Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S2771
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES CADILHA
Descritores: COMISSÃO DE SERVIÇO
CONTRATO DE TRABALHO
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
RELAÇÃO DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DISCRIMINAÇÃO
DANOS MORAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ200310220027714
Data do Acordão: 10/22/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7347/01
Data: 11/22/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : I - Devendo considerar-se como confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial, por falta de oportuna contestação do réu, nos termos do artigo 54º, nº. 1, do Código de Processo de Trabalho de 1981, é ainda ao juiz do processo que cabe seleccionar, de entre eles, os factos relevantes para a decisão a proferir, de acordo com o princípio geral que emana do artigo 511º, nº. 1, do Código de Processo Civil;
II - Nestes termos, a eventual não inclusão, na base instrutória, de factos que tenham sido alegados pelo autor, e que este considera relevantes para a discussão da causa, não envolve qualquer erro de direito quanto à fixação dos factos materiais, mas mera discordância sobre a decisão de facto, que, como tal, não é susceptível de ser reparada pelo Supremo Tribunal em recurso de revista (artigo 722º, nº. 2, e 729º, nº. 2, do Código de Processo Civil;
III - Numa interpretação conforme à Constituição, a norma do artigo 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro - que admite que a comissão de serviço para cargos de direcção e de confiança, no âmbito das relações laborais de direito privado, possa ser feita cessar a todo o tempo -, deve entender-se em sentido restritivo, de modo a excluir que possam ser invocados como fundamentos para a cessação da comissão de serviço razões que objectivamente representem factores de discriminação ilegítimos, e designadamente razões de natureza política (artigo 13º, nº. 1, da Constituição);
IV - Tendo o autor especificado como danos não patrimoniais certos sofrimentos físicos e psíquicos, como o stress, grande perturbação e subida da tensão arterial, não é possível a reconstituição da situação anterior ao dano, segundo o princípio da reposição natural, pelo que o seu ressarcimento não poderá fazer-se através da restituição em espécie, mormente mediante a retratação dos autores da lesão por via de um pedido público de desculpas, que relevaria apenas no caso de estar em causa uma ofensa ao bom nome.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório.
"A", com os sinais dos autos, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra a Ana-Aeroportos e Navegação Aérea, EP, (adiante apenas designada por ANA) e contra todos os membros do respectivo conselho de gerência, devidamente identificados, formulando contra a primeira ré um pedido indemnizatório por ilícita cessação da comissão de serviço em que se encontrava investido como director comercial (envolvendo uma indemnização por antiguidade, o pagamento de dois meses de remuneração por incumprimento do aviso prévio e o direito ao prémio anual na proporção correspondente ao tempo de exercício de funções no ano 1997), e, bem assim, um pedido de condenação solidária de todos os réus, na apresentação de um pedido de desculpas, a publicitar na revista editada pela Ana-Aeroportos e Navegação Aérea, EP, com sujeição a sanção pecuniária por cada dia de atraso nessa publicação.
O juiz do processo mandou desentranhar a contestação da primeira ré por a ter considerado intempestivamente apresentada, declarando a nulidade do respectivo acto processual (despacho de fls 269), e em sentença final julgou parcialmente procedente a acção, condenando a primeira ré na indemnização do montante de dois meses de remuneração, correspondente ao período de antecedência com que deveria ter sido comunicada a cessação da comissão de serviço, julgando improcedentes os demais pedidos formulados, incluindo o respeitante à publicitação de um pedido de desculpas.
Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao agravo interposto pela Ana-Aeroportos e Navegação Aérea, EP, contra a decisão que declarou extemporânea a apresentação da contestação, e, julgou parcialmente procedente a apelação, também interposta pelo autor, deferindo a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, que havia sido suscitada quanto a um dos pedidos indemnizatórios parcelares (o direito ao prémio anual), e determinando, em consequência, a condenação da primeira ré no pagamento dessa importância, e mantendo no mais a decisão sob recurso.

É da decisão proferida em matéria de apelação que vem interposto o presente recurso de revista, em que o recorrente formula, na sua alegação, as seguintes conclusões:
1º Em processo laboral, a não contestação por parte do réu determina a fixação de todos os factos articulados pelo Autor - nº. 1 do artº. 54º do Código de Processo do Trabalho.
2º O Tribunal do Trabalho de Lisboa, ao não julgar fixados todos os factos articulados pelo A. violou o artº. 54º, nº. 1, do Código de Processo do Trabalho.
3º Aos factos já julgados assentes pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, devem ser acrescidos todos os outros factos alegados pelo A., nomeadamente nos artºs. 94º, 102º, 105º, 172º, 173º, 174º, 175º, 176º, 224º, 245º e 257º da petição inicial.
4º O artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, quando interpretado no sentido de o conteúdo da norma jurídica permitir a rescisão do acordo de comissão de serviço pela entidade empregadora com fundamentos políticos, nomeadamente por o trabalhador não ser militante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata, é inconstitucional por violar as normas do artºs. 13º, nº. 1 e 2, e 53º da Constituição da República Portuguesa.
5º O Tribunal da Relação de Lisboa ao julgar que o artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, permite a rescisão do acordo de comissão de serviço pela entidade empregadora com fundamentos políticos, nomeadamente por o trabalhador não ser militante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata, aplicou uma norma inconstitucional.
6º O artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, quando interpretado de modo conforme à Constituição, estatui que a entidade empregadora não pode rescindir o acordo de comissão de serviço com fundamentos políticos, nomeadamente por o trabalhador não ser militante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata.
7º O artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, quando interpretado no sentido de permitir à entidade empregadora rescindir o acordo de comissão de serviço por motivos políticos viola a norma do artº. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
8º Os RR. ao rescindirem voluntária e conscientemente o acordo de comissão de serviço com fundamentos políticos, nomeadamente por o trabalhador não ser militante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata, praticaram um acto ilícito e culposo.
9º O Tribunal da Relação de Lisboa ao julgar que os RR. não haviam praticado nenhum acto ilícito por não haver violação nem da norma do artº. 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro (com a interpretação dada por esse Tribunal) nem dos artºs. 13º, nº. 1 e 2, e 53º da Constituição, aplicou mal todas as referidas disposições.
10º Os danos não patrimoniais verificados (stress, perturbação, sofrimento, tendo a tensão arterial subido a níveis perigosos, mantendo-se hoje nesses níveis) são susceptíveis de indemnização (artºs. 70º e 496º do Código Civil).
11º Em regra, a indemnização deve ser obtida através reconstituição em espécie (artº. 562º do Código Civil).
12º Declarando o Autor que um pedido de desculpas assinado pelos RR. e publicado na revista da ANA, EP, repõe a situação como estava antes dos danos, e tratando-se de matéria na disponibilidade do Autor, deve o Tribunal determinar a indemnização em espécie, conforme pedido pelo Autor.
13º A condenação nessa indemnização não é impossível, repara totalmente os danos e não é excessivamente onerosa.
14º O Tribunal da Relação de Lisboa violou, assim, os preceitos dos artºs. 70º, 496º e 562º do Código Civil.
15º A obrigação de indemnização em espécie consistente num pedido de desculpas assinado pelos RR. é uma obrigação infungível e, logo, susceptível de determinar a condenação em sanção pecuniária compulsória.
16º Uma sanção pecuniária compulsória de 100.000$00 (€ 498,80) por cada dia de atraso na assinatura do pedido de desculpas e na sua publicação é adequada para a Ré ANA, EP, que vale 120.000.000.000$00 (598.557.476,48) e tem proveitos anuais da ordem dos 40.000.000.000$00 (€ 199.519.158,83).
17º Uma sanção pecuniária compulsória de 5.000$00 (€ 24,94) por dia de atraso na assinatura do pedido de desculpas e na sua publicação, é adequada para os restantes RR.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu parecer (fls. 486 a 489) no sentido de ser negada a revista, aduzindo, em síntese, o seguinte: o Tribunal da Relação reformulou já a matéria de facto tendo em linha de conta que deverão ter-se como confessados os factos constantes da petição, estando ao Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, vedado efectuar qualquer censura fora dos limites previstos no artigo 729º do CPC, quanto a esta parte decisória; por outro lado, não ocorre a invocada violação do disposto nos artºs. 13º e 53º da Constituição - não está alegado e provado que a vertente política tivesse influenciado a decisão de fazer cessar a comissão de serviço, baseando-se o autor, neste ponto, em meras suposições, e no que se refere à segurança no emprego, importa notar que o próprio documento que titula o recrutamento do autor como director comercial em comissão de serviço, prevê a sua transição para uma categoria do quadro quando essa comissão atinja o seu termo; quanto à condenação em pedido público de desculpas, esta constitui uma mera reparação moral que tem aplicação própria no domínio da lei penal, e não constitui uma forma de indemnização em espécie, pelo que não poderia ser também atendida.
Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto.
A Relação, tendo em consideração que deverão ter-se como confessados os factos articulados pelo autor, por falta de oportuna contestação por parte dos réus, fixou a matéria de facto relevante a partir do alegado na petição inicial, ampliando, em cerra medida, a base instrutória definida na primeira instância, e que passou a ter em atenção que a ré não deduziu atempadamente contestação, apesar de dever considerar-se regularmente citada.

Ficou assim assente a seguinte factualidade:
- Em Março de 1993, o Autor foi convidado pelo então Presidente do Conselho de Gerência da Ré ANA, E.P., a celebrar um contrato com a Ré;
- Em conformidade com essa proposta, o Autor assumiria as funções de Director Comercial da Ré ANA em regime de comissão de serviço;
- Caso a comissão terminasse, o Autor assumiria as funções de Técnico Superior Assessor C 25;
- No seguimento dessa proposta, o Autor e a Ré ANA, E.P. celebraram acordos, a 1 de Maio de 1993, nos termos dos documentos constantes de folhas 16, 17 e 18 dos autos;
- Nos termos dos acordos, o Autor tinha a categoria de Director;
- A retribuição do Autor seria constituída por uma parte em dinheiro e por uma parte em espécie;
- A retribuição pecuniária era constituída por uma parte fixa e por duas parcelas variáveis (performance e o prémio);
- A retribuição em espécie era constituída por um automóvel, senhas de gasolina, pagamento de parte da conta telefónica do Autor e cartão de crédito;
- O Autor recebia, como parte fixa da parcela pecuniária da retribuição, 566.450$00;
- Este montante era constituído por 464.300$00, aos quais acresciam 102.150$00 a título de isenção de horário;
- Nos termos dos usos e regulamentos da empresa, foi atribuído ao Autor um automóvel, de sua escolha, até um valor de 5.750.000$00;
- O automóvel escolhido foi um Nissan Primera 2.0 SGX, com caixa automática e com a matrícula DI; o valor de compra do veículo foi de 5.749.999$00;
- Esse veículo era para uso exclusivo do Autor;
- Foi estipulado, resultando dos regulamentos internos e dos usos da empresa, que mais nenhuma pessoa da empresa podia usar o referido automóvel;
- Tendo sido sempre usado em benefício do Autor;
- Conforme estipulado e resultava das regras aplicáveis ao contrato, o Autor usava esse veículo continuamente, estando este sempre em seu poder; - Conforme estipulado e resultava das regras aplicáveis ao contrato, o Autor usava o automóvel nas férias, durante os fins-de-semana e fora das horas de serviço;
- Conforme estipulado e resultava das regras aplicáveis ao contrato, quando o automóvel não era usado ficava estacionado perto da residência do Autor e não em instalações da Ré ANA;
- A Ré ANA tinha perfeito conhecimento destes factos e aceitava este comportamento do Autor;
- O Autor gozava do uso do veículo contínua e regularmente;
- O Autor não tem carta de condução;
- Em virtude de incapacidade física, o Autor não conduz;
- O veículo não foi atribuído ao Autor para uso da empresa, as sim para seu uso pessoal;
- A Ré ANA sempre soube que o Autor não tem carta de condução, que não conduz em virtude de incapacidade física, e que o veículo era usado para satisfazer as necessidades pessoais do Autor e do seu agregado familiar;
- É uso não só na Ré ANA, mas também nas empresas da dimensão da Ré ANA, atribuir veículos a trabalhadores de posições hierárquicas elevadas, como elemento da retribuição;
- Na Ré ANA todos os membros de cargos hierárquicos elevados, incluindo os membros do conselho de gerência, têm direito a um veículo para seu uso pessoal, como contrapartida do seu trabalho;
- Esses veículos não são exclusivamente para uso ao serviço da empresa, mas sim para uso pessoal dos trabalhadores;
- O veículo em causa foi atribuído ao Autor como contrapartida pelo seu trabalho;
- E em cumprimento das regras internas da Ré ANA e dos usos da empresa;
- O valor pelo qual a Ré ANA comprou o veículo foi de 5.499.999$00;
- O valor pelo qual o Autor comprou o veículo à Ré ANA foi de 1.197.916$00;
- O Autor recebia da Ré ANA 46.000$00 em senhas de gasolina;
- Senhas essas que recebia regular e periodicamente (mensalmente);
- O Autor, quando se deslocava em serviço da Ré ANA, não o fazia de automóvel;
- Enquanto director comercial da Ré ANA, o Autor tinha de deslocar-se frequentemente aos vários aeroportos geridos pela Ré ANA (Portela, Francisco Sá Carneiro, Santa Maria, Porto Santo, Faro, Ponta Delgada);
- Em virtude das distâncias envolvidas, o Autor deslocava-se de avião;
- Sendo todas as despesas suportadas pela Ré ANA;
- O mesmo se passava quando havia necessidade de se deslocar ao estrangeiro, quer para participar em congressos, reuniões, ou simplesmente tomar conhecimento das experiências de gestão seguidas por outras empresas com o mesmo objecto da Ré ANA;
- Os montantes entregues ao Autor em senhas de gasolina nunca variaram, excepto no seu aumento anual;
- Estas senhas de gasolina eram entregues ao Autor em contrapartida pelo seu trabalho;
- Conforme estipulado, a Ré ANA pagava sempre até 17.500$00 da conta telefónica do Autor por mês;
- Este pagamento era uma contrapartida pelo trabalho do Autor;
- Sendo atribuído aos trabalhadores do nível 1 ao nível 8;
- O Autor não usava o seu telefone de casa para conversas relativas à sua actividade;
- Usando antes o telemóvel que lhe havia sido entregue pela Ré ANA;
- E que era por esta pago;
- O valor das chamadas pagas pela Ré ANA é, segundo os usos e regulamentos da empresa, parte da retribuição dos trabalhadores de nível hierárquico elevado, incluindo os membros do conselho de gerência;
- As chamadas eram pagas mesmo quando o Autor se encontrava em férias, não dependendo do efectivo trabalho;
- Conforme estipulado, o Autor, tal como todos os outros membros de cargos hierárquicos elevados, tinha também direito a um cartão de crédito da Ré ANA;
- Desse cartão o Autor podia gastar 92.000$00, por mês em gastos pessoais;
- Desse cartão o Autor gastou, em média, cerca de 92 contos em 1997;
- Tal como todos os outros trabalhadores de nível hierárquico elevado da ré ANA, incluindo os membros do conselho de gerência, o autor podia gastar esse montante em gastos pessoais, desde que fosse em estabelecimentos de hotelaria e restauração;
- O autor, tal como os outros membros de cargos hierárquicos elevados na empresa, incluindo os membros do conselho de gerência, gastava esse montante para satisfazer necessidades pessoais; Este montante era pago como contrapartida pelo trabalho do Autor, conforme os usos e regulamentos da empresa;
- Todos os trabalhadores da empresa do nível 1 ao nível 14 tinham direito a um determinado montante;
- Foi estipulado que o Autor tinha o direito a um prémio anual condicionado aos seus bons serviços;
- O Autor recebeu esse prémio nos anos de 1994, 1995 e 1996;
- Em 1996, o prémio foi de 3.568.000$00;
- Foi estipulado que o Autor recebia, desde que atingisse determinado nível de produtividade, mais 161.970$00 por mês;
- O Autor atingiu sempre esse nível de produtividade;
- Recebendo todos os meses esses montantes;
- Em 1994, 1995 e 1996, o Autor foi considerado um dos três melhores directores da empresa;
- O Autor entrou ao serviço da Ré ANA em 1 de Maio de 1993;
- Desde que entrou ao serviço da Ré ANA, até que dela saiu, o Autor iniciava o seu dia de trabalho nas instalações da Ré ANA por volta das 7 horas e 30 minutos/8 horas;
- Terminando por volta das 20 horas/21 horas, conforme os dias, mas, por vezes, terminando ainda mais tarde;
- Quando o Autor iniciou as suas funções como Director Comercial da Ré ANA, os proveitos da Direcção Comercial eram de aproximadamente 3.000.000.000$00, em quebra;
- No primeiro ano (1993), tendo o Autor iniciado funções a 1 de Maio de 1993, os proveitos da Direcção Comercial foram de 3.214.810.000$00;
- No segundo ano (1994), os proveitos da Direcção Comercial foram de cerca de 4.113.000.000$00;
- No terceiro ano (1995), os proveitos da Direcção Comercial foram de cerca de 5.388.000.000$00;
- No quarto ano (1996), os proveitos da Direcção Comercial foram de cerca de 6.480.000.000$00;
- Quando o Autor saiu da ANA, em 1997, os proveitos esperados da Direcção Comercial eram de cerca de 7.631.000.000$00;

- Quando o Autor assumiu as suas funções como Director Comercial da Ré ANA, a situação era a seguinte:
-1.Volume de receitas em quebra;
-2. Várias dezenas de licenças de ocupação de espaços do domínio público aeroportuário em clara violação da lei, nomeadamente por: (a) Títulos de ocupação já caducados; (b)- Pior situação de cobranças na empresa, com prazos de pagamento largamente ultrapassados, o que levou a créditos incobráveis em valores próximos dos 25.000.000$00 (existiam empresas que já não pagavam há mais de um ano); (c) Pior situação nas garantias de crédito da empresa, com créditos sobre as empresas exploradoras de espaços comerciais em aeroportos da ANA não suportados pelas garantias estipuladas na lei (as garantias existentes cobriam apenas um valor total de escassas dezenas de milhares de contos);
-3 - Algumas licenças de exploração que tinham já excedido o prazo máximo legal (20 anos), e que eram sucessivamente renovadas sem cobertura legal;
-4 - Problemas graves com a qualidade dos serviços prestados, boa imagem da empresa e saúde pública, derivadas das condições de trabalho dos bares e restaurantes do Aeroporto de Lisboa que já tinham mais de 40 anos e se encontravam altamente degradados;

- À data da cessação da comissão de serviço (28 de Fevereiro de 1997), a situação era a seguinte:
1 - Volume de receitas com um crescimento anual de cerca de 25%, -
2 - A Direcção Comercial era sistematicamente a direcção com maior crescimento na empresa;
3 - Todas as licenças de ocupação e de exploração em vigor cumpriam todos os requisitos legais, nomeadamente: a) - Títulos de ocupação e de exploração actualizados; b) Períodos de vigência dos títulos dentro dos limites legais; c) Melhor situação de garantia de créditos da empresa, com as garantias legalmente exigidas integralmente cumpridas; d) Em relação às garantias legais prestadas pelas empresas que exploravam estabelecimentos em aeroportos da ANA, estas eram constituídas por cauções bancárias e depósitos antecipados em valor superior a 1.200.000.000$00 (valor superior ao mínimo legal);
4 - Melhor prazo de cobranças da empresa (cerca de 30 dias);
5 - Um dos mais baixos níveis de absentismo da empresa (cerca de 2%);
6 - Melhoria significativa da qualidade dos serviços prestados e da imagem da empresa, que se reflectiu na quebra vertical do número de reclamações de utentes dos aeroportos;
7- Melhoria significativa da saúde pública, derivada das profundas obras de remodelação das instalações dos bares e restaurantes do Aeroporto de Lisboa;
8 - Nenhum incobrável durante os anos de 1995 e 1996 (à excepção de uma empresa subsidiária da ANA, por decisão do Conselho de Gerência da ANA);

- O Autor propôs ao Conselho de Gerência o lançamento de várias dezenas de concursos públicos;
- Esses concursos públicos eram elaborados pela Direcção Comercial (com o apoio da Direcção Jurídica);
- Nesses concursos públicos propostos pelo Autor, foram raros os que ficaram pelos valores mínimos obrigatórios, tendo-se conseguido valores muito superiores aos mínimos em quase todos os casos;
- Em resultado desta melhoria da Direcção Comercial, os relatórios de contas da ANA dos anos de 1994, 1995 e 1996 referiam a Direcção Comercial como a que mais contribuiu para a melhorias dos resultados da empresa;
- Esta melhoria da situação da Direcção Comercial ficou-se a dever, em grande parte à competência, dedicação, lealdade e honestidade com que o Autor desempenhou as suas funções;
- O Autor foi incumbido pelo Conselho de Gerência de participar de uma equipa constituída com o objectivo de elaborar um estudo relativo à privatização da ANA, EP;
- Essa equipa foi constituída em Fevereiro de 1996, e dela faziam parte, para além do Autor, os seguintes directores: Eng. B - director de navegação; Dr. C - director dos serviços jurídicos; Dr. D - Director de serviços administrativos e financeiros, exonerado com o Autor; Eng. E Director de Legislação e Regulamentação Aérea, exonerado com o Autor;
- Esse estudo, de que o Autor foi encarregado, foi o primeiro passo na privatização da ANA;
- E foi, e ainda é, essencial para essa operação;
- Em 1996 foram realizadas eleições legislativas;
- Tendo sido vencidas pelo Partido Socialista;
- O qual formou Governo;
- No dia 8 de Janeiro de 1997, o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) deu posse a quatro novos vogais do Conselho de Gerência da Ré ANA;
- Tendo mantido o Presidente, General F;
- No dia 27 de Fevereiro de 1997, o Autor deslocou-se a Amsterdão, com o Presidente do Conselho de Gerência da Ré ANA, General F, para participar numa reunião da Associação Europeia de Aeroportos;
- Durante a viagem de regresso, o Presidente do Conselho de Gerência da Ré ANA, General F, elogiou o Autor pelo serviço extraordinário enquanto Director Comercial da Ré ANA;
- Na mesma conversa foi discutido um plano de actividades para 1997/1999;
- Tendo o Autor sido incumbido da sua execução;
- À chegada a Lisboa o Presidente do Conselho de Gerência da Ré ANA, General F, sabendo que o Autor não conduz, insistiu em transportá-lo até à sua residência, onde o deixou cerca das 21 horas e 30 minutos;
- No dia 28 de Fevereiro de 1998, pelas 10 horas, o General F e os restantes membros do Conselho de Gerência da Ré ANA, deliberaram e assinaram a ordem de rescisão da comissão de serviços de vários Directores, incluindo o Autor;
- Nesse dia, 28 de Fevereiro de 1997, pelas 18 horas, a Ré ANA informou o Autor que rescindia a comissão de serviço deste, com efeitos a partir das 24 horas desse mesmo dia e sem qualquer forma de pré-aviso;
- o fundamento invocado foi a necessidade de reestruturar a empresa de forma a preparar a privatização da mesma;
- Para além do Autor, a Ré ANA extinguiu a comissão de serviços de quatro outros Directores ou Subdirectores da empresa;
- As outras cessações de comissão de serviços foram: Dr. D, Director do Aeroporto de Lisboa; Eng. E, Director de Regulamentação e Legislação Aérea; Dr. G, Director do Aeroporto de Faro; Sr. H, Director de Auditoria; o Eng. I, Director de Infra-Estruturas Aeroportuárias; Eng. J, sub-director de Infra-estruturas Aeroportuárias;
- Ré nomeou um novo Director Comercial, da confiança política do Conselho de Gerência;
- o Autor considerou o comportamento da Ré ANA ilícito e abusivo;
- E rescindiu o contrato de trabalho;
- Segundo a Ré ANA, não se justificava a manutenção do Autor como Director Comercial da Ré ANA por motivos de reestruturação da empresa para preparação da privatização da mesma;
- A Ré ANA rescindiu a comissão de serviços com o Autor;
- Sendo a deliberação aprovada por todos os membros do Conselho de Gerência;
- o Autor sempre apoiou a privatização da ANA;
- o Autor era um dos poucos membros da comissão de preparação da privatização da ANA;
- E era um dos trabalhadores da Ré ANA que mais sabia sobre a privatização da ANA;
- A Ré ANA nunca deixou de confiar no Autor;
- o Autor manteve sempre uma elevada e constante lealdade, dedicação e competência no exercício das suas funções como Director Comercial da Ré ANA;
- o seu trabalho sempre foi do agrado do Conselho de Gerência da Ré ANA;
- A qual sempre, até à véspera da cessação, o enalteceu;
- Nunca cessou a confiança da Ré no Autor;
- Foi referido por alguns membros do Conselho de Gerência da Ré ANA que a razão da cessação da comissão de serviço do Autor foi este não ser apoiante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata;
- Os quais entendiam que, apesar de o Autor ser efectivamente pessoa da maior confiança profissional e pessoal da Ré ANA, o facto de não ser apoiante do P.S. inviabilizava a sua permanência como director da empresa, por falta de confiança política;
- O cargo de director comercial é um cargo técnico; - Nos termos dos regulamentos internos da Ré ANA os três melhores Directores tinham direito a um prémio de montante a calcular de acordo com esses mesmos regulamentos;
- O Autor esteve ao serviço da Ré ANA, em 1997, por quatro meses (Janeiro a Abril);
- O Autor dedicou todo o seu esforço à actividade exercida na ANA, E.P.;
- Os Réus sempre recompensaram o Autor condignamente pelo seu trabalho;
- E sempre o trataram humana e urbanamente;
- Ao avisar às 18 horas de sexta-feira o Autor que às 24h cessava as suas funções, a actuação dos Réus causou-lhe stress e sofrimento;
- O Autor tinha-se dedicado sem reserva às suas funções;
- Ficando emocionalmente ligado à sua actividade;
- A atitude dos Réus causou no Autor perturbação e sofrimento;
- A tensão arterial subiu a níveis perigosos em resultado da actuação dos Réus;
- Mantendo-se ainda hoje em níveis muito elevados; - o Autor pediu que lhe fosse concedida uma licença com vencimento parcial;
- Nos regulamentos internos da ANA, E.P., quando um trabalhador é considerado excedentário, a pedido deste, é-lhe concedida uma licença dessa natureza;
- o pedido foi recusado por os Réus não considerarem o Autor como excedentário;
- Os Réus nunca souberam em que cargo é que colocariam o Autor;
- O Autor pediu que lhe fosse atribuído um cargo que envolvesse o estudo do fim das free-shops;
- Foi-lhe negado;
- Após muita insistência por parte do Autor, este foi informado que o novo Director Comercial tinha proposto ao conselho de Gerência que o Autor passasse a trabalhar como técnico na Direcção Comercial, em conjunto com os seus antigos subalternos e ganhando menos que alguns deles;
- Nos casos dos outros directores que viram as suas comissões de serviços rescindidas no mesmo dia do Autor a situação é a seguinte: Dr. D - passou para o gabinete de estudos mantendo estatuto e regalias; Eng. E - mantém estatuto e regalias; Dr. I - reformou-se; Sr. H - integrado noutra direcção que não a que dirigia; Eng. J - passou para a ANAM, uma empresa subsidiária da ANA; Dr. G passou para assessor do Director do Aeroporto de Faro, com direito a gabinete próprio;
- Em Março de 1997 o Autor dirigiu uma carta à Ré ANA rescindindo o contrato com justa causa, nos termos do artº. 4º, nº. 3, alínea b), do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, e pedindo a indemnização a que tinha direito;
- A Ré ANA não entregou ao Autor a indemnização, nem indicou porque o não fazia;
- Em 15 de Outubro de 1997 o Autor dirigiu uma carta à Ré ANA, interpelando-a mais uma vez para o pagamento dos valores devidos;
- A Ré ANA recebeu essa carta;
- A Ré ANA não respondeu à carta;
- Em 18 de Novembro de 1997, o Autor, por intermédio do seu Advogado, dirigiu uma carta à Ré ANA, interpelando a Ré ANA para o pagamento do montante em falta;
- A Ré ANA recebeu essa carta;
- A Ré ANA, por intermédio do Presidente do Conselho de gerência, respondeu ao Autor em 25 de Fevereiro de 1998, dizendo que não sabia que valores eram esses;
- A Ré ANA só pagou a indemnização em 8 de Maio de 1997;
- E pediu ao Banco onde o Autor tinha a sua conta para devolver o dinheiro já transferido;
- A título de indemnização, a Ré ANA entregou ao Autor a quantia de Esc. 3.515.156$00;
- O Autor recebeu no mês de Março de 1998, como Técnico Superior, 533.945$00;
- A Ré ANA, após insistência do Autor, aceitou que devia a este a retribuição como se tivesse sido Director Comercial durante o período de pré-aviso;
- A Ré entregou ao Autor a quantia de Esc. 1.233.633$00;
- A Ré ANA vale cerca de 120.000.000.000$00;
- Tendo proveitos anuais na ordem dos 40.000.000.000$00.

3. Fundamentação de direito.
São três as questões a dirimir no âmbito do presente recurso de revista: a ampliação da base instrutória a outros factos articulados na petição inicial e que devam considerar-se como confessados por falta de tempestiva contestação; a inconstitucionalidade da norma do artigo 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, na interpretação segundo a qual a cessação da comissão de serviço aí prevista poderá fundamentar-se em motivos políticos; a reparação dos danos não patrimoniais através da publicitação de um pedido de desculpas com sujeição a sanção compulsória por cada dia de atraso na publicação.
Como se anotou, a base instrutória definida pelo Tribunal da Relação teve por base apenas os factos alegados pelo autor no articulado inicial, nos termos previstos no artigo 54º, nº. 1, do Código de Processo de Trabalho, que manda considerar como confessados os factos articulados pelo autor quando não tenha havido contestação.
O recorrente pretende, porém, que o efeito de revelia se estenda a outros factos constantes da petição, como sejam os descritos nos artºs. 94º, 102º, 105º, 172º, 173º, 174º, 175º, 176º, 224º, 245º e 257º, que considera serem de interesse para a decisão a proferir, pelo que entende ter havido um erro na fixação das provas, por parte do Tribunal da Relação, o qual é susceptível de ser corrigido em recurso de revista por ter resultado da directa violação da citada norma do artigo 54º, nº. 1, do Código de Processo de Trabalho.
Como é sabido, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça com vista ao apuramento da factualidade relevante apresenta-se como residual e unicamente destinada a averiguar da observância de regras de direito probatório material - artigo 722º, nº. 2, do CPC - ou a mandar ampliar a decisão sobre matéria de facto - artigo 729º, nº. 3, do mesmo diploma. A alteração da matéria de facto no termos previstos naquele primeiro preceito - aplicável ao recurso de revista por remissão do nº. 2 do artigo 729º - tem lugar quando se verifique um erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais por virtude de ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova. Os casos que costumam ser apresentados para ilustrar essas situações são aqueles em que o tribunal a quo dá como existente um acto ou facto apesar de não ter sido efectuada a prova que a lei especialmente exige (v.g., um contrato que carece de escritura pública) ou despreza a força probatória plena de documento, impedindo que esta se sobreponha a outros meios de prova de menor valia que tenham sido produzidos no processo - cfr. entre outros, o acórdão do STJ de 25 de Junho de 2000, Processo nº. 1321/02.
O que há nesses casos, em rigor, é um erro de direito, na medida em que se trata de um erro resultante da violação de uma norma jurídica, e só essa circunstância justifica que possa ser objecto de reexame pelo Supremo Tribunal em sede de recurso de revista.
Parece claro que no caso em apreço não ocorre qualquer dessas situações.

Os réus não contestaram, pelo que o juiz devia dar como confessados os factos alegados pelo autor.
No entanto, ainda assim, é ao juiz que cabe fixar a base instrutória, seleccionando, a partir dos elementos fornecidos pelo autor, a matéria de facto que considera relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito - artigo 511º, nº. 1, do Código de Processo Civil.
Isto é, o efeito de revelia não implica que o juiz deva automaticamente transcrever como matéria de facto provada todos os factos que tenham sido articulados pelo autor, já que ele mantém o seu poder jurisdicional de restringir a base instrutória aos factos que estritamente interessam à decisão da causa.
Aliás, a situação não é essencialmente diversa daquela que ocorre quando, tendo havido embora contestação, certos factos alegados na petição devam considerar-se admitidos por acordo ou confessados pelo réu, por falta de impugnação especificada (artigo 490º, nº. 2 e 3, do CPC). Também neste caso, e independentemente das consequências ditadas pela lei quanto ao incumprimento do ónus de impugnação por parte do réu, é ao juiz que cabe, em última análise, definir a matéria de facto relevante, nela inserindo os factos confessados ou admitidos por acordo que possuam efectivo relevo para a discussão da causa, e excluindo os factos inúteis ou desnecessários e as arguições impertinentes ou que integrem simples matéria conclusiva.
Não se verifica, pois, no caso dos autos qualquer dos requisitos de que depende o uso pelo Supremo Tribunal do poder de alteração da matéria de facto fixada pelas instâncias. Não ocorreu qualquer erro de direito na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais, nem tão pouco qualquer violação da norma do artigo 54º, nº. 1, do Código de Processo de Trabalho - que não deixou de ser observada no caso os autos. Unicamente, o recorrente entende que deveriam ser incluídos na base instrutória outros factos além daqueles que foram seleccionados pela Relação, limitando-se, assim, a discordar da decisão de facto proferida por esse Tribunal. Essa decisão não pode, porém, ser alterada pelo tribunal de revista, que apenas conhece de matéria de direito, a menos que venha a concluir-se que a decisão de facto é insuficiente para fundamentar a decisão de direito, caso em que poderia haver lugar à ampliação da matéria de facto com a consequente baixa dos autos ao tribunal recorrido.
No entanto, o recorrente sustenta ainda que o tribunal a quo também alterou a factualidade que resulta do alegado na petição inicial, ao dar com assente um facto que não corresponde literalmente àquilo que havia sido dito naquela peça processual.

Com efeito, nos artigos 174º, 175º e 176º da petição inicial o autor alegou o seguinte:
"174º- A verdadeira razão da cessação da comissão de serviço do A. foi este não ser apoiante do Partido Socialista.
175º- E de, ainda por cima, ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata.
176º- Tal como foi referido por alguns membros do Conselho de Gerência da R. ANA."

Porém, ao fixar a matéria de facto tida como assente, a Relação optou por condensar o assim articulado num único ponto de facto em que se afirma:
"Foi referido por alguns membros do Conselho de Gerência da Ré ANA que a razão da cessação da comissão de serviço do Autor foi este não ser apoiante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata."
Como se vê, o tribunal interpretou o alegado naqueles dois primeiros artigos, não como afirmações peremptórias baseadas na simples convicção do autor, mas como uma realidade de que se pôde tomar conhecimento através do que foi dito por alguns membros do Conselho de Gerência, pessoas que, com suficiente razão de ciência, poderiam fornecer alguma informação útil sobre a mesma matéria por terem intervindo na deliberação que determinou a medida de cessação da comissão de serviço.
Sendo embora uma interpretação restritiva, essa é uma das leituras possíveis da referida passagem da petição inicial, e por se tratar ainda de um aspecto relativo à fixação da matéria de facto, pelas mesmas razões já antecedentemente explanadas, ao Supremo Tribunal está vedado efectuar qualquer censura.

4. A segunda das questões suscitadas reporta-se à alegada inconstitucionalidade da norma do artigo 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, de 16 de Outubro, na interpretação segundo a qual a cessação da comissão de serviço aí prevista poderá fundamentar-se em motivos políticos.
O diploma em referência veio permitir, no domínio das relações laborais de direito privado, que sejam "exercidos em regime de comissão de serviço os cargos de administração e de direcção directamente dependentes da Administração e, bem assim, as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos e a outras funções previstas em convenção colectiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança" (artigo 1º, nº. 1).
Nos termos do nº. 1 do artigo 4º, "a todo o tempo pode qualquer das partes fazer cessar a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço", apenas com sujeição a um aviso prévio de 30 ou 60 dias, consoante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha tido uma duração de até dois anos ou mais de dois anos (nº. 2), tendo o trabalhador direito ao regresso às funções correspondentes à categoria que antes detinha ou às funções que vinha exercendo, à rescisão do contrato e a uma indemnização por antiguidade, nos termos previstos no nº. 3 desse artigo.
O preâmbulo do diploma justifica a implementação de um regime jurídico de prestação de trabalho em comissão de serviço com "a necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais", o que implica "soluções adequadas à salvaguarda da "elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz confiança que o exercício de certos cargos exige."

Por outro lado, através do mesmo regime pretende-se prevenir as consequências prejudiciais para ambas as partes e para outros trabalhadores, que, dada a especial responsabilidade dos cargos em causa, resultam do desaparecimento da relação de confiança e da consequente degradação do relacionamento no trabalho.
O objectivo do diploma é, portanto, o de permitir que as entidades empregadoras possam recrutar trabalhadores para cargos de direcção ou de confiança, segundo um regime especial de comissão de serviço que se caracteriza essencialmente pela sua precariedade, visto que lhe poderá ser posto termo a todo o tempo, apenas com a obrigatoriedade de um aviso prévio.
E isso porque - conforme esclarece MONTEIRO FERNANDES - o exercício desses cargos "envolvem um peculiar grau de confiança, não apenas no plano subjectivo, mas também no que toca às condições objectivas (inserção orgânica e funcional) que induzem riscos particularmente intensos para a realização dos interesses do empregador (Direito do Trabalho, 11.ª edição, Coimbra, pág. 228).
No caso dos autos, o acórdão recorrido baseia-se justamente na precariedade da relação titulada por comissão de serviço para julgar como inverificado o vício de inconstitucionalidade invocado pelo autor, sustentando que se a lei não impõe quaisquer limites ou entraves à cessação da comissão de serviço, é porque ela poderá ser decidida por quaisquer motivos, mesmo que se trate de razões políticas.
Não pode aceitar-se tal entendimento.
O princípio da igualdade, sendo um princípio estruturante do sistema constitucional português, proíbe que qualquer cidadão possa "ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social" (artigo 3º, nº. 2, da Constituição).
Como escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, relativamente à legislação, o princípio da igualdade assume relevância, por um lado, na forma de igualdade formal ou igualdade perante a lei (artigo 13º, nº. 1, in fine) e, por outro lado, na forma de igualdade através da lei. Na primeira forma, implica a proibição de discriminações ilegítimas por via da lei (proibição do arbítrio legislativo, de tratamento diferenciado injustificado); na segunda forma, o princípio da igualdade obriga o legislador a concretizar as imposições constitucionais dirigidas à eliminação das desigualdades fácticas impeditivas do exercício de alguns direitos fundamentais (discriminações positivas através da lei e deveres de actuação legislativa). O princípio da igualdade vincula o legislador, tanto quando este reconhece direitos, concede benefícios ou confere prestações estaduais, como quando restringe direitos, impõe encargos ou comina sanções" (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, págs. 129-130).
Apesar de o legislador gozar de uma ampla margem de discricionaridade - não de arbitrariedade - o princípio da igualdade implica, em sentido material, a proibição de diferenciações não justificáveis racionalmente à luz dos valores constitucionais; quaisquer diferenciações só são admissíveis se fundadas positivamente em critérios de merecimento constitucional (cfr. acórdão nº. 468/96 do Tribunal Constitucional, Diário da República, II Série, nº. 111, de 13 de Maio de 1996, e Boletim do Ministério da Justiça, nº. 455, pág. 152).
Deste modo, não só a lei está subordinada à Constituição, por efeito do princípio da hierarquia das normas, como também o legislador ordinário está adstrito à rigorosa observância dos princípios constitucionais na regulamentação legal de quaisquer sistemas sectoriais.
No caso vertente, o artigo 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91 admite que a comissão de serviço possa ser feita cessar a todo o tempo, não especificando os motivos que poderão servir de base à decisão, permitindo inferir que a entidade empregadora não carece de explicitar esses motivos e poderá adoptar qualquer deles. Essa ampla liberdade decisória compreende-se no quadro de uma estreita relação entre as partes, que pressupõe a permanência de confiança, a mesma que justifica o trabalhador possa ser admitido em regime de comissão de serviço. Considerações de cariz subjectivo - como a quebra de confiança revelada através de atitudes imputáveis ao trabalhador que possam pôr em dúvida a idoneidade futura da sua conduta - ou outras ligadas à organização ou funcionamento da empresa - frustração de expectativas, inadaptação do trabalhador ao cargo, ausência de qualidades para o exercício da função - poderão servir de fundamento à cessação da comissão de serviço.

No entanto, e embora a lei o não especifique, é inadmissível - por representar uma clara violação do princípio da igualdade - que uma tal decisão possa traduzir-se numa mera manifestação discriminatória dos trabalhadores. Neste caso, impõe-se uma interpretação conforme à Constituição.
Conforme refere, JORGE MIRANDA, numa acepção genérica, a interpretação conforme à Constituição traduz-se, antes de mais, em conceder todo o relevo, dentro do elemento sistemático da interpretação, à referência da Constituição: «cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das disposições da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem, outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isto tanto mais quanto mais se tem dilatado, no século XX, a esfera de acção desta como centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva» (Manual de Direito Constitucional, tomo II, 3.ª edição, Coimbra, pág. 263).
Ora, no caso concreto, a única forma de evitar um resultado interpretativo absolutamente contrário ao princípio constitucional da igualdade é entender - efectuando uma interpretação restritiva do preceito - que a referida norma do artigo 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91 exclui a invocação de razões que objectivamente representem factores de discriminação ilegítimos, como seria o caso de estarem em causa apenas razões de natureza política na decisão de fazer cessar a comissão de serviço de um trabalhador (quanto à necessidade de se adoptar uma interpretação mais restritiva ou mais extensiva de modo a que o sentido da letra da lei conduza à compatibilidade com a Constituição, ver KARL ENGISH, Introdução ao Pensamento Jurídico, 6.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pág. 147; e, ainda o parecer da Procuradoria-Geral da República nº. 94/01, de 23 de Novembro de 2001).
E, na verdade, no caso dos autos, subsistem suficientes indícios de que o verdadeiro motivo da deliberação do conselho de gerência da Ré, que aprovou a exoneração do autor, foram de natureza política.
Embora o fundamento formalmente invocado tenha sido a necessidade de reestruturação da empresa de forma a preparar a sua ulterior privatização, o certo é que - como se comprova - "o Autor sempre apoiou a privatização da ANA", "era um dos poucos membros da comissão de preparação da privatização" e "um dos trabalhadores da Ré que mais sabia sobre a privatização". Por outro lado, a Ré "nunca deixou de confiar no Autor" e este "manteve sempre uma elevada e constante lealdade, dedicação e competência no exercício das suas funções como Director Comercial da Ré", "o seu trabalho sempre foi do agrado do Conselho de Gerência da Ré", "a qual, sempre, até à véspera da cessação, o enalteceu", pelo que "nunca cessou a confiança da Ré no Autor". Acresce que "foi referido por alguns membros do Conselho de Gerência da Ré que a razão da cessação da comissão de serviço do Autor foi este não ser apoiante do Partido Socialista e ter sido chefe de gabinete de dois Secretários de Estado de um Governo do Partido Social Democrata", entendendo esses mesmos membros do conselho de gerência "que, apesar de o Autor ser efectivamente pessoa da maior confiança profissional e pessoal da Ré ANA, o facto de não ser apoiante do P.S. inviabilizava a sua permanência como director da empresa, por falta de confiança política".
Em face desta matéria de facto, dada como assente pela Relação, não se vislumbra um motivo relacionado com a futura privatização da empresa que justificasse o afastamento do autor - que era um dos colaboradores da Ré que mais se empenhara na realização desse desiderato -, nem se detecta uma qualquer diminuição dos padrões de lealdade, dedicação e competência que tornem inviável a manutenção do autor no cargo de direcção, havendo, pelo contrário, indicadores de que as únicas razões que estiveram na base da decisão foram de carácter político.
Nestes termos, a deliberação do conselho de gerência viola o disposto no citado artigo 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 404/91, interpretado no sentido conforme à Constituição.

5. Demonstrada a ilicitude da exoneração do autor, resta agora averiguar se poderá ser atribuída a indemnização por danos não patrimoniais na requerida modalidade de pedido público de desculpas.
O autor alegou que a atitude dos Réus lhe provocou stress, perturbação, sofrimento e subida da tensão arterial para níveis perigosos, que ainda se mantêm; e sem dúvida que esses danos, de natureza não patrimonial, são susceptíveis de indemnização nos termos previstos no artigo 496º do Código Civil.
É também certo que, quanto às obrigações de indemnização, funciona o princípio da reposição natural - artigo 562º do Código Civil.
Tal significa que, em princípio, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existia anteriormente à lesão, repondo as coisas no estado em que estariam se não tivesse sido produzido o dano. Neste aspecto, tem-se em vista o dano real ou concreto: a perda ou a deterioração da coisa, a violação do bom nome (PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra, 1967, pág. 144).
Só nos casos em que seja impossível reconstituir a situação anterior à lesão é que há lugar à indemnização em dinheiro ou em renda - artigos 566º e 567º. Nesta hipótese, pretende-se ressarcir o dano de cálculo ou dano abstracto, ou seja, o valor pecuniário do prejuízo causado ao lesado (ibidem).
Relativamente aos danos não patrimoniais, "será impossível as mais das vezes reconstituir a situação que existiria se o facto danoso se não tivesse verificado. Por isso, a fórmula legal (que resulta do artigo 562º do Código Civil) tem, nesse aspecto, de ser entendida em termos hábeis - devendo o julgador conceder ao lesado a indemnização capaz de compensá-lo indirectamente dos sofrimentos físicos, desgostos, incómodos, etc., que o facto lhe causou" (ob. cit., pág. 399).
Há, porém, casos de dano não patrimonial - como sublinham os mesmos autores -, "em que parece viável em dados termos a reposição natural, também chamada restituição em espécie, reintegração específica ou execução real: a retratação do autor da injúria, a destruição do documento ofensivo do bom nome de alguém, a correcção de afirmações falsas e caluniosas, etc." (ibidem).
Nada parece impedir, portanto, mesmo no domínio do direito obrigacional, que um lesado possa ser ressarcido por danos não patrimoniais que resultem da ofensa do seu bom nome através de um pedido público de desculpas em termos similares àqueles que vêm peticionados na presente acção.
E, no caso, era até possível congeminar uma tal possibilidade, já que a Ré através da ordem de serviço em que divulgou a cessação da comissão de serviço do autor fez passar a ideia errónea, com agora se demonstra, de que isso se ficou a dever à menor capacidade do autor para participar eficientemente na reestruturação da empresa e no processo de privatização que se ia seguir, quando afinal outros factores, inteiramente estranhos aos atributos de competência ou confiança, teriam estado na base dessa decisão.
No entanto, o autor embora tenha afirmado, em termos meramente conclusivos, que os danos não patrimoniais sofridos em resultado da lesão abrangem a "ofensa ao bom nome, reputação e honra" (artigo 256º da petição inicial), não alegou quaisquer factos de que possam inferir-se a existência de um dano desse tipo, tendo-se limitado a referenciar que a forma como foi exonerado e o tratamento que lhe foi concedido posteriormente, lhe provocou "stress" (artigo 219º), "grande perturbação e sofrimento" (artigo 223º), e subida da tensão arterial a níveis perigosos (artigo 225º). Tanto assim que, não obstante deverem ter-se como confessados todos os factos alegados na petição, por falta de contestação dos réus, só os constantes daqueles articulados vieram a ser incluídos na matéria de facto tida como assente pelo Tribunal da Relação. Sendo ainda certo que, quer no texto da alegação, quer nas suas conclusões, o recorrente não faz qualquer alusão a danos não patrimoniais derivados da ofensa do bom nome, mantendo apenas a referência aos danos mencionados naquelas passagens da petição.
Ora, não é viável que danos de natureza física e psicológica como aqueles que foram efectivamente invocados (stress, grande perturbação e sofrimento e subida da tensão arterial) - que o autor já sofreu e não poderão já ser eliminados - venham a ser reparados por um mecanismo de restituição em espécie. Na verdade, esses danos não poderão já ser suprimidos, e não será possível, por isso, reconstituir o status quo ante, pelo que o seu ressarcimento não poderá ser efectuado por via da retratação dos autores da lesão - que relevaria apenas no caso de estar em causa uma ofensa ao bom nome -, mas tão-só mediante a indemnização sucedânea em dinheiro, que o autor, todavia, não reclamou.

6. Decisão
Termos em que, ainda que com diferentes fundamentos, acordam em manter a decisão recorrida e negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 22 de Outubro de 2003
Fernandes Cadilha
Vítor Mesquita
Manuel Pereira