador-Geral-Adjunto do Ministério Público, mantendo-se a douta decisão recorrida, por a mesma se encontrar de acordo com a legalidade, sendo que desta forma V/Ex.ª fará inteira e sã JUSTIÇA”.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

“1 - Decidiu a Relação do … que o trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento só ocorreu em 19/06/2014, e nas retribuições intercalares incluem-se os subsídios de férias e de natal, além de que o valor a deduzir do subsídio de desemprego é só no montante de 8.974,10 €. Ou seja,

2 - esta douta Relação decidiu totalmente em contrário ao entendimento da 1ª Instância, pelo que ousamos discordar do Acórdão de que ora se recorre pelos seguintes fundamentos:

- discordamos da posição desta Relação quanto à data do trânsito em julgado;

- discordamos da interpretação restritiva que esta Relação faz do art.º 390 nº 2 alínea c) do Cód. de Trabalho ;

- discordamos da posição desta Relação quanto à inclusão dos. [sic]

3 - Esta Relação do … defendeu para considerar que o trânsito em julgado da decisão que decidiu o despedimento ilícito ocorreu em 19/96/2014 [será 19/06/2014], que a insusceptibilidade do recurso ordinário só se verifica depois de confirmado pelo Presidente do tribunal ad quem o despacho de não admissão do recurso. O certo é que,

 4 - a Meritíssima Juiz que julgou a Liquidação em 1ª Instância decidiu que o trânsito em julgado da decisão ocorreu em 20/12/2013, e bem, até porque era essa a posição que a aqui Recorrente defendia na Oposição à liquidação. Aliás,

5 - a Sentença proferida na 1ª Instância suportou-se na posição jurisprudencial deste Tribunal da Relação do …, citada pela Recorrente na sua Oposição à liquidação, no Acórdão de 26-05-2010 no Proc. nº 479/91.0 TBOAZB.P1, pelo que não se entende que tenha hoje esta Relação posição diferente que tinha àquela data. Pois,

6 - é do entendimento da vária doutrina e jurisprudência que se uma decisão não é, por força da lei recorrível, como ocorreu in casu, em que o tribunal superior reconheceu que não era recorrível, a produção dos seus efeitos deve verificar-se na data em que ela se fixe na ordem jurídica, ou seja, quando, ultrapassadas as questões da sua interpretação ou de nulidades existentes, ela se torne compreensível para os sujeitos processuais e assim insusceptível de recurso (porque a lei já não permite tal recurso), ou seja, na situação aqui em lide ocorreu em 20/12/2013. Aliás,

7 – [c]om o devido respeito, e como têm entendido os Tribunais superiores, se uma decisão não admite recurso, o recurso que dela venha a ser interposto é um "não-ser" ber [sic]. A verdade é que,

8 - como bem defendeu o Acórdão da Relação de Coimbra de 18/05/2011 acima referido, não pode estar nas mãos do Recorrente o momento de fixação de trânsito em julgado da decisão, o qual se socorre de meios dilatórios, ainda que legítimos, ou seja consagrados na lei, para perdurar no tempo a ocorrência do trânsito em julgado da decisão. Assim sendo,

9 - é de t[o]do indefensável, e sobretudo, claramente violadora do direito à segurança jurídica da aqui Recorrente, a posição que esta Relação adoptou no Acórdão aqui recorrido, até porque constando no ponto II do sumário deste Acórdão que "Quando seja insusceptível de recurso ordinário, o trânsito em julgado ocorre com o esgotamento do prazo para a arguição de nulidades da sentença ou dedução do incidente de reforma, nos termos do art.º 615 nº 4, e 616 (e dos art.ºs 666 e 685 quando estejam em causa acórdãos da Relação ou do Supremo, respectivamente), verifica-se uma contradição em tal posição. Vejamos,

10 - não sendo o Acórdão da Relação do … de 20/12/2013 recorrível, tal significa que a Recorrida só dele podia requer a sua reforma, o que não o fez, pelo que transitou o mesmo nessa data. Aliás,

11 – [basta] ler o previsto no art.º 628 C.P.C, aplicável ao caso em apreço, para concluir que a tese sobre a noção de caso julgado defendida por esta Relação no Acórdão aqui recorrido, a qual já defendeu posição contrária, como acima citado, não colhe, porquanto como preceitua aquela norma legal "a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação". Ora,

12 - remetendo-nos à situação em discussão verifica-se que a Recorrida não reclamou da decisão da 1ª Instância. Aliás,

13 - com o devido respeito, com a posição defendida por esta Relação no Acórdão recorrido, é a Recorrente que sofre com o ónus da irrecorribilidade, ou seja, com tal posição a Recorrente tem que suportar o pagamento de mais 8.648,28 € de prestações pecuniárias intercalares, porque a Recorrida, ainda que soubesse que o Acórdão da Relação do … de 20/12/2013 era irrecorrível, dele interpôs recurso, o qual foi rejeitado. Por conseguinte,

14 - a posição desta Relação vertida no Acórdão recorrido de que o trânsito em julgado só ocorreu em 19/06/2014 é claramente ofensiva do direito da Recorrente à segurança jurídica, a qual, não tendo recorrido da decisão, é que terá que suportar com o ónus da irrecorribilidade. Assim sendo,

15 - cumpre dizer que o pagamento dos salários intercalares até ao trânsito em julgado da decisão, que esta Relação do … pretende fixar em 20/06/2014, o que não se aceita, porque como acima referido tal facto deve-se à conduta da Recorrida interpor recurso de uma decisão não recorrível, o que configura uma evidente limitação do direito ao acesso ao direito da Recorrente, nomeadamente, na sua penalização, a qual nada fez para isso. Na verdade,

16 - as opções da Recorrida colocaram-na numa situação patrimonial mais vantajosa do que se o contrato se tivesse mantido sem vicissitudes, já que, além de ter prolongado no tempo o presente processo, e assim receber mais retribuições intercalares, do que as teria direito, também, como optou pela indemnização em lugar da reintegração, tendo cessado o contrato de trabalho está a receber retribuições que não receberia. Ocorre que,

17 - esta Relação do …, que anteriormente teve uma posição diversa, concedeu provimento a esta atitude dilatória da Recorrida, a qual mais não visou do que tentar "sacar" o que mais pudesse em relação às retribuições intercalares, já que em relação ao valor da indemnização em substituição da reintegração não teve provimento, viola claramente o conteúdo essencial do principio da igualdade plasmado no art. 13.º da CRP e reafirmado no art. 59.º da CRP, e o direito da Recorrente ao acesso ao direito, perante a ausência de apoio legal e constitucional da condenação no pagamento de retribuições intercalares que não pagaria se a Recorrida não tivesse recorrido de uma decisão irrecorrível. É que,

18 - atente-se que a conduta da Recorrida recorrer de uma decisão irrecorrível, pela posição violadora dos direitos à segurança jurídica, do acesso ao direito e à igualdade que esta Relação do … tomou no Acórdão recorrido quanto à data do trânsito em julgado permite que a Recorrida receba mais 5 meses e 19 dias de retribuições, mais um subsídio de férias e um subsídio de natal, o que é claramente penoso para a Recorrente que nada contribuiu para o efeito. Aliás,

19 - a posição desta Relação vertida na parte final da pág. 28 do Acórdão recorrido é claramente convidativa ao recurso de decisões irrecorríveis como forma de penalizar uma entidade patronal que procedeu a um despedimento ilícito. Pois,

20 - certamente esquecesse [sic] esta Relação que para penalizar o despedimento ilícito está previsto nos art.º 389 a 392 do Cód. de Trabalho, sendo aplaudir [sic] o recurso de decisões irrecorríveis, e que a entidade patronal, que já foi condenada de acordo com tais preceitos legais ainda tem que suportar o ónus da irrecorribilidade, entendemos ser uma posição claramente violadora do princípio da igualdade plasmado no art. 13.º da CRP e reafirmado no art. 59.º da CRP, e do direito da Recorrente ao acesso ao direito e à segurança jurídica, com a qual não podemos concordar, até porque configura a um convite ao recurso de decisões irrecorríveis só com a intenção de obter benefícios patrimoniais, como sucedeu no caso em apreço.

21 - No que respeita aos montantes das prestações pecuniárias que a Recorrida deixou de auferir desde logo a Recorrente não concorda que a data da fixação do trânsito em julgado seja em 19/06/2014, como acima já devidamente defendido, e aqui se dá por integralmente reproduzido por mera economia processual. Assim,

22 - demos que o trânsito em julgado ocorreu em 20/12/2013, sendo que as retribuições intercalares a ser pagas à Recorrida serão devidas desde 30 dias antes da data da propositura da acção até aquela data. Por outro lado,

23 - defendeu esta Relação uma interpretação restritiva do art.º 390 nº 2 alínea c) do Cód. de Trabalho para estabelecer que o valor do subsídio de desemprego a deduzir é de 8.932,36 e não de 13.148,10 €, posição essa claramente violadora do princípio da igualdade de tratamento a que a Recorrente tem direito plasmado nos art.º 13 e 59 da C.R.P. Vejamos,

24 - desde logo a Recorrida no seu recurso para a Relação do … alegou que o Tribunal da 1ª Instância deu como provado que "...Entre 20/06/2012 - 30 dias anteriores à propositura da acção - e 01/09/2013 - data do fim da concessão de subsídio - a Autora auferiu a quantia de 13.148,10 €, conforme informação prestada a fls. 691, pelo Instituto da Segurança Social", e que do documento resulta que o período a que se reporta é de 02/12/2011 a 01/09/2013, requerendo que a matéria de facto fosse alterada. Ocorre que,

25 - este Tribunal da Relação concedeu a alteração da matéria de facto, sustentando que o documento de fls. 691 dos autos não está em conformidade com a matéria de facto dada como provada de que "Entre 20/06/2012 - 30 dias anteriores à propositura da acção - e 01/09/2013 - data do fim da concessão do subsídio de desemprego - a Autora auferiu a quantia de € 13,148,10, conforme informação prestada a fls. 691, pelo Instituto de Segurança Social." Sucede que,

26 - pese embora corresponda à verdade que o documento de fls. 691 não reflecte que a matéria dada como provada, o certo é que, esta alteração da matéria de facto aceite pela Relação do … não tem o efeito legal que lhe foi atribuído, Aliás,

27 - desde logo se diga que esteve mal a Relação do … a conceder a alteração da matéria de facto, já que a Recorrida quando foi notificada do documento de fls. 691 dos autos, se dele não concordava, deveria ter feito uso do previsto no art.º 448 do C.P.C aplicável ao caso em apreço por remissão, e ter impugnado o teor do mesmo, o que não o fez, e por conseguinte a Meritíssima Juiz da 1ª Instância mais não restou do que dar como provado o seu conteúdo, como resulta do art.º 372 e segs. do Cód. Civil a contrario sensu. Ademais,

28 - sempre se diga que a Recorrida ao não fazer uso do previsto no art.º 448 do C.P.C., tal significa que a Relação do … ao alterar a matéria de facto com base em tal documento de fls. 691 é um acto de tudo extemporâneo, e não deve ser atendido, face aos supra citados preceitos legais. Assim sendo,

29 - não assiste qualquer razão legal à posição desta Relação do … em considerar que o valor de subsídio de desemprego a deduzir nas prestações a pagar pela Recorrente seja de 8.932,36 €, e não de 13.148,10 €, pelo que, decidiu mal esta Relação do … ao proceder à modificabilidade da decisão da matéria de facto, sendo que se devia ter mantido o decidido pela 1ª Instância. Porquanto,

30 - pese embora a Recorrida tenha começado a receber subsídio de desemprego, quando não tinha direito a receber as retribuições intercalares, o certo é que, tanto a alínea a) do nº 1 do art.º 390 nº 1 do Cód. de Trabalho, como alínea c) do mesmo preceito legal não refere que o período a deduzir do subsidio de desemprego é o período que o trabalhador tinha direito a receber retribuições intercalares. Aliás,

31 - com o mais merecido respeito por esta Relação, mas, a verdade é que, a interpretação que faz do art.º 390 nº 2 alínea c) do Cód. de Trabalho no Acórdão recorrido é claramente imparcial [sic], visando um favorecimento da Recorrida em detrimento da Recorrente. Mais,

32 - com a devida vénia, a interpretação que esta Relação faz do art.º 390 nº 2 alínea c) do Cód. de Trabalho no Acórdão ora recorrido contraria de tudo o previsto na lei, e no espírito legal do actual Cód. de Trabalho. Porquanto,

33 - se fosse intenção do legislador limitar a dedução do valor do subsídio de desemprego ao período de recebimento das retribuições intercalares, teria na alínea c) do art.º 390 do Cód. de Trabalho colocado tal limitação, e não colocou, aliás, pelo contrário, naquele preceito legal é referido que ao valor das retribuições intercalares é deduzido o valor de subsídio de desemprego recebido pelo trabalhador desde da data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento. Daí que,

34 - não aceitamos, nem concebemos, e sobretudo não entendemos, em que suporte legal esta Relação se ancora para considerar que o valor a deduzir do subsídio de desemprego deve ser limitado ao período que o trabalhador tem direito a receber as retribuições intercalares, já que não é isso que decorre da lei - vide art. 390 nº 2 alínea c) do Cód. de Trabalho. Aliás,

35 - há quem entenda que até o subsídio por doença recebido pelo trabalhador é dedutível ao valor das retribuições intercalares a receber, pelo que, entendemos que o que decorre do art.º 390 nº 2 alínea c) do Cód. de Trabalho é que o valor do subsídio de desemprego a deduzir às retribuições intercalares a pagar pela Recorrente à Recorrida é o valor total que esta recebeu, e não o valor limitado ao período das retribuições intercalares, pois dessa forma estamos a beneficiar a Recorrida com valores que não receberia se o contrato de trabalho se mantivesse. Mais,

36 - ainda que se entenda que tal não resulta do art.º 390 nº 2 alínea c) do Cód. de Trabalho, o que só por mera hipótese académica se coloca, o certo é que, da alínea a) do mesmo preceito legal, resulta que às prestações devidas à Recorrida têm de ser deduzidas todas as importâncias recebidas, que não receberia se não fosse o despedimento. Ou seja,

37 - isto para dizer que, o valor a deduzir nas prestações a pagar pela Recorrente à Recorrida tem de ser o valor total que esta recebeu de subsídio de desemprego, isto é, o montante de 13.148,10 €, porque a Recorrida só recebeu tal valor, porque ocorreu o seu despedimento. Mais,

38 - aceitar a interpretação desta Relação, tal significa que estamos a beneficiar quem recorre tardiamente ao Tribunal para impugnar o seu despedimento, o que não é hoje, e já algum tempo a esta parte o espírito legal das normas laborais, designadamente os art.º 98 e segs. do C.P.T. desemprego é de 8.974,10 € e não de 13.148,10 € [sic].

39 - Por outro lado, defende a Relação do … que não tendo a sentença da 1ª Instância explorado muito a questão, deve-se entender que aquela não considerou os subsídios de férias e de [N]atal. Ocorre que,

40 - na decisão que considerou o despedimento ilícito, condenou-se na alínea C daquela decisão a Recorrente a pagar à Recorrida as prestações pecuniárias que esta deixou de receber desde 30 dias antes da data da entrada da acção até ao trânsito em julgado, sendo que quanto aos subsídios de férias e de natal determinou o previsto nas alíneas E, F e G daquela sentença. Assim sendo,

41 - entendemos que nas retribuições a pagar à Recorrida vencidas desde 20/06/2012 a 20/12/2013 não estão incluídos os subsídios de férias, férias e subsídio de [N]atal, como esta Relação do … defende, porque se assim fosse na alínea C da douta sentença que foi confirmada pelo Acórdão da Relação do …, faria referência ao direito de receber tais subsídios, o que não faz. Aliás,

42 - a referência a tais subsídios é feita já nas alíneas E, F e G da douta sentença. Além do mais,

43 - atente-se que o art.º 390 n.º [1] do Cód. de Trabalho refere que o trabalhador tem direito às retribuições que deixou de receber. Ora, por retribuições entende-se o previsto no art.º 258 nº 1 do Cód. de Trabalho, sendo que em tal preceito legal não se considera o subsídio de férias e de [N]atal como retribuição, sendo que tais subsídios estão previstos nos art.º 263 e 264 ambos do Cód. de Trabalho. Isto para dizer que,

44 - se o legislador quisesse prever o pagamento de subsídio de férias e de [N]atal no art.º 390 nº 1 do Cód. de Trabalho tinha preceituado de forma explícita o que não o fez, pelo que a interpretação que esta Relação faz de tal norma legal é claramente violadora do principio da igualdade previsto nos art.º 13 e 59 ambos da C.R.P. Pelo que,

45 - entendemos, como entendeu a Meritíssima Juiz da 1ª Instância, que não são devidos os subsídios de férias, férias e subsídios de [N]atal à Recorrida referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014, sendo que quanto a estes dois últimos anos haverá sempre que ter em conta que nem são devidos atento a data de trânsito em julgado do Acórdão da Relação do … que foi a 20/12/2013. Pelo exposto,

46 - não se aceita o valor de 27.131,33 € que a Relação do … entendeu como valor das prestações pecuniárias que a Recorrida deixou de receber, porquanto, além de não lhe ser devida qualquer prestação pecuniária relativa ao ano de 2014, também, os subsídios de [N]atal, subsídios de férias e férias estão contabilizados nas alíneas E, F e G da douta sentença da 1ª instância, pelo que não podem ser novamente contabilizados, o que configura uma dupla condenação da Recorrente. Daí que,

47 - de acordo com a douta sentença da decisão que considerou o despedimento ilícito, confirmada pelo Acórdão da Relação do … de 20/12/2013, as prestações pecuniárias devidas à Apelante são:

- retribuições devidas no ano de 2012 - de 20/06/2012 a 31/12/2012 no montante de 5.380,48 €, ou seja, 6 meses e 10 dias de retribuição x 849, 55 € (retribuição líquida da Autora conforme recibo de vencimento junto como 2 da P.I.);

- retribuições devidas no ano de 2013 - vencimentos vencidos de Janeiro de 2013 a 20 de Dezembro de 2013 no valor de 10,927,44 €,

- não são devidas quaisquer retribuições do ano de 2014, visto que o trânsito em julgado da decisão ocorreu com o Acórdão da Relação do … de 20/12/2013. Assim,

48 - como bem entendeu a Meritíssima Juiz da 1ª Instância a título de prestações pecuniárias é devido à Recorrida o montante de 16.859,48 €, ao qual deve ser deduzido o valor recebido a título de subsídio de desemprego no valor de 13.148,10 €, pelo que a Recorrente tem de pagar à Recorrida a quantia de 3.711,38 € a título de prestações pecuniárias, o que não tem recusado, todavia, [a] Recorrida é que pretende receber aquilo a que não tem direito. Além do mais,

49 - os cálculos efectuados pela Meritíssima Juiz da 1ª Instância correspondem à correcta aplicação do artº 390 do Cód. de Trabalho. Porquanto,

50 - o art.º 390.º n.º 2 do CT determina que "ao montante apurado nos termos da segunda parte do número anterior deduzem-se as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento".

51 - Essa dedução está, pois, sujeita à verificação do recebimento, por parte do trabalhador, de importâncias por este recebidas e que não receberia se continuasse ao serviço da entidade patronal que o despediu. Ora,

52 - se a Recorrida não tivesse sido despedida não tinha recebido os 13.148,10 € a título de subsídio de desemprego, pelo que é este o montante que deve ser deduzido ao valor das prestações pecuniárias a pagar pela Recorrente à Recorrida.

53 - A quarta divergência entre a Recorrente e esta Relação quanto ao valor das prestações pecuniárias intercalares é no que respeita a se as mesmas são devidas no valor líquido ou ilíquido, sendo que a Recorrente defende que é o valor líquido, já que era esse o valor que receberia se o contrato de trabalho se mantivesse. Aliás,

54 - assim decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em que as considerações ali vertidas são transponíveis para o conceito de retribuição a atender no cálculo dos salários intercalares previstos n.º 1 do art. 390.º do Cód. de Trabalho, sendo que resulta da letra da lei que a retribuição em causa corresponde à que o trabalhador «deixou de auferir» como contrapartida da actividade prestada, isto é, a quantia ilíquida, que deve entender-se como retribuição do trabalho e sobre a qual incidem os descontos legais, pelo que aos valores que a Recorrida venha a receber a título de retribuições intercalares devem ser feitos os normais descontos legais.

55 - Por último, no que respeita ao valor da indemnização em substituição da reintegração não pode ser de 12.488,53 €, porquanto o Acórdão transitou a 20/12/2013, e não a 19/06/2014, como defende esta Relação.

56 - Assim, o douto Acórdão da Relação do … fez uma errada interpretação do artº 628 do C.P.C., contrária à doutrina e jurisprudência dominante, interpretação essa violadora do princípio da igualdade plasmado no art. 13.º da CRP e reafirmado no art. 59.º da CRP, e do direito da Recorrente ao acesso ao direito e à segurança jurídica.

57 - Além do mais, a interpretação que esta Relação do … faz do nº 1 e nº 2 alínea c) do art.º 390 do Cód. de trabalho é contrária ao espírito legal de tais normas, além de, também violar princípio da igualdade plasmado no art. 13.º da CRP e reafirmado no art. 59.º da CRP”.

2 – REGIME JURÍDICO ADJETIVO APLICÁVEL

Os presentes autos respeitam a incidente de liquidação instaurado em 8 de outubro de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, no âmbito de ação declarativa intentada em 20 de julho de 2012.

O acórdão recorrido foi proferido em 2 de maio de 2016.

Nessa medida, é aplicável:

 O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

 O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, são as seguintes as questões submetidas à nossa apreciação:

1 – Se o Tribunal da Relação poderia alterar a matéria de facto consignando o teor do documento de fls. 691;

2 – Data do trânsito em julgado da sentença liquidanda;

3 – Se nas retribuições intercalares devem ser incluídos os subsídios de férias e de Natal;

4 – Se a dedução do valor do subsídio de desemprego, nos termos do art. 390º, nº 2 do CT, se limita ao período de recebimento das retribuições intercalares ou se são dedutíveis os montantes recebidos desde a data do despedimento;

5 – Se o valor das retribuições intercalares a considerar é o líquido ou o ilíquido;

6 – Se a interpretação consignada no acórdão recorrido viola o princípio da igualdade, ao acesso ao direito e à segurança jurídica ínsitos nos arts. 13º e 59º da CRP.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

As instâncias consideraram provados e relevantes os seguintes factos:

“De acordo com a alínea c) da sentença proferida nos autos, a requerida foi condenada a pagar à Autora todas as prestações pecuniárias que esta deixar de auferir desde 30 dias anteriores à propositura da acção (20/06/2012) até à data do trânsito em julgado da sentença a proferir nos autos, deduzida do montante do subsídio de desemprego auferido (incumbindo neste caso à entidade patronal entregar essa quantia à Segurança Social, em conformidade com o estabelecido na alínea c) do nº 2 do artº 390º, do Código do Trabalho) acrescida de juros de mora desde o trânsito em julgado da liquidação que venha a ser efetuada das referidas quantias;

De acordo com a alínea d) da referida sentença, foi ainda, a ré condenada a pagar à Autora uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 40 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, que se vencer até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal e que nesta data ascende a € 11.239,20.

A decisão foi alvo de recursos para o tribunal da Relação do … e para o Supremo Tribunal de Justiça.

Tendo sido mantida a decisão proferida em 1ª instância, por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do … de 20.12.2013.

Entre 20/06/2012 – 30 dias anteriores à propositura da acção – e 01/09/2013 – data do fim da concessão do subsídio- a Autora auferiu a quantia de € 13.148,10, conforme informação prestada a fls. 691, pelo Instituto de Segurança Social (esta factualidade foi alterada pela Relação e substituída pela consignada na alínea H) dos factos aditados).

À data da cessação do contrato a Autora auferia a retribuição mensal de € 936,64.

A decisão do Supremo Tribunal de Justiça – que não aceitou o recurso de revista (excecional) – tem inscrita a data de 05/06/2014.

Tal notificação presume-se efetuada no dia 09/06/2014.

Aditados pela Relação:

A) – A requerente AA instaurou em 20/07/2012 contra a BB acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, tendo em 09/04/2013 sido proferido sentença na qual se decidiu:

I - Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção declarativa, emergente de contrato de trabalho e sob a forma de processo comum, intentada por AA contra a BB, e, em consequência, condeno a R. a:

A. Reconhecer a A. como contratada sem termo desde a data da sua admissão, em 03 de Janeiro de 2005;

B. Reconhecer a ilicitude do despedimento da A.;

C. Pagar à A. todas as prestações pecuniárias que esta deixar de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da acção (20/06/2012) até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos, deduzida do montante do subsídio de desemprego auferido [incumbindo neste caso à entidade patronal entregar essa quantia à Segurança Social, em conformidade com o estabelecido na al. c) do n.º 2 do art. 390º do Código de Trabalho], acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da liquidação que venha a ser efetuada das referidas quantias;

D. Pagar à A. uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 40 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, que se vencer até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal e que nesta data ascende a 11.239,20 € (onze mil duzentos e trinta e nove euros e vinte cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem após o trânsito da sentença que a declare devida;

E. Pagar à A. a importância ilíquida de 468,27 € (quatrocentos e sessenta e oito euros e vinte e sete cêntimos), a título de férias, vencidas em 01/01/2010, e não gozadas, nem recebidas, pela A.;

F. Pagar à A. a importância ilíquida de 936,64 € (novecentos e trinta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de férias, vencidas em 01/01/2011, e não gozadas, nem recebidas, pela A.;

G. Pagar à A. os proporcionais de férias, de subsídios de férias e de Natal, referentes ao ano da cessação do contrato de trabalho, no montante ilíquido de 2.107,39 € (dois mil, cento e sete euros e trinta e nove cêntimos);

H. Pagar à A. juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias referidas em E, F e G desde a data da citação e até integral pagamento.

II - Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente acção quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a Ré.

B) – Desta sentença interpôs a Autora recurso para esta Relação, tendo a Ré interposto recurso subordinado, os quais mereceram acórdão proferido em 18/12/2013, com seguinte decisão:

“Em face do exposto, decide-se:

5.1. negar provimento ao recurso subordinado da R., confirmando-se o veredicto da sentença no que diz respeito às decisões de reconhecer a A. como contratada sem termo desde a data da sua admissão em 03 de Janeiro de 2005 (alínea A da sentença), de reconhecer a ilicitude do despedimento (alínea B da sentença) e de condenar a R. a pagar à A. as retribuições intercalares que deixou de auferir desde 20 de Junho de 2012 até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos, nos termos determinados na 1.ª instância (alínea C da sentença);

5.2. conceder parcial provimento ao recurso principal da A. e, consequentemente:

5.2.1. mantém-se a decisão final da 1.ª instância no que diz respeito à indemnização em substituição da reintegração, embora com fundamentação não inteiramente coincidente (alínea D da sentença);

5.2.2. revoga-se a mesma decisão na parte em que absolveu a R. do pedido de indemnização por danos não patrimoniais e determina-se que tal matéria seja submetida a instrução em audiência de julgamento, nos termos supra assinalados, após o que se deverá proferir decisão final de mérito sobre aquele pedido.”

C) – As partes foram notificadas via carta registada com data de 20/12/2013.

D)- Em 23 de Janeiro de 2014 a Autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

E)- Por despacho proferido pela Relatora em 10/03/2014 tal recurso não foi admitido por a decisão ser irrecorrível.

F)- Desse despacho a Autora reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça que por decisão de 04 de Junho de 2014 a indeferiu.

G) – A Autora foi notificada desta decisão por carta registada de 05/06/2014.

H) – À Autora foi atribuído subsídio de desemprego, por 630 dias, com início em 02/12/2011 e fim em 01/09/2013, no montante diário de € 20,87/montante mensal de € 626,10, tendo-lhe sido processado o montante acumulado de € 13. 148,10, conforme informação prestada a fls. 691, pelo Instituto de Segurança Social.

I)- O contrato de trabalho cessou no dia 02 de Outubro de 2011 (mediante despedimento ilícito).”

4.2 - O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

4.2.1 – Se o Tribunal da Relação poderia alterar a matéria de facto consignando o teor do documento de fls. 691.

Como se vê pelas alegações que produziu na apelação, a A. ali recorrente discordou da decisão da 1ª instância que consignara como provado, por reporte ao documento de fls. 691, que “entre 20/06/2012 – 30 dias anteriores à propositura da acção – e 01/09/2013 – data do fim da concessão do subsídio- a Autora auferiu a quantia de € 13.148,10, conforme informação prestada a fls. 691, pelo Instituto de Segurança Social”, por não corresponder à informação prestada pela Segurança Social e constante daquele documento, pedindo, em consequência, a modificação da decisão de facto.

Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Assim, tendo a prova daquele facto sido documental e sendo o teor do documento diverso do consignado nos factos provados, poderia e deveria a Relação proceder à atinente alteração.

Refira-se ainda que, tratando-se de documento junto aos autos, face ao disposto nos arts. 663º, nº 2 e 607º, nº 4 do CPC, o mesmo teria que ser considerado no acórdão, ainda que não tivesse sido pedida a alteração da decisão sobre a matéria de facto ou consignado o respetivo teor nos factos provados.

A Relação, na alteração introduzida, limitou-se a transcrever o que consta do documento.

Não se compreende, por isso, o alcance da seguinte afirmação produzida pela recorrente na pág. 17 das suas alegações: “desde logo se diga que esteve mal a Relação do … a conceder a alteração da matéria de facto, já que a Recorrida quando foi notificada do documento de fls. 691 dos autos, se dele não concordava, deveria ter feito uso do previsto no art.º 448 do C.P.C. aplicável ao caso em apreço por remissão, e ter impugnado o teor do mesmo, o que não o fez, e por conseguinte a Meritíssima Juiz da 1ª Instância mais não restou do que dar como provado o seu conteúdo, como resulta do art.º 372 e segs. do Cód. Civil a contrario sensu. Ademais, sempre se diga que a Recorrida ao não fazer uso do previsto no art.º 448 do C.P.C., tal significa que a Relação do … ao alterar a matéria de facto com base em tal documento de fls. 691 é um acto de tudo extemporâneo, e não deve ser atendido, face aos supra citados preceitos legais”.

Importa ainda referir que os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são limitados «à apreciação da observância das regras de direito probatório material (denominada prova vinculada), ficando fora do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art.º 662.º do CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise apenas no âmbito da perceção e formulação do respetivo juízo de facto» ([5]).

Como refere Teixeira de Sousa ([6]) «O tribunal de revista está vinculado aos factos fixados pelo tribunal recorrido… Como consequência desta vinculação à matéria de facto apurada nas instâncias, o Supremo está adstrito a uma obrigação negativa: a de não poder alterar, salvo em casos excepcionais, essa matéria de facto… Estas vinculações implicam que o Supremo não pode controlar a apreciação da prova, porque uma vinculação à matéria de facto averiguada nas instâncias e uma proibição de a alterar conduzem necessariamente à impossibilidade (e também à desnecessidade) de controlar a sua apreciação. Em especial, o Supremo não pode controlar a prudente convicção das instâncias sobre a prova produzida pelas partes… A impossibilidade de conhecimento de matéria de facto pelo Supremo envolve igualmente a inadmissibilidade de controlo por este tribunal dos poderes inquisitórios ou instrutórios atribuídos às instâncias».

Dispõe, efetivamente, o art. 674º, nº 3 do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Ora, não consta dos autos, nem tal é invocado pela recorrente, que na alteração da decisão da matéria de facto, a Relação tenha ofendido qualquer disposição legal que exija certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de qualquer documento existente nos autos.

O documento em causa é uma informação prestada pela Segurança Social, sem valor de certidão, sendo certo que, como referimos, a alteração introduzida pela Relação foi no sentido da reprodução do conteúdo do documento.

Estamos no âmbito da prova de livre apreciação, matéria que escapa aos poderes sindicantes deste Supremo Tribunal, motivo pelo qual a revista improcede nesta parte.

4.2.2 – Data do trânsito em julgado da sentença liquidanda.

Sustenta a recorrente, na senda do entendimento adotado na 1ª instância, que a sentença em liquidação transitou em julgado em 20/12/2013, ou seja, na data da prolação do acórdão da Relação do …, que a confirmou, porquanto este não era recorrível, pese embora a aqui recorrida tenha interposto recurso que não foi admitido.

Ao invés, entendeu e decidiu a Relação que o trânsito em julgado ocorreu apenas em 19/06/2014, ou seja, no décimo dia posterior à notificação da decisão deste Supremo Tribunal que indeferiu a reclamação que a recorrente havia apresentado do despacho da Relação que não admitira o recurso.

E fê-lo com os seguintes fundamentos:

«Antes de mais deveremos atentar no iter processual. Assim:

– A requerente AA instaurou em 20/06/2012 contra a BB acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, tendo em 09/04/2013 sido proferido sentença.

– Desta sentença interpôs a Autora recurso para esta Relação, tendo a Ré interposto recurso subordinado, os quais mereceram acórdão proferido em 18/12/2013.
– As partes foram notificadas via carta registada com data de 20/12/2013.
- Em 23 de Janeiro de 2014 a Autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
- Por despacho proferido pela Relatora em 10/03/2014 tal recurso não foi admitido por a decisão ser irrecorrível.
- Desse despacho a Autora reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça que por decisão de 04 de Junho de 2014 a indeferiu.
– A Autora foi notificada desta decisão por carta registada de 05/06/2014.

– Tal notificação presume-se efetuada no dia 09/06/2014.

Segundo o artigo 628º do CPC a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.

Assim, conforme refere ABRANTES GERALDES, “independentemente dos motivos, valores de segurança jurídica implicam que só possa considerar-se transitada em julgado a decisão depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição de recurso ou, não sendo este admissível, para a arguição de nulidades ou dedução de incidente de reforma.”

Refere ainda este Autor que «quando a decisão é suscetível de recurso ordinário o trânsito em julgado depende, em primeiro lugar, do facto de se encontrarem esgotadas as possibilidades de interposição desse recurso em cujas alegações deve ser integrada a arguição de nulidades da sentença ou a reforma quanto a custas e multa (arts. 615º, nº 4, e 616º, nº 3).

Quando seja insuscetível de recurso ordinário, o trânsito em julgado ocorre com o esgotamento do prazo para a arguição de nulidades da sentença ou dedução do incidente de reforma, nos termos dos arts. 615º, nº 4, e 616 (e dos arts. 666º e 685º quando estejam em causa acórdãos da Relação ou do Supremo, respetivamente).»

Todavia devemos considerar que «[p]odem ocorrer vicissitudes suscetíveis de determinar tanto a antecipação como o diferimento da data do trânsito em julgado.

A antecipação pode coincidir com a apresentação, por ambas as partes, de declaração de renúncia ao prazo para interposição de recurso ou de reclamação.

(…)

Quanto à dilação do trânsito em julgado, há efeitos que forçosamente se produzem mesmo quando o recurso é rejeitado, tendo em conta a necessidade de aguardar a definitividade do despacho de não admissão, sujeito a reclamação para o tribunal superior, nos termos do artigo 643º[7]. O mesmo ocorre nos casos em que a parte opte pela arguição de nulidades ou apresentação de requerimento, ainda que infundado, no sentido de obter a reforma da decisão».

No mesmo sentido vão JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ARMINDO RIBEIRO MENDES[8] ao referirem que[9] «se tiver sido interposto recurso de uma decisão e o mesmo não for admitido pelo tribunal a quo, a decisão de não admissão poderá ainda ser impugnada através da reclamação dos arts. 688 e 689[10]. A insuscetibilidade do recurso ordinário só se verifica, neste caso, depois de ser confirmado pelo presidente do tribunal ad quem o despacho de não admissão do recurso[11] (abstrai-se da eventual interposição de recurso de constitucionalidade desta decisão).»

Assim sendo, temos que no caso em apreço, sobre o Acórdão desta Relação proferido em 18/12/2013, e, notificado às partes via carta registada com data de 20/12/2013, veio a aqui recorrente interpor recurso de revista para o STJ em 23 de Janeiro de 2014, tendo tal recurso não sido admitido por despacho da Relatora de 10/03/2014. Deste despacho reclamou a Autora, nos termos do artigo 643º do CPC, para o Supremo Tribunal de Justiça, que por decisão proferida em 04 de Junho de 2014 confirmou o despacho de não admissão do recurso. A Autora foi notificada desta decisão por carta datada de 05 de Junho de 2014, pelo que a notificação presume-se efetuada no dia 09/06/2014. Significa isto que a definitividade do despacho de não admissão só ocorreu com a decisão do STJ no que concerne à reclamação apresentada quanto ao mesmo.

Portanto, como o despacho de não admissão do recurso é passível de reclamação para o tribunal ad quem, neste caso o Supremo Tribunal de Justiça, só depois de esgotado tal prazo se não houver reclamação, ou depois de notificado o despacho quando confirmativo da não admissão do recurso, ocorre o trânsito em julgado da decisão. Haverá que atender que a decisão do STJ, mais concretamente do respetivo relator, sobre o despacho reclamado, apenas se torna definitiva com o decurso do prazo (10 dias) em que a reclamante tinha a possibilidade de fazer intervir a conferência (cfr. artigos 643º, nº 4 e 652º, nº 3, ambos do CPC), ou seja, o trânsito em julgado da decisão final ocorreu no dia 19/06/2014 (e não 20 conforme a recorrente defende).»

Subscrevemos estas considerações.

Efetivamente, não é o facto puro e simples da sentença ou acórdão não admitirem recurso à face da lei, que acarreta o trânsito em julgado na data da respetiva prolação, como entendeu a 1ª instância e defende a recorrente. O trânsito só ocorre depois de esgotados todos os meios de reação legalmente previstos ou o decurso do respetivo prazo, seja a interposição de recurso nos termos gerais ou excecionais, seja a reclamação do despacho de não admissão do recurso, seja o pedido de reforma ou a arguição de nulidades.

Por elucidativo, recordemos o caso da inadmissibilidade do recurso de revista nos termos gerais, previsto no art. 671º, nº 3 do CPC. Na tese da recorrente o trânsito ocorreria com a prolação do acórdão confirmativo da sentença. Mas o certo é que pode ser interposto recurso de revista excecional, nos termos do art. 672º do CPC, caso em que o trânsito apenas ocorre no décimo dia posterior à decisão da formação prevista no nº 3 deste preceito, não sendo a revista admitida ou, sendo-o, no décimo dia posterior à prolação do acórdão conhecendo do recurso.

E a lei admite outras situações como potencialmente impeditivas do trânsito, apesar do recurso ou de outros meios de reação e de impugnação não serem admissíveis.

É, nomeadamente, o caso previsto e regulado no art. 670º do CPC.

Refere Alberto dos Reis ([12]), em anotação ao art. 677º do CPC aprovado pelo DL 29 637 de 28 de maio de 1939, relativamente à data do trânsito quando a parte interpõe recurso para o tribunal pleno: “se a parte recorreu para o tribunal pleno, o trânsito só se produz passados oito dias sobre a notificação do acórdão proferido em tribunal pleno ou do acórdão da Secção que não admita o seguimento do recurso”.

No caso em apreço, tendo sido interposto recurso do acórdão confirmativo da sentença, que não foi admitido, contra o que a recorrente reagiu apresentando a respetiva reclamação, como legalmente estatuído (art. 643º, nº 1 do CPC), o trânsito apenas ocorreu no dia 19/06/2014, ou seja, no décimo dia posterior à notificação do indeferimento da reclamação (9/06/2014), dado que não foi requerida a intervenção da conferência (art. 643º, nº 4 e 652º, nº 3 do CPC).

Assim sendo, as retribuições intercalares devidas à recorrida, nos termos da sentença liquidanda, são, como foi decidido pela Relação, as referentes ao período de 20/06/2012 (30 dias antes da propositura da ação) até ao dia 19/06/2014 (data do trânsito em julgado).

Também no valor da indemnização substitutiva da reintegração será considerada a antiguidade até ao dia 19/06/2014, nos termos do art. 391º, nº2 do CT.

Pelo referido, o acórdão revidendo não merece censura, nesta parte.

 

4.2.3 – Se nas retribuições intercalares devem ser incluídos os subsídios de férias e de Natal.

Em conformidade com o estabelecido no art. 390º, nº 1 do CT, na sentença objeto da liquidação, foi a recorrente condenada a «pagar à A. todas as prestações pecuniárias que esta deixar de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da acção (20/06/2012) até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos, deduzida do montante do subsídio de desemprego auferido [incumbindo neste caso à entidade patronal entregar essa quantia à Segurança Social, em conformidade com o estabelecido na al. c) do n.º 2 do art. 390º do Código de Trabalho], acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da liquidação que venha a ser efetuada das referidas quantias».

Defende a recorrente que nestas prestações pecuniárias não se incluem os subsídios de férias e de Natal, argumentando que o legislador não os referiu expressamente e por outro, nos termos da sentença, os subsídios devidos são apenas os referidos nas alíneas E, F e G do dispositivo.

Vejamos.

As alíneas em causa são do seguinte teor:

«E. Pagar à A. a importância ilíquida de 468,27 € (quatrocentos e sessenta e oito euros e vinte e sete cêntimos), a título de férias, vencidas em 01/01/2010, e não gozadas, nem recebidas, pela A.;

F. Pagar à A. a importância ilíquida de 936,64 € (novecentos e trinta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de férias, vencidas em 01/01/2011, e não gozadas, nem recebidas, pela A.;

G. Pagar à A. os proporcionais de férias, de subsídios de férias e de Natal, referentes ao ano da cessação do contrato de trabalho, no montante ilíquido de 2.107,39 € (dois mil, cento e sete euros e trinta e nove cêntimos);»

Ora, como claramente se vê, as férias e os subsídios a que se reportam as transcritas alíneas são as férias vencidas em 1/01/2010, as vencidas em 1/01/2011 e os proporcionais das férias e dos subsídios de férias e de Natal, referentes ao ano da cessação do contrato.

E a alínea C do dispositivo, ao contrário do alegado, não tinha que se referir expressamente aos montantes das férias e dos subsídios.

Efetivamente foi a recorrente condenada a pagar todas as prestações pecuniárias que a A. deix[ou] de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da acção (20/06/2012) até à data do trânsito em julgado da decisão.

Não oferece dúvida que os subsídios de férias e de Natal constituem prestações pecuniárias devidas nos termos dos arts. 263º e 264º do CT e que a A. teria recebido caso não tivesse sido despedida. Mas tendo-o sido, tratam-se de prestações pecuniárias que a A. deix[ou] de auferir.

Nas palavras de Pedro Romano Martinez ([13]): “…o despedimento ilícito não é inválido: representa o incumprimento do contrato de trabalho por parte do empregador …a solução legal explica-se pela contraposição entre o dever de indemnizar e a obrigação de cumprir pontualmente o contrato. O empregador que despediu ilicitamente um trabalhador deve indemnizá-lo de todos os prejuízos causados (art. 389º, nº 1, alínea a), do CT) e, cumulativamente, tem de cumprir a prestação compensando o trabalhador de proventos que obteria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido”.

Sendo o despedimento ilícito “a entidade empregadora deverá pagar ao trabalhador o valor das retribuições correspondentes ao período entre o despedimento e ‘o trânsito em julgado da decisão do tribunal’ (art. 390º/1, aquilo que ele «ganharia» se o contrato tivesse subsistido…” ([14]).

E o referido vale mutatis mutandis para a retribuição correspondente às férias relativas ao mesmo período.

Concluímos assim, que nas retribuições intercalares incluem-se os subsídios de férias e de Natal e a retribuição das férias respetivas, como decidido no acórdão recorrido.

4.2.4 – Se a dedução do valor do subsídio de desemprego, nos termos do art. 390º, nº 2 do CT, se limita ao período de recebimento das retribuições intercalares ou se são dedutíveis os montantes recebidos desde a data do despedimento.

Pretende a recorrente a dedução, no montante das retribuições intercalares, do valor total do subsídio de desemprego atribuído à recorrida após o despedimento, como decidido na 1ª instância, ao invés de apenas o montante correspondente ao período em que são devidas as prestações intercalares, como decidido pela Relação.

A este propósito dir-se-á, subscrevendo e reiterando o que foi dito pela Relação, que também nós «não vislumbramos qual o interesse da aqui [recorrente] nesta questão, pois o desconto do subsídio de desemprego não a desonera de proceder à sua entrega à Segurança Social, como decorre da última parte da alínea c) do nº 2 do artigo 390º do CT. O empregador em situação alguma pagará quantia superior à retribuição que era devida ao trabalhador».

O subsídio de desemprego constitui uma prestação da Segurança Social de proteção no desemprego, considerado este como “toda a situação decorrente da perda involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho…” (art. 1º do DL 220/2006 de 3/11). Trata-se de uma prestação para a qual o trabalhador contribuiu financeiramente, estando dependente a sua atribuição de um período mínimo de contribuições, o denominado “prazo de garantia” ([15]).

No caso, a A. foi, por via do despedimento ilícito efetuado pela recorrente, colocada na situação de desemprego e, nessa medida, sem auferir proventos para fazer face às suas despesas e, daí a atribuição do subsídio de desemprego.

Como atrás se referiu, o pagamento das retribuições intercalares consiste na reconstituição da situação prestacional devida pela entidade empregadora e que existiria se não tivesse ocorrido o despedimento.

Com as deduções estabelecidas no art. 390º, nº 2 do CT e, designadamente do subsídio de desemprego, visou o legislador garantir que a reconstituição da situação patrimonial fosse efetivamente uma reconstituição, impedindo que o trabalhador seja colocado numa situação mais favorável do que aquele que teria se o despedimento não tivesse ocorrido.

Ora, a situação mais vantajosa só ocorrerá se o trabalhador acumular, no mesmo período de tempo, o subsídio de desemprego e as retribuições intercalares. Não ocorrendo essa acumulação, é óbvio que a situação do trabalhador não será mais vantajosa.

Daqui deflui como consequência lógica, que o subsídio de desemprego a deduzir será unicamente o referente ao período em que a entidade empregadora está obrigada a pagar as retribuições intercalares. No caso, desde os 30 dias anteriores à propositura da acção (20/06/2012) até ao dia 01/09/2013, data em que o mesmo cessou, como, e bem, foi decidido pela Relação.

4.2.5 – Se o valor das retribuições intercalares a considerar é o líquido ou o ilíquido.

Sobre esta questão consignou-se no acórdão recorrido:

«Nas suas contra-alegações a recorrida defende que a apelante vem peticionar o pagamento das retribuições ilíquidas, todavia, importa referir que sobre a retribuição ilíquida incidem os normais descontos, até porque se a Apelante se tivesse mantido em funções era as retribuições liquidas que receberia, e não as ilíquidas, razão pela qual a condenação deve incidir sobre a quantia liquida.

Salvo o devido respeito, não partilhamos este entendimento.

Em primeiro lugar a sentença recorrida condenou a aqui recorrida no pagamento das retribuições ilíquidas e a aqui recorrida não impugnou tal decisão, pelo que a mesma transitou em julgado - cfr. o artigo 635.º, n.º 4 e 636.º do Código de Processo Civil.»

E efetivamente assim é.

Na sentença da 1ª instância foram liquidadas as retribuições atendendo ao seu valor ilíquido, ou seja, antes dos descontos legais. A ora recorrente não apelou, nem mesmo subordinadamente, nem requereu a ampliação do objeto do recurso.

Assim sendo, como bem refere a Relação, a sentença transitou em julgado quanto a esta questão, não podendo este tribunal pronunciar-se sobre a mesma.

4.2.6 – Se a interpretação consignada no acórdão recorrido viola o princípio da igualdade, ao acesso ao direito e à segurança jurídica ínsitos nos arts. 13º e 59º da CRP.

Estabelece o art. 13º da CRP, sob a epígrafe “princípio da igualdade”:

“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

É vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a densificação do princípio constitucional da igualdade, e no sentido de que o mesmo impõe “que seja conferido um tratamento igual a situações de facto iguais e, reversamente, que sejam objecto de tratamento diferenciado situações de facto desiguais” ([16]).

“Só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem (acórdão n.º 47/2010)”([17]).

No art 59º da CRP é este princípio geral da igualdade objeto de alguma concretização relativamente ao direito dos trabalhadores.

Resulta da alegação da recorrente que ao fixar-se o trânsito em julgado no décimo dia posterior ao da notificação da decisão que indeferiu a reclamação do despacho que não admitira o recurso, numa situação em que o recurso não era efetivamente admissível, está-se a beneficiar a A. e a prejudicar a recorrente na medida em que se vê obrigada a pagar-lhe quantias superiores às que seriam devidas.

Mas não tem razão.

Os direitos que foram reconhecidos à A. são exatamente os que seriam reconhecidos a qualquer outro trabalhador e impostos a qualquer entidade empregadora, nas mesmas circunstâncias – as retribuições intercalares são devidas até ao trânsito em julgado da sentença e até esta data se atenderá para efeitos de cálculo da indemnização substitutiva da reintegração.

Refere ainda que se o legislador quisesse prever o pagamento de subsídio de férias e de [N]atal no art.º 390 nº 1 do Cód. de Trabalho tinha preceituado de forma explícita o que não o fez, pelo que a interpretação que esta Relação faz de tal norma legal é claramente violadora do princípio da igualdade previsto nos art.º 13 e 59 ambos da C.R.P.

Ora, constituindo o pagamento das retribuições intercalares a reconstituição da situação que a A. teria se não tivesse sido despedida, o pagamento dos subsídios de férias nos mesmos termos em que são pagos aos demais trabalhadores que não foram despedidos, observa o princípio da igualdade ao invés de o violar, como vem alegado.

Não se verifica, por isso, qualquer violação do princípio da igualdade.

E o mesmo se diga quanto à segurança jurídica e ao acesso ao direito.

A segurança jurídica ocorre por via do trânsito em julgado e este consubstancia-se na ordem jurídica no momento em que se esgotaram os meios de impugnação da decisão, circunstância que não é afetada pela discordância da parte quanto ao momento em que o trânsito ocorre.

 Estabelece o art. 20º da CRP:

(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.

4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

Não vemos em que medida foi violado o princípio constitucional de acesso ao direito.

Efetivamente a recorrente teve oportunidade de trazer, e trouxe, perante os tribunais a sua versão dos factos, de produzir as suas provas, de se opor à liquidação e de recorrer para os tribunais superiores.

O acesso ao direito não se confunde com a obtenção de uma decisão favorável como parece ser o entendimento da recorrente.

Em suma, não se mostram violados os princípios da segurança jurídica nem os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito ínsitos nos arts. 13º, 20º e 59º da CRP.

5. DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido;

2 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 22.02.2017

Ribeiro Cardoso - Relator

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

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Alteração da matéria de facto

Trânsito em julgado

Retribuições intercalares

Subsídio de férias

Subsídio de Natal

Subsídio de desemprego

Princípio da igualdade

Acesso ao direito

1 – Nos termos do estabelecido no art. 662º, nº 1 do CPC, a Relação deve alterar a decisão que considerou provado um determinado facto por documento, se o teor deste for diverso do que se consignou como facto provado.

2 - O trânsito da sentença só ocorre depois de esgotados todos os meios de reação legalmente previstos ou o decurso do respetivo prazo, designadamente, a interposição de recurso nos termos gerais ou excecionais, mesmo que não admissível, a reclamação do despacho de não admissão do recurso, o pedido de reforma ou a arguição de nulidades.

3 – Tendo a parte interposto recurso de revista do acórdão da Relação que confirmou a sentença da 1ª instância e apresentado reclamação do despacho que não o admitiu, para o Supremo Tribunal de Justiça, que a desatendeu, o trânsito em julgado ocorre no décimo dia posterior ao da notificação desta decisão, caso não seja apresentada reclamação para a conferência, nos termos dos arts. 643º, nº 4 e 652º, nº 3 do CPC.

4 – O pagamento das retribuições intercalares previstas no art. 390º, nº 1 do Código do Trabalho, inclui a retribuição do período de férias e os subsídios de férias e de Natal respetivos.

5 - No caso previsto na alínea b) do mesmo preceito, da ação não ter sido proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, o subsídio de desemprego a deduzir, nos termos do art. 390º, nº 2, al. c) do Código do Trabalho é unicamente o atribuído ao trabalhador no período em que a entidade empregadora está obrigada a pagar as retribuições intercalares e não o que foi atribuído desde o despedimento.

6 – A interpretação dos arts. 390º do Código do Trabalho e 628º do Código de Processo Civil, nos termos anteriormente consignados, não viola o princípio da segurança jurídica, nem os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito ínsitos nos arts. 13º, 20º e 59º das Constituição da República Portuguesa.

Lisboa, 22.02.2017

Ribeiro Cardoso
Ferreira Pinto
Chambel Mourisco

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[1] No texto é adotado o acordo ortográfico, exceto nas transcrições (texto em itálico e/ou entre comas) em que é mantida a versão original.
[2] Relatório elaborado com base no exarado no acórdão recorrido.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n.º 2 do CPC.
[5] Ac. do STJ (4ª secção) de 10.12.2015 (Melo Lima), proc. 2367/12.9TTLSB.L1.S1. No mesmo sentido cfr. também o acórdão deste mesmo tribunal e secção de 22.04.2015 (Melo Lima), proc. 822/08.4TTSNT.L1.S1.
[6] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 422.
[7] Sublinhado da nossa autoria.
[8] CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pg. 7.
[9] Embora se estejam a referir a normas do anterior Código Processo Civil, mais concretamente ao artigo 677º, a doutrina tem aqui plena aplicação, pois quanto a esta matéria pouco ou nada se alterou.
[10] Correspondente ao artigo 643º do atual CPC.
[11] Sublinhado da nossa autoria.
[12] CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, vol. V, 1981, reimpressão, pág. 219.
[13] DIREITO DO TRABALHO, 2015, 7ª edição, págs. 1012 e 1017.
[14] António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO, 17ª edição, pág. 525.
[15] Art. 22º do DL 220/2006 de 3/11 (na redação dada pelo DL 64/2012 de 15/03): “Prazos de garantia.
1 — O prazo de garantia para atribuição do subsídio de desemprego é de 360 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego.
2—O prazo de garantia para atribuição do subsídio social de desemprego é de 180 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego.”
[16] Ac. do TC de 8.06.1993, DR, IIª série de 6/10/1993; ac. do TC 187/2013 de 5/05/2013; ac. do TC nº 47/2010; ac. do TC nº 353/2012 e o ac. TC nº 313/89, entre outros.
[17] Ac. do TC 187/2013 de 5/05/2013 referido na nota anterior.