Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98S325
Nº Convencional: JSTJ00037221
Relator: MANUEL PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A PRAZO
Nº do Documento: SJ199904260003254
Data do Acordão: 04/26/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N486 ANO1999 PAG217
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4281/97
Data: 03/11/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: LCCT89 ARTIGO 41 N1 N2.
CONST97 ARTIGO 53.
Sumário : I- A contratação a prazo ou a termo interfere com a desejada estabilidade do emprego, que se pretende duradouro por forma a conferir ao trabalhador a segurança que está associada a uma tal estabilidade, sendo que há situações que justificam a contratação de trabalhadores por períodos relativamente curtos, correspondentes a necessidades de ocasião.
II- Porém, como um empregador normal não deseja, razoavelmente, ficar vinculado para futuro a um trabalhador cuja prestação apenas se justifica por curtos meses ou se esgota na execução de certa obra ou resultado, ao legislador não podia ter escapado uma tal realidade e a percepção de que sempre é melhor a admissibilidade do contrato a termo à pura e simples não contratação.
III- Assim, o legislador procurou um equilíbrio, que encontrou, restringindo a admissibilidade da contratação a termo aos casos que taxativamente indicou, contidos agora no n. 1 do artigo 41 da Lei dos Despedimentos, rodeando a celebração dos contratos de exigências formais, do mesmo passo que impôs limites à sua duração.
IV- A segurança no emprego, acolhida no artigo 53 da Lei Fundamental, não tem o alcance de vedar o recurso à celebração de contratos de trabalho a termo, concretamente nos moldes em que se encontra disciplinada na Lei dos Despedimentos.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

Em acção com processo ordinário que propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa (5. Juízo, 2. Secção) contra B, A, solteira, jornalista, pediu a condenação da Ré, uma vez julgado ilícito o despedimento, a reintegrar a Autora ou a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, se por ela optar, e a pagar-lhe os créditos de trabalho já vencidos, que perfazem 3079466 escudos, e os que se vencerem a partir de Dezembro de 1994.
Alegou, no essencial, que entrou ao serviço da Ré, como jornalista, em 1 de Junho de 1990, cumprindo as ordens e instruções de serviço dos responsáveis da Ré.
Em 1 de Agosto de 1992 celebrou com a Ré um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 6 meses, renovado por um ano em Janeiro de 1993.
Por carta de 22 de Novembro de 1993, a Ré comunicou à Autora que o contrato não seria renovado, pelo que caducaria na data do seu termo, 31 de Janeiro de 1994.
A estipulação de prazo é, porém, nula, pois que a Autora fazia parte da estrutura produtiva da Ré desde Junho de 1990, mas não tendo o contrato sido reduzido a escrito, além de que a Autora não era trabalhadora à procura do primeiro emprego, justificação para a celebração do contrato a termo.
Para além das retribuições que se venceram a partir de Dezembro de 1994, tem a Autora direito a diferenças salariais, que discrimina.
Contestou a Ré alegando que a Autora, através de sucessivos contratos de prestação de serviços, prestou colaboração em diversos programas, recebendo 1000 escudos por cada um deles - essa colaboração perdurou de 1 de Junho de 1990 a 31 de Dezembro de 1991 e foi prestada na então Delegação da Ré de Elvas.
A Autora, por carta de 23 de Dezembro de 1991, rescindiu, a partir de 1 de Janeiro de 1992, os contratos de colaboração que vinha mantendo com a Ré, sendo falso que fosse trabalhadora efectiva e jornalista, categoria profissional para a qual não estava habilitada.
O contrato a termo respeitou as exigências e formalidades legais, foi renovado uma vez, pelo que a Ré, ao pôr-lhe termo, agiu correctamente, pelo que não houve despedimento ilícito nem assiste à Autora direito às quantias que reclama.
Condensada, instruída e julgada a causa, proferiu-se sentença a absolver a Ré do pedido, por improcedência da acção.
Sob apelação da Autora, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença impugnada.
Voltou a não se conformar a Autora, que recorreu de revista, tendo assim concluído a sua alegação:
a) A Autora ora recorrente não estava à procura do 1. emprego quando celebra com a Ré o contrato de trabalho a termo que se funda em tal facto ao abrigo da alínea h) do n. 1 do artigo 41 do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
b) Com efeito, tal preceito só permite a celebração de contratos de trabalho a termo com trabalhadores à procura do 1. emprego, o que não era o caso da Autora, que cessara um contrato a termo com a Ré.
c) Esta expressão no contexto limitativo da lei - "só" podem celebrar-se contratos a termo nos casos previstos que cita -, é a que se adequa ao carácter excepcional deste tipo de contratos.
d) O artigo 53 da Constituição, inserido no Capítulo III consagrado aos Direitos, Liberdades e Garantias dos trabalhadores garante aos trabalhadores a segurança no emprego.
e) O recurso a sucessivos contratos a termo é por si violadora desse normativo constitucional.
f) Mas, também o recurso no acórdão em causa às disposições do Decreto-Lei n. 257/86, de 27 de Agosto, ou o seu substituto, o Decreto-Lei n. 89/95, de 6 de Maio, parece carecer de sentido já que nestes diplomas se encara a abolição de situações de emprego precário, qualquer que tenha sido o seu número e a sua causa, para se poder obter o mesmo desiderato de que o carácter excepcional do contrato a termo pretende - a sua eliminação.
g) Violou por isso o acórdão recorrido a alínea h) do n. 1 do artigo 41 do Decreto-Lei 64-A/89, sendo portanto nulo o termo aposto no contrato celebrado com a Autora, nos termos do n. 2 daquele artigo.
h) Deve, por isso, ser concedido provimento ao recurso considerando-se a nulidade do termo assinalado ao segundo contrato a termo, reconhecendo-se o mesmo como sem prazo, com as legais consequências.
A recorrida, na contra-alegação, defende a confirmação do julgado.
Também no sentido da negação da revista emitiu douto parecer o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O acórdão recorrido considerou fixados os seguintes factos:
1) Em 1 de Agosto de 1992, Autora e Ré acordaram entre ambas, nos termos do denominado "contrato de trabalho a termo certo", a folhas 12 a 14, dado por reproduzido, nos termos do qual a Autora se obrigou a prestar à Ré actividade como jornalista estagiária do 1. ano, nas instalações da Ré na Rua do Quelhas, Lisboa, contra o recebimento mensal de 94810 escudos.
2) Em 14 de Janeiro de 1993, Autora e Ré acordaram entre ambas, nos termos do denominado "contrato de trabalho a termo certo", a folhas 15-16, aqui reproduzido, nos termos do qual a Autora se obrigou a prestar à Ré a actividade de jornalista estagiária do 1. ano, contra o recebimento mensal de 94810 escudos.
3) Por carta de 22 de Novembro de 1993, a Ré declarou à Autora que o contrato de trabalho a termo certo celebrado em 14 de Janeiro de 1993 não seria renovado caducando na data do seu termo, nos termos de folha 18, aqui reproduzida.
4) Nos períodos abaixo referidos e para as categorias profissionais referidas, a Ré pagava os seguintes salários:
- Junho a Dezembro de 1990, jornalista estagiário do 1. ano, 69500 escudos;
- 1 de Janeiro de 1991 a 31 de Maio de 1991, jornalista estagiário do 1. ano, 79250 escudos;
- 1 de Junho de 1991 a 31 de Dezembro de 1991, jornalista estagiário 2. ano, 93350 escudos;
- 1 de Janeiro de 1992 a 31 de Maio de 1992, jornalista estagiário do 2. ano, 103390 escudos;
- 1 de Junho de 1992 a 31 de Dezembro de 1992, jornalista nível A - escalão O, 121720 escudos.
5) Em 29 de Maio de 1990, a Autora e a Ré outorgaram o denominado "contrato de prestação de serviços" a folha 34 e aqui reproduzido, pelo qual a Autora se obrigou a elaborar ou colaborar na elaboração, de modo autónomo, num total de 15 programas com início em 1 de Junho de 1990 e termo em 30 de Junho de 1990, recebendo 1000 escudos por programa.
6) Em 26 de Junho de 1990, Autora e Ré outorgaram o denominado "contrato de prestação de serviços" a folha 35, aqui reproduzido.
7) Em 19 de Julho de 1990, 16 de Agosto de 1990, 21 de Novembro de 1990, 17 de Dezembro de 1990, 7 de Junho de 1991 e 13 de Agosto de 1991, a Autora e a Ré outorgaram os denominados "contratos de prestação de serviços" a folhas 36-42, respectivamente, aqui reproduzidos.
8) No âmbito dos contratos referidos de 5) a 7) todas as colaborações que a Autora prestou à Ré tiveram lugar nas instalações da Ré na sua delegação de Elvas.
9) Em 23 de Dezembro de 1991, a Autora dirigiu ao Director da Rádio Elvas a carta a folha 43, aqui reproduzida, declarando "Alterações da minha vida pessoal impedem-me de poder continuar a cumprir o contrato estabelecido com a Rádio Elvas a partir de 1 de Janeiro de 1992, pelo que agradeço que o mesmo seja rescindido a partir dessa data".
10) A Autora auferiu, mensalmente, da Ré 94810 escudos de 1 de Agosto de 1992 a 31 de Dezembro de 1992, 99550 escudos de 1 de Janeiro de 1993 a 31 de Julho de 1993 e 108560 escudos a partir de 1 de Agosto de 1993.
11) A Autora a partir de 1 de Junho de 1990 prestou a sua colaboração à Ré, na C, em Elvas, nos termos descritos nos acordos referidos em 5), 6) e 7), tendo a partir de 1 de Fevereiro de 1992 passado a trabalhar na redacção da B, em Lisboa, como jornalista em regime de estágio e a partir de 1 de Agosto de 1992 como jornalista, diz-se, como jornalista estagiária do 1. ano, cumprindo ordens e instruções de serviço do chefe de redacção da Ré; sendo que entre 1 de Fevereiro de 1992 e 31 de Julho de 1992 tal trabalho foi prestado sem autorização do Conselho de Administração da Ré.
12) A partir de 1 de Fevereiro de 1992, a Autora cumpria um horário de trabalho que começou por ser das 8 às 15 horas.
13) A partir de 1 de Fevereiro de 1992, a Autora permaneceu disponível para realizar as tarefas que eram superiormente determinadas, integrando-se na estrutura de funcionamento da redacção em situação idêntica à dos restantes jornalistas da redacção.
14) Entre 1 de Fevereiro de 1992 e 31 de Julho de 1992, a Autora prestou actividade jornalística à Ré nos termos referidos em 11).
15) O contrato de trabalho identificado em 2) não foi renovado pela Ré, em virtude da informação dimanada do Director de Informação, a folhas 48 e 49, aqui reproduzida.
16) Entre 1 de Fevereiro de 1992 e 31 de Julho de 1992, a Ré não pagou à Autora qualquer retribuição.
17) Entre 16 de Agosto de 1988 e 16 de Setembro do mesmo ano, a Autora trabalhou em regime de contrato de trabalho a termo, com a categoria de trabalhadora dos serviços auxiliares fabris, para a Sociedade Elvense de Tomate, Limitada.
É com base nesta factualidade, a que o Supremo deve acatamento, que há que conhecer do objecto da revista, que, delimitado que é pelas conclusões da alegação da recorrente, consiste em saber se na segunda contratação a termo da Autora, por ter o mesmo fundamento do primeiro contrato a prazo, há que considerar nula a estipulação do termo por aplicação do disposto no n. 2 do artigo 41 do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que passaremos a designar por L. Desp., e assim concluir pela existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Defende a recorrente que estava vedado à Ré voltar a contratá-la a termo com fundamento na alínea h) do n. 1 do artigo 41 da L. Desp., que consente a contratação "de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego" porquanto, mercê do primeiro contrato, a recorrente não era trabalhadora à procura de primeiro emprego.
Antecipando a conclusão, podemos dizer que o acórdão recorrido decidiu com acerto, não contendo a alegação da recorrente razões que contrariem a argumentação que levou à confirmação da improcedência da acção.
Há que reconhecer que a contratação a prazo ou a termo interfere com a desejada estabilidade do emprego, que se pretende duradouro por forma a conferir ao trabalhador a segurança que está associada a uma tal estabilidade.
Mas também é forçoso reconhecer que situações há que justificam a contratação de trabalhadores por períodos relativamente curtos, correspondentes a necessidades de ocasião.
E como um empregador normal não deseja, razoavelmente, ficar vinculado para futuro a um trabalhador cuja prestação apenas se justifica por curtos meses ou se esgota na execução de certa obra ou resultado, ao legislador não podia ter escapado uma tal realidade e a percepção de que sempre é melhor a admissibilidade do contrato a termo à pura e simples não contratação.
Daí que haja procurado um equilíbrio, que encontrou restringindo a admissibilidade da contratação a termo aos casos que taxativamente indicou, contidas agora no n. 1 do artigo 41 da L. Desp., rodeando a celebração dos contratos de exigências formais, do mesmo passo que impôs limites à sua duração.
Ora, à data da publicação da L. Desp. vigorava o Decreto-Lei n. 257/86, de 27 de Agosto, que, visando incentivar a criação de emprego para jovens, estabeleceu benefícios, concretamente dispensa de pagamento de contribuições à Segurança Social durante certo período, às entidades empregadoras que celebrassem contratos de trabalho por tempo indeterminado com trabalhadores que, dentro de certo escalão etário, se encontrassem na situação de 1. emprego (artigos 1 n. 1 e 3 n. 1).
Com o propósito de deixar clarificada a situação, estabeleceu o n. 2 do artigo 3 do referido diploma que se consideram "em situação de primeiro emprego os trabalhadores que nunca tenham sido contratados por tempo indeterminado".
Este entendimento de primeiro emprego aparece reafirmado no Decreto-Lei n. 89/95, de 6 de Maio, (artigo 3 n. 1), diploma que regulou "a atribuição de incentivos à contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração" (artigo 1), e no Decreto-Lei n. 34/96, de 18 de Abril (artigo 2 n. 1), diploma que reformulou o regime do Decreto-Lei 89/95.
Considerada a redacção da alínea h) do n. 1 do artigo 41 da L. Desp., é para nós seguro que nela foram tidas em conta as realidades que se ofereciam no campo do emprego e as políticas que visavam fomentá-lo, concretamente o estabelecido no Decreto-Lei n. 257/86, pelo que ao admitir-se ali a contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego teve-se em vista aqueles que nunca hajam sido contratados por tempo indeterminado.
A harmonia do sistema jurídico e a proximidade das realidades contempladas num e noutro campo impõem uma tal conclusão, de resto reforçada por outra ordem de considerações.
É que à contratação a termo que perdurou de 1 de Agosto de 1992 a 31 de Janeiro de 1993, juntou-se outra, que foi acordada em 14 de Janeiro de 1993, antes de esgotado aquele prazo, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1993.
Ambos os acordos foram celebrados ao abrigo da mesma disposição legal (a citada alínea h) do n. 1 do artigo 41 da L. Desp.), a Autora obrigou-se a prestar à Ré, no mesmo local, idêntica actividade, mediante igual retribuição (ver documentos de folhas 12-4 e 15-6).
Portanto, em termos reais, a posição laboral da Autora não sofreu qualquer outra alteração que não fosse um prolongamento no tempo, nos limites permitidos que a contratação a termo, pelo que a realidade jurídica que se nos oferece não pode deixar de ser encarada como una.
Aliás, que a Autora também assim a considerou mostra-o o alegado no artigo 9 da petição inicial, onde diz que a Ré, e passamos a transcrever, "em 1 de Agosto de 1992, celebra com a Autora um contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de seis meses, renovado por mais um ano em Janeiro de 1993 (Doc. 7 e 8)".
Se a lei, n. 4 do artigo 44 da L. Desp., determina que se considera como um único contrato a termo certo aquele que seja objecto de renovação, uma tal determinação não deixa de valer para o caso que se analisa, face à identidade dos termos da contratação e à inexistência de solução de continuidade na produção dos seus efeitos, nada justificando que recebessem tratamento diverso realidades essencialmente idênticas.
Consequentemente, se como contrato único tem de ser considerado o que foi acordado e abrangeu o período de 1 de Agosto de 1992 a 31 de Janeiro de 1994, ao celebrar o acordo consubstanciado no documento de folhas 15-6 a Autora conservava a posição de trabalhadora à procura de primeiro emprego, inexistindo, por isso, obstáculo à celebração desse acordo.
Resta dizer que a segurança no emprego, acolhida no artigo 53 da Lei Fundamental, não tem o alcance de vedar o recurso à celebração de contratos de trabalho a termo, concretamente nos moldes em que se encontra disciplinada a L. Desp., com a qual se conformou a contratação da recorrente.
Falece, pois, razão à recorrente, não se mostrando violadas as disposições que cita nas conclusões da sua alegação.
Termos em que se acorda em negar a revista.
Lisboa, 26 de Abril de 1999.

Manuel Pereira,
José Mesquita,
Padrão Gonçalves.