Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A4140
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: REIS FIGUEIRA
Descritores: INVENTÁRIO
TEMPESTIVIDADE
PARTILHA DA HERANÇA
EMENDA
ERRO SOBRE OS MOTIVOS DO NEGÓCIO
ANULABILIDADE
ANULAÇÃO DA PARTILHA
DESCRIÇÃO DE BENS
Nº do Documento: SJ200402190041401
Data do Acordão: 02/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 906/03
Data: 06/18/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1) As características do erro relevante como vício da vontade, chamado erro-vício ou erro nos motivos (essencialidade, propriedade e desculpabilidade), são relevantes para os fins próprios do erro como vício da vontade: servirem de fundamento à anulabilidade do negócio.
2) Do que se trata na emenda da partilha não é de anular acto algum, mas de emendar uma partilha com fundamento em erro, sendo que em sede de emenda da partilha o princípio dominante é o da manutenção na medida do possível do acto a emendar.
3) Por isso, para a emenda da partilha basta que tenha havido um erro de facto em uma de duas formas: erro na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
4) O erro da primeira modalidade (erro na descrição ou na qualificação dos bens), para fundamentar a emenda, não carece de revestir as características que tornariam relevante como erro-vício da vontade: basta que exista o erro, o qual opera por si, sem necessidade de outros requisitos, gerais ou especiais.
5) Tão só se exigirá, em tal caso, que seja objectivo ou material, não sendo suficiente um erro subjectivo ou pessoal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Tramitação processual

A e sua mulher B intentaram contra C e outros (entre eles D e sua mulher E) acção declarativa de condenação, pedindo a condenação dos RR a:
a) procederem à emenda da partilha quanto à área dos quintais dos prédios urbanos descritos nas verbas 12 e 13 da descrição de bens apresentada no processo de inventário apenso, por óbito de F e C;
b) verem rectificadas, no título, as descrições daquelas verbas, por forma a constar na verba 12 que o quintal tem a área de 637m2 e na verba 13 que o quintal tem a área de 337m2.
Contestaram apenas os RR D e mulher .
Na primeira instância foi a acção julgada parcialmente procedente e assim:
a) determinada a emenda da partilha, por forma a que fique a constar na verba 12 que o quintal tem a área de 390m2 e na verba 13 que o quintal tem a área de 337m2
b) e absolvendo os RR do demais peticionado.
Recorreram apenas os mesmos RR D e mulher, de apelação para a Relação de Guimarães, onde pretenderam que a resposta ao quesito 4° fosse ampliada da forma que indicaram e negaram que estivessem preenchidos os requisitos do erro de facto para que se proceda à emenda da partilha.
A Relação concedeu parcial provimento ao recurso, decidindo:
a) ampliar a resposta ao quesito 4°, que passou a ter o seguinte teor: "Os AA tiveram conhecimento que os prédios relacionados sob as verbas 12 e 13 estavam descritos no processo referido na alínea a) como tendo cada um deles a área de 100m2 em data anterior à da conferência de interessados, mais propriamente com a notificação efectuada em 08/07/98, na pessoa do Dr . G, que então representava, entre outros, os ora AA, da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal". (Note-se que se escreveu 08/07/03, mas pretendia escrever-se 08/07/98, como consta do pedido de rectificação do erro material e do despacho que o atendeu, embora nele se voltasse a incidir no mesmo erro: despacho de fls. 515);
b) no mais, negar provimento ao recurso (assim confirmando a decisão recorrida).
O recurso
Recorrem de novo os ditos RR, agora de revista, para este STJ.
Alegando, concluíram da forma extensa que consta de fls. 490 a 493, que se dá por reproduzida e assim se esquematiza:
1) Na data da entrada em Juízo da presente acção, estava já decorrido o prazo do art. 1387, n.º 1 do C PC, pelo que a acção não podia proceder.
2) O erro dos AA a ter existido, não foi desculpável.
3) Violado o art. 1387 do C PC.
4) Os invocam um erro de facto quanto à extensão (área) dos bens que lhe foram adjudicados, mas aceitam que a sua vontade e a dos demais interessados não foi viciada por essa divergência, visto que a partilha se fez conforme as medições no local e não o teor da descrição.
5) A acção foi duplamente intempada: proposta depois do prazo de um ano após conhecimento do erro e baseada em facto cujo conhecimento foi anterior à sentença de partilha (art. 1317, nº1 )
6) O erro de facto quanto à extensão dos bens é um erro na base do negócio, exigindo-se, para ser relevante, que seja essencial, causal ou determinante, próprio e escusável ou desculpável.
7) Ora, os referidos requisitos da relevância do erro não foram sequer alegados.
8) Mas, nem a pretensa escusabilidade ou desculpabilidade se verificou, porque seria necessário que o Autor não pudesse aperceber-se do erro antes de passar em julgado a sentença de partilha.
9) De erro só pode falar-se se ele afecta a vontade, quando ocorra uma representação falsa de uma realidade, que seja causa de uma declaração negocial feita em certo sentido: ou seja, que funcione como motivo do acto. Ora, no caso, alega-se e prova-se precisamente o contrário: que, não obstante a divergência de áreas, os interessados formaram correctamente a sua vontade negocial.
10) O acórdão recorrido, ao julgar verificadas as condições as condições previstas para a emenda à partilha e ao tê-la confirmado, violou os art. 1386 e 1387 do C PC e os art. 247 e seguintes do CC, pelo que deve ser revogado e a acção ser julgada improcedente.
Os AA, recorridos, contra-alegaram em apoio do julgado.
Factos provados.
A Relação confirmou a matéria de facto fixada na primeira instância salvo a resposta ao quesito 4°, alterada como acima se disse. A matéria de facto assim fixada na Relação não foi questionada perante este STJ, que também a não pode alterar, pelo que para a mesma se remete (fls. 443 a 447, com a alteração referida quanto ao quesito 4º), nos termos dos art. 713, nº 6 e 726 do C PC. Convém, não obstante, e para melhor compreensão da sequência, renovar a listagem da matéria de facto dada como provada.

a) No Processo de inventário judicial, a que estes autos estão apensos, requerido por óbito de F e C, a ré H, foi investida em 02.03.98, no cargo de cabeça-de-casal (alínea a) dos factos assentes);
b) Essa cabeça-de-casal indicou como herdeiros dos inventariados o ora autor A, casado com B, e os réus C, H, casada com I, J, D, casado com E, L, casada com M, e N, casada com O (alínea B) dos factos assentes);
c) Nesse inventário a cabeça-de-casal relacionou, sob a verba n.º 10, um prédio rústico, lameiro e vinha em ramada, sito no lugar da Agrela ou Destro, com a área de 7.500 m2, a confrontar do norte e poente com P, do sul com Q e do nascente com estrada, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o art. 212, com o valor patrimonial de 339.600$00 (alínea C) dos factos assentes);
d) (...) relacionou, sob a verba n° 11, um prédio urbano composto de casa de rés do chão, dependência e quintal, sito no lugar da Agrela, com a área coberta de 92 m2, dependência com 10 m2 e quintal com 600 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 584, inscrito na respectiva matriz sob o art. 144, com o valor patrimonial de 27.417$00 (alínea D) dos factos assentes);
e) (...) relacionou, sob a verba n.º 12, um prédio urbano de composto de casa de rés-do-chão, dependência e quintal, sito no lugar da Agrela, com a área coberta de 36 m2, dependência com 7 m2 e quintal com 100 m2, a confrontar do norte, nascente e poente com herdeiros de F, e do sul com casal de Mouril, parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 7.747 , inscrito na respectiva matriz sob o art. 129, com o valor patrimonial de 64.018$00 (alínea E) dos factos assentes );
f) E relacionou, sob a verba n.º 13, um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência e quintal, sito no lugar da Agrela, com área coberta de 41 m2, dependência com 8 m2 e quintal com 100 m2, a confrontar do norte, nascente e poente com herdeiros de F e do sul com Casal de Mouril de Fora, parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.o 7.747 , inscrito na matriz sob o art. 130, com o valor patrimoniaI 89.856$OO (alínea F) dos factos assentes);
g) Os prédios relacionados no processo referido na alínea a) sob as verbas n.os 12 e 13 encontram-se inscritos na matriz predial urbana como tendo cada um deles a área de quintal de 100 m2 (alínea L) dos factos assentes);
h) No dia 17 de Dezembro de 1998 realizou-se, no processo referido na alínea a), a conferência de interessados, na qual estiveram presentes os mandatários da cabeça-de-casal e dos interessados L e D, bem como todos os interessados, à excepção do D, o qual se encontrava representado pelo Sr. Dr. R (alínea G) dos factos assentes);
i) Nessa conferência os interessados acordaram que os prédios relacionados sob as verbas n.os 10 e 11 eram adjudicados ao interessado D e que os prédios relacionados sob as verbas n.ºs 12 e 13 eram adjudicados ao interessado A (alínea H) dos factos assentes);
j) E declararam que esses prédios eram adjudicados pelos valores da relação (alínea I) dos factos assentes);
l) Na pendência do inventário referido na alínea a) os prédios aí relacionados sob as verbas n.ºs 10, 11, 12, e 13 foram avaliados em, respectivamente, 23.000.000$00, 6.000.000$00, 1.300.000$00 e 1.000.000$00 (resposta ao número S da base instrutória); m) Na pendência do processo referido na alínea a) os interessados procederam a uma licitação particular, ficando acordado que os prédios relacionadas sob as verbas n.ºs 10 e 11 seriam adjudicadas ao réu D (alínea M) dos factos assentes); n) A licitação mencionada em m) teve por base a avaliação referida em I) (resposta ao número 6 da base instrutória);
o) D e E declararam, por escrito, no dia 17 de Dezembro de 1998, que, nessa data havia sido realizado um acordo extra judicial de partilha entre todos os interessados no processo referido na alínea a) e que, por força desse acordo, tinham de pagar a A, a titulo de tomas, a quantia de 2.413.400$00, da qual se reconheciam devedores, quantia essa, titulada pelo cheque n.º 4361971069, que, por acordo, seria paga em 28 de Junho de 1999 (alínea N) dos factos assentes);
p) O autor recebeu dos réus a quantia referida em o) (alínea O) dos factos assentes);
q) Por sentença de 29.01.99, transitada em julgado, proferida no processo referido na alínea a), foi homologada a partilha, adjudicando-se aos interessados os respectivos quinhões (alínea J) dos factos assentes);

r) Os prédios relacionados sobre as verbas n.ºs 12 e 13 encontravam-se separados do prédio relacionado sob a verba n.º 10 por um muro de suporte existente a nascente aqueles dois primeiros prédios (resposta ao número 2-A da base instrutória);

s) Todos os interessados identificados em b) tinham conhecimento que cada uma das áreas dos quintais dos prédios relacionados sob as verbas n.ºs 12 e 13 abrangia todo o terreno que em cada um deles se estendia até ao muro sito a nascente (resposta ao número 3 da base instrutória);
t) A área. de quintal do prédio relacionado sob a verba n.º 12, tendo como limite, a nascente, um muro que aí existia, é de 390 m2 (resposta ao número 1 da base instrutória);
u) A área de quintal do prédio relacionado sob a verba n.º 13, tendo como limite, a nascente, um muro que aí existia, é de 337 m2 (resposta ao número 2 da base instrutória);
u) A área de quintal do prédio relacionado sob a verba n.º 13, tendo como limite, a nascente, um muro que aí existia, é de 337 m2 (resposta ao número 2 da base instrutória);
v) Após o trânsito em julgado da sentença referida em q) o réu D
derrubou o muro referido em r) (resposta ao número 3-A);
x) Em 04.05.99, os autores requereram, no processo de inventário referido em a), a emenda da partilha na parte respeitante à descrição dos prédios identificados sob as verbas n.ºs 12 e 13, alegando, para o efeito, ter ocorrido um erro de facto na descrição dos referidos prédio, no tocante a áreas e confrontações, pois as áreas reais dos quintais dos aludidos prédios não correspondiam às constantes da descrição, na medida em que O logradouro afecto a quintal do prédio descrito sob a verba n.º13 não tinha a área de 100 m2, mas sim a de 337 m2, e o afecto a quintal da verba n.º 12 não tinha a área de 100 m2, mas sim a de 637 m2, referindo, ainda que as reais identificações físicas dos prédios, suas demarcações e respectivo valor sempre foram do conhecimento de todos os interessados, antes, no acto e após a conferência de interessados (documento de fls. 130 a 132 do processo de inventário);

z) Os réus D e E, notificados do requerimento referido em x), opuseram-se à pretensão dos autores (documento de fls. 141 e 142 do processo de inventários);
a') os autores só se aperceberam que a área de quintal de cada um dos prédios descritos sob as verbas n.s 12 e 13 que constava do processo identificado em a) não correspondia à área de terreno que em cada um deles se estendia até ao muro sito a nascente aquando do facto referido em v) (resposta ao número 7-A da base instrutória);
b') os autores tiveram conhecimento que os prédios relacionados sob as verbas n.ºs 12 e 13 estavam descritos no processo referido na alínea a) como tendo cada um deles a área de 100 m2 em data anterior à da conferência de interessados (resposta ao número 4 da base instrutória);
c') A presente acção deu entrada na secretaria judicial deste tribunal no dia 27.10.99
( alínea P) dos factos assentes ).
Como se disse, a Relação alterou a resposta ao quesito 4° da forma que se disse e agora se repete.
"Os AA tiveram conhecimento que os prédios relacionados sob as verbas 12 e 13 estavam descritos no processo referido na alínea a) como tendo cada um deles a área de 1 00m2 em data anterior à da conferência de interessados, mais propriamente com a notificação efectuada em 08/07/98 (escreveu-se 08/07/03, mas pretendia escrever-se 08/07/98), na pessoa do Dr . G, que então representava, entre outros, os ora AA, da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal" .
Questões postas.

As questões postas no recurso encontram-se muito bem explicitadas nas conclusões das alegações dos recorrentes, não carecendo de qualquer nova enunciação.
Elas têm a ver com a tempestividade da presente acção e com a presença ou 1110 dos requisitos substanciais da sua procedência.

A) Tempestividade.

Os AA pretenderam proceder à emenda da partilha no próprio processo de inventário, em 04/05/99, portanto, quando já estava proferida sentença homologatória da partilha, no quadro do art. 1386, nº 1 do CC, ou seja, Ror acordo. Como os RR aqui recorrentes a tal se opuseram, não houve acordo, frustrando-se a via do art. 1386 para a emenda da partilha. Isto consta dos autos, para onde se remete;
Esta (supõe-se) a razão de os M terem, em 27/10/99, intentado a presente acção de emendada da partilha. agora ao abrigo do disposto no art. 1387 do mesmo CC.
Reza este preceito, quanto ao prazo de propositura da acção de emenda da partilha: deve a acção ser proposta dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.
A sentença homologatória é de 29/01/99.
E quando tiveram os AA conhecimento do erro?
Esclarece-nos a resposta dada ao quesito 7-A da base instrutória, de que se destacam em "bold" os trechos relevantes: "os AA só se aperceberam que a área do quintal de cada um dos prédios descritos sob as verbas nos 12 e 13, que constava do processo [ de inventário }, não correspondia à área de terreno que em cada um deles se estendia até ao muro sito a nascente [ que era o muro de separação entre os prédios das verbas 12 e 13, adjudicados aos AA, e o do prédio da verba 10, adjudicado aos aqui RR recorrentes] aquando do facto referido em v) [ou seja: quando, já após o trânsito em julgado da sentença, o Réu D derrubou esse muro, que existia a nascente do prédio da verba 10, que lhe foi adjudicado e que por ai o separava dos prédios 12 e 13, adjudicados aos aqui M].
Portanto, os AA tiveram conhecimento do erro ( divergência das áreas dos quintais, entre o que consta do processo e a realidade) depois da sentença homologatória da partilha ( e até mesmo depois do seu trânsito em julgado ). Satisfeito assim o segundo requisito temporal do art. 1387, nº 1 do CC.

E propuseram a acção dentro do prazo de um ano após o conhecimento do erro (primeiro requisito temporal do mesmo preceito legal)?
Decerto que sim.
De facto, se os AA tiveram conhecimento do erro quando, já após transitada a sentença, o D derrubou o muro, isso ocorreu necessariamente depois de 29/01/99 ( data da sentença).
Intentada a acção em 27/10/99, ela foi-o dentro do prazo de um ano após os AA terem conhecimento do erro.
Os recorrentes sustentam que os AA souberam da divergência entre as áreas "em data anterior à da conferência de interessados" [que teve lugar em 17/12/98], mais propriamente "com a notificação efectuada em 08/07/98, na pessoa do Dr G, que então representava, entre outros, os ora AA, da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal" - agarram-se, assim, os recorrentes à resposta dada ao resposta ao quesito 4°, cujo âmbito foi ampliado na Relação.
Mas não é isso o que consta ou resulta da resposta ao quesito 4°.
O que da resposta ao quesito 4° consta é o já dito e explicado: "Os AA tiveram conhecimento que os prédios relacionados sob as verba! 12 e 13 estavam descritos no processo referido na alínea a) como tendo cada um deles a área de 100m2 em data anterior à da conferência de interessados, mais propriamente com a notificação efectuada em 08/07/98, na pessoa do Dr. G, que então representava, entre outros, os ora AA, da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal".
Ora, terem os AA conhecimento de que os prédios 12 e 13 estavam descritos no processo de inventário como tendo o quintal de cada um deles a área de 100m2, não é o mesmo que dizer terem os AA conhecimento de que a área indicada no processo era diferente da área real. Os AA sabiam quiseram as áreas que constavam do processo (e talvez também da matriz), mas só souberam que essas áreas eram diferentes das reais depois que o Réu D derrubou o muro que separava os prédios das verbas 12 e 13 do prédio da verba 10.
As áreas dos quintais, constantes das descrições de bens, eram as constantes da matriz (confrontar as certidões matriciais dos art. 129 e 130, juntas aos autos). Como frequentemente sucede nos inventários, relacionam-se os bens com as áreas constantes da matriz. Sendo que, muito frequentemente, as áreas constantes da matriz não coincidem com as áreas reais.
Os AA sabiam que as áreas dos quintais constantes do processo eram de 100m2 cada um. Mas, só souberam esses quintais tinham áreas diferentes das constantes do processo (e da matriz) quando, já transitada a sentença, o Réu D derrubou o muro que separava aqueles prédios, adjudicados aos AA, do prédio da verba 10, adjudicado ao dito réu D e mulher .
Portanto, a acção foi proposta em tempo.
Não violados os prazos de propositura da acção, do art. 1387, nº1 do CC.
B) Requisitos substantivos.
Vejamos quais os requisitos substantivos da emenda da partilha, no quadro do art. 1386 do CC, e renovados no artigo se~te: erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
Dizem os recorrentes que a acção nunca poderia proceder porque os AA não provaram (nem alegaram sequer) os requisitos do erro relevante como vicio da vontade, fixados nos art. 247 e seguintes do CC, e que os art. 1386 e 1387 do C PC não dispensam como fundamento da emenda da partilha - a saber: a essencialidade ou causalidade, a propriedade e a escusabilidade ou desculpabilidade.
Mas não é assim.
As características do erro relevante como vício da vontade (chamado erro-vício ou erro nos motivos), que a lei aponta (art. 247 e seguintes do CC) e a doutrina desenvolve (D de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Pires de Lima e Antunes Varela, CCAnotado. Vol. I, Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. ll, HeiDrich E. Hôrster, "A Parte Geral do CC Português- Teoria Geral do Direito Ciyir', e muitos outros), são relevantes para os fins próprios do erro como vicio da vontade, ou seja: servirem de fundamento à anulabilidade do negócio: art. 252 do CC.

Ora, do que se trata nos art. 1386 e 1387 do CC não é de anular acto nenhum, mas de emendar uma partilha com fundamento em erro, sendo que o princípio dominante em sede de emenda da partilha é o da manutenção ou conservação na medida do possível do acto a emendar (cf. Capelo de Sousa, ob. loc. cit.). E para a emenda basta que tenha havido um erro de facto, que a lei classifica de uma de duas formas:
a) erro na descrição ou qualificação dos bens
b) qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
O erro da primeira modalidade, para justificar a emenda, não tem que ser susceptível de viciar a vontade das partes, como parece resultar da confrontação do art. 1386 do actual C PC (que já vem do C PC de 1939) com correspondente preceito do C PC de 1876: neste, falava-se de erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, ou erro de cálculo, mas não se falava em erro susceptível de viciar a vontade das partes, fórmula aditada em 1939, ao falar em "outro erro susceptível de viciar a vontade das partes). Isto, partindo da ideia de que a enunciação não é taxativa.
Tem-se entendido maioritariamente que o erro do primeiro tipo (erro de facto na descrição ou qualificação dos bens) não carece, para fundamentar emenda da partilha, de revestir as características que o tomariam relevante como erro-vício da vontade: essencialidade ou causalidade, propriedade e escusabilidade ou desculpabilidade. Basta que exista o erro, o qual opera por si, sem necessidade de outros requisitos, gerais e especiais. Assim, STJ, 12/01/73, BMJ, 223-181, RC, 28/02/79, CJ, ano IV, tomo l, 69, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II ( 1980-82), 372, nota 1197, Lopes Cardoso, Partilhas judiciais, vol. ll, 548-549; e em sentido próximo, RC, II/03/80 e 15/06/94, em C], ano V, tomo ll, 20 e BMJ], 438-566, respectivamente.
Tão só se exigirá que o erro seja "objectivo ou material", não bastando o erro subjectivo ou pessoal, conforme anotava Elias da Costa no seu "Pequeno Guia do Processo de Inventário" (1979, p. 68).
Isolada temos a posição de Vaz Serra, que, em anotação ao acórdão do STJ de 12/01/73 (RU, ano 107-40), considera que qualquer tipo de erro de facto carece, mesmo que para efeitos de simples emenda da partilha, da presença dos requisitos que a lei põe para a anulabilidade do acto ou negócio em geral.
Mas não parece assim, salvo o devido e muito respeito.
A emenda da partilha pode ter lugar por um de dois meios: por acordo dos interessados, portanto como incidente do próprio processo de inventário (art. 1386 do C PC); ou, na falta de acordo, em acção própria, de emenda da partilha, acção que será dependência do processo de inventário (art. 1387 do C PC).
Há naturalmente uma terceira via: anulação da partilha, com fundamento em erro-vicio da vontade (Lopes Cardoso, 545; RC, 11/03/80). Neste último caso, não restam dúvidas que o erro, para ser relevante e conduzir ao efeito próprio, que é a anulação da partilha, tem de revestir as características referidas, pois só esse erro tem esse efeito: anulação do acto ou negócio.
Mas, no nosso caso, em que o que se pretende é uma simples emenda da partilha ( ou nem tanto, como mais abaixo se dirá), não é preciso que o erro revista aqueles requisitos, precisamente porque não está pedida a anulação de nada: o erro não foi erro nos motivos, não viciou a vontade. Conforme se anotou na Relação, todos os interessados tinham conhecimento de que os quintais dos dois prédios em causa abrangiam todo o terreno que se estendia até ao muro de suporte, que, a nascente, os separava do prédio da verba 10, adjudicado ao réu D e mulher. A área de cada quintal, segundo as matrizes. era de 100m2, áreas que os AA verificaram não corresponderem à realidade quando, já após o trânsito em julgado da sentença homologatória, o dito Réu D derrubou o muro. Verificaram então que as áreas dos quintais eram outras: 337m2 e 390m2.
Note-se que a lei, ao permitir a emenda da partilha, é expressa em dizer que a possibilidade de emenda não prejudica a possibilidade de rectificação de erros materiais: art. 1386, n"2 e 667 do C PC - e para esta nunca se exigiram os requisitos do erro-vício da vontade.
Na presente acção, os AA nem estão, substancialmente, a pedir a emenda da partilha, mas sim e apenas a emenda da descrições feita no inventário de dois prédios quanto às áreas dos respectivos quintais, que não são as que constam da relação, da descrição e do mapa, mas outras, devidamente demonstradas na acção.
Só que a rectificação dessas áreas, que não foi possível em incidente de emenda da partilha por acordo, precisamente por falta de acordo, também o não seria, pela mesma razão, em simples expediente de rectificação.

Também esta constatação ( o que afinal se pretende não é emendar a partilha mas a descrição - como resulta evidenciado da formulação do segundo pedido: verem os RR rectificadas no título as descrições daquelas verbas) parece reforçar a nossa ideia de que, para a simples emendada partilha com fundamento em erro (pelo menos na forma de erro na descrição ou na qualificação dos bens), em nada interessam os requisitos da relevância do erro para a anulação do actuou negócio viciado: de facto, nunca se alegou que os AA não teriam outorgado na partilha (não teriam aceite a partilha como o foi) se soubessem da divergência entre as áreas reais e as constantes do processo de inventário (e da matriz). Nunca se disse que o erro viciou a vontade de alguém, na forma como a partilha foi feita.
Isto que dizer que, ao fim e ao cabo, no nosso caso do que se trata é menos do que uma emenda da partilha. É uma simples emenda da descrição. Onde consta uma certa área, deve constar outra área. Em tudo o mais, designadamente na partilha (adjudicação em concreto dos bens descritos) tudo deve ficar na mesma. Este resultado poderia obter-se através de um pedido de rectificação, mas, se os RR se opuseram à emenda por acordo, também se oporiam à rectificação, porque o objecto de uma e outra era afinal o mesmo. Ora, o erro está provado: respostas aos quesitos 1, 2, 2-A, 3, 7-A da base instrutória, acima descritas.
O nosso caso é também um menos em relação ao que foi decidido por este STJ em 12/01 n.º 3. Porque, no nosso caso, o erro, que é um erro de facto na descrição dos bens, não viciou a vontade das partes: nem os AA dizem que só outorgaram a partilha por pensarem que os quintais tinham as áreas de 390m2 e de 337m2 (e por isso não pedem a anulação da partilha), nem dizem os RR que só outorgaram na partilha por pensarem que os quintais tinham 100m2 de área cada um.
Ninguém pretende a anulação da partilha. Os AA apenas pretendem a correcção das áreas dos quintais constantes dos prédios descritos sob as verbas 12 e 13 da. descrição, que lhe foram adjudicados, A emenda é apenas da descrição, em tudo o mais devendo ficar intocada a partilha, designadamente no que toca às adjudicações.
Para quê alegar. então que o erro foi essencial ou causal e escusável ou desculpável, se não se pretende a anulação de nada? Aliás, a desculpabilidade pode resultar do que quanto a áreas consta da matriz. No nosso caso, não há verdadeiramente uma emenda da partilha, mas uma emenda ( ou rectificação) da descrição dos bens, quanto às áreas dos quintais de dois bens imóveis. Por isso, embora no nosso caso o que os AA afinal pretendem seja menos do que a emenda da partilha, isto é, menos do que o objecto próprio da acção intentada, o meio processual usado (que não está aqui posto em questão) acaba por ser adequado ao fim tido em vista, porque fracassaram os meios mais adequados e expeditos: o meio processual usado, e nunca questionado, também tem o efeito pretendido.
A emenda da partilha (neste caso limitada à emenda ou rectificação das áreas dos quintais) pode ter relevante interesse para os AA, por exemplo para averbamento das áreas correctas à descrição predial (rectificação das descrições quanto às áreas dos quintais ): a alteração para mais da área de um prédio registado carece do acordo dos proprietários dos prédios confinantes - acordo que neste caso falta, visto um dos proprietários confinantes ser o Réu D, e acordo cuja falta se está afinal a pretender suprir através da presente acção.
Não foram violados os art. 1386 e 1387 do C PC, no que concerne aos requisitos do erro.
Decisão.
Pelo exposto, acordam em negar a revista, condenado os recorrentes nas custas.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2004
Reis Figueira
Barros Caldeira
Moreira Alves (dispensei o visto).