Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1440/17.1T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: PARTILHA DA HERANÇA
TORNAS
SUB-ROGAÇÃO
HERDEIRO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O herdeiro que cumpre a obrigação de tornas de um outro herdeiro, por haver acordo e interesse de todos os herdeiros em que a partilha se fizesse em certos termos, fica sub-rogado nos direitos do credor das tornas.
II - Em face de tal sub-rogação, a posterior partilha de determinada quantia em dinheiro que entregou ao herdeiro sub-rogado de tornas o montante da quantia que seria inicialmente devido aos herdeiros credores de tornas, dessa forma satisfazendo o crédito de tornas, não consubstanciou preterição de herdeiro.
III - Se o acórdão da Relação nada aportou adicionalmente em matéria de facto ou de direito, limitando-se a trabalhar sobre os factos provados e a aplicar o direito tido por devido, não pode dizer-se que incorreu em nulidade por excesso de pronúncia.
IV - Pese embora a petição inicial ter sido estruturada juridicamente em termos que nada têm a ver com a figura da sub-rogação, mas se o sentido objetivo da contestação, a que respondeu a autora como entendeu, comportava juridicamente a figura da sub-rogação, não incorre em nulidade, por omissão do contraditório, o acórdão que decide com reporte a essa figura.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1440/17.1T8VFR.P1.S1
Revista
Tribunal recorrido: Tribunal da Relação ……..

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA. demandou, pelo Juízo Local Cível ….. e em autos de ação declarativa com processo na forma comum, BB. e mulher CC., DD. e marido EE., FF. e marido GG. (a quem sucedeu, por habilitação entretanto operada, a mulher e filhos HH. e II.), JJ., LL. e marido MM. e NN. e mulher OO., peticionando:
- Que seja declarado ineficaz relativamente à Autora o acordo de partilha que os Réus entre si estabeleceram, e, em consequência,
- Que sejam os Réus condenados a restituir às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de PP. e QQ. a quantia de € 35.000,00, a fim de ser partilhada por todos os herdeiros;
- Que sejam os Réus condenados a pagarem-lhe, a título de indemnização pelo prejuízo decorrente da privação do seu quinhão, a quantia de € 1.406,60, correspondente aos juros vencidos até à data da entrada da petição inicial e dos respetivos juros vincendos a partir dessa data.

Alegou para o efeito, em síntese, que:
- Autora e Réus são os herdeiros (filhos) de PP. e de sua mulher QQ..
- Das heranças destes fazia parte a quantia de € 35.000,00.
- Essa quantia foi partilhada pelos Réus entre si, à revelia do consentimento da Autora e com total desconhecimento desta, que ficou, assim, privada do respetivo quinhão.
- Tal partilha é ineficaz relativamente à Autora.
- Deve, pois, ser restituída às heranças a dita quantia a fim de ser partilhada entre todos os herdeiros.
- O ato dos Réus causou prejuízo à Autora, que deve ser reparado através do pagamento de juros sobre o montante que lhe cabe na partilha.

Contestaram os Réus, concluindo pela improcedência da ação.
Disseram, em síntese, que:
- Autora e Réus partilharam por escritura pública os imóveis que compunham o acervo hereditário.
- Dessa partilha resultava que à Autora competia pagar tornas.
- Uma vez que a Autora tinha dificuldade em pagar as tornas, a Ré JJ. prontificou-se a adiantá-las aos irmãos que exigissem o respetivo pagamento imediato, sendo reembolsada pela Autora aquando da partilha de dinheiro da herança.
- Deste modo, a Ré JJ. adiantou o pagamento de 1.100 contos, cujo pagamento lhe era, pois, devido pela Autora.
- Do dinheiro da herança foram oportunamente distribuídos os €35.000,00 de que fala a Autora, tendo a parte que caberia a esta (€5.000,00) sido entregue à Ré JJ. nos termos acordados, ficando ainda em dívida € 500,00.
Invocam, ainda, a prescrição dos juros de mora peticionados.

Seguindo o processo seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que julgou improcedente a ação.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora.
Fê-lo sem êxito, pois que a Relação ……., embora baseada em razões jurídicas diversas, confirmou a sentença.

Mantendo-se inconformada, pede a Autora revista.

Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões:

1. Mesmo admitindo que, na particular circunstância dos presentes autos, o Tribunal da Relação tinha competência para determinar qual a vontade real das pessoas que intervieram na divisão do dinheiro e no acerto dessa determinação, não tendo a autora tido qualquer intervenção nessa divisão, antes, a mesma foi feita sem o seu conhecimento e consentimento, não lhe pode ser imputada qualquer vontade negocial, muito menos no sentido da que é propugnada pelo acórdão recorrido.
2. Nos termos em que a presente ação foi controvertida pela Autora e o objeto do litígio definido, o quadro das normas legais que regem a sub-rogação, não têm qualquer pertinência ou propósito para a decisão de mérito.
Sem prescindir;
3. O douto acórdão recorrido toma conhecimento de questão de facto e de direito que não foram suscitadas pelas partes nem eram do conhecimento oficioso.
4. Enfermando por isso da nulidade prevista no artigo 615° n° 1 al. d) do C.P.Civil.
5. Tendo conhecido de questão de facto e de direito sem que previamente fosse concedido à Autora o direito ao contraditório, o acórdão recorrido padece do vício da nulidade.
6. Foi violado o disposto nos artigos 608° n° 2 e 3° do C.P.Civil e artigo 20° da CRP

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Os Réus contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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Questão prévia
Muito provavelmente o presente recurso não será admissível.
O valor da causa está fixado em €36.406,60, mas a sucumbência da Autora parece corresponder simplesmente ao prejuízo (e foi desse prejuízo que a Autora veio tratar na presente ação, v. artigos 16 e 17 da petição inicial) que lhe advém da pretensa partilha irregular da quantia de €35.000,00. Ora, esse prejuízo é de €5.000,00, que é o valor do quinhão hereditário da Autora, acrescido da indemnização de 1.406,60. O que tudo está muito abaixo do valor de metade da alçada (que é de €30.000,00) do tribunal recorrido (v. art. 629.º, n.º 1 do CPCivil).
Mas, enfim, pode entender-se que assim não é, que a sucumbência se deve reportar ao valor do ato tido por ineficaz (distribuição dos €35.000,00), razão pela qual, na dúvida, se opta por conhecer do recurso.

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

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São questões a conhecer:
- Nulidade do acórdão recorrido por excesso de conhecimento;
- Nulidade do acórdão recorrido por omissão do contraditório;
- Erro de decisão (centrado na convocação do instituto da sub-rogação)

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III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes:

1. Através de escritura pública outorgada no dia 15 de Março de 2006 no Cartório Notarial ……., sito na Avª ……. perante a Notária RR., foi efetuada a partilha da herança aberta por óbito de PP., falecido em 22 de Março de 2001, no estado de casado com QQ., tendo por objeto o prédio urbano inscrito na respetiva matriz no artigo ….. e os prédios rústicos inscritos na respetiva matriz nos artigos ….. e ……., todos sitos no lugar ……, freguesia …….., concelho ……...
2. Do acervo da herança aberta por óbito de PP. fazia parte a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), correspondente a dinheiro existente em conta(s) bancária(s) em nome do falecido e da sua esposa.
3. Em ….. de 2010 faleceu QQ., mãe da Autora e dos Réus.
4. A Autora e os Réus são os únicos e universais herdeiros de QQ..
5. Para partilha da herança aberta por óbito de QQ. foi instaurado processo de inventário que, sob o n.º 431/12………, correu termos então designada Instância Local Cível de ….., Secção Cível, J……….
6. Por douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ……. entendeu-se que não estando a quantia de € 35.000,00 na posse da inventariada QQ. à data da sua morte, a mesma não tinha de ser relacionada no processo de inventário.
7. Para efeitos de partilha da herança aberta por óbito de PP., todos os herdeiros decidiram contratar um louvado para avaliar os imóveis, os quais eram situados no Lugar ……, freguesia ………, concelho …….,
8. A esse louvado foi dada a informação de que à viúva e cabeça de casal não seria adjudicado qualquer imóvel ou bem, e que os bens seriam todos partilhados pelos sete filhos, havendo que dividir os rústicos por forma a criar três terrenos para serem adjudicados.
9. Concluída a avaliação, o louvado apresentou os valores que atribuiu a cada um dos bens, indicando ainda que o valor global dos mesmos era de 27.000 contos.
10. O louvado fez as contas na mesma folha onde ficou a constar que cada filho iria receber 3.850 contos.
11. Inicialmente foi dada a indicação ao louvado de que:
- o prédio urbano seria adjudicado à interessada JJ. pelo valor de 14.000 contos;
- o terreno a que foi atribuído o n.º 1 seria adjudicado ao interessado NN.;
- o terreno a que foi atribuído o n.º 2 seria adjudicado à interessada DD.;
- o terreno a que foi atribuído o n.º 3 seria adjudicado à interessada AA..
12. Dado que fora atribuído o valor de 600 contos ao poço existente no terreno n.º 1, e que este poço iria ficar a pertencer a este terreno e ainda ao terreno n.º 3, foi decidido por todos que estes dois terrenos e poço ficassem a pertencer a um só interessado.
13. Depois disto, a interessada AA. propôs a todos os demais herdeiros ser ela a ficar com os dois terrenos e com o poço.
14. Esta interessada que inicialmente iria receber um terreno no valor de 4.000 contos e pagar tornas no valor de 150 contos, passou a receber os dois terrenos e o poço no valor global de 8.800 contos.
15. Ficou assim acordado que a interessada AA. teria que pagar tornas no valor de 4.950 contos.
16. Esta interessada começou por dizer aos demais herdeiros que não podia pagar de imediato aquele valor de tornas, mas que o iria fazer mais tarde.
17. Apenas o interessado NN. não exigiu que a interessada AA. lhe pagasse de imediato.
18. Perante a dificuldade no pagamento das tornas por parte da interessada AA., a interessada JJ. sugeriu que ela própria adiantaria o pagamento das tornas devidas por aquela aos irmãos que exigissem o seu pagamento imediato.
19. Em face disto, a interessada JJ. pagou as tornas a todos os restantes irmãos que a elas tinham direito, ficando o interessado NN. de mais tarde receber 3.850 contos da interessada AA..
20. Em face dos pagamentos realizados aos outros irmãos pela interessada JJ., a sua irmã AA. ficou a dever-lhe a quantia de 1.100 contos.
21. Estabelecido este acordo foi marcada a escritura de partilha aludida em 1.
22. Apesar de nessa escritura ter ficado a constar que os herdeiros já receberam as tornas a que têm direito, a interessada AA. não pagou qualquer torna.
23. Passado algum tempo após a celebração da escritura, o interessado NN. veio exigir o pagamento da quantia de 3.850 contos à interessada AA..
24. O interessado NN. contratou um Advogado para obter a cobrança do seu crédito.
25. Perante isto, a interessada AA. acabou por fazer o pagamento ao seu irmão NN..
26. Mas manteve o débito à sua irmã JJ. da quantia de 1.100 contos.
27. Nesse contexto, no hiato temporal posterior à outorga da escritura pública aludida em 1. e em data anterior ao óbito de QQ., o Réu BB. procedeu ao levantamento do dinheiro e distribuiu 5.000,00 € por cada um dos seus irmãos, com exceção da interessada AA., já que a parte desta entregou-a à irmã JJ..
28. Servindo esta distribuição para que a JJ. pudesse receber a parte que caberia a AA..
29. O descrito em 27 e 28 foi realizado sem conhecimento e aceitação da Autora.

Foi considerado não provado que:

- Existia um acordo tácito entre todos os herdeiros de que o valor pecuniário referido em 2. ficaria, na sua totalidade, sem partilhar para acorrer a eventuais necessidades da mãe da Autora e dos Réus.

De direito

Quanto à matéria da conclusão 1ª

A Recorrente reporta-se nesta conclusão à competência do tribunal recorrido para a determinação da vontade real das pessoas que intervieram na divisão do dinheiro, e à ausência de vontade negocial da Autora quanto à divisão que foi feita.
Confessamos que, apesar dos esforços envidados, não logramos inteligir o pensamento da Recorrente.
É que não vemos que o tribunal recorrido tenha decidido ou deixado de decidir o que quer que seja que tenha a ver com a determinação da vontade real dos intervenientes na divisão, razão pela qual não se entende a alusão à competência do tribunal para esse efeito. O tribunal recorrido limitou-se a trabalhar sobre aquilo que decorre dos factos provados, ou seja, que esses intervenientes procederam à divisão do dinheiro nos termos que se conhecem.
Entretanto, aparentemente em relação com essa temática, invoca a Recorrente no corpo da sua alegação a passagem do acórdão recorrido onde se diz que “inexistiu qualquer preterição de herdeiro na partilha extrajudicial – simplesmente esta partilha só pode entender-se no conjunto que constituiu com a partilha dos imóveis do acervo hereditário de PP., pai de Autora e Réus, integrando assim a declaração de que “os herdeiros já receberam as tornas a que têm direito” (sublinhado da Recorrente), para a seguir escrever que, não tendo a Autora tido qualquer intervenção na divisão do dinheiro, o que foi feito sem o seu conhecimento, não lhe pode ser imputada qualquer vontade negocial.
Também aqui não resulta para nós muito claro o pensamento da Recorrente.
Que a Autora não foi ouvida nem achada no ato de divisão do dinheiro - divisão essa que, na perspetiva do acórdão recorrido, representa apenas, no que respeita aos interesses da Autora, a regularização da questão das tornas que em substituição dela haviam sido assumidas pela Ré JJ. - é facto provado e de que ninguém pode duvidar.
Mas o que é que isto tem a ver com a temática da determinação da vontade real dos herdeiros ou com a vontade negocial da Autora?
O que é que isto tem a ver com a transcrita passagem do acórdão recorrido?
É que o que nessa passagem se afirma é simplesmente que o ato de partilha dos imóveis que foi realizado (e que, recorde-se, foi participado e querido pela Autora), integra a declaração de que os herdeiros já haviam recebido as tornas devidas, e é isto que consta efetivamente da escritura da partilha.
Sucede apenas que essa declaração não era exata (como resulta do ponto 22 dos factos provados), pois que se sabe que a Autora ficou a dever tornas e que parte destas foram pagas, em substituição dela (Autora), pela Ré JJ., sendo em função disto que o tribunal recorrido decidiu como efetivamente decidiu.
Conclusão: improcede a conclusão em destaque.

Quanto à matéria da conclusão 2ª

Afirma-se nesta conclusão que, nos termos em que a ação foi apresentada pela Autora e o objeto do litígio definido, a juridicidade em que se moveu o acórdão recorrido (centrada na sub-rogação) não tem qualquer pertinência ou propósito para a decisão de mérito.
Não nos parece que assim seja.
A despeito dos termos em que a ação foi apresentada pela Autora e do objeto do litígio definido, o que é certo é que o tribunal não está inibido de aplicar o direito que entende adequado ao caso (v. n.º 3 do art. 5.º do CPCivil), precedendo, embora (quando necessário), o devido contraditório. E, em todo o caso, o que conta não é exatamente os termos em que a ação foi apresentada, mas sim os termos jurídicos da causa tal como se apresenta litigada por ambas as partes. Não é a mesma coisa. E veremos adrede que à defesa dos Réus não é estranha a figura da sub-rogação.
Ora, a factualidade provada mostra que foi pretendido pelos herdeiros que a Ré JJ. pagasse, em substituição da Autora, as tornas devidas pela Autora aos respetivos credores que as exigissem de imediato.
A factualidade provada mais indica que esse pagamento aconteceu efetivamente e que foi no montante de 1.100 contos.
É neste contexto que surge depois a distribuição do dinheiro nos termos em que foi feita, como decorre dos pontos 27 e 28 dos factos provados.
Desses termos resulta que não houve o propósito de sonegar o que quer que seja à Autora, mas sim de equilibrar a sua posição hereditária relativamente a quem adiantara, em sua substituição, o pagamento das tornas.
E como pessoa de bem que certamente é, não poderia a Autora querer receber a sua parte na distribuição do dinheiro e manter simultaneamente o desequilíbrio económico que se registava em termos da partilha tal como foi gizada no confronto de todos os interessados, na medida em que herdou em excesso e não reintegrou em tornas quem herdou de forma deficitária.
De outro lado, e como se significa adequadamente no acórdão recorrido, é evidente que a Ré JJ., ao adiantar o pagamento de tornas da responsabilidade da Autora, visou a subsistência da partilha dos imóveis, tal como tinha sido realizada, na qual também ela tinha interesse direto e próprio.
Ora, tudo isto nos leva ao fenómeno da sub-rogação legal, tal como estabelecida no n.º 1 do art. 592.º do CCivil, de sorte que se transmitiu para a JJ. o crédito que pertencia aos credores das tornas sobre a Autora.
A partir daqui não há que dizer senão que a entrega à Ré JJ. dos €5.000,00 que normalmente estariam destinados à Autora mais não representa que o desenvolvimento da partilha tal como foi concebida e operacionalizada pelos herdeiros, entre estes a Autora.
Consequentemente, afigura-se correta a conclusão do acórdão recorrido, aí onde expressa que “…tendo a Ré ficado sub-rogada ex lege nos direitos dos credores de tornas, o acordo posterior de partilha de determinada quantia em dinheiro que lhe entregou, a ela Ré, o montante que era devido à Autora, enquanto montante que, no momento da partilha dos imóveis, caberia à Autora ter endereçado ao pagamento de tornas, não consubstanciou qualquer espécie de preterição de herdeiro, antes o pagamento de tornas da responsabilidade da Autora, e das quais, por efeito de sub-rogação legal, era a Ré JJ. credora.”
Acresce dizer que, nas circunstâncias de facto que se conhecem, invocar o direito à declaração da ineficácia da partilha equivale, como aliás se aponta na parte final da sentença da 1ª instância, ao exercício abusivo desse direito, por contrário ao vetor da boa-fé. O que sempre implicaria a neutralização do direito e levaria à improcedência da ação.
Improcede, pois, a conclusão em destaque.

Quanto à matéria das conclusões 3ª e 4ª

Argui-se nestas conclusões a nulidade do acórdão recorrido por excesso de conhecimento, em matéria de facto e de direito.
Mas, pelo que vem de ser dito, logo se antolha que improcede a arguição.
É que, em matéria de facto, nada o acórdão recorrido aportou adicionalmente. Na realidade, limitou-se a conhecer da impugnação que a Autora suscitara na sua apelação, e nada mais que isto.
E em matéria de direito o acórdão limitou-se a aplicar à factualidade provada o direito que entendeu ser devido ao caso. E essa aplicação até se mostra correta, como acima se mencionou.
Aliás, em boa verdade o que a Recorrente contesta, sob a invocação da nulidade, é a decisão de mérito que foi adotada. Mas, como tem sido reiteradamente salientado na jurisprudência, não há que confundir entre nulidade de decisão (error in procedendo) e erro de decisão (error in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito.
Termos em que improcedem as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões 5ª e 6ª

Afirma-se aqui que foi preterido o contraditório, isto porque a causa foi decidida segundo juridicidade - centrada na questão da sub-rogação - não discutida anteriormente na causa.
Discordamos.
Claro que não se ignora o disposto no n.º 3 do art. 3.º do CPCivil.
Simplesmente, a questão da sub-rogação não apresentava qualquer novidade, a justificar razoavelmente a atuação do contraditório. Pelo contrário, estava ínsita à contestação dos Réus, constituía (ou constituía também) a sua base jurídica. Embora os Réus não se tenham reportado formalmente à sub-rogação e se tenham escusado a citar normas legais, era esse o sentido jurídico objetivo (ou, pelo menos, um dos sentidos objetivos) que se extraía da respetiva contestação (maxime artigos 10º a 27º).
E à contestação respondeu a Autora, exercendo assim o contraditório que entendeu adequado.
Se acaso (isto é apenas uma simples hipótese) a Autora não apreendeu ou valorizou esse sentido objetivo, tal não significa, todavia, privação do contraditório.
Daqui que, segundo bem nos parece, não se pode dizer que foi omitido o contraditório e que o acórdão recorrido incorreu, por essa razão, em nulidade.
O que também significa que não se mostram violados os art.s 608.º, n.º 2 e 3.º do CPCivil e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista.

Regime de custas:

A Recorrente é condenada nas custas do recurso.

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Lisboa, 26 de janeiro de 2021

José Rainho (Relator)
Graça Amaral (tem voto de conformidade, não assinando por dificuldades de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)
Henrique Araújo (tem voto de conformidade, não assinando por dificuldades de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)

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Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil)