Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1945/07.2TDPRT.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: RECURSO PENAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
BURLA
FALSIFICAÇÃO
PENA ÚNICA
PENA PARCELAR
PLURIOCASIONALIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO.
Doutrina:
-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 4.ª Reimp., 214 e 291.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 50.º, N.ºS 1, 2 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 29-05-2013, PROCESSO N.º 3/10.7SFPRT.S1-3.ª.
Sumário :
I  - Não obstante o desvalor da acção dos arguidos e o grau de organização e profissionalismo que lhe emprestaram, importa assinalar que a iniciativa da conduta não pertenceu a nenhum deles, mas a um outro, entretanto falecido, não sendo despiciendo também recordar que à data se vivia um período febril, facilitista, de concessão de crédito à habitação, e que, alguns negócios de compra e venda em causa nos autos foram efectivamente realizados e, não obstante não cumpridos, os lesados lograram ser parcialmente reparados ao abrigo das garantias hipotecárias que haviam constituído sobre os respectivos imóveis.
II - Em causa estão crimes de burla, ou seja, crimes contra o património, só qualificados em função do valor, sendo que os crimes de falsificação de documento constituíram um meio, o mesmo é dizer, instrumento, de consumação desses ilícitos, sendo que em relação ao lesado M a acção não foi além da tentativa. As penas parcelares, fixadas pelo acórdão recorrido, no quadrante inferior do seu ponto médio, mas com distanciamento adequado do mínimo abstracto, afiguram-se proporcionais seja à culpa, seja às necessidades de prevenção geral e especial, atentas as circunstâncias referidas em I, sendo por isso de manter, improcedendo, assim, o recurso interposto pelo MP, que pretendia o agravamento daquelas.
III - No que diz respeito às penas únicas, a tipologia dos ilícitos praticados respeita a crimes de burla, atentatórios do património de instituições bancárias/financeiras e de falsificação a atentar contra valores comunitários e a actividade foi limitada no tempo (finais de 2006 a meados de 2007), tudo a fazer concluir por uma pluriocasionalidade, mais que tendência criminosa, perdendo a conduta alguma densidade agravativa no respeitante às exigências da prevenção geral e especial, seja, conforme já referido, pelo decurso do tempo de mais de 10 anos desde o início da sua prática, seja pela primariedade dos arguidos e pela sua inserção social post factum.
IV - Assim, tudo ponderado, relativamente ao arguido G, numa moldura abstracta de pena única de 3 anos a 15 anos e 8 meses de prisão, afigura-se que a pena única de 5 anos de prisão (em lugar da pena única de 6 anos e 6 meses aplicada), será a adequada e proporcional à gravidade do ilícito global. Quanto aos arguidos B e R, cujas molduras abstractas da pena única variam entre 3 anos e 7 anos e 4 meses de prisão, afiguram-se como adequadas as penas únicas fixadas no acórdão recorrido de 4 anos e 6 meses de prisão, o mesmo acontecendo quanto à condenação do arguido T, na pena única de 5 anos de prisão, numa moldura abstracta de 3 anos e 8 anos e 4 meses de prisão.
V - Também não merece censura a suspensão da execução das penas determina pelo acórdão recorrido, o que será também extensivo ao recorrente G pelo período de duração da pena única de prisão, nos termos do art. 50.º, n.º 1, do CP, desde logo em razão da ausência de antecedentes criminais e das circunstâncias da infracção e do tempo decorrido (10 anos), a poder concluir que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
VI - Impõe-se, contudo, tal como defendido pelo MP, que a suspensão das penas fique condicionada não apenas ao regime de prova, conforme determinado no acórdão recorrido, mas também à obrigação, nos prazos da suspensão, de pagamento de indemnização aos lesados demandantes civis. Nos crimes contra o património só a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à reparação dos danos, que se mostra possível e razoável, face à situação socioeconómica e laboral activa dos arguidos, realiza em toda a sua plenitude as finalidades da punição (art. 50.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CP).
Decisão Texto Integral:

Acordam, após audiência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

No âmbito do processo n.º 1945/07.2TDPRT da ....ª Secção Criminal-..., da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca do ..., por acórdão do tribunal colectivo de 22 de Junho de 2016 os arguidos a seguir indicados, julgados com outros não recorrentes entretanto absolvidos, foram condenados nos termos e nas seguintes penas:

A) - AA, em co-autoria material, pela prática de três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos art.°s 26.°, 256.°, n.º 1, alíneas a), b), d), e) e nº 3, com referência ao art.º 255.°, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão, para cada um dos crimes; pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.°s 26.°; 256.°, nº1, alíneas a), b), d), e), com referência ao art.º 255.°, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano de prisão; pela prática de três crimes de burla, p. e p. pelo art. 218º, n.º1 e n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de três anos de prisão, para casa um dos crimes; pela prática de um crime de burla na forma tentada, p. e p. pelo art.º 218º, n.º1, n.º2 al. a), art.º 22º, 23º e 73º do Código Penal, na pena de um ano e oito meses de prisão;

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de seis anos e seis meses de prisão;

B) - BB, em co-autoria material, pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos art.°s 26.°, 256.°, nº1, alíneas a), b), d), e) e nº 3, com referência ao art.º 255.°, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão, para cada um dos crimes; pela prática de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 218º, n.º1, n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de três anos de prisão; pela prática de um crime de burla na forma tentada, p. e p. pelo art.º 218º, n.º1, n.º 2, al. a), art.º 22º, 23º e 73º do Código Penal, na pena de um ano e oito meses de prisão;

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de quatro anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita ao regime de prova;

C) - CC, em co-autoria material, pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos art.ºs 26.°, 256.°, nº 1, alíneas a), b), d), e) e nº 3, com referência ao art.º 255.°, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão, para cada um dos crimes; pela prática de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 218º, n.º1, n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de três anos de prisão; pela prática de um crime de burla na forma tentada, p. e p. pelo art.º 218º, n.º1, n.º2, al. a), art.º 22º, 23º e 73º do Código Penal, na pena de um ano e oito meses de prisão;

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita ao regime de prova;

D) - DD, em co-autoria material, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos art.ºs 26.°, 256.°, nº1, alíneas a), b), d), e) e nº 3, com referência ao art.º 255.°, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão; pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos art.ºs 26.°, 256.°, nº 1, alíneas a), b), d), e), com referência ao art.º 255.°, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano de prisão; pela prática de dois crimes de burla, p. e p. pelo art.º 218º, n.º 1, n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de três anos de prisão, para cada um dos crimes;

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita ao regime de prova.

Inconformado com a decisão, dela recorreu o M.º P.º, rematando a motivação com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso apenas interposto relativamente à matéria de direito e face à não concordância com as penas parcelares encontradas para a punição dos arguidos, aqui condenados, bem como para com as penas únicas encontradas quanto a todos eles, mas particularmente relativamente àquela que foi achada para o arguido AA; tal como e numa segunda linha, para com os três outros restantes arguidos, BB, CC e DD, pelas suspensões nas execuções das penas de prisão que lhe foram impostas;

2. Quanto à primeira vertente - comum a todos eles - relativa às penas concretas aplicadas, muito baixas, particularmente as aplicadas ao arguido AA (com actuação mais grave do que a dos restantes), face à actuação extraordinariamente ilícita dos mesmos;

3. Nestes termos, quanto aos crimes de burla qualificada, atenta a moldura penal de 2 a 8 anos de prisão, a fixação de uma pena concreta muito próxima deste limite mínimo, carece de efeito preventivo para futuro e na prática de novos ilícitos desta mesma gravidade, para além do efeito quase nulo ou até mesmo negativo em termos ético-retributivos, face à gravidade das suas actuações e com vista à protecção dos próprios arguido e de terceiros;

4. Nesta conformidade, face à exposição do Tribunal que esteve na base da determinação concreta das penas, como seja o grau mediano de ilicitude dos factos, intensidade do dolo, sentimentos manifestados no cometimento dos crimes, condições pessoais dos agentes, conduta anterior e posterior a este, a falta de preparação para manter conduta lícita, prevista nas alíneas a) a f) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, com as exigências de prevenção geral do crime de burla e face ao aumento destes no nosso país, tudo isto que esteve na base de fixação de tais penas concretas aos arguidos por parte do Tribunal recorrido;

5. Às quais teremos também de acrescentar, contrariando as considerações do douto Tribunal, o elevado grau de ilicitude dos factos e atendendo aos valores em causa, modo de execução, através da falsificação de documentos, com a utilização de uma pessoa rejeitada pelo sociedade, para as suas actuações, os fortes prejuízos causados às instituições de crédito e o desconforto provocado no próprio utilizado indivíduo; a forte intensidade dos dolos, através dos sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os fins que os determinaram e desrespeito para com o património dos lesados (onde se inclui o utilizado tóxico que se viu afundado em execuções); as suas condições pessoais, de medianas situações económicas, que determinaram as suas actuações por interesses meramente egoísticos, pois visaram apenas locupletarem-se nos seus patrimónios mesmo com fortes prejuízos no dos terceiros; as condutas posteriores aos factos com a falta total de reparação das consequências dos crimes; a falta de preparação para manter uma conduta licita, face à postura manifestada em julgamento onde usaram os seus direitos ao silêncio, não colaborando com a justiça ou denotando qualquer arrependimento;

6. Para além de tudo isto dizemos, também nós, que mais preocupante e grave é o modo e a forma como os arguidos encararam as suas actuações, a desfaçatez e descaramento, frieza e indiferença pelos valores em causa, imputando a terceiros as suas práticas e as consequências das suas actuações, refugiando-se e desculpabilizando-se na voracidade da banca e facilidade na concessão de créditos; bem como a forma de comparticipação – que se mostra agravativa - o modus operandi referente ao plano engendrado por todos e numa fase prévia prepararem essas suas actuações com a instrumentalização da testemunha EE, conforme matéria provada de 1) a 34); aproveitando-se das suas superioridades em face daquele sujeito a quem - a troco de uns poucos euros, encheram de dívidas; o período temporal ser prolongado - balizado entre finais de 2006 a inícios de 2007; a não assunção dos factos por todos e total falta de colaboração com a justiça; total ausência de arrependimento e as suas razoáveis situações económico-financeiras e total falta de reparação (mesmo parcial);

7. Todos estes factores – inicialmente considerados e tidos em conta pelo Tribunal - acrescentados, agora pela nossa parte, deverão sobrepor-se às circunstâncias que militam a seu favor e pouco significativas, como sejam, o tempo já decorrido e a ausência de antecedentes criminais de três dos arguidos, para além das suas boas integrações familiar, do primeiro arguido, profissional do terceiro e quarto;

8. A agravar tudo isto em termos de prevenção geral fundamental a necessidade de acautelar novas situações e perante o aumento exponencial destas situações de burlas no nosso país, com a utilização de toxicodependentes, imigrantes e outros, a quem, a troco de meia dúzia de euros, ludibriam terceiros e os próprios cidadãos abusados, sobretudo em tempos de forte crise económico – financeira, criminalidade esta muito próxima da designada colarinho branco;

9. Se assim se não entender e não agravar estas situações, as mesmas irão ser analisadas e comentadas perante o cidadão comum como sinal de espertismo e, até mesmo, poder considerar-se como de empreendedorismo, porque associada estas práticas ilícitas a pouca severidade, para não dizer quase impunidade;

10. Assim e tendo tido, todos eles, uma comparticipação muito próxima e homogénea entre os quatro arguidos, as gravidades das suas actuações são muito idênticas - excepção à conduta do AA - muito mais profunda, desde logo pelo maior número de situações em que esteve envolvido e acentuada na condução de todo o processo, devendo a sua punição ser, também ela mais acentuada;

11. Daí que e quanto aos crimes de burla, na forma consumada, cada um dos restantes três arguidos, BB, CC e DD, deverão ser punidos com penas concretas de prisão não inferiores a quatro anos, já quanto ao AA e pelos aludidos motivos, se deverá agravar para quatro anos e seis meses de prisão; quanto aos crimes de burla qualificada tentada, face à medida abstracta prevista, BB e CC deverão ser contemplados com penas concretas nunca inferiores a dois anos e AA em dois anos e seis meses de prisão; já quanto às falsificações dos artigos 256º nº1 e 3, do CP, entende-se correta a fixação de dois anos de prisão (atenta a moldura abstracta) para cada um dos três arguidos, excepção feita ao arguido AA que deverá fixar-se em dois anos e seis meses de prisão; já quanto à falsificação de documento do artigo 256º nº1 do CP deverá optar-se por penas de prisão, sendo não inferior a um ano e três meses de prisão para o DD e não inferior a um ano e seis meses de prisão para o aqui primeiro arguido;

12. Quanto à determinação da pena única, seguindo o estatuído no artigo 77º nºs 1 e 2, do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, no seu conjunto, tendo em atenção a doutrina da cumulação escolhida pelo Prof. Doutor Eduardo Correia, para o Código Penal, à pena mais grave somar-se-á metade ou até mesmo, dois terços, de cada uma das penas concretas aplicadas aos crimes em concurso, com a ressalta da dupla valoração das circunstâncias, a menos que se refiram aos conjunto dos factos, pelo que e neste sentido face à nova moldura penal prevista para o arguido AA (quatro anos e seis meses a vinte e cinco anos), deverá fixar-se catorze anos e seis meses de prisão, BB (4 a 10 anos) sete anos de prisão, CC (4 a 10 anos) sete anos de prisão e (4 a 11anos) sete anos e sete meses de prisão a DD;

13. No entanto e mesmo que o Tribunal Superior venha a considerar serem as penas encontradas justas, proporcionais e adequadas à gravidade dos indicados ilícitos penais, sempre àquele primeiro mencionado arguido AA, deveriam ser mais agravadas que a dos restantes, jamais podendo e pela nossa parte, concordar-se que este arguido, porque teve uma actuação muito mais gravosa e ilícita - como, desde logo, se poderá constatar através do número de crimes que lhe foi imputado - ser-lhe atribuída uma penalização idêntica à dos restantes;

14. Neste sentido, deveria este arguido AA ser condenado - relativamente a todos os ilícitos por ele praticados - em penas concretas não inferiores a três anos e seis meses de prisão (num contexto de três anos aplicadas aos três outros arguidos), por cada um dos seus três crimes de burla qualificada consumada, em dois anos e três meses de prisão pelo crime de burla qualificada na forma tentada (os dois outros arguidos foram-no em um ano e oito meses de prisão), de um ano e oito meses, para cada um dos três crimes de falsificação de documento da previsão do artigo 256º nº1 e 3, do código Penal (mantendo-se 1 ano e 4 meses para os dois restantes arguidos) e de um ano e seis meses para o crime de falsificação de documento da previsão do artigo 256º nº1, do Código Penal, para o arguido AA, mantendo-se a penalização de um ano de prisão para o aqui outro arguido DD;

15. Assim e em cúmulo jurídico de penas, relativamente ao arguido AA e seguindo a linha e princípio jurídico da dita teoria de cumulação jurídica, ao mesmo não deveria ser-lhe atribuída uma pena única (atenta a nova moldura de três anos e seis meses de prisão a dezanove anos a três meses de prisão) inferior a nove anos e nove meses de prisão;

16. Mas ainda que o Tribunal “ ad quem” venha a considerar que as penas e relativamente a todos devam ser mantidas, in totum, sempre as penas únicas encontradas – dentro das molduras penais abstractas previstas nos seus limites mínimo e máximo, se encontram comparativamente desproporcionais entre si e as penas únicas encontradas e entre o principal arguido e os restantes, nos termos do que dispõe o artigo 77º nº1, do Código Penal;

17. Na verdade e quanto àquele primeiro e mais penalizado arguido, AA, numa moldura penal abstracta de 3 a 15 anos e 8 meses de prisão, a encontrada pena única de seis anos e seis meses de prisão, afigura-se-nos demasiado baixa, não devendo e fazendo aqui e agora referência às considerações doutrinais que vertemos nos parágrafos, a pena única encontrada ser inferior a nove anos de prisão, sob pena desta não satisfazer, com eficácia, as necessidades de prevenção (geral e especial);

18. Já quanto aos arguidos BB e CC, deveriam ter sido fixadas e em ambos os casos, penas únicas não inferiores a seis anos de prisão e, ao DD, uma pena única não inferior a seis anos e meio de prisão;

19. Finalmente e caso assim se continue a não entender, jamais as suspensões das execuções das penas referentes aos arguidos BB, CC e DD serão de manter, ainda que passíveis de tal em termos de pressuposto formal, serão inviáveis em termos de falta da verificação do pressuposto material;

20. Por se mostrar inadequado que com a mera censura do facto e a ameaça da prisão satisfaz as exigências – quer de prevenção geral, quer especial;

21. Com efeito, as condutas dos arguidos, apesar das primariedades criminais dos arguidos, neste tipo de criminalidade e ainda que o juízo de prognose se deva referir ao momento da decisão, mesmo atendendo ao tempo já decorrido e das suas integrações familiar e profissional dos três arguidos, continuam a impor a aplicação de penas de prisão efectiva, em detrimento das suas suspensões;

22. Salientem-se, neste sentido os comportamentos do BB, emigrado em ..., que nem se dignou comparecer a algumas das variadas sessões de audiência, tal como os comportamentos do CC e do DD, que ao longo destes últimos meses – não só não colaborou com o Tribunal nem manifestou vontade de satisfazerem os prejuízos causados a terceiros;

23. Porém e ainda que desta forma o Tribunal Superior assim continue a entender, tal suspensão não se deverá resumir à obrigatoriedade legal de sujeição a regime de prova (artigo 53º nº 3, do CP), mas, antes e igualmente sujeita e subordinada ao cumprimento de deveres, como seja o pagamento dentro do prazo que durar a suspensão, de uma indemnização a favor de cada uma das lesadas instituições de crédito;

24. Assim sendo, deverá a douta sentença/acórdão ser revogado neste aspecto, elevando-se as penas de prisão, mais consentâneas com as suas condutas altamente gravosas;

25. Ou, então as penas, parcelares e única, encontradas para o arguido AA, devido à sua conduta muito mais gravosa que a dos restantes ser elevada em relação aos restantes e em termos de pena única achada;

26. Mas mesmo que assim não venha a acontecer, então sempre as penas únicas encontradas serem fixadas com penas mais elevadas, deverá o Tribunal Superior elevar a pena única achada para o arguido AA;

27. Em última análise sempre as suspensões deverão ser revogadas e as penas ganharem efectividade;

28. Mas mesmo que assim se não entenda, então o Tribunal Superior deverá fixar-lhe (para além do regime de prova, que decorre da obrigatoriedade legal), deverá igualmente subordiná-las ao cumprimento do dever de indemnização do pagamento de indemnizações às lesadas instituições;

29. Sob pena de total violação do disposto nos artigos 217º, 218º nº 1 alínea a), 256º nºs 1 alíneas a), b), d) e e), nº3, 22º, 23º, 73º, 50º e 53º, todos do Código Penal, 71º e 77º, todos do mesmo diploma legal;

Nestes termos deverá, pois, revogar-se o douto acórdão recorrido condenando os arguidos nos termos por nós propostos”.

Em resposta, o recorrido DD (fls. 5565) pronunciou-se pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida e os recorridos AA e BB (fls. 5588) pronunciaram-se igualmente pelo não provimento do recurso, remetendo, no mais, para o recurso por eles interposto.   

Com efeito, porque também inconformados, os arguidos AA e BB, recorreram directamente para este STJ, cuja motivação conjunta remataram com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão que condenou, em cúmulo jurídico, respectivamente: AA, na pena única de seis anos e seis meses de prisão e BB, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeito ao regime de prova, pois que tal decisão, não considerou, como devia, os novos e determinantes dados relativos às condições pessoais destes dois indivíduos.

2. Os actuais Relatórios Sociais dos recorrentes reflectem uma realidade que não é consentânea com as penas aplicadas, porque excessivas e designadamente, no caso do arguido AA, com a aplicação de uma pena efectiva de prisão, e aconselham a execução de uma medida na comunidade, face à qual ambos os arguidos manifestam adesão, podendo a mesma contribuir, de forma decisiva, não só na interiorização do desvalor da conduta, mas também para a adopção de comportamento concordante com o normativo vigente, beneficiando assim em larga medida a finalidade última das penas e medidas de segurança: a reintegração do agente na sociedade.

3. Toda a nova factualidade dada como provada no acórdão recorrido relativa às condições pessoais dos recorrentes, concretamente nos pontos 299 e 302 - que reverte inquestionavelmente a favor daqueles - impunha decisão diversa da recorrida, a qual, à revelia dos princípios e critérios legais que norteiam a aplicação e determinação das penas e medidas de segurança, fixou as mencionadas penas dos recorrentes.

4. Afastando, em consequência e automaticamente, quanto ao recorrente AA, a aplicabilidade da norma constante dos artigos 50.º e 51.º do Código Penal, sem que se sopesassem devidamente: a personalidade do agente; as suas condições de vida à data dos factos e actualmente; a sua conduta anterior e posterior ao crime (o arguido era e permanece primário); o hiato temporal desde então volvido (uma década) - relativamente ao qual se impunha a aplicação de uma pena menor e susceptível de ser suspensa nos termos das normas citadas.

5. Dispõe o art.º 40.º nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Mas, conforme estabelece o seu nº 2, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

6. Ora, quanto à prevenção geral positiva ou de reintegração, ensina o Ilustre Professor Figueiredo Dias que há, decerto, uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; medida, pois, que não pode ser excedida em nome de considerações de qualquer tipo. Mas, abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se sem que esta perca a sua função primordial; até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 229).

7. Entre aqueles, ponto óptimo e o ponto do limiar mínimo, devem actuar os pontos de vista de prevenção especial positiva ou de socialização, sendo estes que vão concretizar a medida da pena.

8. Em qualquer caso, como se disse, a culpa constitui sempre o limite inultrapassável das considerações preventivas, sejam de prevenção geral [positiva ou negativa], sejam de prevenção especial [positiva ou negativa]; e, nos termos do disposto no art.º 70.º do C. Penal quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que, verificados os respectivos pressupostos, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

9. São as finalidades preventivas, a prevenção geral e a prevenção especial, e não as finalidades de compensação da culpa, que impõem a preferência pela pena não privativa da liberdade, sendo certo que a culpa (que no processo de determinação da pena constitui o limite inultrapassável do quantum daquela) nada tem a ver com o prévio problema da escolha da espécie de pena (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit. 331).

10. A determinação da medida concreta da pena, balizada por estes limites, é então feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art.º 71º do C. Penal).

11. Entre outras circunstâncias, deve o tribunal atender ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, à motivação do agente, às condições pessoais e económicas do agente, à conduta anterior e posterior ao facto e à falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art.º 71º do C. Penal).

12. Na determinação da medida concreta das penas parcelares a 1.ª Instância atendeu e considerou o grau de ilicitude dos factos, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as razoáveis condições pessoais e situações económicas dos agentes e a conduta anterior e posterior ao facto – porém, salvo o devido respeito, o Tribunal sopesou tais factores de forma vaga, genérica e despersonalizada, insipiência que sobressai, para além de qualquer dúvida, da democrática paridade de todas e cada uma das penas parcelares em que cada arguido foi condenado!

13. Note-se ainda, no que concerne ao grau de ilicitude dos factos, que o Tribunal descurou que quem detinha o domínio efectivo do seu planeamento e execução e bem assim quem de facto deles beneficiaria e beneficiou patrimonialmente, não é tido nem achado nestes autos, já que entretanto falecido; como descurou também a evidente ascendência que o tal FF (“...”) tinha em relação aos arguidos BB e sobretudo AA (porque seu antigo patrão, pessoa que este tinha como de confiança e considerava séria).

14. Perscrutada a factualidade que compõe e suporta a decisão condenatória, resulta evidente que o alegado “acordo” e desígnio apenas têm de comum para BB e AA o facto de terem intervindo, no primeiro caso, apenas na factualidade que se veio a dar por provada, e no segundo, nessa e em toda a demais, mas da forma mais flagrante, displicente, diríamos até, inconsciente, possível, já que é o suposto indigente EE quem, em todos os negócios, dá a cara, o verdadeiro nome e fornece todos os seus elementos e documentos pessoais, imprescindíveis à realização dos negócios em apreço.

15. Impõe-se questionar de que elementos de prova dispõe o Tribunal (que não enumera) que lhe permitiram concluir que afinal quem conspirou com FF foi justamente aquele que nunca ninguém viu na ..., de quem EE nunca ouviu falar até chegar ao notário pela primeira vez, com quem nem nessa altura falou, com quem só esteve nessas ocasiões e com esse específico propósito, indivíduo que, segundo o que disse expressamente em audiência, nunca lhe solicitou o que quer que fosse (documentos ou assinaturas), que nunca lhe entregou qualquer quantia monetária e que, em abono da verdade, não sabe sequer quem é!

16. O Tribunal baseia a decisão de condenação do arguido AA a seis anos e seis meses de prisão tão-só no facto de ter sido ele quem agiu em representação de EE, porque foi este pobre homem (pretenso conspirador aos olhos do julgador) o único que na verdade deu a cara, se apresentou publicamente e perante todos os intervenientes e outorgantes das escrituras, incluindo entidades bancárias, nessa qualidade.

17. Facto que não tendo sido apreendido pelo Tribunal como evidenciador do tamanho do seu desconhecimento, deveria, no mínimo, ter sido tomado em devida conta na apreciação e julgamento global da prova para efeitos de determinação da medida da pena e apreciação da (sua) culpa, o que lamentavelmente não sucedeu.

18. Mal andou também o Tribunal quando concluiu, uma vez mais generalizando, que o que pretendiam os arguidos era “viver acima das suas possibilidades”, quando dos Relatórios Sociais dos Recorrentes decorre com clareza que à data dos factos atravessavam dificuldades financeiras, encontrando-se o arguido AA “sem enquadramento laboral”, desempregado, em situação económica precária.

19. Por fim, e nesta parte de forma ainda mais contundente, enumerou e adjectivou de razoáveis mas não atendeu verdadeiramente a 1.ª Instância, à personalidade destes dois arguidos e às suas condições pessoais, familiares, laborais, económicas e ao grau de inserção de cada um deles na sociedade, pois que, embora com origens e percursos distintos, estão aqui em causa dois cidadãos que sempre apresentaram uma vida de trabalho desde bem cedo, e que, excepção feita a estes lamentáveis factos, sempre apresentaram um percurso rectilíneo, sem quaisquer antecedentes criminais, não passando este episódio de um caso absolutamente isolado e sem precedentes. Tanto assim é que mantêm inalterados os registos criminais, mesmo decorrida uma década desde a prática dos factos aqui em causa.

20. Lidos os seus relatórios resulta óbvio que não estamos a falar de dois criminosos, mas de homens que tentaram desde tenra idade viver com os frutos e proventos do seu trabalho, agarrando todas as oportunidades que a vida lhes ia fornecendo, que não se deram à inércia, buscando trabalho em diferentes áreas, quando as circunstâncias assim o impuseram e sem quaisquer preconceitos.

21. Encontram-se actualmente, como se resulta de ambos os relatórios, perfeita e estavelmente inseridos a nível laboral, mostrando-se satisfeitos com os trabalhos que desempenham, sublinhamos, há já alguns anos.

22. Termos em que se entende, por tudo o quanto se deixou exposto, serem desproporcionais, desajustadas e injustas, as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes, porque demasiado elevadas.

23. Tivesse o Tribunal considerado, salvo o devido respeito, com o rigor, pormenor, objectividade e individualmente, toda a factualidade assente, conjugando-a com as mais elementares regras de experiência comum, a personalidade de cada um dos arguidos, as suas efectivas condições pessoais e ademais o tempo decorrido desde a sua prática (10 anos), e teria concluído que penas abaixo das fixadas satisfazem de forma cabal as necessidades de prevenção geral e especial do caso.

24. Cumpre ainda realçar que ficou por fundamentar a inaplicabilidade da norma de preferência prescrita no art.º 70.º do Código Penal (no que respeita aos crimes de falsificação de documentos), sobretudo atento o seu carácter manifestamente instrumental na consumação do ilícito, relativamente aos quais entendemos que se impunha a preferência por uma punição não privativa da liberdade.

25. Igual raciocínio se encetando no que respeita ao seu cúmulo, atento o disposto no art.º 77.º do C. Penal.

26. Com remissão para o que atrás se deixou dito quanto à determinação da medida concreta das penas parcelares, entendemos que, no seu conjunto, os factos exprimem condutas relacionadas, quer relativamente ao mesmo propósito [crimes de falsificação e burla], quer comungando a mesma situação global envolvente, isto sem prejuízo do posicionamento evidentemente frágil de AA no esquema arquitectado por FF.

27. Quanto ao mais, não resultam dos factos provados no acórdão recorrido, elementos que permitam, por si, concluir que a personalidade dos arguidos revele já uma propensão para a prática de crimes contra o património, mas o contrário, pelo que a acumulação de infracções não deverá constituir um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

28. Assim, urge reduzir as penas aplicadas a estes dois arguidos, mostrando-se especialmente desajustada a pena de 6 anos e 6 meses de prisão para o arguido AA, e impondo-se a sua redução para os 5 anos de prisão, assim se abrindo possibilidade à suspensão da sua execução nos termos do art.º 50.º, n.º 1 do CP, como de resto aconselha e se concluiu no seu Relatório Social. 

29. Estabelece o artigo citado como pressuposto material da aplicação do mesmo regime, a possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, acompanhadas ou não da imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art.º 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

30. Assim, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples, com a imposição de deveres, com a imposição de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, podendo haver lugar à sua imposição cumulativa (art.º 50º, nºs 2 e 3, do C. Penal).

31. Como atrás vimos, as finalidades da pena são a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade (art.º 40º, nº 1 do C. Penal).

32. Na base do instituto da suspensão da execução da pena de prisão encontram-se, portanto, razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição).

33. O juízo de prognose a realizar pelo tribunal, peça fundamental do funcionamento do instituto, parte da análise das circunstâncias do caso concreto – das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente, conjugadas e relacionadas com a sua revelada personalidade –, operação da qual resultará como provável, ou não, que o agente sentirá a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

34. Resulta dos factos provados que o arguido AA vive com a sua mãe e irmã, que acompanha e assiste familiar e economicamente, atentas as precárias condições de saúde de ambas, e está há já vários anos inserido laboralmente, desempenhando a actividade profissional de motorista de ligeiros; não lhe sendo conhecidos antecedentes criminais, nem antes nem depois da prática dos factos, sendo este, aliás, o seu primeiro e único contacto com a Justiça.

35. Ademais, é pessoa considerada no meio onde se encontra perfeitamente inserido, um cidadão respeitado, descrito como “uma boa pessoa” e excelente pai, projectando uma imagem marcadamente positiva nos diferentes meios onde se relaciona, mesmo a nível laboral, considerado um trabalhador empenhado, “pessoa de confiança”, muito prestável, responsável, em suma, um bom profissional.

36. Os factos provados não revelam uma tendência para uma carreira criminosa, antes demonstram que a situação sob análise ocorreu num contexto muito próprio e não passou de um infeliz episódio na vida deste homem de quase 60 anos de idade, pelo que se julga que o arguido sentirá a ameaça da pena de prisão como uma solene advertência que constituirá estímulo suficiente para o afastar da prática de novos comportamentos típicos, desta forma se acautelando a sua eventual, mas improvável, reincidência.

37. Dúvidas não poderão restar de que nada de bom trará a este cidadão - decorridos 10 anos desde a prática dos factos, com um percurso isento de reparos antes e desde então, encontrando-se perfeitamente integrado na sociedade - uma pena efectiva de prisão! Que agora, por demasiado tardia, se apresenta como injusta, imerecida e com efeitos absolutamente avassaladores na sua reintegração, que é já um dado adquirido!

38. De facto, e ressalvado o devido respeito, não se percebe a relutância do Tribunal, neste concreto caso, atendendo sobretudo ao desfasamento temporal entre a prática dos factos e o presente e a conduta posterior e rectilínea do arguido, em aplicar o disposto no art.º 50.º do C. Penal, cujas vantagens tanto ao nível do processo de reintegração do agente na sociedade (evitando o contágio prisional e os prejuízos daí resultantes, proporcionando mais-valias sociais com a imposição de determinadas regras de conduta, tal como sugere o seu relatório, de execução na comunidade) como numa perspectiva mais prática de diminuição de custos, estão à vista de todos.

39. Estão em causa cidadãos perfeitamente integrados socialmente, que desde novos sempre assumiram os seus compromissos e cuidaram, mediante muito trabalho, de prover pelo sustento dos seus agregados. 

40. Considerando todos os apontados factores, as penas determinadas pelo Tribunal a quo como sanção da prática dos crimes em causa, não são, como deveriam, um reflexo sério e justo da culpa do agente e das reais e atuais necessidades de prevenção (geral e especial) que a situação reclama.

41. As penas aplicadas aos arguidos são injustificadas, incompreensíveis, imerecidas e injustas, impondo-se a sua revogação e reequacionação de acordo com a matéria fáctica efectivamente apurada, a concreta culpa e personalidade dos arguidos manifestada nos mesmos e nos momentos que os precederam e sucederam e as exigências de prevenção verificadas e, sublinhe-se novamente, o facto de não terem quaisquer antecedentes criminais e de os factos terem sido praticados há vários anos!

42. Pelo que, na determinação das penas aplicadas aos arguidos, a decisão recorrida viola de forma insustentável os artigos 40.º, n.º2, 50.º e 51.º, 70.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, 72.º, n.º 1, d), 73.º do Código Penal, padecendo, portanto, de ilegalidade, cuja apreciação e reconhecimento se requer a Vossas Excelências se dignem declarar, com as legais e processuais consequências.

Termos em que deverão V. Exas. dar provimento ao presente recurso e, em consequência, serem as penas aplicadas aos arguidos manifestamente reduzidas, suspendendo-se na sua execução a pena que vier a ser aplicada ao arguido AA”.

Em resposta, o M.º P.º pronunciou-se pelo não provimento do recurso de ambos os recorrentes.

Houve lugar à audiência requerida pelos arguidos recorrentes.

Cumpre agora decidir, sendo que as questões que vêm colocadas são as seguintes:

a) - Pelo M.º P.º, a medida das penas aplicadas, parcelares e única, aos recorridos e a indevida suspensão da sua execução ou suspensão condicionada ao pagamento de indemnização aos lesados.

b) - Pelos dois arguidos recorrentes, a medida das penas e a devida suspensão da respectiva execução a determinar quanto ao arguido AA.

*

II. Fundamentação

1. A matéria de facto provada

Vem provada a seguinte factualidade relativamente a todos os arguidos, mesmo não recorrentes:

1) Em 2006 e 2007, EE tinha como habilitações literárias a 4ª classe, era toxicodependente, não tinha quaisquer rendimentos provenientes do trabalho, nem qualquer outro meio de subsistência, pelo que sustentava o seu vício com os trocos que granjeava a arrumar carros junto à Igreja da ....

2) Em 2006, EE foi abordado por um indivíduo de alcunha “Zé ...”, tratando-se de FF, entretanto falecido em ... de 2008, que aos poucos foi ganhando a sua confiança a troco de algumas moedas que lhe ia oferecendo.

3) Na altura, o FF e a esposa, GG, eram os únicos sócios da empresa denominada “ ...- Sociedade de Pavimentos, Lda.” e residiam na ..., onde EE arrumava carros.

4) Depois de conquistar a confiança de EE, o referido FF aliciou-o, em finais de 2006, a entregar os seus documentos pessoais, nomeadamente o seu bilhete de identidade.

5) Tendo ficado acordado entre ambos que, sempre que fosse necessário, o EE procederia à assinatura dos documentos que lhe fossem apresentados, recebendo em troca quantias monetárias.

6) Posteriormente, FF apresentou ao EE um outro indivíduo de nome .., tratando-se do arguido BB.

7) O arguido BB em 2007 vivia maritalmente com HH, técnica da ADILO (Agência de desenvolvimento integrado de ...).

8) O EE, enquanto toxicodependente, iniciou tratamento na ADILO em 13/2/2008.

9) A dada altura, BB apresentou a EE o arguido AA.

10) Mais tarde, em data não concretamente apurada, o arguido AA apresentou o EE ao arguido DD.

11) O arguido AA conhecia o FF, residente nas imediações da ..., pelo facto de aquele ter chegado a prestar alguns serviços a este último.

12) A arguida II era a legal representante da “...”, sendo no entanto o arguido CC quem de facto exercia a gerência da mesma.

13) A arguida JJ à data da prática dos factos era casada com o arguido DD.

14) Em tempos, EE chegou a residir na Rua ..., juntamente com sua mãe.

15) Porém, a partir de 2004/2005 deixou de ali residir, no entanto, o seu correio continuava a ser dirigido para aquela morada.

16) A correspondência que lhe era dirigida para aquela morada era entregue pelo carteiro numa mercearia próxima, cuja dona conhecia o EE e lha entregava posteriormente.

17) Desde 2006, pelo menos, que EE residia com a sua irmã no Bairro ...

18) Em finais de 2006 e início de 2007, o arguido AA apresentava perante terceiros duas residências: uma na Rua ....

19) Em finais de 2006, o arguido BB para além da residência na Rua ..., também apresentava perante terceiros, uma outra residência na Rua ..., constando a mesma designadamente na carta de condução.

20) Nessa altura a arguida JJ, trabalhava na “...”, tendo anteriormente trabalhado noutras instituições de crédito, conhecendo todos os procedimentos exigidos na concessão de crédito.

21) Em data não concretamente apurada de finais de 2006, o FF incentivou o EE a pedir um novo bilhete de identidade.

22) Para esse efeito, o arguido BB tratou da sua higienização, da sua aparência e do seu vestuário, levando-o a cortar o cabelo e a aparar a barba, e arranjando-lhe roupa lavada: umas calças e uma camisa.

23) Depois o FF acompanhou-o à Loja do Cidadão para pedir um novo bilhete de identidade.

24) Foi o arguido DD quem incentivou EE a requisitar o cartão de contribuinte, pelo que o acompanhou à Repartição de Finanças, para obter o referido cartão.

25) Sempre que necessitavam de algum documento assinado por EE, o FF, ou o arguido BB ou o arguido DD iam ter ele.

26) EE assinava o documento em questão sem averiguar qual o teor do mesmo, a que se destinava, e que efeitos daí lhe poderiam advir.

27) Por cada assinatura o mesmo recebia entre €20,00 a €50,00, dependendo do documento.

28) Em data não concretamente apurada, entre finais de 2006 e Maio de 2007, o arguido DD (DD), levou EE a um apartamento inserido num prédio com cerca de 14 andares, sito na ....

29) Nessa altura, EE pode constatar que o arguido DD tinha digitalizado os seus documentos pessoais, bilhete de identidade e cartão de contribuinte, os quais se encontravam inseridos no computador, destinado ao uso pessoal de DD.

30) Era intenção de FF, e dos arguidos BB e AA obterem o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte de EE, para com tais de documentos, e outros, acederem a créditos e ainda com a referida documentação procederem à abertura de contas bancárias - tudo em nome de EE.

31) Assim e depois de terem os elementos de identificação de EE, FF, os arguidos AA e BB, em conjugação de esforços, abriram várias contas bancárias, em nome de EE, a saber:

- Conta com o NIB ..., domiciliada na Caixa Económica Montepio Geral;

- Conta com o NIB ..., domiciliada no Santander Totta;

- Conta com o NIB ..., domiciliada no Millennium/BCP, aberta em 19/02/2007.

32) EE limitou-se a disponibilizar o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte fiscal. O mesmo desconhecia, quer a utilização que era dada aos seus documentos (BI e NIF), quer o objecto e destino de eventuais documentos que assinava.

33) EE não teve qualquer intervenção na montagem e adulteração do conteúdo dos documentos apresentados na celebração dos contratos supra referidos, desconhecendo a sua existência.

34) Também nunca teve conhecimento das intenções dos arguidos, nem da sua actuação, desconhecendo os contratos e as obrigações contraídas em seu nome, quanto à concessão de crédito, quanto à aquisição dos imóveis, quanto aos contratos referentes às viaturas, quanto à sua posição de fiador ou locador, bem como desconhecia as contas bancárias de que era titular, nas quais nunca fez qualquer movimento: não dispunha dos cartões de débito e ou crédito associados às mesmas, com excepção do cartão do Santander Totta, que lhe havia sido enviado para a sua antiga morada na.... Mas, como o mesmo não tinha aberto qualquer conta, não conhecia o respectivo código, não valorizou o envio do referido cartão, pelo que nunca o utilizou.

35) O mesmo contentou-se com a entrega de pequenas quantias que lhe foram oferecidas por FF, BB e DD.

36) EE não apresentava declaração de IRS desde 1994.

37) Até finais de 2006, EE não era titular de qualquer conta bancária, sendo que a única conta que alguma vez abriu foi no Banco Borges & Irmão em 1987, a qual há muito que se encontrava cancelada.

38) Até Janeiro de 2007, EE tinha a sua "ficha" no Banco de Portugal sem registo de qualquer crédito em qualquer instituição financeira e sem qualquer outro registo de relevo.

39) O EE nunca residiu no nº 122.°, 1.° andar, da Rua ..., sendo esta aliás, uma das moradas apresentadas por BB, perante terceiros.

I - Caixa Económica Montepio Geral

40) Com o propósito conjunto de obtenção de crédito, ... (FF), AA (AA) e BB (...) recorreram à imobiliária “..., Lda.”, com sede na Rua da ..., uma vez que o FF e AA conheciam o ... (CC), que exercia de facto a gerência da referida imobiliária, vivendo maritalmente com a legal representante da mesma, II (II).

41) Quer AA, quer BB, quer FF, dirigiram-se várias vezes à referida imobiliária, para tratarem de assuntos profissionais.

42) A fim de obterem a colaboração de CC, o FF, o AA e o BB contaram o seu plano ao arguido CC, convencendo-o a aderir ao mesmo, prometendo-lhe repartir os lucros entre si, em montante não concretamente apurado.

43) Na sequência de tal acordo, em 19 de Dezembro de 2006, o arguido CC apresentou na agência da Caixa Económica Montepio Geral, sita no Centro ..., os documentos alegadamente pertencentes a EE, com o objectivo de contrair dois empréstimos:

- Um, no montante de €74820,00 (setenta e quatro mil oitocentos e vinte euros), vulgarmente designado por "Crédito à Habitação", para aquisição da habitação sita na Rua ..., através da imobiliária designada por .... Tal empréstimo pressupunha a celebração do contrato de compra e venda da referida habitação e de mútuo com hipoteca a favor da instituição bancária.

- Outro, designado por "Montepio ...", no montante de € 25180,00 (vinte e cinco mil cento e oitenta euros). Este pressupunha a celebração do contrato de mútuo com hipoteca a favor da instituição bancária.

44) Os documentos entregues por CC na referida agência do Montepio foram os seguintes: a) bilhete de identidade do arguido EE (...), emitido em 6/08/2004, pelo Arquivo do Porto; b) documento provisório do NIF (número de identificação fiscal) de EE; c) nota de liquidação do IRS de EE, com a morada da Rua ...; d) modelo 3 da declaração de IRS, com os anexos A e H, e confirmação de entrega pela Internet, referentes a EE, com a morada de Rua ...; e) declaração da entidade empregadora; f) dois recibos de vencimento; g) um extracto integrado trimestral da conta com o NIB ..., domiciliada no BPI, em nome de EE, residente na Rua ....

45) A declaração da entidade patronal, emitida em folha com a insígnia da mesma, tinha o seguinte teor: "..., S.A. declara para efeitos bancários que EE com o número de contribuinte Fiscal ..., residente na Rua ..., é nosso funcionário efectivo desde 01 de Julho de 2001, no Bingo... 11 de Setembro de 2006 ".

46) A referida declaração não foi produzida por nenhum funcionário ou responsável da sociedade em causa, constituindo uma adulteração, através de montagem, de outro documento emitido por aquela sociedade, no qual constava o logotipo da mesma, uma vez que o timbre aposto no cabeçalho, corresponde ao que é utilizado por aquela e a assinatura corresponde à assinatura do director do bingo, embora falte o carimbo da sociedade, normalmente aposto junto da assinatura. Tal declaração foi produzida com o objectivo de fazer crer que a mesma foi emitida por aquela sociedade.

47) Nos referidos recibos de vencimento consta a identificação da Sociedade ..., como suposta entidade patronal, e como destinatário do vencimento EE, com a categoria de profissional de "caixa fixo de 1ª", reportando-se tais recibos a 19/09/2006, com a indicação do vencimento total líquido no montante de € 1217,90, e a 20/10/2006, com a indicação do vencimento total líquido no montante de € 1222, 40.

48) Por um lado, não existe a categoria de "caixa fixo de 1ª", por outro, o vencimento do "caixa fixo" não corresponde ao que consta dos recibos apresentados.

49) É ainda feita referência, em ambos os recibos a "Pto. p/ CHEQUE", o que significa que o pagamento era feito por cheque.

50) O referido documento constitui uma adulteração dos recibos de vencimento de um dos dois empregados da referida sociedade, que recebiam na altura por cheque e laboravam no Bingo ...

51) Anota-se que nem o montante do vencimento, nem o valor do subsídio de turno, ali inseridos, correspondem ao que vigorava na altura.

52) EE nunca teve qualquer vínculo laboral com a ..., S.A., nem nunca prestou serviços para a mesma.

53) Por outro lado, EE em tempos residiu na Rua ..., mas há muito que o mesmo ali não residia.

54) EE como não trabalhava, não entregava qualquer declaração de IRS desde 1994, sendo certo que não o fez nos anos de 2005, 2006 e 2007.

55) O mesmo também nunca solicitou o acesso às declarações electrónicas de IRS.

56) A nota de liquidação do IRS, na qual se encontrava aposto o nome de EE, com residência na Rua ..., não pertencia ao mesmo, sendo uma montagem de elementos referentes a vários contribuintes, ostentando incongruências e inconsistências, nomeadamente nos cálculos e nas taxas.

57) O número de identificação da declaração entregue via internet, pertence a outro contribuinte.

58) A declaração de IRS também tem elementos referentes a outro contribuinte fiscal, e o código que identifica o serviço de finanças não corresponde ao daquela repartição.

59) Acresce que a entidade patronal referenciada não indicou qualquer daqueles contribuintes como seu trabalhador.

60) Os referidos documentos referidos em 44, nas alíneas c) a f), constituíam uma montagem efectuada conjuntamente pelo FF e pelos arguidos AA e BB, ou por alguém a mando deles, a partir de documentos originais, cujo conteúdo era manipulado pelos arguidos.

61) Tal era do conhecimento do arguido CC.

62) Por os elementos apresentados lhe terem suscitado dúvidas, o subgerente da referida agência procurou confirmar junto da Sociedade ..., S.A., se tinham algum trabalhador/colaborador com o nome de EE, tendo sido informado que não existia ninguém com aquele nome a trabalhar ou a prestar serviços para a referida empresa.

63) Os arguidos AA, BB e CC procuraram demonstrar a existência de vontade negocial de EE, nos termos supra referidos, e que a quantia que viesse a ser disponibilizada com os referidos contratos entraria no património do mesmo, o qual seria responsável pelos respectivos encargos.

64) Não obstante, o contrato não chegou a ser concluído, porque o empregado da Caixa Económica Montepio Geral, a quem foram entregues os documentos, suspeitando de eventuais irregularidades na documentação, resolveu averiguar, tendo constatado que o teor dos documentos apresentados não correspondia à verdade, concluindo pela adulteração dos mesmos.

65) Por tal motivo, a instituição bancária recusou-se a celebrar os contratos.

66) O subgerente do referido balcão avisou o arguido CC, que a não concessão do crédito se devia ao facto dos documentos apresentados conterem factos falsos, desde logo o recibo de vencimento, como aliás tinha tido oportunidade de comprovar.

67) Os arguidos AA e BB bem sabiam que através da montagem efectuada alteravam o conteúdo dos documentos, fazendo crer que os mesmos tinham sido emitidos pelas entidades neles assinaladas, que o seu teor correspondia à verdade, fazendo-os passar por genuínos.

68) Os arguidos AA, BB e CC conheciam a relevância para a entidade bancária do teor, inserido de modo fraudulento, nos documentos que apresentaram, bem como a relevância e os efeitos derivados das declarações que se propunham prestar, em nome de EE, no ato da escritura pública exigida pela instituição bancária como formalidade, sabendo que os actos praticados perante o notário, na qualidade de oficial público, gozam de uma solenidade e credibilidade acrescidas, presumindo-se que tais documentos e os factos neles atestados são verdadeiros.

69) Sabiam que com tal conduta prejudicariam o Estado e o seu interesse legítimo em manter a segurança e a credibilidade que os documentos têm no tráfico jurídico em geral, especialmente os actos lavrados perante oficial público.

70) Agiram do modo descrito no intuito de: a) representarem perante terceiros que EE tinha uma situação económica mediana, com capacidade de suportar determinados encargos financeiros e, a partir daí, utilizarem tais documentos para obterem benefícios que sabiam ser ilegítimos; b) de vincularem contratualmente EE ao pagamento dos montantes supra referidos e demais encargos decorrentes dos referidos contratos, e deste modo lhe causarem prejuízo patrimonial, bem sabendo que o mesmo desconhecia tais factos, que o faziam sem o seu consentimento e contra a sua vontade, o que só não sucedeu por motivos alheios à sua vontade. 

71) Os mesmos tinham perfeito conhecimento que o EE não tinha qualquer meio de subsistência, bem sabendo que nunca poderia suportar tais encargos. Também não pretendiam substituir-se àquele na assunção das responsabilidades financeiras decorrentes dos referidos contratos.

72) Ao apresentarem tais documentos na referida agência bancária queriam criar a convicção errónea, quer ao proprietário do imóvel, quer junto da instituição bancária, quer ao oficial público (exigido pela instituição bancária para formalizar os contratos, por escritura pública de forma a atribuir publicidade e maior solenidade ao ato, como lhes havia sido transmitido) que os documentos eram genuínos e se reportavam ao EE, que o mesmo queria adquirir a referida habitação e celebrar os contratos supra referidos, contraindo o empréstimo bancário nos ditos montantes, com o intuito de verem o crédito aprovado, adquirirem a habitação em causa e se apoderarem da quantia restante para repartirem entre si.

73) Tinham perfeito conhecimento que a instituição bancária lhes disponibilizaria as quantias mutuadas, se acreditasse que os factos constantes dos documentos apresentados correspondiam à verdade, designadamente no que respeita à vontade contratual de EE e à sua situação económica.

74) Os arguidos sabiam, desde o início, que os contratos não iriam ser cumpridos, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas causavam à instituição bancária um prejuízo equivalente ao valor que viesse a ser mutuado, ao qual acresceriam os encargos inerentes ao referido incumprimento.

75) Os arguidos AA, BB e CC agiram de forma concertada, em conjugação de esforços e intentos.

76) Os arguidos só não lograram atingir os seus intentos, porque a instituição bancária descobriu a viciação dos documentos e por tal motivo não concedeu o referido crédito.

77) Agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o firme propósito de alcançarem os seus intentos, não obstante saberem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

II - Millennium BCP - Aquisição da habitação sita na Rua ....

78) Não tendo obtido o crédito pretendido na Caixa Económica Montepio Geral, os arguidos AA, BB e CC decidiram, de mútuo acordo, obter o pretendido crédito através do Millennium/BCP, agência do ..., uma vez que o arguido CC conhecia a funcionária, por contactar com a mesma no âmbito da sua actividade de mediação, na obtenção de outras situações de crédito.

79) Na referida agência do Millennium/BCP do ... foi entregue por CC, toda a documentação na qual se incluía, cópia do bilhete de identidade de EE, documento provisório do NIF (número de identificação fiscal) de EE, nota de liquidação do IRS de EE, modelo 3 da declaração de IRS, declaração da entidade empregadora, entre outros documentos.

80) A declaração da entidade patronal emitida em folha com a insígnia da sociedade "...- Manutenção de Automóveis, Lda." tinha o seguinte teor: "Conforme solicitado declaramos para os devidos efeitos que EE com o número de contribuinte fiscal ..., está efectivo nesta empresa, exercendo a função de electricista - Auto 1ª, auferindo um vencimento de €: 850. Por ser verdade, passo a presente declaração. Porto 16 de Fevereiro de 2007 ". No final da declaração encontra-se aposta uma rubrica sobre os seguintes dizeres: “..., LDA. A Gerência".

81) A referida declaração não foi produzida por nenhum funcionário ou responsável da sociedade em causa, constituindo uma adulteração, através de montagem, de qualquer outro documento emitido pela sociedade, no qual constasse o logotipo da mesma.

82) EE nunca trabalhou para a referida sociedade, pelo que o teor daquela declaração não corresponde à verdade.

83) Acresce que EE, como não trabalhava, não entregava qualquer declaração de IRS desde 1994, sendo certo que não o fez nos anos de 2005, 2006 e 2007, pelo que a declaração de IRS apresentada e a nota de liquidação do IRS não foram emitidas pelo competente serviço do Ministério das Finanças, não correspondendo o seu teor à verdade.

84) Tais documentos constituíam uma montagem e manipulação efectuada conjuntamente pelos arguidos AA e BB, a partir de documentos originais, com o conhecimento e a aceitação do arguido CC.

85) Na sequência dos elementos apresentados, o crédito foi aprovado, pelo que em 26 de Março de 2007, foi celebrada no Cartório Notarial da Dr.ª ..., sito à ..., a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca na qual são outorgantes:

a) Primeiro, LL, na qualidade de gerente, em representação da firma "Sociedade ...., Lda."; b) segundo, AA, que interveio na qualidade de procurador, em representação de EE, com residência na Rua ....

86) No referido contrato é estipulado que o primeiro outorgante vende ao segundo a fracção autónoma designada pela letra "M", destinada a habitação, no 1.° andar, esquerdo, com entrada pelo nº 130, lugar "M" de aparcamento e um arrumo "M" na cave, que faz parte do prédio urbano sito na Rua ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na CRP de ... sob o nº ....

87) Consta ainda da referida escritura que: a) O preço de venda, já recebido pelos vendedores, é de €74.820,00 (setenta e quatro mil oitocentos e vinte euros); b) Que o segundo outorgante, AA, confessa o seu representado, EE, devedor ao Banco Comercial Português (BCP) da quantia de €74 820,00 (setenta e quatro mil oitocentos e vinte euros) que recebeu daquele banco a título de empréstimo e que vai ser aplicado na aquisição do referido imóvel; c) Por tal motivo, declara ainda AA que o seu representado, EE, constitui a favor do BCP uma hipoteca sobre o referido imóvel, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e dos respectivos juros à taxa anual efectiva (TAE) de 5,12% (cinco virgula doze por cento) acrescidos de uma sobretaxa de 4% (quatro por cento) ao ano em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas para o efeito em dois mil novecentos e noventa e dois euros e oitenta cêntimos.

88) À escritura foi anexado um documento complementar, elaborado nos termos do artigo 64.°, nº 2, do Código do Notariado, o qual fica a fazer parte integrante da mesma, e onde se estipulam as cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca, no montante de €74820,00, celebrado entre o BCP e EE, representado por AA.

89) De acordo com a cláusula primeira do referido documento complementar a quantia mutuada foi nessa data entregue pelo Banco, por crédito da conta de depósito à ordem nº ..., domiciliada no BCP e titulada por EE.

90) Na cláusula segunda do referido contrato é estipulado que o empréstimo é, constituído pelo prazo de 396 (trezentos e noventa e seis) meses, a contar do dia 5 de Julho de 2007 e será amortizado em 396 (trezentas e noventa e seis) prestações de capital e juros, vencendo-se a primeira no mesmo dia do mês seguinte e as subsequentes em igual dia dos meses subsequentes.

91) No mesmo local e data foi ainda outorgada a escritura de um outro contrato de mútuo com hipoteca, através do qual AA, em representação de EE, declara que obteve junto do BCP um empréstimo no montante de €20.180,00 (vinte mil cento e oitenta euros) quantia entregue naquela data, por crédito na conta n° ..., domiciliada no Millennium/BCP, titulada por EE, e que constituiu, como garantia, hipoteca sobre o imóvel supra identificado a favor daquele banco.

92) O empréstimo de € 20.180,00 (vinte mil cento e oitenta euros) foi celebrado pelo prazo de 33 anos, sendo o mesmo amortizado em 396 (trezentas e noventa e seis) prestações mensais.

93) Com vista à celebração das escrituras foi apresentada uma procuração manuscrita por AA e assinada por EE através da qual este o constitui seu bastante procurador, conferindo-lhe poderes para em sua representação comprar o imóvel supra referido, pelo preço e condições que entendesse por convenientes, bem como hipotecar junto do BCP ou junto de quaisquer outras instituições de crédito, contrair um empréstimo até ao montante de cem mil euros, dando de hipoteca o referido imóvel, pelo prazo, juros, condições e obrigações que entender por conveniente, estipulando e aceitando as cláusulas e condições que achar convenientes, o representar junto de quaisquer repartições públicas, podendo requerer, assinar e praticar tudo quanto se mostre necessário, designadamente actos de registo provisórios e definitivos, requisitar cheques, assinar e movimentar a conta de suporte ao pedido de financiamento bancário.

94) EE assinou a referida procuração, em troca de uma pequena quantia monetária de €50,00, não lendo a mesma, nem tomando conhecimento do seu conteúdo, nem suspeitando do destino que lhe seria dado e dos poderes que a mesma conferia a AA.

95) Assim, em 20/03/2007, o Millennium/BCP emprestou a EE o montante global de €95.000,00 (noventa e cinco mil euros), através de dois empréstimos, um no valor de € 74.820,00 e o outro de € 20.180,00.

96) A prestação mensal deixou de ser paga num dos contratos desde Maio de 2007 e no outro desde Junho de 2007. Desde então, nunca mais foi paga qualquer prestação, verificando-se assim incumprimento do contrato. 

97) Da análise do extracto bancário da conta nº ..., domiciliada no Millennium/BCP, titulada por EE, resulta que: a) O saldo bancário anterior a 26/03/2007 era negativo no montante de € 236,63; b) Em 26/03/2007, foram creditados € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros) através de dois movimentos relativos aos empréstimos, um no valor de € 20.180,00 (vinte mil cento e oitenta euros) e o outro no valor de € 74.820,00 (setenta e quatro mil oitocentos e vinte euros) - fls. 1106 verso; c) Foi debitado na conta do cliente o montante de € 2736,63, referente ao saldo devedor; d) Foram debitados na referida conta os seguintes valores: 1) em 26/03/2007, foi emitido ao portador, e descontado nesse mesmo dia, o cheque nº ..., no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

98) Tal cheque foi creditado na conta n° ... do BCP, a qual é titulada pela arguida II.

99) O cheque bancário n° ..., no valor de € 75 012,50 (setenta e cinco mil e doze euros e cinquenta cêntimos), foi emitido em 26/03/2007, foi entregue à Sociedade ..., Lda., como meio de pagamento do preço do apartamento supra referido.

100) Tal cheque foi emitido sobre a conta nº ..., titulada pelo Millennium BCP, sucursal do ..., à ordem de Banco Popular, vindo a ser apresentado à compensação em 27/03/2007.

101) O cheque n° ..., no valor de € 1.336,84 (mil trezentos e trinta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) emitido em 26/03/2007, à ordem de "Cartório Notarial de ...", sendo descontado no dia seguinte.

102) O cheque n° ..., no valor de € 6 000,00 (seis mil euros), foi emitido ao portador, descontado e pago em 29/03/2007, sendo beneficiária do mesmo a arguida II, como resulta do verso do mesmo.

103) O cheque n° ..., no valor de € 3.000,00 (três mil euros) descontado e pago em 30/03/2007, sendo emitido em 30/03/2007, ao portador e creditado na conta n° ... do BCP, em nome de MM

104) O cheque n° ..., no valor de € 3.000,00 (três mil euros), foi emitido em 30/03/2007, ao portador, descontado e pago em 30/03/2007. Tal cheque foi levantado pela arguida MM.

105) Foi ainda debitado na conta o montante de € 2.440,00 (dois mil quatrocentos e quarenta euros), relativos a 20 levantamentos de numerário efectuados em ATM, entre 27/03 e 09/05/2007 (fls. 1106 verso a 1107 verso).

106) Foi ainda debitado o montante de € 1.710,66 (mil setecentos e dez euros e sessenta e seis cêntimos), em movimentos diversos, entre os quais, eliminação do saldo devedor, imposto de selo, despesas, seguros, prestações e comissões, efectuados entre 26/03 e 09/05/2007.

107) Em 09/05/2007, a conta bancária apresentava saldo nulo.

108) O valor titulado pelo cheque referido em 103 foi recebido por MM, irmão da arguida, II, a pedido desta, tendo a quantia nele titulada sido entregue àquela na sua totalidade, pelo irmão, a qual posteriormente a entregou ao arguido CC, assim como o montante dos cheques por ela levantados e supra referidos.

109) Depois do pagamento efectuado à Sociedade ..., Lda., no valor de € 75.012,50, e ao Cartório Notarial ..., no valor de € 1.336,84, no montante global de € 76 349,34 (setenta e seis mil trezentos e quarenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos), ficou ainda disponível para os arguidos a quantia de € 18 650,66 (dezoito mil seiscentos e cinquenta euros e sessenta e seis cêntimos).

110) Através do cartão bancário, os arguidos, de comum acordo e de forma concertada, procederam a 20 (vinte) levantamentos de numerário em ATM, no valor global de € 2.440,00 (dois mil quatrocentos e quarenta euros), no período compreendido entre 27/03 e 09/05/2007; e a movimentos diversos, no montante global de € 1.710,66 (mil setecentos e dez euros e sessenta e seis cêntimos), realizados entre 06/03 e 09/05/2007.

111) Resulta assim que os arguidos, AA, BB e CC beneficiaram da quantia titulada pelos cheques que foram objecto de pagamento do preço do imóvel e das despesas com o notário, beneficiando directamente das restantes quantias que repartiram entre si.

112) EE nunca residiu na Rua ..., foi de todo alheio aos referidos contratos, não tendo qualquer conhecimento da sua celebração, nem tirando qualquer proveito económico dos mesmos.

113) Na sequência do incumprimento dos referidos contratos, o banco procedeu à instauração da acção executiva, a qual corre termos no ....° Juízo de ..., processo nº 2179/09.7 TBGDM.

114) O conteúdo dos documentos foi alterado por um ou algum dos arguidos BB e ou AA, com o conhecimento do arguido CC, os quais pretendiam fazer crer que os mesmos tinham sido emitidos pelas entidades neles assinaladas, que o seu teor correspondia à verdade, fazendo-os passar por genuínos.

115) Os arguidos AA, BB e CC conheciam a relevância para a entidade bancária do teor, inserido de modo fraudulento, nos documentos que apresentaram, bem como a relevância e os efeitos derivados das declarações prestadas, em nome de EE, perante o notário, sabendo que os actos praticados perante aquele, na qualidade de oficial público, gozam de uma solenidade e credibilidade acrescidas, presumindo-se que tais documentos e os factos neles atestados pelo notário são verdadeiros. Sabiam que com a sua conduta prejudicavam o Estado e o seu interesse legítimo em manter a segurança e a credibilidade que os documentos têm no tráfico jurídico em geral, especialmente os actos lavrados perante oficial público.

116) Agiram do modo descrito no intuito de representarem perante terceiros que EE tinha uma situação económica mediana, com capacidade de suportar determinados encargos financeiros e a partir daí utilizarem tais documentos para obterem benefícios que sabiam ser ilegítimos; vincularem contratualmente EE ao pagamento dos montantes supra referidos e demais encargos decorrentes dos referidos contratos, como sucedeu, bem sabendo que o mesmo desconhecia tais factos, que o faziam sem o seu consentimento e contra a sua vontade.

117) Os mesmos tinham perfeito conhecimento que o EE não tinha qualquer meio de subsistência, bem sabendo que nunca poderia suportar tais encargos. Também não pretendiam substituir-se àquele na assunção das responsabilidades financeiras decorrentes dos referidos contratos.

118) Ao apresentarem tais documentos na referida agência bancária quiseram criar a convicção errónea, quer ao proprietário do imóvel, quer junto da instituição bancária, quer ao notário que celebrou a escritura, que os documentos eram genuínos e se reportavam a EE e que o mesmo queria adquirir a referida habitação e celebrar os contratos supra referidos, contraindo o empréstimo bancário nos ditos montantes, com o intuito de verem o crédito aprovado, adquirirem a habitação em causa e se apoderarem da quantia restante para repartirem entre si.

119) Sabiam desde o início que os contratos não iriam ser cumpridos, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas causavam à instituição bancária um prejuízo equivalente às quantias mutuadas, ao qual acresceriam os encargos inerentes ao referido incumprimento.

120) A Instituição bancária apenas contratou nos termos supra referidos e disponibilizou as quantias mutuadas, porque estava confiante do retorno dessas quantias e do proveito económico inerente aos referidos contratos, tendo por base a confiança nos documentos apresentados e na situação financeira de EE decorrente dos mesmos, expectando que aquele iria honrar os seus compromissos.

121) O teor dos documentos apresentados determinaram a entidade bancária a aprovar o crédito e a contratar nos moldes atrás referidos, com base em pressupostos inexistentes que a levaram a ignorar um risco de não satisfação do crédito.       

122) Os arguidos tinham perfeito conhecimento que a instituição bancária apenas lhe disponibilizaria as quantias mutuadas, por acreditar que os factos constantes dos documentos apresentados correspondiam à verdade, designadamente no que respeita à vontade contratual de EE e à sua situação económica.

123) Se a instituição bancária conhecesse a verdadeira situação económica de EE, não teria aprovado o crédito e consequentemente não teria celebrado os contratos supra referidos, nem disponibilizado as quantias mutuadas.

124) Com a referida conduta sofreu o Banco Comercial Português um prejuízo imediato equivalente à quantia disponibilizada, no montante global de € 95 000,00 (noventa e cinco mil euros), à qual acrescem todos os prejuízos inerentes ao incumprimento do contrato.

125) Os arguidos AA, BB e CC agiram de forma concertada, em conjugação de esforços e intentos.

126) Agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o firme propósito de alcançarem os seus intentos, não obstante saberem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

III - Falsas declarações prestadas perante Notário

127) Como já foi referido, no dia 26 de Março de 2007, foi celebrada no Cartório Notarial da Dr.ª ..., no Porto, a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca da fracção autónoma designada pela letra "M", destinada a habitação, no 1.° esquerdo, com entrada pelo nº ..." na cave, na freguesia de ..., inscrita na matriz com o artigo 6015-M, descrito na CRP de Gondomar sob o nº ....

128) A referida escritura foi outorgada por LL, na qualidade de gerente, em representação da firma "Sociedade ..., Lda.", como primeiros outorgantes e por AA, na qualidade de procurador de EE.

129) Antes de assinarem a escritura, que a Notária, Dr.ª ..., leu em voz alta e de modo bem perceptível, esta questionou os presentes, concretamente os arguidos AA e LL, se o contrato teve intermediação de imobiliária, advertindo-os que caso mentissem incorreriam no crime de falsidade de declaração ou depoimento, nos termos do disposto no nº2, do art.º 50.° do Decreto-Lei 211/2004, de 20 de Agosto.

130) Os arguidos AA e LL ouviram a questão colocada, ficaram cientes da advertência e de que incorreriam em responsabilidade criminal caso mentissem, e declararam ambos que o acto não foi objecto de intervenção de mediadora imobiliária.

IV - Banco Espirito Santo - Aquisição da habitação sita na ...

131) Os arguidos NN e OO (OO), viviam maritalmente, casados segundo as tradições ciganas, e pretendiam adquirir uma habitação.

132) Para o efeito, encetaram diligências junto da agência imobiliária “...- Mediação Imobiliária”, designada por "...", sita em ..., no ..., tendo-se interessado por um apartamento sito na Rua ...

133)Com vista à obtenção do referido crédito bancário, o arguido OO, que se apresentava em substituição de NN, entregou na ..., a qual pertencia à Sociedade "..., Lda.", vários documentos com vista à obtenção do referido crédito.

134) Tal documentação foi apresentada na agência do Millennium/BCP na ..., não tendo sido concedido o crédito para a compra da referida habitação.

135) Nesta medida, a imobiliária devolveu a referida documentação ao arguido DD.

136) Perante tal recusa, os arguidos OO e NN, de forma que não foi possível apurar, conheceram o arguido DD que ficou de lhe tratar da obtenção do aludido crédito, tendo-lhe para o efeito os arguidos OO e NN apenas entregue o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte desta última.

137) O arguido DD, em conluio com o arguido AA, tratou da concessão do crédito à habitação junto do BES:

138) Assim, foi entregue na agência do BES, além do mais, a seguinte documentação: a) Cópia do bilhete de identidade de EE; b) Cópia do modelo 3 da declaração de IRS em nome de EE, relativa ao ano de 2006; c) Cópia do bilhete de identidade (BI) e do número de identificação fiscal (NIF) de NN; d) Cópia do modelo 3 da declaração de IRS relativa a NN e respectivo comprovativo de entrega.

139) Na sequência da documentação entregue foi aprovado o referido crédito.

140) Os documentos apresentados, referidos nas alíneas b) e d) do ponto 138 não correspondiam à verdade, sendo uma montagem efectuada através de documentos originais, na qual foram alterados factos em conformidade com os dados que os arguidos DD e AA pretendiam apresentar na instituição bancária.

141) Nem EE, nem NN entregavam declaração de IRS, sendo que o primeiro não trabalhava e a segunda vendia nas feiras, não declarando rendimentos ao serviço de finanças, sendo beneficiária do Rendimento de Inserção Social, pelo menos desde 1/07/2006.

142) O NIF ... da entidade patronal, aposto na declaração de IRS referente a EE pertencia à sociedade "..., Lda.", com sede na ....

143) O NIF ... da entidade patronal, aposto na declaração de rendimentos de NN pertencia à Sociedade “..., Lda.”.

144) Os arguidos AA e DD, bem sabiam que o conteúdo de tais documentos não correspondia à verdade, sendo os documentos viciados por um ou alguns deles, com o propósito de obterem o empréstimo bancário para a arguida NN, obtendo também uma compensação económica, em montante não concretamente apurado.

145) Para efeito da concessão de crédito, NN abriu uma conta no BES, no balcão de ..., em 2/05/2007.

146) Tal conta veio a ser saldada em 3/05/2008.

147) Na sequência da aprovação do crédito, em 19 de Junho de 2007, foi celebrada no Cartório Notarial da Dr.ª ..., sito à Rua ..., a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança.

148) A referida escritura é outorgada por: a) PP, primeiro outorgante, na qualidade de procurador de QQ e mulher, RR; b) NN, segunda outorgante; c) SS, em representação do BES; d) AA, na qualidade de procurador de EE.

149) Através da referida escritura o primeiro outorgante PP declarou que vende à segunda outorgante, NN, a fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente a uma habitação na cave e rés-do-chão, com entrada pelo número ..., que faz parte integrante do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., inscrito na matriz sob o art.º ..., descrito na 1ª CRP do Porto sob o n° ...

150) O preço de venda recebido pelos vendedores foi de € 52.250,00 (cinquenta e dois mil duzentos e cinquenta euros).

151) Pela segunda outorgante NN foi mencionado que para a aquisição do imóvel, solicitou ao BES, um empréstimo no montante de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), que foi concedido pelo prazo de 43 (quarenta e três) anos.

152) Para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas, nomeadamente juros devidos e despesas judiciais e extrajudiciais, constituiu hipoteca sobre a referida fração autónoma a favor do Banco Espírito Santo, S.A.

153) A escritura contém ainda um quarto outorgante, AA, o qual declarou, em nome do seu representado, EE, que o constitui fiador e principal pagador de tudo quanto venha a ser devido por NN, ao BES, em consequência do empréstimo que aquela contraiu junto do banco, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia, dando desde já o seu acordo a quaisquer modificações de taxas de juro e alterações de prazo, bem como mudança de regime de crédito, que venham a ser convencionados entre NN e o BES.

154) Acrescentou que a fiança manter-se-á plenamente em vigor, enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros e despesas, contraídas por qualquer forma e imputáveis à NN.

155) Para o efeito foi apresentada uma procuração outorgada no Cartório Notarial de ..., sito na Av. ..., subscrita por EE, o qual declara que constitui seu bastante procurador AA, a quem confere os necessários poderes para se constituir fiador e principal pagador de todas as responsabilidades assumidas por NN, junto do Banco Espírito Santo, em consequência de dois empréstimos, que ela vai contrair, até ao montante global de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), nos termos e condições que entender convenientes, renunciando ao beneficio de excussão prévia, dando o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, prazo do empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas com o Banco e os mutuários, assinando a respectiva escritura, e tudo o mais que se torne necessário.

156) Ficou ainda consignado na escritura que o referido contrato de mútuo com hipoteca rege-se ainda pelo documento complementar elaborado nos termos do art.º 64.°, nº 2, do Código de Notariado, o qual faz parte integrante da referida escritura.

157) Do referido documento complementar, primeira cláusula, ponto 1), resulta que a quantia mutuada foi creditada na conta de depósito à ordem n.º ..., domiciliada no BES, titulada por NN.

158) Da segunda cláusula, pontos 1) e 2), resulta que o referido empréstimo é amortizado em 516 (quinhentas e dezasseis) prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, com início em 1 de Julho de 2007.

159) No mesmo dia e no mesmo Cartório Notarial, foi ainda celebrada outra escritura de mútuo com hipoteca e fiança na qual é primeira outorgante NN, segundo outorgante Dr. SS, na qualidade de procurador do BES, S.A. e terceiro outorgante, AA, na qualidade de procurador de EE.

160) Através da referida escritura, o BES, S.A concede a NN um empréstimo no montante de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), pelo prazo de 43 (quarenta e três) anos, o qual se destina a fazer face aos compromissos financeiros assumidos anteriormente por aquela e à aquisição de equipamento para a sua habitação.

161) Para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas pelo referido contrato, nomeadamente juros e despesas judiciais e extrajudiciais, NN constituiu hipoteca sobre o referido imóvel a favor do BES.

162) Por AA, em representação de EE, foi dito que o constitui fiador e principal pagador de tudo quanto venha a ser devido por NN, ao Banco Espírito Santo, S.A, em consequência do empréstimo que aquela contraiu junto do referido banco, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia, dando desde já o seu acordo a quaisquer modificações de taxas de juro e alterações de prazo, bem como mudança de regime de crédito, que venham a ser convencionados entre NN e o BES. O mesmo acrescentou que a fiança manter-se-á plenamente em vigor, enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros e despesas, contraídas por qualquer forma e imputáveis a NN.

163) Ficou ainda consignado na escritura que o referido contrato rege-se ainda pelo documento complementar anexo, o qual faz parte integrante da referida escritura.

164) Da cláusula primeira, nº 1, do referido documento complementar resulta que depois de deduzidas as despesas efectuadas foi creditada a quantia mutuada na conta de depósitos à ordem n° ..., domiciliada no BES, titulada por NN, aberta em 2/05/2007, no balcão de ....

165) Da segunda cláusula, pontos 1) e 3), resulta que o referido empréstimo é amortizado em 516 (quinhentas e dezasseis) prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, com início em 1 de Julho de 2007.

166) Na sequência das referidas escrituras em 19/06/2007, o BES emprestou a NN o montante global de € 80.000,00 (oitenta mil euros) através de dois empréstimos, um no valor de € 45.000,00 e o outro de € 35.000,00, sendo EE constituído fiador de ambos os empréstimos.

167) O referido montante global foi disponibilizado na conta de NN, ... no BES, no dia 19/06/2007, data em que foi celebrada a escritura, resulta dos extractos bancários que dessa conta, no dia 20/06/2007 foi levantada a quantia de €10.000,00 em numerário e no dia 21/06/2007, a quantia de € 13 500,00.

168) Os contratos de mútuo apenas foram cumpridos até ao mês de Fevereiro de 2008, inclusive.

169) A partir dessa data não foi paga qualquer outra prestação.

170) Como não foram pagas as prestações foram resolvidos os contratos e instaurada a acção executiva, a qual deu origem ao processo nº 610/09.0VYPRT, que corre termos no ...º Juízo, ...ª Secção dos Juízos de Execução do ....

171) A arguida NN era ainda executada num processo de execução fiscal, no âmbito do qual o BES reclamou o seu crédito e foi-lhe adjudicado o imóvel supra referido pelo montante de € 52 500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), sendo que pela graduação de créditos aí efectuada cabe ao BES a quantia de € 51 211,54 (cinquenta e um mil duzentos e onze euros e cinquenta e quatro cêntimos).

172) EE assinou a procuração supra referida, em troca de uma pequena quantia monetária de € 50,00, não lendo a mesma, nem tomando conhecimento do seu conteúdo, nem suspeitando do destino que lhe seria dado e dos poderes que a mesma conferia a AA.

173) O mesmo não teve qualquer conhecimento dos referidos contratos, não tendo qualquer conhecimento da posição de fiador que ai assumia, nem tirou qualquer proveito económico da situação.

174) Com tais condutas sofreu o BES, S.A. um prejuízo imediato equivalente à quantia disponibilizada no empréstimo, no montante de € 80.000,00 (oitenta mil euros), à qual acrescem todos os prejuízos inerentes ao cumprimento do contrato.

175) Os arguidos AA e DD tinham perfeito conhecimento que o EE não tinha qualquer meio de subsistência, bem sabendo que nunca poderia suportar tais encargos. Também não pretendiam substituir-se àquele na assunção das responsabilidades financeiras decorrentes dos referidos contratos.

176) Os mesmos arguidos agiram de forma concertada, em conjugação de esforços e intentos, bem sabendo que os documentos apresentados na agência bancária não retratavam factos verdadeiros, sendo documentos adulterados no seu conteúdo, nos quais inseriram os dizeres que se coadunavam com os seus propósitos, fazendo crer que os mesmos tinham sido emitidos pelas entidades neles assinaladas, que o seu teor correspondia à verdade, fazendo-os passar por genuínos.

177) Ao apresentarem tais documentos na referida agência bancária quiseram criar a convicção errónea, quer ao proprietário do imóvel, quer junto da instituição bancária, quer ao notário que celebrou as escrituras, que os documentos eram genuínos, conhecendo a relevância para a entidade bancária do teor, inserido de modo fraudulento, em tais documentos.

178) Era sua intenção configurar perante terceiros que EE e NN tinham uma situação económica mediana, com capacidade de suportar determinados encargos financeiros e a partir daí utilizarem tais documentos para obterem benefícios para si ou terceiros que sabiam ser ilegítimos.

179) Na sua actuação conjunta e concertada, os arguidos AA e DD, estavam cientes da relevância e dos efeitos derivados das declarações prestadas, em nome de EE perante o notário, sabendo que os actos praticados por e perante aquele, na qualidade de oficial público, gozam de uma solenidade e credibilidade acrescidas, presumindo-se que os documentos e os factos neles atestados são verdadeiros.

180) Estes arguidos sabiam e queriam com as suas condutas prejudicar o Estado e o seu interesse legítimo em manter a segurança e a credibilidade que os documentos têm no tráfico jurídico em geral, especialmente os actos lavrados perante oficial público.

181) Os arguidos AA e DD, tinham como propósito comum obter proveito económico, que sabiam ser ilegítimo para si ou para terceiros, através da vinculação contratual de EE, na qualidade de fiador, sem o benefício de execução prévia, ao pagamento dos montantes supra referidos e demais encargos decorrentes dos referidos contratos, como sucedeu, bem sabendo que o mesmo desconhecia tais factos, que o faziam sem o seu consentimento e contra a sua vontade e lhe causavam um prejuízo patrimonial.

182) Os mesmos sabiam e queriam, com a celebração daqueles contratos prejudicar quer a instituição bancária, pelas quantias disponibilizadas, quer EE que assumia o pagamento de tais quantias por inteiro.

183) A Instituição bancária apenas contratou nos termos supra referidos e disponibilizou as quantias mutuadas, porque estava confiante do retorno dessas quantias e do proveito económico inerente aos referidos contratos, tendo por base a confiança nos documentos apresentados e na situação financeira decorrente dos mesmos referentes a NN e a EE, expectando que aqueles iriam honrar os seus compromissos.

184) O teor dos documentos apresentados determinaram a entidade bancária a aprovar o crédito e a contratar nos moldes atrás referidos, com base em pressupostos inexistentes que a levaram a ignorar o risco de não satisfação do crédito.

185) Tinham perfeito conhecimento que a instituição bancária apenas lhes disponibilizaria as quantias mutuadas, por acreditar que os factos constantes dos documentos apresentados correspondiam à verdade, designadamente no que respeita à vontade de EE assumir a posição de fiador e à situação económica deste e de NN.

186) Se a instituição bancária conhecesse a verdadeira situação económica de EE e de NN, não teria aprovado o crédito e consequentemente não teria celebrado os contratos supra referidos, nem disponibilizado as quantias mutuadas.

187) Os arguidos DD e AA, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas causavam à instituição bancária um prejuízo equivalente às quantias mutuadas, ao qual acresceriam os encargos inerentes ao incumprimento, agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, e de uma forma concertada, com o firme propósito de alcançarem os seus intentos, não obstante saberem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

V - ... - Aquisição da habitação sita na ...

188) Com vista à obtenção de empréstimo, os arguidos AA e DD, decidiram conjuntamente e em conjugação de esforços, apresentar um pedido para aprovação de crédito em nome de EE à “...”.

189) Com o pedido de aprovação do crédito foram apresentados os seguintes documentos: a) Declaração de IRS, modelo 3, do ano de 2005 referente a EE; b) Comprovativo de entrega da declaração de IRS através da internet; b) Liquidação de IRS emitida em nome de EE; d) Declaração emitida pela "... - Indústria de Plásticos, Lda." a declarar que EE é seu colaborador; e) Três recibos de vencimento referentes ao vencimento de EE na “..."; f) extrato de conta bancária da titularidade de TT, domiciliada no BPI.

190) O conteúdo dos documentos apresentados não correspondia à verdade, sendo tais documentos uma montagem efectuada através de documentos originais, na qual foram alterados os dados em conformidade com o que o arguido pretendia apresentar na instituição bancária.

191) O EE nunca trabalhou ou prestou qualquer serviço para a referida sociedade, não declarava rendimentos ao serviço de finanças, nem tinha quaisquer rendimentos, não entregava declaração de IRS.

192) O BPI informou, por várias vezes, que o EE não é titular de qualquer conta bancária na instituição.

193) Os arguidos AA e DD bem sabiam que o conteúdo de tais documentos não correspondia à verdade, sendo os documentos viciados por um ou alguns deles, com o propósito de obterem o empréstimo bancário.

194) Na sequência dos elementos apresentados o crédito foi aprovado, pelo que em 16 de Março de 2007, no Cartório Notarial do Dr. ..., sito à Rua ..., foi celebrado um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, através de escritura pública.

195) A referida escritura foi outorgada por UU e, mulher, VV, como primeiros outorgantes e AA, na qualidade de procurador de EE, e por XX, em representação da ... - Instituição Financeira de Crédito, S.A.

196) Pela referida escritura os primeiros outorgantes, YY e VV, venderam a EE a fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente à habitação, no ..., com entrada pelo n.º ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o art°. ..., descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial (CRP) de ... sob o n° ... da freguesia de ....

197) O preço do imóvel recebido pelos vendedores foi de € 61.250,00 (sessenta e um mil duzentos e cinquenta euros).

198) Por AA foi mencionado que para a aquisição do imóvel o seu representado, EE, solicitou à ... - Instituição Financeira de Crédito, S.A. (...) um empréstimo no montante de € 61.250,00 (sessenta e um mil duzentos e cinquenta euros).

199) Declara ainda que em nome de EE aceita o empréstimo confessando-se devedor da quantia mutuada, dos respectivos juros, mesmo os de mora, despesas e demais encargos.

200) Para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e dos respectivos juros, despesas e demais encargos, num montante máximo de capital e acessórios na quantia de € 83.912,50, constitui a favor da ... hipoteca sobre a referida fracção autónoma.

201) Foi anexado à escritura um documento complementar, o qual faz parte integrante da mesma, donde resulta que o referido empréstimo se prolonga por 32 anos a contar dessa data (cláusula segunda); sendo o empréstimo amortizado em 384 (trezentas e oitenta e quatro) prestações mensais sucessivas e constantes de capital e juros (cláusula quarta); a liquidar por débito na conta de depósitos à ordem, da titularidade do mutuário no BPI, S.A., a que corresponde o NIB ... e creditadas na conta da ... (cláusula quinta).

202) Na mesma data e no mesmo Cartório Notarial foi celebrado, por escritura pública, o contrato de mútuo com hipoteca, tendo como primeiro outorgante, AA, na qualidade de procurador de EE e como segunda outorgante XX, em representação da ..., ... - Instituição Financeira de Crédito, S.A.

203) Pela referida escritura a "..." concede a EE um empréstimo destinado a fins diversos, fora da alçada do crédito à habitação, no montante de € 20.746,12 (vinte mil setecentos e quarenta e seis euros e doze cêntimos).

204) A referida quantia foi disponibilizada na data da referida escritura.

205) Por AA foi dito que em representação de EE aceita o referido empréstimo, confessando-se desde já devedor da quantia mutuada, dos respectivos juros, mesmo os de mora, despesas e demais encargos.

206) Para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e dos respectivos juros, despesas e demais encargos, num montante máximo de capital e acessórios na quantia de € 28 422,18 e da quantia de € 829, 84 constitui a favor da ... hipoteca sobre a referida fracção autónoma.

207) Em documento complementar anexo à escritura pública, o qual faz parte integrante da mesma, resulta que o referido empréstimo é celebrado por 32 (trinta e dois) anos a contar dessa data (cláusula segunda); sendo amortizado em 384 (trezentas e oitenta e quatro) prestações mensais sucessivas e constantes de capital e juros (cláusula quarta); a liquidar por débito na conta de depósitos à ordem, da titularidade do mutuário no BPI, S.A., a que corresponde o NIB ... e creditadas na conta da ... (cláusula quinta).

208) Deste modo, em 16/03/2007, a ... disponibilizou a quantia global de € 81.996,12 (oitenta e um mil novecentos e noventa e seis euros e doze cêntimos), através de dois empréstimos, um no valor de € 61.250,00 e o outro no montante de € 20.746,12.

209) Nas referidas escrituras foi apresentada uma procuração manuscrita por AA, e assinada por EE, autenticada no Cartório Notarial de ..., na qual EE constitui seu bastante procurador AA, a quem confere poderes para em sua representação comprar pelo preço e condições que entender por convenientes, a fracção autónoma designada pela letra “A", correspondente a uma habitação tipo ..., com entrada pelo nº ..., do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrita na matriz urbana sob o nº ... e descrita na conservatória do registo predial sob o número ..., bem como hipotecar para junto da ... - Instituição Financeira de Crédito S.A. ou junto de quaisquer outras instituições de crédito, contrair um empréstimo até ao montante de € 100 000.00 (cem mil euros), dando de hipoteca o identificado prédio urbano, pelo prazo, juros, condições e obrigações que tiver por convenientes, estipulando e aceitando as cláusulas e condições que achar por convenientes; para o representar junto de quaisquer repartições públicas, designadamente Serviços de Finanças, Câmaras Municipais, Conservatórias do Registo Predial, Serviços Municipalizados e demais repartições públicas e privadas, podendo aí requerer, assinar praticar tudo o que se torne necessário, designadamente requerer quaisquer atos de registo provisórios ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, podendo prestar quaisquer declarações complementares, conferindo ainda poderes para requisitar cheques, assinar e movimentar a conta de suporte ao pedido de financiamento bancário.

210) À quantia disponibilizada pela ... foi dado o seguinte destino:

a) no que respeita à quantia de € 61.250,00: a) O montante de € 54.788,69 (cinquenta e quatro mil setecentos e oitenta e oito euros e sessenta e nove cêntimos) foi entregue directamente ao BPI (corresponde ao pagamento da dívida do vendedor YY àquele banco para liquidação do empréstimo à habitação contraído pelo mesmo) através do cheque nº ..., emitido sobre a conta bancária n° ..., titulada pelo Banco Santander Totta, agência ...; b) o montante de € 6.461,31 (seis mil quatrocentos e sessenta e um euros e trinta e um cêntimos) corresponde a um cheque emitido em nome de YY.

b) No que respeita à quantia de € 20.746,12: a) O montante de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), foi levantado em 21/03/2007 através do cheque nº ..., sacado sobre o Banco Santander Totta, à ordem de EE, tal cheque foi endossado, sendo beneficiário do mesmo o arguido DD. b) O montante de € 16.420,00 (dezasseis mil quatrocentos e vinte euros) foi levantado em 23/03/2007 através do cheque n° ..., sacado sobre o Banco Santander Totta, à ordem de EE. Tal cheque foi endossado, sendo o seu beneficiário a arguida II. c) O montante de € 3.076,12 (três mil e setenta e seis euros e doze cêntimos) foi retido para fazer face às despesas administrativas e legais tendo sido pagos ao escritório de ZZ, Associados – Soc. de Advogados. Contudo, foi devolvida a quantia de € 276,16 (duzentos e setenta e seis euros e dezasseis cêntimos) pelo que aquela sociedade apenas recebeu € 2.799,96 (dois mil setecentos e noventa e nove euros e noventa e seis cêntimos) correspondendo à diferença entre o valor retido e os valores devolvidos a EE (€3.076,12 - €276,16).

211) A quantia de € 276,16 (duzentos e setenta e seis euros e dezasseis cêntimos) foi devolvida pela referida sociedade de advogados da seguinte forma:

- € 176,16 (cento e setenta e seis euros e dezasseis cêntimos) através de transferência bancária ordenada em 10/04/2007, pela conta bancária nº ... sobre o BBVA, titulada por ZZ, Associados – Sociedade de Advogados, para a conta com o NIB ... sobre o BPI, cuja titularidade é atribuída a EE; - € 100,00 (cem euros), através do cheque n° ..., emitido em 09/05/2007, sobre a conta n° ... sobre o BBVA, titulada por ZZ, Associados - Soc. de Advogados. Este cheque foi emitido em nome de EE, endossado e pago ao balcão em 01/08/2007, sendo AAA a sua beneficiária.

212) Deste modo resulta que a quantia objecto do contrato de mútuo no valor de € 61 250,0 (sessenta e um mil duzentos e cinquenta euros) se destinou na íntegra à aquisição do imóvel supra referido.

213) A quantia objecto do outro contrato de mútuo no valor de € 20.746,12 (vinte mil setecentos e quarenta e seis euros e doze cêntimos) concedido pela ... a EE foi levantada pelos arguidos DD, o montante de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) e II o montante de € 16.420,00 (dezasseis mil quatrocentos e vinte euros).

214) Acresce o montante de € 176,16 (cento e setenta e seis euros e dezasseis cêntimos) que foi transferido pela sociedade de Advogados, para a conta bancária com o NIB ... domiciliada no BPI. O montante de € 100,00 foi recebido por AAA,.

215) Os documentos supra referidos foram alterados por um ou algum dos arguidos AA e ou DD, com a concordância de ambos, que conhecendo a eficácia e os resultados das condutas anteriores comungavam da mesma determinação nesta nova actuação.

216) Assim, os arguidos AA e DD conheciam e aceitaram a alteração do conteúdo dos documentos, fazendo crer que os mesmos tinham sido emitidos pelas entidades neles assinaladas, que o seu teor correspondia à verdade, fazendo-os passar por genuínos.

217) Os referidos arguidos conheciam a relevância para a entidade bancária do teor, inserido de modo fraudulento, nos documentos que apresentaram, bem como a relevância e os efeitos derivados das declarações prestadas, em nome de EE, perante o notário, sabendo que os actos praticados perante aquele, na qualidade de oficial público, gozam de uma solenidade e credibilidade acrescidas, presumindo-se que tais documentos e os factos neles atestados pelo notário são verdadeiros. Sabiam que com a sua conduta prejudicavam o Estado e o seu interesse legítimo em manter a segurança e a credibilidade que os documentos têm no tráfico jurídico em geral, especialmente os actos lavrados perante oficial público.

218) Agiram do modo descrito no intuito de: a) representarem perante terceiros que EE tinha uma situação económica mediana, com capacidade de suportar determinados encargos financeiros e a partir daí utilizarem tais documentos para obterem benefícios que sabiam ser ilegítimos; b) vincularem contratualmente EE ao pagamento dos montantes supra referidos e demais encargos decorrentes dos referidos contratos, como sucedeu, bem sabendo que o mesmo desconhecia tais factos, que o faziam sem o seu consentimento e contra a sua vontade.

219) Os mesmos tinham perfeito conhecimento que o EE não tinha qualquer meio de subsistência, bem sabendo que nunca poderia suportar tais encargos. Também não pretendiam substituir-se àquele na assunção das responsabilidades financeiras decorrentes dos referidos contratos.

220) Ao apresentarem tais documentos na referida agência bancária quiseram criar a convicção errónea, quer ao proprietário do imóvel, quer junto da instituição bancária, quer ao Notário que celebrou a escritura, que os documentos eram genuínos e se reportavam ao EE e que o mesmo queria adquirir a referida habitação e celebrar os contratos supra referidos, contraindo o empréstimo bancário nos ditos montantes, com o intuito de verem o crédito aprovado, adquirirem a habitação em causa e se apoderarem da quantia restante para repartirem entre si.

221) Sabiam assim desde o início que os contratos não iriam ser cumpridos, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas causavam à instituição bancária um prejuízo equivalente às quantias mutuadas, ao qual acresceriam os encargos inerentes ao referido incumprimento.

222) A Instituição bancária apenas contratou nos termos supra referidos e disponibilizou as quantias mutuadas, porque estava confiante do retorno dessas quantias e do proveito económico inerente aos referidos contratos, tendo por base a confiança nos documentos apresentados e na situação financeira de EE decorrente dos mesmos, expectando que aquele iria honrar os seus compromissos.

223) O teor dos documentos apresentados determinaram a entidade bancária a aprovar o crédito e a contratar nos moldes atrás referidos, com base em pressupostos inexistentes que a levaram a ignorar um risco de não satisfação do crédito.

224) Os arguidos tinham perfeito conhecimento que a instituição bancária apenas lhe disponibilizaria as quantias mutuadas, por acreditar que os factos constantes dos documentos apresentados correspondiam à verdade, designadamente no que respeita à vontade contratual de EE e à sua situação económica.

225) Se a instituição bancária conhecesse a verdadeira situação económica do EE, não teria aprovado o crédito e consequentemente não teria celebrado os contratos supra referidos, nem disponibilizado as quantias mutuadas.

226) Com a referida conduta sofreu a "..." um prejuízo imediato equivalente à quantia disponibilizada no empréstimo no montante de € 81 996,12 (oitenta e um mil novecentos e noventa e seis euros e doze cêntimos), à qual acrescem todos os prejuízos inerentes ao cumprimento do contrato.

227) Os arguidos AA e DD, agiram de forma concertada, em conjugação de esforços e intentos.

228) Agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o firme propósito de alcançarem os seus intentos, não obstante saberem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

VI - Falsas declarações prestadas perante notário

229) Em 17/01/2007 o arguido YY e a esposa VV, na qualidade de primeiros contraentes e promitentes vendedores celebraram um "contrato promessa de compra e venda" com a sociedade “..., Investimentos Imobiliários, Lda.”, na qualidade de segunda contraente e promitente-compradora.

230) Nos termos acordados no referido contrato os primeiros outorgantes declaravam-se proprietários da fracção autónoma designada pela letra "...", correspondente à habitação no..., com entrada pelo nº ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ..., inscrito na matriz sob o art.º ..., descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial (CRP) de ... sob o n° ....

231) Nessa qualidade prometiam vender a referida fracção autónoma à “...” que, por sua vez, a prometia comprar, pelo preço de € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros).

232) Convencionaram ainda que a escritura seria celebrada no prazo de 180 dias, a contar da data da celebração do contrato (ou seja de 17/01/2007) em nome do segundo contraente ou da pessoa que este indicasse. 

233) Assim, em 16 de Março de 2007, no Cartório Notarial de ..., sito à Rua ..., foi celebrado um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, através de escritura pública, na qual os aqui arguidos, YY e mulher, VV, como primeiros outorgantes vendem a EE, representado por AA, seu procurador, a referida fracção autónoma pela quantia de € 61.250,00 (sessenta e um mil duzentos e cinquenta euros).

234) No dia 16/03/2007 foi endossado por YY um cheque no montante de € 7.000,00 (sete mil euros) que entregou aos responsáveis da "...", para acerto de contas referente ao contrato promessa celebrado.

235) Antes de assinarem a escritura, o Notário, Dr. ..., leu em voz alta e de modo bem perceptível, questionou os presentes, concretamente os arguidos AA, YY e VV se o contrato teve intermediação de imobiliária, advertindo-os que caso mentissem incorreriam no crime de falsidade de declaração ou depoimento, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 50.° do Decreto-Lei 211/2004, de 20 de Agosto.

236) Os arguidos AA, YY e VV ouviram a questão colocada, ficaram cientes da advertência e de que incorreriam em responsabilidade criminal caso mentissem, e declararam ambos que o ato não foi objecto de intervenção de mediadora imobiliária, cientes que as suas declarações não correspondiam à verdade.

VII - ..., SA - contrato referente ao veículo da marca Renault, com a matrícula ...-CQ-...

237) Pessoa ou pessoas, cuja identidade não foi possível apurar engendrou um plano com vista a usufruir e apoderar-se de um veículo automóvel.

238) Para o efeito, dirigiu-se à "Renault -Gondomar", sita na Av. ..., a fim de seleccionar o veículo e obterem o crédito necessário à celebração do contrato.

239) Aí entregaram os documentos referentes ao EE, tais como cópia do bilhete de identidade e do cartão de contribuinte fiscal, entre outros que não foi possível apurar.

240) Nessa sequência, em 03/01/2007, através do concessionário da Renault Portugal - Renault ..., Lda., foi celebrado um contrato de aluguer de veículo sem condutor entre a sociedade ..., SA, como locadora, e EE, locatário, relativo a uma viatura com a matrícula ...-CQ-..., tendo início em 03/01/2007 e fim em 02/01/2012, num total de 60 (sessenta) meses, pelo preço de € 31.525,20 (trinta e um mil quinhentos e vinte e cinco euros e vinte cêntimos).

241) O formulário que materializa o contrato foi entregue, por pessoa que não foi possível apurar, ao EE que colocou a sua assinatura no lugar destinado ao aderente.

242) O EE não leu o conteúdo do contrato, nem o mesmo lhe foi explicado, pelo que não tinha qualquer noção do alcance e dos efeitos da aposição da sua assinatura no mesmo.

243) Em troca da referida assinatura, como habitual, EE recebeu uma pequena quantia monetária, em montante não concretamente apurado.

244) Ficou estipulado no referido contrato que os pagamentos a efectuar seriam os seguintes (fls. 858 dos autos): a) € 1.432,50 (mil quatrocentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos) a título de caução; b) € 150,00 (cento e cinquenta euros) a título de despesas administrativas; c) um pagamento no valor de € 675,42 (seiscentos e setenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos) que incluía € 150,00 de despesas administrativas; d) 58 (cinquenta e oito) prestações de € 525,42 (quinhentos e vinte e cinco euros e quarenta e dois cêntimos), num total de € 30.474,36 (trinta mil quatrocentos e setenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos); e) última mensalidade no valor de € 525,42 (quinhentos e vinte e cinco euros e quarenta e dois cêntimos).

245) O primeiro pagamento, referente a 3/01/2007, no valor de € 2.107,92 (dois mil cento e sete euros e noventa e dois cêntimos) e todas as outras importâncias que fossem apresentadas para cobrança pela ..., SA, seriam debitadas na conta com o NIB ... (fls. 864).

246) O referido NIB pertence a uma conta bancária titulada por EE, domiciliada na Caixa Económica Montepio Geral (fls. 1632).

247) Na referida conta consta que EE tem domicílio na Rua ...

248) Na verdade, EE nunca residiu em tal morada, sendo esta uma das moradas de BB.

249) Em cumprimento do referido contrato foi recebida pela "..." a quantia de € 2.107,92 (dois mil cento e sete euros e noventa e dois cêntimos), correspondendo à soma do valor da caução, no montante de €1.432,50, com o valor do primeiro pagamento, no montante de €675,42.

250) Não foi paga qualquer outra prestação decorrente do contrato, vencidas a partir de 30/01/2007.

251) O contrato supra referido tinha ainda acoplado um contrato promessa de compra e venda do referido veículo automóvel, no qual se estipula que o contrato de compra e venda do veículo será celebrado em 02/01/2012, pelo preço líquido (sem impostos) de € 1.183,88 (mil cento e oitenta e três euros e oitenta e oito cêntimos) fls.864.

252) Em virtude do incumprimento contratual a "..." resolveu o contrato unilateralmente, por carta registada com aviso de recepção, datada de 10/10/2007.

253) Em 14/11/2007 a "..." instaurou um procedimento cautelar para apreensão do veículo, o qual correu termos no ....° Juízo Cível de ..., com o nº 4237/07.3TBGDM.

254) Até 7 de Setembro de 2009 a viatura, não tinha sido entregue, nem recuperada de qualquer outro modo, desconhecendo os responsáveis da ..." o seu paradeiro.

255) Com a referida conduta provocaram à "...", um prejuízo inicial no montante de € 31.525,20 (trinta e um mil quinhentos e vinte e cinco euros e vinte cêntimos) ao qual acrescem todas as despesas inerentes à recuperação do veículo.

256) EE nunca teve conhecimento da celebração, quer do contrato de aluguer da viatura, quer do contrato promessa de compra e venda da mesma, nunca a tendo conduzido ou usufruído de qualquer modo do veículo, desconhecendo o seu paradeiro.

257) Além do mais EE não se encontra habilitado com a carta de condução, nem sabe conduzir.

258) Tal ou tais indivíduos bem sabiam que com as suas condutas vinculavam contratualmente EE ao pagamento da quantia de € 31.525,20, e demais encargos decorrentes do referido contrato, como sucedeu, bem sabendo que o mesmo desconhecia tais factos, que o faziam sem o seu consentimento e contra a sua vontade, aproveitando-se da assinatura aposta pelo mesmo, ingenuamente, no contrato.

259) Tinham perfeito conhecimento que o EE não tinha qualquer meio de subsistência, bem sabendo que nunca poderia suportar tais encargos. Também não pretendiam substituir-se àquele na assunção das responsabilidades financeiras decorrentes do referido contrato.

260) Ao apresentarem tais documentos na referida instituição financeira quiseram criar a convicção errónea, quer ao responsável do Stand, quer à instituição financeira, que o EE queria celebrar o referido contrato e vincular-se às obrigações dele decorrentes, com o intuito de usufruírem e se apoderarem do referido veículo.

261) Sabiam desde o início que o contrato não iria ser cumprido, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas causavam à instituição financeira um prejuízo equivalente à quantia disponibilizada, ao que acresceriam os encargos inerentes ao referido incumprimento.

262) A Instituição financeira apenas contratou nos termos supra referidos, dispondo da quantia inerente ao preço do veículo, porque estava confiante no retorno dessa quantia e no proveito económico inerente ao referido contrato, tendo por base a confiança nos documentos apresentados e na situação financeira de EE, capaz de assumir os encargos decorrentes do contrato, expectando que aquele iria honrar os seus compromissos.

263) O teor dos documentos apresentados determinaram a entidade financeira a contratar nos moldes atrás referidos, com base em pressupostos inexistentes que a levaram a ignorar o risco de não satisfação do valor disponibilizado.

264) Tinham perfeito conhecimento que a instituição financeira apenas aceitou negociar nos moldes supra descritos por acreditar que a situação económica e a vontade contratual do EE, que eles configuraram e divulgaram, correspondia à verdade.

265) Se a instituição financeira conhecesse a verdadeira situação económica do EE, não teria celebrado o contrato e consequentemente não teria despendido a quantia supra referida, nem o veículo.

VIII - ..., S.A. - aquisição da viatura com a matrícula ...-PJ

266) Individuo ou indivíduos, cuja identidade não foi possível apurar, engendraram um plano com vista a adquirirem e apoderarem-se de um veículo automóvel.

267) Então, apresentaram a BBB, representante da ..., sita na Rua ..., um pedido de apreciação e concessão de crédito a EE, para compra de um determinado veículo.

268) A referida empresa encaminhou tal pedido para o ..., SA.

269) Na sequência do pedido de concessão do crédito foram apresentados os seguintes documentos: a) bilhete de identidade do EE emitido em 2004; b) Documento provisório do número de identificação fiscal (NIF); c) Factura da "TV Cabo", emitido em nome de EE, ...; d) Recibo de vencimento, no qual consta como entidade patronal a "... - Manutenção Automóvel, Lda", e assalariado EE.

270) Tal crédito foi aprovado e nessa sequência, no dia 08/01/2007, foi celebrado entre a sociedade ..., SA. e EE, com residência na Rua ..., um contrato para aquisição a crédito da viatura ligeira de passageiros, marca Citroen, modelo Xantia 2.0 HDI, com a matrícula ...-PJ.

271) Para a celebração de tal contrato a entidade financeira exigia a entrega e subscrição de uma livrança "em branco", acompanhada de uma declaração através da qual a instituição financeira é autorizada a preencher a referida livrança.

272) O contrato, a livrança e a autorização de preenchimento desta, foram assinados por EE, o qual não o leu, não tomou conhecimento do seu conteúdo e alcance, nem tal lhe foi explicado.

273) No referido contrato consta como fornecedor BBB, residente na Rua ....

274) A referida viatura foi adquirida ao Stand ..., com sede na ..., através do contacto efectuado entre o responsável desta empresa e BBB.

275) O valor do financiamento foi de € 10 700,00 (dez mil e setecentos euros), sendo disponibilizada a quantia de € 10 138,20 (dez mil cento e trinta e oito euros e vinte cêntimos).

276) Nos termos do referido contrato o mesmo seria amortizado em 72 prestações mensais.

277) Os encargos financeiros decorrentes do referido contrato ascendiam ao montante de € 6 601,80 (seis mil seiscentos e um euros e oitenta cêntimos), pelo que o cumprimento do contrato implicava para o EE um encargo no montante global de € 16.740,00 (dezasseis mil setecentos e quarenta euros).

278) Foi convencionado o pagamento das referidas prestações através de débito automático na conta bancária n.º ..., domiciliada na Caixa Económica Montepio Geral, titulada por EE.

279) Em 12/01/2007, quatro dias após a celebração do contrato de financiamento, o Banco Santander Consumer Portugal, SA, a pedido do seu cliente..., SA, transferiu a quantia de € 8.795,65 (oito mil setecentos e noventa e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos) para a conta com o NIB ... junto do BCP, titulada por BBB (fls. 2260/1).

280) Entretanto, através de documento onde é aposta a assinatura de EE, enquanto titular do contrato de financiamento n° ..., este autoriza a ..., Lda., a proceder à entrega do cheque referente ao financiamento a CCC, legal representante do Stand ..., que procedeu à venda da viatura.

281) Nesta sequência, foi emitido em 15/01/2007 o cheque n° ..., referente à conta Millennium BCP n° ..., à ordem de CCC, pelo valor de € 25.144,00 (vinte e cinco mil cento e quarenta e quatro euros), o qual foi depositado na Caixa Económica Montepio Geral, sendo o valor do cheque muito superior ao montante do empréstimo.

282) Não foi paga qualquer prestação do contrato por EE ou por qualquer outra pessoa em seu nome.

283) Perante o incumprimento do contrato a instituição financeira procedeu ao preenchimento da livrança e instaurou a acção executiva, a qual corre termos no ....° Juízo do Tribunal Judicial de ..., com o nº 661/08.2TBGDM.

284) Embora o veículo com a matrícula 86-14-PJ não tenha sido vendido por BBB, este foi o destinatário do valor transferido a título de financiamento pelo ..., SA, no montante de € 8.795,65 (oito mil setecentos e noventa e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos).

285) O diferencial entre a quantia de €10.700,00 e a quantia transferida para BBB foi utilizado nos seguintes encargos: a) € 1 550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros) correspondente a entrada inicial, sendo retida pela instituição; b) € 152, 52 (cento e cinquenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos) correspondente às despesas do contrato; c) € 60, 83 (sessenta euros e oitenta e três cêntimos) de imposto de selo; d) € 141,00 (cento e quarenta e um euros) referente às despesas de legalização da viatura.

286) Com a referida conduta provocaram os arguidos ao ... S.A. um prejuízo inicial no montante de € 10 138, 20 (dez mil cento e trinta e oito euros e vinte cêntimos), ao qual acrescem todas as despesas inerentes à recuperação do veículo.

287) EE não tinha a noção que a assinatura por si aposta no formulário se traduzia na conclusão do contrato de adesão, que o outro documento era uma livrança, que autorizou o seu preenchimento, e que pela mesma se vinculava a pagar o montante que nela viesse a ser aposto.

288) O mesmo nunca usufruiu do referido veículo, desconhecendo o seu paradeiro. Além do mais EE não se encontra habilitado com a carta de condução, nem sabe conduzir.

289) A Instituição financeira apenas contratou nos termos supra referidos e disponibilizou a quantia já referida, porque estava confiante no retorno dessa quantia e no proveito económico inerente ao referido contrato, tendo por base a confiança nos documentos apresentados, incluindo a livrança - acreditando na garantia de pagamento que a mesma encerrava e na segurança com que tal título de crédito se apresenta no comércio jurídico, na situação financeira de EE, favorável, capaz de assumir os encargos decorrentes do contrato, expectando que aquele iria honrar os seus compromissos.

290) O teor dos documentos apresentados determinaram a entidade financeira a aprovar o crédito e a contratar nos moldes atrás referidos, com base em pressupostos inexistentes que a levaram a ignorar o risco de não satisfação do crédito.

IX - Contrato de arrendamento do apartamento sito na Rua ...

291) Em 20 de Setembro de 2007, foi celebrado um contrato de arrendamento no qual constavam como outorgantes EE, primeiro outorgante, representado por AA, e DDD, segunda outorgante, tendo por objecto a fracção autónoma, tipo ....

292) Foi estipulado no referido contrato que o primeiro outorgante EE arrendava à segunda, DDD, e que esta aceitava, o arrendamento da referida habitação, no regime de renda livre, não tendo a obrigatoriedade de passar recibos, pelo período de 1 ano, com início em 1 de Outubro de 2007 e termo em 1/12/2008, sendo prorrogado nos termos legais, caso não fosse denunciado.

293) Foi ainda convencionado que a renda mensal era de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), o que perfaz € 4200,00 (quatro mil e duzentos euros) por ano.

294) Por fim foi estipulado que a segunda outorgante, DDD, se compromete a liquidar os recibos de electricidade e de água.

295) Na verdade, o contrato com a EDP e o SMAS encontravam-se em nome de DDD.

296) O pagamento da renda era recolhido, na porta do referido apartamento, mensalmente no início do mês, alternadamente por três indivíduos cuja identidade não foi possível apurar e apresentando-se estes como representantes do proprietário EE, sendo o pagamento feito sempre em numerário, sem entrega de qualquer recibo. O valor da renda do referido apartamento era repartido, em montantes não concretamente apurados, entre o BB, AA, CC e II cujos quantitativos faziam seus, integrando-os no seu património.

297) O EE, para além de desconhecer que o imóvel integrava o seu património, desconhecia que o mesmo se encontrava arrendado, desconhecendo assim qualquer pormenor do referido contrato.

298) O mesmo nunca auferiu qualquer montante que fosse da referida renda. 

299) Os arguidos AA, BB, II, CC, JJ, UU, VV, NN, OO, LL não têm antecedentes criminais.

300) O arguido DD foi condenado em 7/5/2008 pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez numa pena de multa que foi julgada extinta.

301) O arguido LL encontra-se integrado social e profissionalmente.

302) O arguido BB nasceu em ...a, fazendo parte da terceira geração da linha familiar de ascendência paterna a deter-se naquele país, tendo regressado a Portugal em 1975, com meses de vida. O arguido e o seu irmão mais novo, já nascido em Portugal, precisamente em ..., são os únicos descendentes da célula familiar com condições sócio económicas estáveis. Em ... o progenitor desenvolvia actividade numa seguradora e a progenitora ocupava-se como esteticista. A família da linha colateral paterna usufruía de posição com significativa representatividade social e económica o que proporcionava à família confortável condição social e relacional.

Em 1975, a família regressa a Portugal, fixando-se em ..., tendo o progenitor prosseguido a actividade no sector dos seguros, colaborando na abertura de sucursais pelo país. Depois de permanecer em ... cerca de dois anos, a família transferiu-se para ..., onde se manteve enquanto o arguido frequentou o 1º e o 2º ciclo de escolaridade e, em seguida, para o ....

BB prosseguiu a trajectória escolar registando dificuldades durante o ensino secundário, que não chegou a concluir, coincidindo esta etapa com uma fase de instabilidade financeira da família, gerada pela mudança do progenitor, que passou a exercer actividade em empresas ligadas à exploração e comercialização de petróleo, ausentando-se de Portugal.

O arguido ingressou no mercado de trabalho e até ao cumprimento do serviço militar dedicou-se à comercialização de peças de automóveis e no sector da restauração. Após cumprir tal serviço, integrou a empresa de segurança S.O.V. entre 1995/98, como segurança. Neste período, retoma a inscrição no ensino secundário, em regime nocturno, com a finalidade da sua conclusão, o que não concretiza. Mais tarde ingressou numa empresa subcontratada da ..., com actividade na análise e implementação da rede de gás natural, onde veio a assumir funções como director comercial. Transferiu-se para a ..., onde labora, durante dois anos, no mesmo sector de actividade e com as mesmas funções, na área de .... A partir de 2005 e até 2008 laborou em empresas diferenciadas no sector da construção civil, caracterizando-se este período por elevada mobilidade e vinculação precária de emprego. Em 2008 a 2009 transfere-se para uma empresa do sector financeiro (...). Em 2010 desloca-se para ..., e aí permanece, embora tenha registado uma interrupção entre 2012 e 2013. Inicialmente trabalhou no sector hoteleiro e, desde 2013 até à actualidade, numa empresa de transitários.

Constituiu família em 1995, com 21 anos de idade, em circunstâncias precipitadas por uma gravidez acidental. O relacionamento conjugal foi conflituoso, tendo o casamento terminado por divórcio após 4 anos de vida em comum. Deste casamento existe uma filha, actualmente com 21 anos de idade.

No período reportado à data dos factos o arguido mantinha coabitação com EEE, companheira, assistente social, com quem vive em união de facto desde 1999. Viviam em habitação arrendada, localizada na Rua .... A célula familiar era constituída pelo casal, uma descendente da companheira, actualmente com 21 anos de idade, estudante universitária, e a filha do casal, actualmente com 13 anos de idade. Em razão da instabilidade laboral do arguido e pelo seu envolvimento em confrontos judiciais, em 2009 cessou a coabitação, embora mantivessem contacto regular, no contexto da convivência com a filha mais nova, cujas visitas ocorriam na célula de origem do arguido, onde permaneceu durante o período da separação.

A partir de 2010, o casal retomou vida em comum, que perdura. Em 2010 surge a oportunidade de trabalhar em ..., situação que conferiu á família adequada condições económicas e um nível de bem-estar equilibrado.

BB desloca-se a Portugal de três em três meses para estar junto da família. Esta situação profissional impõe custos emocionais significativos, pelo que já solicitou deslocação para um país da Europa. A companheira mantém o seu quotidiano centrado nas rotinas laborais e acompanhamento dos filhos.

Actualmente a família está sedeada na Rua ..., em apartamento arrendado. O casal mantém uma habitação em ..., que cedeu para arrendamento, por se tratar de uma localidade com más acessibilidades.

BB já respondeu como arguido noutros processos judiciais, contudo encara com grande ansiedade o presente, que não pôde acompanhar desde o início por motivos de ordem profissional.

Sente-se abalado emocionalmente e teme pelas repercussões que o mesmo pode ter na esfera pessoal e profissional.

Num posicionamento abstracto avaliativo sobre os factos, que incorporam os crimes de que vem acusado, identifica a ilicitude da conduta e assimila os prejuízos, na esfera pessoal de terceiros.

Conta essencialmente com o apoio da família, que partilha das suas preocupações.

303) O arguido AA é o filho mais novo de um agregado familiar constituído pelos progenitores e uma irmã mais velha, o seu processo de crescimento decorreu em ..., onde morou até aos 15 anos de idade, altura em que foi estudar para a cidade do .... Nessa altura a mãe acompanhou-o e fixaram residência na habitação da sua irmã, que laborava nesta cidade. Um ano depois o pai faleceu, tendo o agregado familiar decidido manter residência no ....

A situação económica do agregado, apesar do falecimento precoce do progenitor, sempre foi equilibrada, atendendo a que a irmã mais velha trabalhava e tinham outros rendimentos provenientes de bens que venderam após a morte do pai.

A relação entre os elementos do agregado familiar foi descrita como próxima e apoiante sob o ponto de vista afectivo.

Como habilitações literárias concluiu o antigo 4° ano do liceu, tendo deixado de estudar por volta dos 18 anos de idade.

Iniciou actividade laboral, desempenhando função de comercial numa multinacional até ao encerramento da mesma em 1993. Foi mantendo actividade laboral regular até 2006, altura em que ficou desempregado.

AA contraiu matrimónio em 1991 e autonomizou residência com o cônjuge, inicialmente na cidade do ... e posteriormente adquiriram uma habitação em .... Desta relação afectiva nasceu uma descendente, actualmente com 23 anos de idade. O quotidiano do arguido foi maioritariamente ocupado com o exercício da actividade laboral e nos tempos livres nunca teve actividades estruturadas, privilegiando maioritariamente o convívio com os elementos do seu agregado familiar de origem e constituído.

À data dos factos, AA mantinha residência com o cônjuge e descendente no apartamento adquirido com recurso a crédito bancário. Estava sem enquadramento laboral estável, mas o cônjuge tinha actividade laboral regular como professora.

A situação laboral estabilizou em Novembro de 2007, quando iniciou actividade laboral numa empresa, com sede na ..., sendo, desde então, motorista de ligeiros.

Há cerca de 8 anos divorciou-se, mantendo proximidade relacional e afectiva com a filha, que mantém residência com a progenitora.

Nessa altura, AA reintegrou o agregado familiar de origem, composto pela progenitora e a irmã, reformada por invalidez desde os 32 anos de idade, actualmente com 95 e 67 anos de idade, residentes numa habitação arrendada de tipologia 2+1, com parcas condições de habitabilidade, localizada em zona residencial tranquila na cidade do Porto, enquadramento que mantém.

A situação económica do arguido foi descrita como estável, assinalando melhorias nos últimos anos. Refere que apesar de receber um vencimento mensal de cerca de 650 euros, complementa-o com actividades que executa em regime informal na área da jardinagem, retirando um valor mensal de cerca de 200/300 euros. Menciona que mensalmente despende cerca de 150 euros para liquidar um crédito pessoal que contraiu, relativamente ao qual ainda tem pendentes 14 mensalidades.

A mãe e a irmã, com quem partilha a habitação, estão reformadas e recebem um valor total de cerca de 750 euros mensalmente. Como despesas apresentaram um valor de cerca de 607 euros, relativo à renda da habitação, água, energia eléctrica, tv cabo e alimentação disponibilizada à mãe e irmã pela Cruz Vermelha .... De acordo com a irmã, o arguido comparticipa nas despesas da casa, "vai apoiando como pode" (sic), porque tem outras despesas e presta apoio à filha, finalista num curso no ensino superior.

As familiares com quem reside mantêm situação pessoal delicada de saúde, a mãe está acamada e a irmã tem problemas ao nível de saúde mental, carecendo de apoio próximo, o almoço é-lhes disponibilizado pela Cruz Vermelha e contam com o apoio do arguido, apesar do mesmo ter pouca disponibilidade, por trabalhar muitas horas.

Em termos pessoais, o arguido foi descrito pelas fontes contactadas, como boa pessoa, excelente pai, projectando imagem positiva nos diferentes meios onde está inserido.

No meio laboral são-lhe reconhecidas capacidades ao nível do empenho, descrito como uma pessoa de confiança, muito prestável, responsável, que projecta uma imagem pessoal e profissional muito positiva na empresa onde trabalha.

O quotidiano do arguido é ocupado maioritariamente com a actividade laboral, privilegiando ainda o convívio com a filha, a mãe e irmã, a quem presta apoio, ficando com pouco tempo livre para conviver com grupo de pares.

Como projecto de vida mencionou "quero ter muita saúde, estar junto dos meus, trabalhar, ganhar dinheiro e reorganizar a vida" (sic).

O arguido refere que é o primeiro contacto com o sistema de justiça penal, verbalizou preocupação com o desfecho do mesmo, receando uma eventual condenação que interfira no modo de vida que conserva. Como principal impacto, sinalizou que ficou afectado ao nível pessoal, era uma pessoa alegre e expansiva, ficou fragilizado, mas mantém força e pensamento positivo.

A situação processual do arguido, ainda que tenha gerado preocupação nos elementos do seu agregado familiar, não teve implicações relevantes ao nível da sua inserção familiar, continuando a beneficiar do apoio incondicional destes.

Em abstracto e no que concerne à natureza dos factos pelos quais se encontra acusado, AA é capaz de reconhecer o seu carácter ilícito, verbalizando juízo de censura, bem como os eventuais danos provocados nas vítimas.

304) O arguido DD é o mais novo de três filhos. O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar de origem materno, do qual, para além dos seus progenitores, também faziam parte tios maternos, num total de 9 elementos. O arguido recorda uma dinâmica familiar equilibrada, na qual os avós maternos se assumiam como figuras de autoridade, orientados pelos valores tradicionais.

Em termos de percurso escolar, refere que o mesmo foi condicionado pelo seu pouco investimento, com opção por abandonar a frequência aos 14 anos de idade, apenas habilitado com o 6° ano de escolaridade.

Em termos profissionais, apresenta um percurso indiferenciado e com registo de descontos para os competentes organismos, nomeadamente de protecção social, que iniciou aos 14 anos de idade como paquete, a que se seguiram outras experiências, nomeadamente como aprendiz numa unidade fabril e numa oficina. Já em idade adulta, passou a desenvolver funções como vendedor, inicialmente em empresa relacionada com equipamento para escritórios, a que se seguiram outras áreas, nomeadamente no ramo imobiliário e como empregado de mesa, actividade que passou a desenvolver em regime de biscates e, muitas vezes, em horário pós laboral como forma de aumentar os rendimentos.

Com 28 anos de idade contraiu matrimónio, do qual resultou o nascimento de uma filha, fixando residência em apartamento de tipologia T1, propriedade dos pais do cônjuge, situado na morada constante do presente processo, onde permaneceram até 2006, altura em que optaram por arrendar um apartamento de maiores dimensões, situado em ....

Como ocupação dos tempos livres, o arguido aponta o convívio com amigos em actividades próprias das diferentes fases do desenvolvimento.

À data dos factos, como presentemente, o arguido permanecia integrado no agregado familiar constituído pelo cônjuge (co-arguida, 43 anos) e filha (13 anos), sendo descrita uma dinâmica familiar positiva, marcada por forte coesão no relacionamento entre os cônjuges.

Encontravam-se a residir em ..., onde permaneceram até Abril/Maio de 2007, altura em que regressaram à morada original, por se terem confrontado com dificuldades económicas.

Em termos profissionais, o arguido encontrava-se desempregado, subsistindo com o salário do cônjuge e de trabalho que prestava em regime de biscates na restauração. Contudo, no extracto de remunerações e ou equivalências registadas no Sistema de Solidariedade e Segurança Social, que o próprio facultou em momento posterior à entrevista, consta que o arguido foi beneficiário do subsídio de desemprego de Janeiro de 2006 a Março de 2008, no valor mensal de 616,50 euros. Quando confrontado com esta realidade, o arguido invocou dificuldades em localizar os acontecimentos, e ter percepcionado como menor o período em que acedeu àquele benefício. Em data que não soube precisar, mas que localiza entre Agosto/Setembro de 2006 a Janeiro/Fevereiro de 2007, o arguido refere que prestou trabalho como assistente administrativo numa imobiliária ("...") conjuntura onde refere ter travado conhecimento com o co-arguido BB, com quem veio a estabelecer um relacionamento de amizade e a quem refere "ter feito alguns favores" (sic.) pelo relacionamento de confiança que desenvolveu com aquele. O arguido, que enquadra a sua saída deste emprego com o facto de não lhe ser pago salário, informou que permaneceu desempregado, tendo-se socorrido do trabalho na área da restauração em regime de biscates.

Em Dezembro de 2009, o casal estabeleceu-se com a exploração de um café situado em ..., rentabilizando uma herança a que o cônjuge acedeu por morte do progenitor. Segundo referido pelo casal, em Setembro de 2011 encerraram o estabelecimento e entregaram o espaço, para tanto invocando prejuízos decorrentes de uma inundação, da qual resultou um relacionamento caracterizado por forte conflituosidade com o senhorio, a que acresceu o facto de terem sido vítimas de um assalto com contornos de grande violência.

Naquela sequência, o arguido refere que permaneceu desempregado até maio de 2012, altura em que iniciou actividade laboral na área da restauração, por períodos de 6 meses, em estabelecimentos distintos, tendo entretanto sido admitido pela "... - Sociedade de Turismo Fluvial Terrestre, Lda.", onde trabalhou de maio a Outubro de 2013, inicialmente como empregado de mesa e desde então como chefe de sala, por lhe terem sido reconhecidas competências para o efeito. O contrato tem vindo a ser renovado nos períodos de actividade sazonal da empresa, normalmente a partir de Abril e condicionada às condições de navegabilidade do rio .... No termo dos contratos acede ao subsídio de desemprego e refere que vai prestando trabalho em regime de biscates, na área da restauração ("serviços de catering" sic.) e também como comercial de venda de serviços de electricidade e gás.

DD informou que a partir de 14 de Março vai iniciar trabalho na empresa "Rota do ...", com a qual já acordou um contrato sem termo para o exercício de funções de "chefe de sala", a que corresponderá um salário ilíquido no valor de 950 euros. O arguido que referiu que desta forma viu concretizado um dos projectos de vida, que consistia em alcançar estabilidade laboral, informou que para tanto também contribuiu o facto de se ter habilitado com a "carta de marinheiro", referindo que o próximo passo será o de se habilitar com a "carta de mestre de tráfico local", que lhe possibilitará o acesso a funções melhor remuneradas.

Presentemente, o agregado familiar subsiste do subsídio de desemprego do arguido (416,70 euros, mas cujo valor líquido o arguido refere ser de 370 euros), do salário do cônjuge (em valor médio estimado em 650 euros) e do abono de família da filha (29 euros), para fazer face a uma despesa fixa mensal estimada em 230 euros, sendo descrita uma situação económica equilibrada mas que exige gestão criteriosa. Como forma de complementar os rendimentos, durante os períodos de desemprego o arguido refere prestar trabalho em regime de biscates, daí auferindo quantias variáveis, referindo que por cada "serviço de catering" aufere 50 euros e por contrato de electricidade/gás 5 euros.

Segundo foi referido, no passado o casal contraiu dívidas, que presentemente e por força dos juros atingem um valor avultado estimado em 100 mil euros. Como não têm conseguido proceder à regularização das mesmas, o casal já solicitou à Segurança Social a nomeação de um defensor no sentido de requerer a insolvência.

É nesta conjuntura que enquadram o facto de o cônjuge ter passado a apresentar declaração autónoma para efeitos de Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares, assinalando na declaração o estado civil de "solteiro, viúvo, divorciado ou separado judicialmente".

DD auto-avalia-se como profissional competente e responsável, o que vai de encontro com a imagem que é dele transmitida pelas familiares e amigos contactados, que também o valorizam pela dedicação à família, especialmente à filha. O cônjuge descreve-o como pessoa optimista e com facilidade ao nível do relacionamento interpessoal, sendo "simpático" (sic.) e pessoa em quem os outros confiam.

Como ocupação do tempo, e uma vez que se encontra desempregado, o arguido refere ser ele quem assume parte das tarefas domésticas, sendo os tempos livres direccionados para a família. No contacto estabelecido no meio de residência, foi descrito como mantendo um relacionamento interpessoal educado, sendo conhecidas as dificuldades económicas com que o casal se confronta, e sendo valorizados pela atitude, que avaliam como dedicada, para com a filha.

Por factos ocorridos durante o ano de 2014, o arguido foi condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros. O arguido requereu a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, o que lhe foi concedido, tendo cumprido as 100 horas de trabalho, no período compreendido entre 28 Outubro a 3 de Dezembro de 2014, de forma que mereceu avaliação positiva por parte da entidade beneficiária do trabalho.

DD não identifica particular impacto decorrente do presente processo ao nível da sua situação familiar ou profissional, apenas referindo preocupação em preservar o seu bom-nome, onde enquadra o facto de omitir o presente processo no seu meio socioprofissional. Em abstracto, manifesta sentido crítico negativo sobre a natureza dos factos pelos quais está acusado, reconhecendo a ilicitude de tais comportamentos e ainda de danos em vítimas, categoria onde considera que tanto ele como o cônjuge se integram.

Solicitado a equacionar a possibilidade de condenação, o arguido manifestou expectativa de que irá conseguir ver toda a situação esclarecida em sede de julgamento, acreditando num desfecho que lhe será favorável. Contudo, naquela eventualidade espera manifesta expectativa de poder beneficiar de uma medida de execução na comunidade.

305) O arguido CC é oriundo de um casal de mediana condição económica e social. O pai era comercial e a mãe funcionária bancária. O seu processo de desenvolvimento psico-educativo ocorreu num contexto familiar economicamente estável, mas marcado pela ruptura conjugal dos progenitores, quando tinha quatro anos de idade, ficando desde essa data aos cuidados da mãe, seu principal referencial educativo.

Ingressou no sistema de ensino em idade própria, tendo manifestado durante o percurso escolar adaptação positiva às dinâmicas lectivas e disciplinares. A partir dos catorze anos de idade acumulou a aprendizagem escolar com o exercício de actividade laboral, tendo, após a conclusão do curso Geral de Administração e Comércio, frequentado o primeiro ano do curso de ... da Universidade de ....

Iniciou desempenho profissional como paquete de escritório numa empresa e depois como ordenança no Banco Português do Atlântico, entidade cujos quadros passou a integrar aos dezoito anos de idade como funcionário bancário, profissão que desenvolveu durante quase duas décadas, até abandonar voluntariamente essa actividade para desenvolver funções de comercial e chefe de vendas cm diversas empresas comerciais.

Em 1996 ingressou como vendedor na empresa imobiliária "Predial ..., onde adquiriu experiência e conhecimento que lhe permitiu lançar-se, em parceria com outro sócio, na fundação da empresa do ramo de mediação imobiliária "...", cuja denominação, com a alteração do sócio, passou anos mais tarde para "..., Lda." sediada cm ..., mas com escritórios em outras localidades, designadamente em ...

Após um período com resultados económicos muito favoráveis, com o eclodir da crise do negócio imobiliário e de constrangimentos relacionais com a sócia da empresa, na época sua companheira, a exploração da empresa foi-se degradando, cessando actividade a partir do ano de 2002. Posteriormente, desenvolveu actividade laboral ainda no mesmo ramo de actividade como gerente na empresa “...”, da ex-companheira II, sediada em ..., onde foi gerente até ao encerramento em 2009. Depois e durante um ano, foi comercial na sociedade de recuperação de crédito "....

O arguido contraiu matrimónio aos vinte e quatro anos de idade, união conjugal que perdurou durante sete anos e da qual resultou um filho, actualmente com trinta anos de idade. Posteriormente, estabeleceu três outros relacionamentos em união de facto.

À data dos factos, CC desenvolvia actividade laboral na empresa "Impacto" e vivia em união de facto com a co-arguida II, experimentando situação económica difícil.

Presentemente vive com a mãe, com quem mantém relacionamento solidário, em apartamento arrendado, tipologia T2, com boas condições de conforto e habitabilidade.

Depois de ter desenvolvido actividade profissional durante cerca de cinco anos como chefe de equipa de vendas na empresa "..., Lda.", subcontratada pela empresa de comunicações “...", transferiu-se com funções similares para a "Meo”, onde permaneceu curto período. Desde Novembro de 2015 tem contrato de trabalho a termo estabelecido com a empresa "...", subcontratada pela operadora de telecomunicações “NOS”, onde vem desenvolvendo funções de chefe de equipa de vendas residenciais, auferindo um vencimento mensal de, aproximadamente, 530,00€.

A situação económica do arguido é classificada pelo próprio como limitada, permitindo no entanto fazer face às despesas fixas assumidas A mãe, funcionária bancária, encontra-se reformada, auferindo da respectiva pensão cerca de 600€ mensais, já subtraída de um montante correspondente à amortização de uma penhora.

Nos tempos livres, costuma ocupar o tempo no convívio com a namorada, na leitura e desenvolvendo a prática espiritual "Reiki", da qual é adepto, mantendo círculo de relacionamento social e de amizade restrito.

Reconhecendo em abstracto, a ilicitude dos factos que deram origem ao actual processo e de eventuais vítimas e danos, manifesta desgaste relativamente ao seu desenvolvimento, embora manifeste tranquilidade face ao respectivo desfecho.

Em caso de condenação, expressa disponibilidade para cumprir com a aplicação de uma medida a ser executada na comunidade.

*

2. O recurso do M.º P.º

O M.º P.º pugna pelo agravamento das penas parcelares relativamente a todos os arguidos, propondo para cada um dos crimes de burla qualificada consumada a pena de 4 anos de prisão quanto aos arguidos BB, CC e JJ e 4 anos e 6 meses ao arguido AA e de burla tentada, 2 anos e 6 meses de prisão, respectivamente, para cada um dos crimes de falsificação de documento autêntico, 2 anos de prisão quanto aos arguidos BB, CC e DD e 2 anos e meio quanto ao arguido AA e de falsificação de documento simples 1 ano e 3 meses para o DD e 1 ano e 6 meses para o AA.

Propôs igualmente o agravamento das penas únicas de prisão, para 14 anos e 9 meses ou 9 anos e 9 meses para o arguido AA, 7 anos ou 6 anos para o BB e CC e 7 anos e 7 meses ou 6 anos e 6 meses para o DD.

Propôs, finalmente, a revogação da suspensão de execução das penas ou a sua subordinação ao pagamento de indemnização às instituições lesadas.

Fundamentou o agravamento no elevado grau de ilicitude dos factos, no modus operandi e instrumentalização de uma pessoa vulnerável, na forte intensidade do dolo e nos sentimentos de frieza, nas finalidades de lesão do património alheio, na falta de reparação e assunção dos crimes e na desfaçatez e leviandade com que actuaram e no lapso temporal por que persistiu a conduta, desde finais de 2006 a meados de 2007.

Que dizer?

a) - De acordo com o disposto nos art.ºs 71.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, do CP a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, visando a sua aplicação a protecção dos bens jurídicos tutelados nos respectivos tipos legais, bem como a reintegração do agente na sociedade.

Culpa e prevenção, nas palavras de Figueiredo Dias, (“As Consequências Jurídicas do Crime”, 4.ª Reimp., pág. 214), são dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena.

As várias alíneas do n.º 2 daquele art.º 71.º exemplificam um conjunto de circunstâncias a atender na determinação concreta da medida da pena.

Passado em revista o acórdão recorrido, dele ressalta ter-se atido a todo esse circunstancialismo, havendo, contudo, na perspectiva da prevenção geral e especial, que dar maior ênfase não só à falta de antecedentes criminais de todos os arguidos (apenas o arguido DD viria a ser condenado por crime de condução em estado de embriaguez em 07.05.2008, em pena de multa, extinta após cumprimento), como, sobretudo, ao decurso do tempo de mais de 10 anos decorrido desde a data do início da prática dos factos (finais de Dezembro de 2006).

É inegável que esse lapso de tempo tem um acentuado efeito erosivo no grau de ilicitude dos factos, determinante de uma menor exigência ao nível da prevenção geral enquanto fim das penas.

Embora aqui inaplicável o instituto da prescrição, permita-se, entre parêntesis, o paralelo de que a prescrição do procedimento criminal pela conduta mais grave (burla agravada) é precisamente de 10 anos, ou seja, é um lapso de tempo que aos olhos da comunidade já não tem justificação para qualquer punição.

Assim é que, não obstante o desvalor da acção dos arguidos e o grau de organização e profissionalismo que lhe emprestaram, importa assinalar que a iniciativa da conduta não pertenceu a nenhum deles, mas a um outro (FF), entretanto falecido, bem como não é despiciendo recordar que à data se vivia um período febril, facilitista, de concessão de crédito à habitação por parte de entidades bancárias e financeiras, que alguns negócios de compra e venda foram efectivamente realizados e, não obstante não cumpridos, os lesados lograram ser parcialmente reparados ao abrigo das garantias hipotecárias que haviam constituído sobre os respectivos imóveis.

Assim, ao Banco Espírito Santo, SA acabou por ser-lhe adjudicado imóvel pelo valor de € 52.500,00 (embora o valor do empréstimo fosse de € 80.000,00), o “...” recebeu da venda do imóvel € 22.708,34 (embora o empréstimo tivesse importado em € 81.9896,12) e o “Millennium-BCP, SA” recebeu igualmente da venda de imóvel a importância de € 30.000,00 (quando o empréstimo foi de € 95.000,00).

Em causa estão crimes de burla, ou seja, crimes contra o património, só qualificados em função do valor, sendo que os crimes de falsificação de documento constituíram um meio, o mesmo é dizer, instrumento, de consumação desses ilícitos, sendo que relativamente ao “Montepio” a acção não foi além da tentativa.

Trata-se de crimes em abstracto puníveis com penas de 2 a 8 anos de prisão no caso das burlas qualificadas consumadas e de 1 mês a 5 anos e 4 meses no caso da tentada.

Por seu turno, o crime de falsificação de documento autêntico é em abstracto punível com pena de 6 meses a 5 anos de prisão ou 60 a 600 dias de multa e de falsificação de documento simples de 1 mês a 3 anos de prisão ou multa.

Suprindo aqui alguma falta de fundamentação da decisão recorrida, a pena de multa no contexto da imposição de penas de prisão e face à factualidade apurada e à personalidade dos arguidos, não permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 70.º do CP).

As penas parcelares, fixadas pelo acórdão recorrido no quadrante inferior do seu ponto médio, mas com distanciamento adequado do mínimo abstracto, afiguram-se proporcionais seja à culpa, seja às necessidades de prevenção geral e especial, no modo algo esbatido como acima considerámos.

Impõe-se, assim, mantê-las, com o que nesta parte improcede o recurso.

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b) - Quanto à medida da pena única é sabido que, de acordo com o disposto no art.º 77.º, n.º 1, do CP, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Tratando-se de pena de prisão, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Para lá do binómio culpa-prevenção, contido no art.º 71.º do CP, a pena única do concurso, formada no sistema da pena conjunta e que parte das diversas penas parcelares impostas, deve ser fixada naquela moldura, tendo em conta, no seu conjunto, os factos e a personalidade do arguido.

Na consideração dos factos, rectius, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global (o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global), que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexões entre os factos concorrentes.

Importará, assim, atender à relação dos diversos factos entre si e em especial ao seu contexto, à maior ou menor autonomia e à frequência da comissão dos ilícitos, à diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos e forma de execução dos factos, às suas consequências, ao peso conjunto das circunstâncias de facto submetidas ao julgamento.

Na consideração da personalidade deve atender-se ao modo como ela se projecta nos factos ou é por eles revelada, com vista a aferir se os factos traduzem uma tendência criminosa ou se não vão além de uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade.

Só no primeiro caso, que não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta (v. F. Dias, ob. cit., pág. 291).

É a esse conjunto valorativo que corresponde uma nova culpa, agora imputada aos factos com relação entre si e em conjunto com a personalidade unitariamente apreciada (entre outros, v. Ac. STJ de 29.05.2013, Proc. 3/10.7SFPRT.S1-3.ª).

Descuradas não podem ser também as exigências de prevenção geral e especial ou de socialização, nesta sede havendo a considerar os efeitos previsíveis da pena única no comportamento futuro dos arguidos.

A avaliação conjunta dos factos e da personalidade convoca também critérios de proporcionalidade e proibição do excesso na fixação da pena única dentro da moldura do concurso.

A tipologia dos ilícitos praticados respeita a crimes de burla, atentatórios do património de instituições bancárias/financeiras e de falsificação a atentar contra valores comunitários e a actividade foi limitada no tempo (finais de 2006 a meados de 2007), tudo a fazer concluir por uma pluriocasionalidade, mais que tendência criminosa, perdendo a conduta alguma densidade agravativa no respeitante às exigência da prevenção geral e especial, seja, conforme já referido, pelo decurso do tempo de mais de 10 anos desde o início da sua prática, seja pela primariedade dos arguidos e pela sua inserção social post factum.

Assim, relativamente ao arguido AA, adiantando a fixação da pena, uma vez que enquanto recorrente a impugnou, numa moldura abstracta de pena conjunta de 3 anos a 15 anos e 8 meses de prisão, afigura-se-nos que a pena de 5 anos de prisão será a adequada e proporcional à gravidade do ilícito global e à sua personalidade unitária espelhada na factualidade apurada.

Quanto aos arguidos BB e CC, cujas molduras abstractas da pena única variam entre 3 anos e 7 anos e 4 meses de prisão, dentro do mesmo circunstancialismo, adequadas se afiguram também as penas únicas fixadas no acórdão recorrido de 4 e 6 meses de prisão, o mesmo acontecendo quanto à condenação do arguido DD, na pena única de 5 anos de prisão, numa moldura abstracta e 3 anos e 8 anos e 4 meses, de prisão.

Não há, assim, que proceder à agravação das penas únicas, nesta parte soçobrando, também, o recurso do M.º P.º.

Do mesmo passo não merece censura a suspensão da execução das penas determinada pelo acórdão recorrido, o que será também extensivo ao recorrente AA pelo período de duração da pena única de prisão, que formal e materialmente o art.º 50.º, n.º 1, do CP o permite e justifica, desde logo em razão da ausência de antecedentes penais e das circunstâncias da infracção e do tempo decorrido, a poder concluir que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Contudo, aderindo aqui à perspectiva do M.º P.º, impõe-se que a suspensão das penas fique condicionada não apenas ao regime de prova, conforme assim fora determinado no acórdão recorrido, mas também à obrigação, nos prazos da suspensão, de pagamento de indemnização aos lesados demandantes civis.

Com efeito, ainda que os arguidos demandados fossem condenados no pedido cível em quantias a liquidar ulteriormente, nada obsta a que ora seja fixada indemnização de quantitativo inferior a essa condenação, que obviamente continuará a poder ser exigível, inferioridade essa que notoriamente se conclui face aos montantes objecto dos empréstimos concedidos e às quantias recuperadas pelos lesados.

           Temos para nós que nos crimes contra o património só a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à reparação dos danos, que se mostra possível e razoável, face à situação socioeconómica e laboral activa dos arguidos espelhada na factualidade antes descrita, mormente nos pontos 302 a 305, realiza em toda a sua plenitude as finalidades da punição (art.º 50.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CP).

            Assim e a par do regime de prova fixado, importará condicionar a suspensão da execução das penas aos arguidos ao pagamento de indemnizações, nos prazos da suspensão, do seguinte modo:

a) - AA, da quantia global de € 9.000,00, sendo € 3.000,00 a cada um dos lesados “Millennium-BCP, SA, “Banco Espírito Santo, SA” e “GE Consumer”;

b) – BB, da quantia de € 5.000,00, a pagar ao “Millennium-BCP, SA”;

c) – CC, da quantia de € 5.000,00, a pagar ao “Millennium-BCP, SA”;

d) – DD, da quantia global de € 6.000,00, sendo € 3.000,00 ao “GE Consumer” e € 3.000,00 ao “Banco Espírito Santo, SA”.

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            3. Recurso dos arguidos AA e BB

           O objecto de um e outro recurso é a medida das penas parcelares e única, que consideram elevadas, face, sobretudo, à personalidade e primariedade de cada qual e ao decurso de cerca de 10 anos da prática dos factos, com ênfase na redução para 5 anos da pena única imposta ao 1.º, a suspender na sua execução.

            As questões suscitadas das medidas das penas foram apreciadas a propósito do recurso do M.º P.º pelo que para aí se remete, nada mais aqui cumprindo observar, sendo que apenas o recorrente AA obtém ganho de causa parcial no respeitante à redução da pena única, para 5 anos de prisão, cuja execução se suspenderá com subordinação não só a regime de prova, mas também, conforme já referido, à obrigação de pagamento da indemnização tida por possível e razoável face á factualidade provada de € 9.000,00, correspondendo € 3.000,00 a cada dos lesados e demandantes civis “Millennium-BCP,SA “GE-Consumer” e “Banco Espírito Santo, SA”, sem prejuízo, como se assinalou, da exigibilidade da quantia em que o mesmo e os demais foram condenados e que houver que liquidar.

Já quanto ao recorrente BB, mantêm-se, conforme acima referido, as penas parcelares e a pena única, bem como a sua suspensão e o regime de prova fixado, a que se adita, conforme assinalado, a condição do pagamento, no decurso do respectivo prazo, da indemnização ao lesado “Millennium-BCP, SA” da quantia de € 5.000,00, sem prejuízo da exigibilidade de maior quantia, que o acórdão recorrido fez depender de liquidação ulterior.

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III. Decisão

Face ao exposto, acordam em dar parcial provimento aos recursos interpostos pelo M.º P.º e pelo arguido AA e negar provimento ao do arguido BB e, assim, quanto:

a) - Ao arguido AA, manter as penas parcelares fixadas, mas reduzir para 5 (cinco) anos a pena única de prisão, que suspendem na sua execução e que subordinam a regime de prova e à obrigação de pagamento, nesse período de tempo, da indemnização global de € 9.000,00 (nove mil euros), sendo € 3.000,00 a cada um dos lesados “Millennium-BCP, SA”, “...-Instituição Financeira de Crédito” e “Banco Espírito Santo, SA”;

b) – Ao arguido BB, mantêm as penas parcelares e única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução suspendem por igual período, com subordinação a regime de prova e ao pagamento, no mesmo período, da indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros) ao lesado“Millennium-BCP, SA”;

c) – Ao arguido CC, mantêm as penas parcelares e única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução suspendem por igual período, com subordinação a regime de prova e ao pagamento, no mesmo período, da indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros) ao lesado “Millennium-BCP, SA”;

d) – Ao arguido DD, mantêm as penas parcelares e única de 5 (cinco) anos de prisão, cuja execução suspendem por igual período, com subordinação a regime de prova e ao pagamento, nesse período, da indemnização global de € 6.000,00 (seis mil euros), ou seja, € 3.000,00 a cada um dos lesados “...-Instituição Financeira de Crédito” e “Banco Espírito Santo, SA”.

No mais, mantêm o acórdão recorrido.

Porque só o recorrente BB decaiu totalmente no recurso, só ele pagará custas, com taxa de justiça de 7 UC (art.º 513.º, n.º 1, do CPP e Tabela III do RCP).

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Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Fevereiro de 2017

Francisco M. Caetano

Souto de Moura

Santos Carvalho