Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA | ||
| Descritores: | PENHORA DE CRÉDITOS EMBARGOS DE EXECUTADO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO PENHORA DE DIREITOS | ||
| Nº do Documento: | SJ200710040026457 | ||
| Data do Acordão: | 10/04/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
| Sumário : | I. A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução; II. Notificado o devedor, fica constituído no ónus de esclarecer o tribunal sobre a existência e todas as eventuais circunstâncias do crédito penhorado, seja por declaração prestada no acto da notificação, seja por termo ou requerimento; III. A falta de resposta implica o reconhecimento da existência da obrigação tal como consta da nomeação à penhora e a obrigação de depositar a importância correspondente logo que o crédito se vença; IV. Optando o embargante, nos embargos que ponha à execução, pela via do requerimento remetido por correio, não registado, cabe-lhe o ónus da prova do correspondente envio; V. Em caso de falta de prova, a lei atribui ao silêncio do notificado a consequência da falta de resposta. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:1. No âmbito da execução sumária instaurada por AA contra BB, que corre na 2ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, e na sequência de requerimento apresentado pelo exequente, foi notificada Empresa-A, de que ficava penhorado à ordem do tribunal da execução, para garantia e pagamento da quantia de € 23.507,71, o crédito que o executado dela tinha a receber relativamente a royalties do grupo Canta ..., “nomeadamente o montante de € 30.000”, e ainda para “fazer as declarações que entender quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efectivo” no prazo de 10 dias, sendo “a falta de (…) declaração (…) entendida como reconhecimento da obrigação, nos termos estabelecidos para a nomeação do crédito à penhora” (cfr. notificação de 17 de Dezembro de 2003, a fls. 53 do apenso). A execução foi instaurada em 1997. Deduzindo, em 24 de Fevereiro de 2005, embargos de executada, Empresa-A alegou ter enviado em 22 de Dezembro de 2003, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 856º do Código de Processo Civil, uma carta ao tribunal, com identificação do processo respectivo, onde informava “que o executado era credor da ora Embargante”, mas que “o pagamento das royalties não tinha data fixa”, estando “sujeito a encontro de contas com as facturas que o mesmo deve à Embargante”, e que iria depositando à ordem do tribunal, como lhe havia sido determinado que fizesse, as royalties que fossem sendo colocadas à disposição do executado, não tendo ainda procedido a qualquer depósito porque isso ainda se não verificou. Afirmou ainda desconhecer por que motivo, enviada sem registo, a carta não chegara ao processo, e juntou o que disse ser a respectiva cópia, cujos termos são os seguintes (cfr. fls.6): “Empresa-A (…) Notificada da penhora de créditos de que seja titular o executado BB, Vem informar V. Exa. que tal devedor nesses autos é na verdade credor desta empresa relativamente a Royalties devidos ao grupo musical ‘Canta ...’, embora o pagamento dos mesmos não tenha data fixa e está sujeito a encontro de contas com as facturas de que o mesmo deve a esta empresa, cujas cópias anexamos. Daí que, depois do respectivo encontro de contas e à medida que os Royalties devam ser postos à disposição daquele devedor, esta empresa depositá-los-á à ordem desse tribunal e disso dará conta no respectivo processo”. O embargado contestou, sustentando a improcedência dos embargos. Em 7 de Setembro de 2006, a fls. 42, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes os embargos e ordenou “a prossecução da execução contra a embargante, na íntegra”. 2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Março de 2007, de fls. 77, foi negado provimento ao recurso de apelação interposto pela embargante. Verificando que não tinha sido impugnada a decisão relativa à matéria de facto, a Relação, considerando estar em causa no recurso a questão “de saber se, face ao circunstancialismo processual provado, os embargos deduzidos deviam ou não proceder logo ou, se pelo contrário, o processo deveria ter prosseguido para averiguação da veracidade ou não da declaração dita feita relativamente à existência e vencimento do direito de crédito penhorado” decidiu: em primeiro lugar, que, do regime constante dos artigos 150º e 856º, nºs 2 do Código de Processo Civil (na versão aplicável) e 224º do Código Civil, por um lado, e 860º, nº 1, do Código de Processo Civil (na mesma versão), resultava que tinha de “considerar que a ora embargante não contestou a existência do direito de crédito penhorado, ficando por isso com as obrigações constantes do artigo 860º nº 1 do Código de Processo Civil", por se ter de entender que “o não recebimento da declaração” relativa à existência do crédito “pelo destinatário (…) procede de culpa sua e conduz à sua ineficácia”; em segundo lugar que, mesmo que assim não fosse, “tal como a falta de citação ou de certas notificações só podem ser arguidas enquanto não deverem considerar-se sanadas (art. 204º nº 2 do CPC), também a inactividade da recorrente na sequência da sua segunda notificação – para proceder ao depósito da quantia de 30.000 Euros à ordem dos referidos autos e juntar ao processo o documento do depósito, sob pena do disposto no art° 860, n° 3 do C. P. Civil, notificação essa recebida (cfr. ponto 5 dos factos provados) – sempre faria precludir a possibilidade da embargante, em sede de embargos, poder fazer prova de uma anterior comunicação com vista à contestação da existência do direito de crédito penhorado.” 3. Novamente recorreu a embargante, agora para o Supremo Tribunal de Justiça. No recurso, recebido como revista, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, apresentou alegações, com as seguintes conclusões: “1 – O Tribunal da Relação, ao decidir como o acórdão de fls…, fez uma incorrecta interpretação do direito face à matéria de facto dada como provada. 2 – (…) já que não estava na posse da totalidade dos elementos necessários para decidir como decidiu. 3 – A Recorrente foi notificada para informar nos autos quais os créditos de que o executado BB fosse titular. De imediato a Recorrente comunicou ao tribunal, de que o crédito que detinha era sobre o agrupamento musical ‘Canta ....’, representado pela Empresa-B, a qual por sua vez era representada pelo Executado BB. 4 – A Recorrente e a Empresa-B, em 28 de Março de 2001, celebraram um contrato de edição-gravação da obra contida no master com o título genérico ‘morango do nordeste’. 5 – A Recorrente obrigou-se ainda a pagar à Empresa-B um royalty de 6% por cada cd vendido calculado sobre 1.200$00 e de 3% por cada MMC vendida (cassete económica) calculado sobre 200$00. 6 – Efectivamente sempre que houve qualquer royalty a pagar, a Recorrente sempre se disponibilizou a fazê-lo, tal como estava estipulado no contrato. 7 – Quando a Recorrente foi notificada para informar nos autos quais os créditos de que o executado fosse titular relativamente à mesma, a Recorrente em 22.12.03, enviou uma carta ao tribunal a informar os royalty eram devidos ao agrupamento musical ‘Canta ...’, na qual a Empresa-B era representante legal do grupo. 8 – Ao contrário do doutamente decidido pelo Meretíssimo Juiz a quo, os royalty eram para ser pagos ao agrupamento musical ‘Canta ...’, e não ao ora executado. 9 – Em 22.12.03, a Recorrente comunicou prontamente ao tribunal o sucedido, conforme cópia junta aos autos, sob a designação de doc. 1, junto com a petição inicial de embargos de executado. 10 – A Recorrente enviou a carta ao tribunal, sem registo, porque é leiga nestes assuntos, tendo sido a própria Recorrente a enviar o requerimento e não os seus mandatários, os quais só tiveram conhecimento do facto na altura de intentar a petição inicial de embargos. 11 – A Recorrente, assim que foi notificada para se pronunciar se reconhecia ou não o crédito, de imediato deu conhecimento do mesmo ao tribunal, não sabendo desde já o que aconteceu com a carta, já que a mesma foi enviada em correio sem registo, e também não enviou cópia de devolução para ser carimbada. 12 – A Recorrente não sabe o que aconteceu ao requerimento que enviou ao tribunal, que caminho ou descaminho levou, apenas sabe que enviou o requerimento assim que recebeu a notificação. 13 – A Recorrente nada deve ao exequente, não é executada, nem nunca foi, nunca reconheceu a existência do crédito, o qual por sua vez é de outra entidade que não o executado enquanto pessoa singular. 14 – A Recorrente de imediato comunicou ao tribunal, e o Meretíssimo Juiz a quo não reunia todos os elementos para decidir, já que o processo deveria seguir os trâmites normais, inclusive a realização do julgamento, para o apuramento da verdade material. 15 – Como declaração receptícia, a eficácia da comunicação do não reconhecimento do crédito dependia do conhecimento pelo destinatário. 16 – Não tendo havido efectiva recepção da declaração, esta só pode ser considerada eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida – art. 224º-2 do CC. 17 – Por isso se compreende que quando a não recepção se fique a dever exclusivamente ou apenas a culpa do destinatário a declaração seja havida como eficaz. 18 – Havendo culpa do declarante, de terceiro, caso fortuito ou de força maior, está afastada a aplicabilidade da norma. 19 – Consequentemente, haverá necessidade de demonstrar, em cada caso, que ‘sem acção ou abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida’, não dispensando a concretização do regime ‘um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do destinatário, no atraso ou na não recepção da declaração’ (Pais de Vasconcelos, ‘Teoria Geral do Direito Civil’, 2ª ed., 296). 20 – No caso, como se faz notar na decisão impugnada, ignoram-se as razões por que a carta não foi recebida no tribunal, já que a Recorrente juntou aos autos cópia da carta enviada. 21 – Assim sem necessidade de mais considerandos, e ao contrário do doutamente decidido no acórdão objecto de recurso, o Tribunal da Relação não estava na posse de todos os elementos probatórios para decidir conforme decidiu, pelo que o acórdão recorrido deverá ser substituído por outro que respeite a tramitação do processo e promova o apuramento da verdade material”. Termina sustentando a procedência do recurso e a consequente baixa do processo “para que se proceda à realização de todo o formalismo legal, nomeadamente o julgamento…”. Não houve contra-alegações. 4. Das alegações apresentadas no âmbito deste recurso, verifica-se que o que a recorrente pretende é que o Supremo Tribunal de Justiça decida que os embargos de executado que opôs na execução não podiam ter sido julgados no despacho saneador, por não dispor o tribunal de 1ª Instância, nesse momento, dos elementos necessários para conhecer de mérito. Na realidade, tal questão reconduz-se a saber se a falta de entrada, no tribunal da execução, de qualquer declaração por parte da embargante relativamente ao crédito indicado à penhora pelo exequente, tem o efeito previsto no nº 3 do artigo 856º do Código de Processo Civil – “entende-se que o devedor reconhece a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito à penhora” –, precludindo a possibilidade de discussão sobre a existência, a titularidade, o montante ou quaisquer outras condições do referido crédito, tal como indicado pelo exequente, ou não, sendo então possível proceder a tais averiguações no próprio processo de embargos de executado. 5. Encontra-se definitivamente provada neste processo a seguinte matéria de facto, como se transcreve do acórdão recorrido: 1- Na execução de sentença para pagamento de quantia certa instaurada por AA contra BB que corre os seus termos na 2ª Vara, 1ª Secção, sob o n° 93-B/97, veio o embargado/ recorrido, em 9.12.2003, requerer a notificação da ora embargante para informar nos autos quais os créditos de que o executado fosse titular relativamente à mesma. 2 - Na sequência do referido em 1 - a embargante foi notificada, por carta de 17.12.2003, de que fora penhorado à ordem daquele tribunal o crédito que o executado tivesse a receber da mesma em relação aos royalties do grupo "Canta ...", nomeadamente o valor de 30.000 Euros e de que, em 10 dias, podia fazer as declarações que entendesse quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efectivo e que a falta de tal declaração seria entendida como reconhecimento da obrigação (fls. 53 a 55 do proc. principal). 3 - Na sequência da notificação referida em 2 - nenhuma comunicação da embargante deu entrada em tribunal. 4 - Por carta datada de 23.4.2004 foi o embargado notificado, na pessoa do seu mandatário, de que a embargante fora notificada nos termos referidos em 2 - e que não de fizera qualquer comunicação nos autos até tal data (fls. 79 do proc. principal). 5 - Na sequência do referido em 4, o embargado requereu a notificação da embargante para proceder ao depósito do crédito de 30.000 Euros à ordem do tribunal e juntar o documento comprovativo do depósito, sob pena do disposto no art° 860, n° 3 do C. P. Civil, notificação que foi ordenada por despacho de 12.5.2004 (fls. 80 e 82 do proc. principal ). 6 - Por carta datada de 20.5.2004 foi a embargante notificada para, no seguimento da notificação de 17.12.2003, proceder ao depósito no montante de 30.000 Euros à ordem dos referidos autos e juntar ao processo o documento do depósito, sob pena do disposto no art° 860, n° 3 do C. P. Civil, notificação essa recebida (fls. 83 e 85 do proc. principal). 7 - Na sequência do referido em 6 - a embargante nada disse ao tribunal nem procedeu ao depósito. 8 - Por carta datada de 26.11.2004 foi o embargado notificado, na pessoa do seu mandatário, de que a embargante fora notificada como requerido pelo mesmo e que não fizera qualquer declaração no processo nem do mesmo constava qualquer documento de depósito e para, querendo, se pronunciar (fls. 116 do proc. principal). 9 - Por requerimento de fls. 119 dos autos e entrado em juízo em 28.12.2004 veio o embargado requerer a prossecução da execução contra a ora embargante e a penhora da quantia de 30.000 Euros nas contas de depósito à ordem ou a prazo de que a embargante fosse titular em qualquer instituição financeira, com a consequente notificação ao Banco de Portugal em conformidade, penhora que foi ordenada, tendo sido solicitada ao Banco de Portugal em 14.1.2005 (fls. 119 a 122 do proc. principal). 10 - Por requerimento entrado em juízo em 2 de Fevereiro de 2005 o Millenium BCP Servibanca comunicou a este tribunal que considerara penhorada e à ordem dos autos principais o montante de 30.000 Euros, existente na conta de depósito à ordem com o n° 83494885, penhora essa notificada ao embargado por carta datada de 4.2.2005 (fls. 146 a 147 do proc. principal). 11 - Por carta datada de 4.2.2005 foi a embargante notificada para, querendo e no prazo de 10 dias, finda a dilação de 5 dias, deduzir embargos de executado ou oposição à penhora e do requerimento de penhora do embargado, do despacho determinativo da mesma e documento comprovativo da sua realização (fls. 148 do proc. principal).” Resulta ainda provado (cfr. fls. 160, 175, 176, 180, 181, 182 dos autos principais) que, a requerimento do exequente, foi depositada à ordem do tribunal da execução, pelo Banco Comercial Português, SA, a quantia penhorada de € 30.000,00. 6. Como se sabe (repete-se, não são aplicáveis a este processo as disposições introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março), e centrando a nossa atenção apenas no que a este recurso interessa, a penhora de créditos, como resulta do nº 1 do artigo 856º do Código de Processo Civil, “consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução”. Recebida tal notificação – como, neste caso, está provado que Empresa-A recebeu –, é imposto ao devedor o ónus de esclarecer o tribunal sobre a existência e sobre todas e quaisquer circunstâncias do crédito penhorado que possam ser relevantes para a execução. Que se trata de um verdadeiro ónus assim imposto ao devedor do executado resulta claramente da consequência atribuída ao seu silêncio: o reconhecimento “da existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito à penhora” (cfr. nº 5 do artigo 837º do Código de Processo Civil) e a subsequente obrigação de “depositar a respectiva importância (…) à ordem do tribunal (…)”, logo que o crédito se vença. Como este Supremo Tribunal já teve a ocasião de decidir no Assento nº 2/94, de 25 de Novembro de 1993 (in Diário da República, I Série A, de 8 de Fevereiro de 1994 e disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 078591) “quando o devedor de crédito penhorado não tiver prestado no acto da notificação da penhora declarações sobre a existência do crédito, as garantias que o acompanham, a data de vencimento e outras circunstâncias que interessem à execução, deve fazê-lo no prazo de cinco dias [hoje o prazo supletivo, como se sabe, é de 10 dias] sob a cominação de se haver como reconhecida a existência da obrigação nos termos em que o crédito foi nomeado à penhora." Este efeito cominatório explica, por exemplo, por que razão a notificação ao terceiro devedor deve ser feita de acordo com as formalidades exigidas para a citação. Assim o diz a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003 no nº 1 do artigo 856º do Código de Processo Civil e assim se devia entender já no domínio da lei anterior; note-se, aliás, os termos em que a notificação foi feita (cfr. fls. 53 e 55 do processo principal) e, de qualquer forma, o reconhecimento expresso pela embargante de que foi devidamente notificada (cfr. petição de embargos e doc. nº 1) junto com a mesma), bem como a ausência de arguição de qualquer irregularidade da notificação, como observou o tribunal recorrido. Sustenta a embargante que cumpriu o ónus que a lei lhe impõe, remetendo ao tribunal, por correio simples, carta cuja cópia junta a fls. 6, acima transcrita e que, como se pode comparar com o requerimento de nomeação à penhora, constante de fls . 29 – “créditos que o executado tenha sobre a Empresa-A (…), em relação à ‘royalties’ do grupo ‘Canta ...’, royalties estes propriedade do executado, até ao montante de € 25.000,00” – a poder ser tomada em conta na execução não conduziria ao resultado extraído da sua não consideração. É, portanto, relevante saber se basta a afirmação, feita pela embargante, de que remeteu ao tribunal da execução, no prazo legal, a carta de fls. 6, para afastar a cominação prevista no nº 3 do artigo 856º do Código de Processo Civil, uma vez que está provado que não deu entrada no tribunal qualquer resposta à notificação (cfr. ponto 3. da matéria de facto provada). Como se viu, o acórdão recorrido entendeu tratar-se de uma declaração receptícia (artigo 224º do Código Civil), sendo pois exigível ao embargante “uma actuação conducente à verificação da sua recepção pelo tribunal”. Caber-lhe-ia, portanto, socorrer-se “de qualquer dos meios normais de entrega ou remessa a juízo das peças processuais, constantes do art. 150º do CPC, na redacção vigente no momento”, correndo por sua conta “a obrigação de emitir a declaração e de se assegurar da sua entrega no Tribunal”. A recorrente considera, diferentemente, que haveria que determinar por que razão a carta não foi recebida pelo Tribunal, como se viu na transcrição das conclusões da sua alegação. Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 856º do Código de Processo Civil, não há uma única via legalmente admissível para que o terceiro, notificado nos termos do nº 1 do mesmo preceito, preste a declaração prevista no nº 2: tanto vale se for feita “no acto da notificação”, como parece ser a preferência da lei, como, se assim não tiver sido possível, se for efectuada “por meio de termo ou de simples requerimento”. Interessa agora a última via, a do simples requerimento, que foi a que a embargante diz que utilizou. Não é decisivo, para o caso, estar a saber se e em que termos são aplicáveis as regras constantes do artigo 224º do Código Civil; nem mesmo averiguar agora até que ponto vinculam terceiros – mas, note-se, terceiros que podem vir a assumir a posição de parte no processo – as regras definidas em geral pelo artigo 150º do Código de Processo Civil para a prática de actos pelas partes. Lembre-se, a este propósito, que o Assento de 25 de Novembro de 1993 já citado considerou expressamente que o devedor de crédito penhorado é parte na execução, sendo-lhe aplicável a disciplina processual correspondente. Na realidade, não está de forma alguma provado, sequer, o envio (nem, portanto, a respectiva data) da carta cuja cópia a embargante juntou a fls. 6; ora, antes de se investigar por que motivo uma comunicação não foi recebida, há que estar provado que foi enviada. Sendo inviável neste momento a prova do envio da carta de fls. 6 – note-se, aliás, que a embargante não se propôs fazer qualquer prova desse mesmo envio em nenhum momento destes embargos –, há que aplicar as regras gerais de repartição do ónus da prova: não, naturalmente, entre a embargante e o tribunal, mas entre embargante e embargado. Assim, sendo à embargante que aproveita a aplicação do disposto no nº 3 do artigo 856º do Código de Processo Civil, é contra ela que o tribunal tem de decidir na dúvida sobre se a comunicação foi ou não enviada (nº 1 do artigo 342º do Código Civil). Tudo se passa, pois, como se a embargante nada tivesse dito sobre o crédito indicado pelo exequente; como em muitos outros casos sucede (na falta de contestação, ou de impugnação, por exemplo), a lei atribui ao silêncio do notificado o significado (declarativo) de reconhecimento “da existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora” (nº 3 do citado artigo 856º do Código de Processo Civil). 7. Resta agora saber se, ocorrido esse reconhecimento, o tribunal da 1ª Instância poderia ou não ter julgado a causa no despacho saneador, como contesta a embargante, pois pretende demonstrar que aquele reconhecimento presumido não corresponde à verdade. Ora, estando em causa direitos disponíveis, não tendo sido invocado pela embargante qualquer fundamento de invalidade do reconhecimento da existência do crédito indicado pelo seu credor e sendo aplicável ao julgamento do processo de embargos o disposto no nº 2 do artigo 817º do Código de Processo Civil e 510º, nº 1, b) do mesmo diploma, estavam reunidas todas as condições para que os embargos fossem julgados no despacho saneador. O acórdão recorrido não merece, pois, qualquer censura. 8. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 4 de Outubro de 2007 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora) Salvador da Costa Ferreira de Sousa |