Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23290/19.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA COM VISTA À FUTURA ADOÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PATERNIDADE BIOLÓGICA
LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
REQUISITOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
ADOÇÃO
PROGENITOR
FILIAÇÃO
SUBSIDIARIEDADE
PODERES DE COGNIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A interpretação da norma do artigo 1978.º do CC, em conjugação com os princípios elencados no artigo 4.º e o disposto noutras normas relevantes da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aponta, sem margem para dúvidas, para que a medida de confiança com vista à adopção prevista naquele preceito só possa ser aplicada quando é comprovadamente impossível a aplicação de medidas menos drásticas, designadamente porque se frustraram as tentativas de criação ou de manutenção dos vínculos próprios da filiação entre a criança e os seus pais biológicos.

II. Antes de ter sido dada uma oportunidade razoável ao estabelecimento dos vínculos afectivos próprios da filiação entre a criança e o seu pai biológico, não pode o direito fundamental da criança ao conhecimento e ao contacto com o seu pai biológico ser sacrificado nem pode o direito fundamental do seu pai biológico à constituição de uma família ser postergado.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1. O Ministério Público instaurou, em 7 de Novembro de 2019, o presente processo judicial de promoção de direitos e protecção, em benefício de menor, recém-nascido do sexo masculino, então não identificado e internado na Unidade de Neonatologia do Hospital ..., em ....

Alega para o efeito que, no dia .../.../2019, cerca das 19.00, deu entrada naquela unidade hospitalar, um recém-nascido do sexo masculino, com uma parte do cordão umbilical.

A equipa médica que o observou no serviço de urgência, considerou que o nascimento teria ocorrido poucas horas antes, provavelmente seis horas, e a sua idade gestacional seria superior a 36 semanas.

A criança foi conduzida para o Serviço de Neonatologia do Hospital  ... após ter sido localizada, naquele dia .../.../2019, cerca das 18.00, num ecoponto com terra circundante, despido e com hipotermia.

A identidade dos pais era desconhecida.

Se não tivesse sido conduzido de imediato ao hospital, onde recebeu os cuidados de saúde de que necessitava, a criança não teria sobrevivido.

Por se desconhecer a identidade dos pais não foi possível fazer intervir uma CPCJ.

Pelas mesmas razões não foi possível avaliar a situação vivencial de outros familiares que pudessem vir a acolhê-lo.

Estava em perigo a saúde e o desenvolvimento da criança, em caso de não acolhimento, após alta clínica, pelo que se impunha que lhe fosse aplicada a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, para que beneficiasse dos cuidados de que necessitava.

2. No dia 8 de Novembro de 2019 foi proferida decisão provisória, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

Face ao exposto e ao abrigo das normas legais citadas, conjugadas com o artigo 92.º, da LPCJP, decido:

a) Confirmar o procedimento de urgência de internamento no Hospital;

b) Aplicar a favor do bebé, nascido no dia .../.../2019, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, por 2 (dois) meses, a designar logo que o bebé tenha alta clínica no Estabelecimentos Hospitalar, sem prejuízo da sua alteração em momento anterior logo que seja viável a sua confiança efectiva a um núcleo familiar”.

3. No mesmo dia foi validada a transferência da criança para a Unidade de Cuidados Intermédios da Maternidade ..., em ....

4. No dia 12 de Novembro de 2019 foi proferida decisão da qual consta, além do mais, o seguinte:

No caso concreto, atenta a idade do menor, é essencial para o seu desenvolvimento a vinculação em ambiente familiar, sendo de evitar, na medida do possível qualquer forma de institucionalização.

Deste modo, a medida sugerida pela Santa Casa da Misericórdia é aquela que se mostra conforme com o superior interesse do bebé, acautelando o respeito pelos princípios orientadores da intervenção, mormente o da prevalência de ambiente familiar, estatuído na alínea h) do nº4 da LPCJP.

O casal escolhido não se propôs a acolhimento, apenas e na sequência da notícia amplamente divulgada na comunicação social, quanto às circunstâncias adversas do nascimento deste bebé. Fê-lo muitos meses antes, tendo-se candidatado, sido avaliado e selecionado para acolher no seio da sua família, uma criança que carecesse de tal apoio.

Em face do exposto, afigura-se-nos estarem reunidas condições para tal, pelo que nos termos do disposto no artigo 35º alínea e), e artigo 62º, nº2 da LPCJP, se altera a medida de proteção aplicada de acolhimento residencial, para a medida de acolhimento familiar, a concretizar junto do agregado familiar composto por BB e CC.

Notifique e comunique, com máxima urgência”.

5. No dia 20 de Novembro de 2019 foi proferida a seguinte decisão:

Veio a Exma. Sra. Directora Coordenadora do Serviço Social junto da ... requerer esclarecimentos atinentes ao registo de nascimento do bebé recém nascido.

Resulta dos autos que o bebé depois de ter sido encontrado em estado de “exposição”, foi conduzido ao Hospital ..., onde recebeu assistência médica, tendo sido seguidamente transferido para a ..., onde ainda se encontra.

Esta situação subsume-se, pelo menos em abstracto, ao disposto nos artigos 105º a 108º do Código de Registo Civil.

Contudo, nada obsta que tal registo seja efetuado pela Direção do Estabelecimento Hospitalar onde se encontra, nos termos previstos na alínea c) do artigo 97º do mesmo Código de Registo Civil.

Sugere-se assim que o registo do nacimento com as informações de que se dispõe relativamente à data do mesmo, poderá ser feita pelo próprio Hospital, apenas com determinação de um nome próprio, sem qualquer menção de maternidade ou paternidade, uma vez que pese embora haja divulgação pela comunicação social da identificação da progenitora certo é que a estes autos nada foi até ao presente momento comunicado, que permita o averbamento ou declaração de menção de filiação.

Informe em conformidade”.

6. No dia 7 de Fevereiro de 2020 foi proferido despacho do qual consta, além do mais, o seguinte:

Em face da informação de que a criança está bem integrada a evoluir favoravelmente, junto da família de acolhimento que lhe prestar cuidados, recebendo atenção individualizada e afeto com acompanhamento próximo e permanente da estrutura de acolhimento familiar, entendo continuar a manter-se adequada a medida de acolhimento familiar, nos moldes em que tem vindo a ser executada, por mais três meses, nos termos do disposto no art. 62º, nº 3, al. c) da LPCJP, o que se determina. Notifique”.

7. No dia 15 de Maio de 2020 foi proferido despacho do qual consta, além do mais, o seguinte:

Desde 12 de novembro de 2019, a criança DD encontra-se protegida pela medida de promoção e proteção de acolhimento familiar, a título provisório, a qual foi revista e mantida 07-02-2020.

Não foi ainda possível definir um projeto de vida para esta criança, relativamente à qual, em primeira linha, foi necessário assegurar a sobrevivência e bem estar, bem como confirmar a identidade da família de origem, atentas as condições em que o mesmo foi encontrado e acolhido.

Deste modo, até ao presente momento, não se alteraram os pressupostos que determinaram a aplicação, a título provisório, da medida de promoção e proteção de acolhimento familiar, pelo que, ao abrigo das normas conjugadas dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 34.º, 35.º n.º 1 alínea e), 37.º, n.º 3 e 62.º, n.º 3, alínea c), todos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de setembro, renovo a prorrogação, a título cautelar e provisório, por mais 3 meses, da medida de promoção e proteção de acolhimento familiar, aplicada em benefício do menor “DD””.

8. No dia 10 de maio de 2021 foi proferido despacho do qual consta, além do mais, o seguinte:

Encontra-se já definida a filiação do menor DD, tendo o mesmo sido perfilhado por AA.

(...)

Para audição dos progenitores e da técnica da EATTL gestora do processo, bem como para celebração de eventual acordo, nos termos do disposto no art. 112º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de setembro, designo o dia 27 de Maio de 2021, às 13h. 30m.

Até à data designada para audição agora designada, e a título de revisão da medida, a criança manter-se-á aos cuidados da sua família de acolhimentos, porquanto de acordo com o relatório da EATTL que antecede, a prestação de cuidados por esta prestada tem vindo a mostrar-se ajustada às necessidades do bebé e muito benéfica para o mesmo”.

9. A fls. 111 encontra-se cópia do assento de nascimento do menor, lavrado a 21 de Novembro de 2019, do qual consta, além do mais, o seguinte:

Nome: DD

***

Apelidos:

***

Sexo: Masculino

***

Hora e data do nascimento: dia ... de 2019

***

(...)

Averbamento n.º 1, de 2020-03-04

A mãe é EE, solteira, nascida a .../.../1996, de nacionalidade ... (...).

***

Averbamento n.º 2, de 2021-05-04

O pai é AA, de 30 anos de idade, solteiro, natural de ..., ... de nacionalidade portuguesa (...)”.

10. Na diligência destinada à audição de progenitores e acordo de promoção e protecção realizada no dia 27 de Maio de 2021, e a que se reporta a acta de fls. 204-206, à qual apenas compareceu a progenitora, celebrado o seguinte acordo:

ACORDO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO

Ao menor DD, nascido a .../.../2019, é aplicada a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, ficando colocado sob a guarda de família de acolhimento (onde se encontra atualmente) - art. 35.º, n.º 1 al. g) da L. P. C. J. P.

A medida terá a duração necessária até ser decretada a adopção do menor e não está sujeita a revisão”.

11. Na diligência de audição do progenitor, realizada no dia 28 de Maio de 2021, e a que se reporta a acta de fls. 208-209, o pai declarou pretender ficar com o filho, opondo-se à medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.

12. Foram notificados os progenitores e o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 114.º, n.ºs 1 e 2, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (de ora em diante: LPCJP).

O Ministério Público apresentou alegações, concluindo assim:

Mostram-se, assim, preenchidas as condições objectivas previstas no art.º 1978º, n.º 1, al. b) e d) do Código Civil, aplicável por força do art.º 38º A da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de setembro.

Encontrando-se, pois, comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, no quadro do presente circunstancialismo, afigura-se-nos que a confiança a família de acolhimento com vista a futura adoção, é a solução que melhor acautela o futuro do DD importando, assim, que lhe seja aplicada a medida de promoção e proteção prevista no art. 35º, nº1 al. g) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de setembro”.

O progenitor apresentou alegações, concluindo assim:

A) Perante a especificidade e importância das questões suscitadas no presente processo, para avaliação da sua personalidade e capacidades cognitivas, avaliar as atitudes parentais, práticas educativas, e com o objectivo de recolher dados que permitam uma melhor compreensão quanto à capacidade parental do progenitor, requer a realização de avaliação psicológia forense do progenitor AA junto do Instituto Nacional de Medicina Legal ou de outra instituição;

B) A realização de nova visita à residência do Alegante para avaliação das melhorias que irá realizar no imóvel, que seja elaborado novo relatório social apenas no que às condições de habitalidade do imóvel diz respeito, que o mesmo seja junto ao processo e que Alegante dele possa tomar conhecimento;

C) Que lhe seja permitido conhecer o seu filho antes ou no decurso do debate judicial;

D) Caso V. Exa. decida pela medida de protecção e protecção de apoio junto do pai, que o progenitor possa beneficiar de um programa de formação visando o melhor exercício das funções parentais”.

13. Após realização de exame pericial psicológico ao progenitor realizou-se o debate judicial a que alude o artigo 114.º da LPCJP, diligência na qual foi proferida decisão, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

Pelo exposto, decide-se:

1) Aplicar a DD, nascido no dia .../.../2021, segundo registo lavrado em Assento de nascimento com o nº 15460 de 2019, da Conservatória de Registo Civil ..., a medida de confiança a família de acolhimento com vista a futura adoção.

2) Tal medida será executada na família de acolhimento onde o menor já se encontra.

3) Nos termos do artigo 62.º-A, 3 e 4, da LPCJP, nomeia-se curador provisório do menor a mãe de Acolhimento, que exercerá funções até ser decretada a adoção.

4) Declarar nos termos do disposto no artigo 1978º-A do Código Civil, os progenitores EE e AA inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativas à criança.

5) Proibir as visitas por parte da família biológica (artigo 62º - A, 2 da LPCJP)”.

14. Inconformado, o progenitor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....

15. Em 8 de Fevereiro de 2022 foi proferido um Acórdão do qual consta o seguinte dispositivo:

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta ... Secção do Tribunal da Relação ..., em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a decisão recorrida”.

16. Ainda inconformado, vem agora o progenitor interpor recurso de revista, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, als. a) e b), alegando, em conclusão:

I. O acórdão recorrido ofende o disposto no artº 6º nº 1, 8º e 13º da CEDH, porque constitui uma ingerência não justificada, não proporcional nem necessária num estado de direito democrático, no âmbito de um processo judicial nem justo nem equitativo, violando a norma do artº 6º da CEDH;

II. O acórdão recorrido impede o recorrente, que é pai biológico do menor, de o conhecer fisicamente, de o ver, de o visitar, de o criar e educar, apenas porque o recorrente é pobre, e porque o recorrente só após a perícia de ADN, assumiu a paternidade, decisão ilegal e totalmente inaceitável;

III. No entanto, neste processo, e no processo-crime contra a mãe do menor foi julgado que esta não informou o recorrente, nem informou qualquer outra pessoa que estava grávida;

IV. E naturalmente o recorrente nem sabia que era o pai, pois a mãe do menor não residia com o recorrente, tinha vários namorados, vivia numa tenda na rua, dedicava-se à mendicidade e ou prostituição conforme noticias da comunicação social;

V. Quanto aos processos judiciais, temos os factos provados dados como provados e indicados no artº 5º da alegação, e os factos provados no ac. indicado no artº 31º e 33 da alegação supra, e neste caso já em relação ao processo-crime contra a mãe do menor, mas que é importante para a boa decisão da causa, tanto mais que esse acórdão é citado na decisão recorrida;

VI. O que significa que o recorrente perdeu o domínio do facto, deixou de saber da vida da mãe do menor, não sabia que ela estava grávida, nada sabia dela, que namorava com um individuo de 42 anos, e vivia de expedientes;

VII. Quando o recorrente foi confrontado com os factos dos autos – tentativa de infanticídio ou de homicídio privilegiado do menor, o recorrente agiu como qualquer cidadão de bem agiria: dispôs-se a fazer o teste de ADN, e, logo que teve conhecimento de que é o pai biológico do menor assumiu as suas responsabilidades parentais, quis conhecer o menino, quis vê-lo dispôs-se a ficar com ele a seu cargo, preparou a sua casa para o poder acolher, quis ser pai na verdadeira acepção da palavra;

VIII. O recorrente não tem culpa de a realização do teste de ADN ter demorado demasiado, na medida em que tal ocorreu por causa da pandemia COVID-19;

IX. Como é normal, não sabendo o recorrente que a mãe do menor estava grávida – como está provado nos dois processos referidos – não era exigível, nem censurável, que o recorrente perfilhasse o menor sem ter a certeza de ser o pai;

X. Foi a atitude racional, que qualquer um de nós tomaria, que os homens de bem tomariam nas mesmas circunstâncias;

XI. Tendo presente o Ac. do TEDH, caso Soares de Melo c. Portugal, acima citado, duvidas não restam que o acórdão recorrido ofende as normas do artº 6º nº 1, 8º e 13º da CEDH, por ingerência excessiva e não justificada nem proporcional ou necessária, do Estado Português – através do poder judicial – contra o recorrente e contra o seu filho;

XII. O acórdão recorrido é totalmente inadmissível numa sociedade democrática, assente nos valores comumente consagrados à luz da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e uma afronta aos seres humanos, ao conceito de família;

XIII. Uma hiperbolização do poder do Estado contra o pai do menor “DD”, além de deficiente interpretação do que são “os superiores interesses do menor”, ofendendo o direito do recorrente ao respeito pela sua vida familiar, o direito de conhecer e ver o filho, de contactar o filho e de exercer os poderes parentais;

XIV. Se o recorrente tiver dificuldades económicas cumpre ao Estado apoiar o recorrente, como o TEDH bem julgou no caso Soares de Melo c. Portugal, já citado supra;

XV. O recorrente e o seu filho têm o direito de viver e conviver um com o outro, o recorrente tem o direito de ser pai e o Estado Português tem o dever de apoiar e proteger essa relação biológica, na medida em que o recorrente nenhum mal fez ao filho, e este não é um objecto que o Estado possa dispor ao saber de discursos miríficos, pretensamente protectores das crianças, quando Portugal é dos países mais pobres da União Europeia, que recentemente apresentava uma elevada taxa de pobreza e de analfabetismo intolerável;

XVI. O menor não tem que ser impedido de conhecer o pai biológico, que nenhum mal lhe fez, que gosta da criança apesar de não conhecer fisicamente, o recorrente pode não ter muitas capacidades financeiras mas é homem de bem, é boa pessoa, trabalhador, e não tem de ser sujeito a não ver o filho, a nem saber quem é, como é;

XVII. Tendo por parâmetro o Ac. do TEDH, caso Soares de Melo c. Portugal, já citado, é fácil concluir que a decisão impugnada é totalmente ilegal e intolerável numa sociedade democrática, é uma violência contra o recorrente e contra o menor;

XVIII. E totalmente ilegal pelos fundamentos daquele Ac. do TEDH, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

XIX. O recurso de revista excepcional é o adequado, pelos factos indicados nos artºs 38º a 42º das alegações supra;

XX. O acórdão recorrido violou as normas jurídicas dos artºs 6º nº 1, 8º e 13º da CEDH, e as normas dos artºs 1978-A do C.Civil, artº 62º -A, 2 da LPCJ, artº 35º nº 1, g) 38º A, b), da mesma LPCJ e artº 62º -A da LPCJP, inter alia.

XXI. O tribunal “a quo” deveria ter interpretado as normas jurídicas indicadas na conclusão precedente no sentido de dever não inibir o recorrente do exercício as responsabilidades paternais, de dever permitir ao recorrente conhecer, ver o filho, com ele comunicar, de lhe atribuir a responsabilidade paternal;

XXII. Deve, pois, ser julgado procedente este recurso e revogado o acórdão recorrido”.

17. Veio o Ministério Público responder, formulando, a final, as seguintes conclusões:

1 – O recurso de revista excepcional apresentado não deve ser admitido, por falta de fundamento legal para a intervenção do terceiro grau de jurisdição, em face da situação de «dupla conforme» (art. 671º, nº 3 do C. Processo Civil).

2 – O recorrente não formula uma questão específica que pudesse enquadrar-se na excepção prevista no art. 672º, nº 1 a), que invoca como fundamento da revista.

3 – A amálgama de objecções à integração jurídica da matéria de facto não constitui «questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

4 – Ao insurgir-se contra a «ingerência» do Estado, o recorrente centrou-se não na criança, de quem é pai biológico, mas em si mesmo, ou seja, na privação do que entende serem os seus direitos enquanto tal.

5 - Como decorre de todo o sistema legal aplicável, incluindo as normas de direito internacional e comunitário, é o interesse da criança o centro de qualquer intervenção, o que se traduz, desde logo, no art. 3º da Convenção sobre os Diretos da Criança:

6 – Quer a Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 9º, nº 1) quer a Constituição da República Portuguesa (art. 69º) conferem legitimidade ao Estado para intervir sempre que os pais ponham em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, nos termos do art. 3º da Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo.

7 - Tal intervenção obedecerá aos princípios enumerados pelo art. 4º do mesmo diploma legal, dos quais o primeiro é o já referido interesse superior da criança, sendo esta uma criação doutrinária que nasce da ideia de alteridade e é, ela própria, fonte de direitos.

8 - A norma constante do art. 8º da Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos tem de ser lida e aplicada inserida no contexto de cada situação concreta a apreciar.

9 - O princípio da proporcionalidade encontra a sua concretização específica, no âmbito da intervenção na área do direito das crianças (quer na vertente da promoção dos direitos e protecção, quer na vertente das providências cíveis), no princípio enunciado pelo art. 4º, alínea e) da LPCJP.

10 - Dúvidas não existem de que a prova produzida aponta claramente para a verificação da inexistência de vínculos afectivos próprios da filiação entre o recorrente e o DD, o que aconteceu devido à atitude daquele ao longo de praticamente todo o período de vida da criança

11 - Durante cerca de dois anos o recorrente não contactou nem procurou contactar ou de outro modo inteirar-se da evolução do seu filho.

12 - Mesmo que se contasse apenas o período decorrido a partir da perfilhação da criança, verifica-se que apenas mês e meio depois, chamado pelo tribunal, verbalizou o seu desejo de a conhecer e aceitou a intervenção da EMAT, que até então recusara.

13 - Da verbalização à acção vai a distância que separa uma vontade projectada no futuro do exercício, ou, pelo menos, da preparação para o exercício efectivo e responsivo das responsabilidades parentais.

14 - O recorrente não dirigiu directamente ao tribunal qualquer pedido de contacto ou informação sobre o DD, mesmo após o estabelecimento da paternidade biológica.

15 – Verifica-se, pois, a circunstância constante da alínea a), (e também da alínea b)) do nº 1 do art. 1978º do C. Civil, na medida em que durante os vários meses que precederam o pedido de confiança (as alegações do Ministério Público nesse sentido estão datadas de 14-07-2021) se revelou afastamento afectivo em relação ao filho por parte do recorrente.

16 – A atitude de afastamento afectivo manifestada pelo recorrente (e pelo núcleo familiar paterno) impossibilita um juízo de prognose favorável a uma inserção tardia no agregado daquele, colocando-se esta hipótese como temerária, por não oferecer a mínima garantia de que tal afastamento, manifestado ao longo dos primeiros anos da vida da criança, não viesse a perdurar, colidindo com o seu superior interesse, por ser causador de perigo grave para o seu desenvolvimento e para a sua saúde física e mental.

17 - Não fosse a intervenção protectora do Estado, que o colocou ao cuidado da família de acolhimento, o DD poderia não ter sobrevivido e, certamente, não teria beneficiado das condições necessárias a torná-lo a criança saudável, feliz e plenamente desenvolvida que hoje é.

18 - A medida de confiança com vista a futura adopção, com a consequente inibição das responsabilidades parentais, é não só necessária mas a única que garante a prossecução do interesse do DD.

19 - Foi a inexistência de laços afectivos entre a criança e o seu pai biológico e não as circunstâncias de vida deste o fundamento essencial da aplicação da medida.

20 - Os fundamentos da inibição das responsabilidades parentais, residem na verificação de que, por razões que lhe dizem respeito, não soube o recorrente estabelecer laços afectivos com o filho, ao longo de toda a vida da criança, apesar de inexistirem obstáculos de qualquer ordem, nomeadamente provindos da autoridade do Estado, para que os mesmos fossem criados.

21 – Inexiste qualquer semelhança entre a situação em apreço e a descrita no caso Soares de Melo c. Portugal, no Acórdão do TEDH abundantemente citado nas alegações de recurso (queixa nº 72850/14, de 16-02-2016).

22 - Enquanto o TEDH observou que a decisão sob apreciação «provocou a ruptura do laço familiar», sublinhando «a existência de laços afectivos fortes» entre a mãe e as crianças, na presente situação tais laços não existem, sem que tenha sido a intervenção do Estado a obstaculizá-los.

23 - Não se verificando qualquer «ruptura do vínculo familiar», por este ser inexistente, o art. 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos não foi violado.

24 - Também não foi violada qualquer outra norma jurídica, nomeadamente as citadas pelo recorrente (arts. 6º e 13º da CEDH e LPCJP).

25 – O Acórdão recorrido apreciou e decidiu correctamente todas as questões que lhe foram colocadas, sem violação de qualquer norma jurídica comunitária ou nacional”.

18. Em 4 de Maio de 2022 o Exmo. Desembargador do Tribunal da Relação ... proferiu um despacho com o seguinte teor:

Determino a subida ao Supremo Tribunal de Justiça do recurso de revista excecional interposto por AA, uma vez que, sendo recorrível o acórdão proferido em 8 de fevereiro de 2022, o mesmo é tempestivo e foi interposto por quem legitimidade para o interpor.

A subida é imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo (arts. 35.º, n.º 1, al. g) e 124º, n.º 2, da LPCJP.

Notifique o recorrente e o Ministério Público e, após, remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.

19. Distribuído o recurso neste Supremo Tribunal, proferiu a presente Relatora, em 12.05.2022, um despacho com a seguinte teor:

Não obstante a revista ser interposta a título excepcional, cabe ao relator a quem o processo é distribuído, em cumprimento do disposto no artigo do 652.º, n.º 1, al. b), do CPC, verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento da revista.

O presente recurso é interposto no âmbito de processo judicial de promoção de direitos e protecção de criança, que se qualifica como um processo de jurisdição voluntária[1]. Cumpre, assim, desde logo, apreciar se se verifica o obstáculo referido no artigo 988.º, n.º 2, do CPC.

Esta norma tem o seguinte teor:

“Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

Quer isto dizer, como se diz no sumário do Acórdão de 30.05.2019, proferido nesta 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, que “haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista [] em função dos [] fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de 'resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade'”[2].

Verifica-se que o Tribunal recorrido se orientou por critérios de legalidade, tendo apoiado a sua decisão na interpretação de certos conceitos jurídicos como o de “interesse superior da criança” ou na aferição de certos requisitos legais como os de “adoptabilidade” impostos pela norma do artigo 1978.º, n.º 1, do CPC.

E verifica-se que o presente recurso se prende, no essencial, com a interpretação de determinadas normas jurídicas aplicáveis ao caso – das normas dos artigos 6.º, n.º 1, 8.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direito do Homem, e as normas dos artigos 1978.º-A do CC, dos artigos 62.º-A, n.º 2, 35.º n.º 1, al. g), e 38.º-A, al. b), da LPCJ (cfr., designadamente, conclusão XX das alegações de revista)[3].

Pode, assim, concluir-se que não existe o obstáculo constante de artigo 988.º, n.º 2, do CPC.

Não se encontram, por outro lado, impedimentos à admissibilidade do recurso relacionados com os requisitos gerais de recorribilidade (cfr., designadamente, artigos 629.º, n.º 1, 631.º e 638.º do CPC) nem com o requisito específico do recurso de revista (cfr. artigo 671.º, n.º 1, do CPC).

É visível, porém, que o Acórdão recorrido confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Por esta razão (dupla conforme), não se configurando a presente situação como uma das situações ressalvadas na norma (em que o recurso é sempre admissível), o recurso por via normal não é admissível.

Sucede que o recurso vem interposto a título excepcional, com fundamento no disposto no artigo 672.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC, pelo que há que considerar ainda a hipótese de o recurso ser admitido por via excepcional.

Pelo exposto, remetam-se os autos à Formação referida no n.º 3 do artigo 672.º do CPC para os efeitos previstos na mesma norma”.

20. Em 18.05.2022, atendendo ao manifesto interesse público do caso em apreciação, a Formação admitiu a revista por via excepcional.

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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é a de saber se, ao aplicar as medidas que aplicou, o Tribunal recorrido incorreu em violação de normas jurídicas, designadamente as indicadas pelo recorrente.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS
São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

a) Em hora não apurada, entre o dia …e .../.../2019, na via pública, em ..., nasceu o menor a quem foi dado o nome de “DD”.

b) O menor DD é filho biológico de EE e AA.

c) O DD é fruto de uma gravidez não planeada, nem vigiada.

d) A progenitora ocultou de familiares, amigos e do próprio pai biológico do menor que estava grávida, uma vez que nunca foi sua intenção ficar com a criança que viesse a nascer.

e) Aquando do nascimento do bebé DD, a progenitora colocou o recém-nascido no interior de um saco e depositou-o num contentor do lixo que se encontrava nas proximidades do local onde desenvolveu, sozinha, o trabalho de parto.

f) A partir desse momento, não mais se deslocou ao ecoponto para recolher o bebé recém-nascido, desinteressando-se sobre o seu destino.

g) Desde que nasceu até ter sido encontrado no dia .../.../2019, o recém-nascido permaneceu no interior do contentor.

h) Local onde apenas foi encontrado, no dia .../.../2019, pelas 17.30h, por terceiras pessoas.

i) Pelas 19:00h desse mesmo dia, o menor DD, ainda com uma parte do cordão umbilical, despido, sujo com terra e lixo, desidratado, com hipotermia e hipoglicemia, deu entrada no Hospital ..., em ..., onde ficou internado no Serviço de Neonatologia.

j) Se não tivesse sido localizado no ecoponto onde EE o deixou e, subsequentemente, conduzido ao hospital, o menor DD não teria sobrevivido.

l) Em face da situação de abandono em que se encontrava, por despacho judicial datado de 8 de novembro de 2019, ao menor DD foi aplicada a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, a título provisório.

m) Por despacho de 12 de novembro de 2019, a medida cautelar foi alterada para medida de acolhimento familiar.

n) Assim, desde o dia 21 de novembro de 2019 (data da alta hospitalar) que o menor DD se encontra à guarda de cuidados de família de acolhimento, que lhe tem prestado todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento.

o) A 21 de novembro de 2019, o menor foi registado na Conservatória do Registo Civil ..., sob o nome de “DD”, sem registo de paternidade ou maternidade.

p) Em 18 de fevereiro de 2020, no âmbito dos Autos de Averiguação Oficiosa da Paternidade /Maternidade nº 3905/19...., que correram termos junto da Procuradoria do Juízo de Família e Menores ..., EE perfilhou o menor DD.

q) Em 15 de abril de 2021, no âmbito dos mesmos Autos de Averiguação Oficiosa da Paternidade /Maternidade nº 3905/19...., que correram termos junto da Procuradoria do Juízo de Família e Menores ..., AA perfilhou o menor DD, na sequência da realização de teste de paternidade, datado de 26 de Fevereiro de 2021.

r) A 13 de novembro de 2019, FF, GG e HH, respetivamente, irmã, cunhado e mãe da EE, viera aos autos manifestar disponibilidade e vontade de acolher o menor no seu agregado familiar.

s) Em 2 de abril de 2020, os mesmos FF, GG e HH, vieram aos autos indicar que não mantinham já interesse em intervir no processo.

t) A família de acolhimento, onde o menor DD se encontra desde o 17º dia de vida, tem mantido, em exclusividade, todos os cuidados a prestar à criança, demonstrando competência para a assunção dos mesmos, tendo o DD sido aceite e integrado no seio da família nuclear e alargada.

u) O ambiente familiar e afetivo que encontrou junto da referida família tem permitido ao DD recuperar do trauma que envolveu o seu nascimento.

v) O DD não tem referenciação a qualquer outra pessoa que não seja do núcleo da família de acolhimento.

x) Designadamente, não tem essa referenciação junto de nenhum elemento da família de origem.

z) A progenitora reconheceu que o melhor para o filho DD era ser adotado, tendo a 27 de maio de 2021, dado o seu consentimento para a adoção da criança.

aa) Em declarações prestadas nos presentes autos a 28-05-2021, o progenitor manifestou vontade em ficar com o DD.

ab) Na mesma ocasião, declarou querer vê-lo, não querer que se chame DD e inquirido sobre de que modo o protegeria de vir a ter conhecimento sobre as circunstâncias do seu abandono no nascimento, ou ao convívio com a mãe, declarou não ter como impedir tal conhecimento.

ac) O progenitor reside com o seu pai e com um irmão mais novo.

ad) O progenitor trabalha na área da construção civil, como ... é trabalhador e com facilidade restabelece vínculo laboral, sendo que, presentemente, não se encontra a exercer atividade profissional remunerada, estando a tratar do pai, doente acamado e amputado em virtude de padecer de ....

af) Subsiste de prestação de desemprego, no valor de € 475,30, tendo sido a alternativa encontrada para poder prestar cuidados ao seu pai, que dos mesmos carece. Contudo, está certo da sua inserção no mercado de trabalho, logo que o pretenda.

ag) O progenitor mostra-se desejoso de conhecer o filho, e de adaptar a casa onde reside ao filho, embora reconheça que esta, por ora, não tem condições de habitabilidade adequadas para receber uma criança pequena.

ah) Demonstrou iniciativa de se candidatar a atribuição de habitação social e tenciona por o filho numa creche, caso lhe seja entregue durante o tempo que trabalhar.

ai) Na data em que foi ouvido, em 28 de Maio de 2021, AA declarou ter uma relação de namoro com pessoa do sexo feminino não identificada, que não mostrou vontade em colaborar com a equipa da EMAT ... que efetuou o relatório social sobre as condições de vida do progenitor.

aj) Na visita domiciliária pretendeu a EMAT realizar entrevista junto do irmão do progenitor, com quem o este reside, mas o progenitor referiu não pretender que se realizasse ainda essa entrevista, pois não tinha falado com o irmão.

al) Para além do progenitor, que tem 17 irmãos, não são conhecidos ao DD outros familiares que por si se interessem e que estejam dispostos a acolhê-lo.

am) É a família de acolhimento que lhe tem vindo a dispensar os cuidados necessários no que diz respeito à sua saúde, bem-estar e desenvolvimento físico e psíquico.

an) A família de acolhimento, pela sua transitoriedade, não é a resposta adequada para o futuro da DD, embora em face dos dois anos decorridos tenha criado laços profundos com a criança e esta com eles.

ao) EE nasceu a .../.../1996, em .../... e veio para Portugal em 2016, juntamente com o seu irmão II, integrando o agregado familiar materno, onde também já vivia a sua irmã FF, na zona de .... Tem cartão de residente válido até 2021;

ap) Em ... viveu até à data de entrada em território nacional numa Instituição, juntamente com o irmão. Questionada sobre o motivo da institucionalização, respondeu que durante o seu desenvolvimento tinha uma doença do coração e que a Mãe não tinha possibilidades económicas para aquisição de medicação;

aq) EE integrou o Agrupamento de Escolas ..., no 9º ano de escolaridade. Entretanto na sequência de discussões entre si e a sua figura materna, porque esta última exigia que EE trabalhasse, gerou-se um conflito que levou EE a abandonar a casa materna no início de 2019, tendo ido viver para casa do namorado, na ...;

ar) A progenitora EE começou a trabalhar num ... na zona do ..., onde permaneceu durante três (3) meses, tendo desistido daquelas funções porque considerou estar a ser muito pesado.".

as) Quando ouvida junto da Segurança Social, a progenitora disse que “O namorado JJ de 28 anos era ... e na altura do ... teve que sair de casa daquele, isto é, devido a questões culturais não podia estar na presença daquele, passando a pernoitar na rua, sem alternativa habitacional, tendo disso vergonha e por isso não pediu ajuda.”

at) Na altura em que se separou do namorado considera que já poderia estar grávida, mas apenas teve conhecimento da sua gravidez aos 7 meses de gestação.

au) Fez um primeiro teste na ..., no ..., e que posteriormente um segundo teste numa farmácia. Assume que, quando realizou o primeiro teste, a enfermeira deu-lhe orientações para regressar aquele serviço, mas não o fez.

av) A progenitora EE disse à Equipa da EATTL não saber a morada do seu namorado na ..., e que na altura na mesma habitação também residiam outros familiares daquele;

ax) A progenitora EE disse ter conhecido o namorado numa festa de casamento de uma amiga da sua irmã;

az) EE revelou que por estar zangada com a sua Mãe não procurou apoio junto de qualquer elemento, da sua família de origem.

aaa) Enquanto permaneceu na rua, afirmou que recorria a uma associação (unidade móvel) onde recolhia as refeições, e em cujas instalações era assegurada a sua higiene pessoal, na zona de .... Quando teve conhecimento que estava grávida, não pediu apoio;

aab) A progenitora disse que conseguia obter algum dinheiro a arrumar carros.

aac) A progenitora negou consumos de álcool ou estupefacientes.

aad) A família de origem desconhecia o facto de aquela se encontrar a viver na rua, entre junho e novembro de 2019, levando os seus familiares a acreditar que ainda vivia na casa do namorado;

aae) Pela progenitora foi dito que têm tido visitas da sua mãe e irmãos, o seu pai encontra-se em .... Tem uma tia materna que afirmou não conhecer, a residir em .... Mais disse que o namorado pretendeu visitá-la no estabelecimento prisional, e que quando teve conhecimento do nascimento do bebé, demonstrou interesse em ficar com a guarda do DD;

aaf) Ouvida pelas técnicas, antes da realização do julgamento em processo Comum Colectivo, disse que "eu queria que o menino fosse para a minha mãe para que ele não seja adotado por ninguém estou muito arrependida (sic), e não sendo possível, "o pai pode ficar com ele" (sic), acrescentando que concorda, na medida em que admite que irá ser condenada, mas que no final do cumprimento da pena, faz intenção de procurar o filho;

aag) No Estabelecimento Prisional ..., EE trabalhou na oficina de ..., tendo até ao momento um bom comportamento, sem envolvimento em conflitos com outras reclusas.

aah) Por Acórdão proferido na ... Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2021, nos autos com NUIPC 1589/19...., foi dado provimento ao recurso da decisão de 1ª Instância que condenou EE pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos Art.s 22, 23, 73, 131 e 132 n.º1 e 2 alíneas a) c) e j) do Código Penal numa pena de 9 anos de prisão, determinando a alteração da qualificação jurídica para o crime de homicídio privilegiado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 133, 73, n.º 1 al. a) e b), 22, n.º 1 e 23 n.º 1 e n.º 2, todos do Código Penal, aplicando-lhe a pena de um ano e dez meses de prisão efetiva.

aai) O progenitor AA declarou ter desejo e vontade em constituir-se como alternativa ao acolhimento do DD, expressando-o com clareza e de forma perentória.

aaj) O progenitor considera a mãe de DD, “como boa, calma (sic), não conseguindo, por isso, perceber o que sucedeu”. Pensou em visitá-la no estabelecimento prisional mas isso não chegou a acontecer.

aal) O pai reside nos ..., na ..., com o seu pai e irmão.

aam) Como meio de subsistência, informou auferir prestação por desemprego para que possa obter rendimentos e fazer face às despesas fixas, embora seja uma situação provisória pois prevê vir a ser contactado para trabalhar.

aan) Refere pagar €300,00 euros de renda mensal da habitação, que partilha com o irmão, pagando cada um €150,00.

aao) A casa tem espaço, mas não detém ainda condições de habitabilidade adequadas para um bebé, procurando obter resposta dentro do encaminhamento para habitação social

aap) Desde que foi ouvido pela primeira vez em juízo, em 28 de Maio de 2021, o pai tem solicitado para ver o filho.

aao) Houve uma visita domiciliária, previamente agendada, realizada à morada do pai, permitiu apurar que a habitação possui as condições básicas de habitabilidade, isto é, possui fornecimento de água e eletricidade, cozinha equipada com fogão e esquentador ligados a gás de botija, casa de banho com banheira e dispõe de três quartos e uma sala de estar.

aap) Um dos quartos possui duas camas individuais, estando acometido ao avô paterno, que se encontra acamado e a quem foi amputada uma perna.

aaq) Dos outros dois quartos, um deles, mobilado com duas camas individuais, é destinado ao tio paterno, o qual se encontrava no seu interior aquando da visita domiciliária.

O outro quarto é ocupado pelo pai, possuindo uma cama de casal, uma mesa de cabeceira e uma comoda, encontrando-se desorganizado, com roupa e outros pertences amontoados e bens alimentares perecíveis (como por exemplo, uma embalagem de maionese) no seu interior.

aar) Na data da primeira visita domiciliária, a sala de estar continha um único móvel, dois colchões de cama encostados à parede, que, de acordo com o pai, serão inutilizados em breve, e um tapete destinado ao culto/prática da religião muçulmana.

aas) A habitação carecia, na primeira avaliação, de limpeza, reparações estéticas, como pintura, arrumação e mobiliário adequado, tendo o pai explicado que a casa está adaptada à estadia de homens adultos e que, por esse motivo, requer remodelações, mostrando-se consciente desse facto, tendo referido que as pretende executar, de forma a adequar o espaço às necessidades de DD, estimando que, no final do verão, a habitação poderia ter outra apresentação e funcionalidade.

aat) O pai referiu na primeira entrevista que tinha uma namorada, e que esta poderia apoiá-lo nos cuidados a prestar a DD, mas que posteriormente não mostrou vontade em colaborar, pelo que não foi possível levar a cabo qualquer entrevista.

aau) A EMAT ... emitiu parecer no sentido de que: “De acordo com as diligências levadas a cabo por esta equipa, foi possível verificar que o pai mostra desejo e verbaliza vontade em constituir-se como resposta alternativa para DD. Contudo, da avaliação efetuada, é possível concluir que, presentemente, o pai se encontra desempregado, a receber prestação por desemprego, não apresenta retaguarda familiar {ainda que partilhe o domicílio e concomitantes despesas fixas com o irmão e que, pelas razões supra invocadas, não foi avaliado por esta EMAT} e reconhece que as condições habitacionais que detém, carecem de melhoramentos e remodelações, afirmando estar disposto a executá-las, em prol das necessidades de DD. Face ao exposto, somos do parecer que, no momento atual, para além de não se encontrarem reunidas as condições socioeconómicas e habitacionais para o pai assegurar os cuidados do filho, outras há que carecem de melhor avaliação, e que se prendem com fatores estruturais e relacionais -capacidade do pai para estabelecer vínculo com a criança e assumir os cuidados parentais.

Importa referir que, não existe qualquer contacto, nem estabelecimento de relação afetiva entre a díade (pai-filho), desconhecendo-se qual a responsabilidade parental do pai, pelo que se considera não se encontrarem atualmente reunidas as condições necessárias para que o pai se constitua como alternativa ao acolhimento familiar.

Salienta-se ainda que esta equipa considera que os fatores relacionais, ainda não avaliados e inexistentes, não permitem a eventual entrega, no imediato, desta criança ao pai, apenas com base nos laços de filiação/ registo de paternidade.”

aav) Do relatório psicológico realizado ao progenitor resulta que; “relativamente à sintomatologia psicopatológica, AA não apresenta sintomas de desajustamento emocional e psicológico, compatíveis com alterações significativas do ponto de vista da saúde mental.

A análise integrada da informação clínica e dos elementos disponibilizados pelo Douto Tribunal permite concluir que, no âmbito das competências parentais, o examinando apresenta crenças desajustadas face ao exercício do papel parental (e.g. valida o recurso à punição física como forma de disciplinar as crianças, admite variações significativas nas práticas parentais em função do sexo do cuidador).

Por último, identificam-se as seguintes características no âmbito do exercício da parentalidade: a) Evidencia preocupações adequadas relativamente ao desenvolvimento psicoafectivo do filho; b) Revela conseguir projetar-se em função das necessidades da criança numa perspetiva operativa; c) Manifesta disponibilidade e abertura para beneficiar de orientação/intervenção dos serviços competentes;”

aaaa) O bebé DD terá nascido com idade gestacional >36 semanas e após ter sido encontrado no Ecoponto foi encaminhado para o C..., E.P.E. ... UCI Neonatologia, de cujo relatório clínico se destaca: "hipotermia à entrada (...) desidratação e perda ponderal (...) anemia por perda (...) encontrado em ecoponto com terra circundante, despido e frio, choro gemido. [...] Activo e reactivo. Alguns tremores periféricos. (...) Vinha sujo com terra e lixo, impregnado com mecónio (correspondente às primeiras fezes de um recém-nascido no dorso e períneo (...) Vinha aquecido com cobertor. Cordão umbilical com um nó sem hemorragia." Acrescenta a observação clinica: "Corado (...) Auscultação cardíaca e pulmonar sem alterações (...) Sem malformações aparentes. (...) Boa vitalidade, choro vigoroso, irritado. Cabeça com conformação de parto vaginal, sem hematomas ou escoriações."

aaab) O progenitor decidiu recusar a intervenção da equipa da EMAT, até ter a confirmação da sua ligação biológica ao DD.

aaac) O bebé DD de forma natural revelou a sua vitalidade, pois apesar vulnerabilidades de perigo de que revestiram as primeiras horas de vida apresenta um adequado desenvolvimento psicomotor e estatuto-ponderal, de acordo com a sua faixa etária bem como uma condição de saúde estável.

aaad) O DD é descrito pelos seus cuidadores como uma "criança muito feliz, traquina, refilão" (sic), sendo saliente:

(a) a sua capacidade motora (e.g. andar, correr, agarrar objectos);

(b) gosta de olhar para as imagens de um livro, especialmente o de animais explorando os sons incorporados nas páginas, reconhece e identifica alguns objetos e compreende alguns termos (desenvolvimento sensorial percetivo);

(c) aprecia e inicia jogos vocais, começa a atribuir significados para si, reage de forma apropriada a frases curtas e ao seu nome quando chamado, repete palavras, compreende ordens simples, diz mamã e papá [dirigindo-se ao casal da família de acolhimento] e água, para além de outro vocabulário mais simples (desenvolvimento da linguagem);

(d) manifesta intenção nos seus comportamentos, inicia a compreensão da relação de causa efeito, imita ações simples e começa a revelar preferências (desenvolvimento cognitivo);

(e) demonstra interesse pelas outras crianças e gosta de brincar, responde ao estender dos braços para ser pegado ao colo (desenvolvimento social);

(f) sorri, é receptivo aos gestos de afecto e retribui (desenvolvimento emocional).

aaae) Pela médica pediatra assistente do DD, Sra. Dra KK foi lavrada a seguinte informação datada de 29 de Março de 2021 com o seguinte teor “Na qualidade de pediatra assistente, estou a acompanhar o DD no consultório privado desde Junho de 2020, a pedido dos pais de acolhimento, na sequência da ausência de seguimento por parte da Maternidade ..., devido à pandemia. O DD tem comparecido às consultas previstas no Programa de Saúde Infantil e Juvenil, ou seja, na dos 6 meses (realizada aos 7 meses), 9, 12 e 15 meses. Na primeira consulta houve que providenciar observação em Consultas de Otorrino e Cardiologia, e realizar ecografia renal-questões que estavam pendentes do período neonatal. As consultas/exames complementares de diagnóstico tiveram lugar em hospitais do SNS, e evidenciaram total normalização das alterações observadas inicialmente.

Do ponto de vista de desenvolvimento psicomotor e estaturo-ponderal, o DD tem tido um excelente desenvolvimento; andou aos 13 meses, corre, sobe escadas, gosta de livros, brinca sozinho e com os irmãos. É uma criança alegre, curiosa, ativa (como é próprio da sua idade) e com bom contacto com os adultos. Faz gracinhas, imita, diz algumas palavras. Dorme bem. Alimenta-se bem, partilhando do regime da família. Tem tido boa progressão estatura-ponderal.

Em resumo, o prognóstico é excelente (...).”

aaag) Em 17 de novembro de 2019 foi aplicada a medida de acolhimento familiar a favor do DD, que foi acolhido dias depois na família de Acolhimento.

aaah) A criança foi encaminhada para a família de acolhimento diretamente da Maternidade ..., onde se encontrava após ter sido transferida do Hospital ... em 05/11/2019, na sequência do seu abandono.

aaai) A família de acolhimento, constituída por um casal e três filhos atualmente com 23, 21 e 11 anos de idade, reuniu todas as condições para receber o DD com carinho, segurança e conforto.

aaaj) Quando o DD transitou para a família de acolhimento já tinha sido previamente registado pela equipa médica da ....

aaal) Desde a integração do DD na família de acolhimento, a família foi conhecendo a criança, os seus ritmos de sono e de alimentação, as suas necessidade e os sinais que foi dando relativamente ao seu bem estar, por forma a ajustar as respostas face a estas características. Com o passar do tempo e com a prestação de cuidados ao DD, a família foi conhecendo cada vez melhor a criança, aprendeu a ler os seus sinais, proporcionando-lhe uma resposta adequada às suas necessidades.

aaam) O casal de acolhimento foi construindo com DD uma relação caracterizada pelo afeto, confiança e segurança. O mesmo foi acontecendo em relação aos filhos do casal que, apesar de idades diferentes, se foram ligando ao DD, proporcionando-lhe atenção, carinho e participando nos seus cuidados.

aaan) DD foi criando rotinas na família de acolhimento, desenvolvendo uma progressiva estabilidade e segurança. Desde o início do acolhimento, a família tem proporcionado a DD um ambiente familiar calmo e previsível, cuidados individualizados, atenção e resposta às suas necessidades, bem como uma grande afetividade.

aaao) DD foi apresentado aos elementos da família alargada e amigos mais próximos que fazem parte da rede de apoio da família. Foi constatado pelas técnicas que a criança foi bem aceite por todas pessoas, que se têm constituído como elementos de suporte sempre que necessário.

aaap) A “mãe de acolhimento” solicitou licença parental, o que lhe permitiu prestar uma atenção individualizada ao DD e estar disponível para cuidar e acompanhar a criança. Após o término da licença, a família chegou a ponderar a possibilidade de integração de DD em equipamento de infância, no entanto, associado à situação de pandemia, acabou por optar pela sua permanência em casa com o apoio diário de uma empregada que já trabalha para a família há muitos anos.

aaaq) O DD revelou ser, desde o início, uma criança calma, que manifesta sinais de bem-estar, comunicando bem com o adulto e aderindo com facilidade aos cuidados prestados pela “mãe de acolhimento” e à relação com esta, bem como com os restantes elementos da família.

aaar) A família de acolhimento tem demonstrado em identificar e dar uma resposta adequada às necessidades específicas do DD, bem como todo o contexto de afecto, segurança e estimulação que lhe tem sido proporcionado, têm permitido ultrapassar o impacto das circunstâncias de extrema adversidade presentes nas suas primeiras horas de vida.

aaas) DD é uma criança alegre, confiante, disponível para explorar o contexto à sua volta e para desenvolver novas competências, tendo vindo a fazer as aquisições desenvolvimentais de acordo com o esperado.

aaat) O casal de acolhimento manifesta um conhecimento aprofundado do DD, que descrevem de forma muito positiva, destacando as suas qualidades e competências. Transmitem gratificação pela relação que estabelecem com o DD e referem frequentemente os aspetos positivos que a chegada de DD trouxe para toda a família.

aaau) Igual sentimento é partilhado pelos filhos do casal, que são muito presentes nos cuidados e no relacionamento com esta criança.

aaav) A nível interpessoal, DD mostra-se disponível para novos relacionamentos, discriminando, contudo, os vínculos estabelecidos na família de acolhimento, a quem está afetivamente referenciado, de outras relações exteriores à família. O ambiente estável, afetuoso e seguro presente na família de acolhimento tem-se constituído como um espaço de pertença para esta criança, fundamental para o seu bem-estar, bem como para o desenvolvimento de um sentimento de valor próprio, de confiança nos outros e no contexto que o rodeia.

aaaw) O DD tem sido uma criança saudável, que não apresenta sinais que suscitem preocupações ao nível na saúde.

aaax) Nos primeiros meses de acolhimento, foi seguido na ..., por estar" referenciado como situação de risco e o seu acompanhamento permaneceu aí até fevereiro de 2020, por ter nascido com baixo peso e com necessidade de ser avaliado em diferentes especialidades, tendo realizado todos os exames protocolados para crianças em situação de risco. Efetuou o último exame em 08.07.2020, evidenciado resultados positivos e tendo alta. Com o início da situação de pandemia, as consultas na ... deixaram de ser efetuadas e, em maio de 2020, a família de acolhimento decidiu recorrer a consulta de pediatria em consultório particular para que o DD pudesse ser devidamente acompanhado.

aaax) A primeira consulta realizou-se em 17.06.2020 e o acompanhamento mantém-se até ao presente. DD continua a ser uma criança saudável e a fazer as aquisições de desenvolvimento dentro do esperado.

aaav) DD tem feito as vacinas de acordo com o plano nacional de vacinação e ainda algumas vacinas extra-plano, por indicação médica.

O DIREITO

Como decorre do que fica dito atrás, o Tribunal a quo decidiu confirmar a decisão do Tribunal de 1.ª instância, que consistiu, no essencial, em aplicar ao DD a medida de confiança à família de acolhimento em que ele já se encontra com vista a futura adopção e, consequentemente, declarar inibidos de responsabilidades parentais os progenitores[4], bem como em proibir as visitas por parte da família biológica.

A fundamentação do Acórdão recorrido é, sem margem para dúvidas, extensa e sólida, fazendo o Tribunal a quo apelo à doutrina especializada bem como a numerosas decisões judiciais que versaram sobre situações próximas da dos presentes autos.

O percurso trilhado está bem sintetizado no sumário do Acórdão recorrido, podendo ler-se aí o seguinte:

1. O conceito indeterminado «superior interesse da criança» configura:

- uma norma de competência (norma que estabelece uma habilitação para criar normas ou decisões), ora a favor do legislador (na configuração a dar ao ordenamento), ora a favor do juiz e da administração tutelar (na construção de normas de decisão de casos concretos;

- uma norma impositiva que ordena ao juiz e à administração que, na tomada de uma decisão que respeite ao menor, não deixem nunca de recorrer (mas sempre dentro dos limites do direito aplicável e circunstâncias do caso) à ponderação dos interesses superiores do menor, ou seja, dos interesses conexos com os bens prioritários da criança (a vida, a integridade, a liberdade), no contexto dos bens e interesses relevantes no caso.

2. Em suma, por superior interesse da criança e do jovem, deve entender-se o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade.

3. Os requisitos da adotabilidade previstos no art. 1978.º, n.º 1, do Cód. Civil, são:

- a não existência ou o sério comprometimento de vínculos afetivos próprios da filiação, enquanto requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas nas várias alíneas do n.º 1, e de que há que fazer prova;

- a verificação de uma das situações taxativamente elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo, que é objetiva, no sentido em que a lei não exige a prova da culpa dos pais.

4. A noção civil de abandono prevista na al. c) do n.º 1 do art. 1978.º refere-se ao abandono de facto, segundo a noção corrente da palavra, de acordo com o qual abandono significa afastamento, desamparo, deserção, não exigindo a lei culpa dos pais nem perigo para a vida ou saúde da criança, como exige o conceito penal.

5. Para que a situação de perigo seja causa de adotabilidade da criança, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 1978.º, exige-se que ele seja grave, o que significa que a violação dos seus direitos tem de ser mais intensa ou potencialmente mais danosa.

6. Para esse efeito, perigo é a situação em que se encontra a criança que vê ameaçada a sua existência ou integridade física ou psíquica, da qual resulta a ocorrência ou eventualidade de ocorrência de danos ao seu direito à segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento.

7. O perigo ali exigido não pressupõe a efetiva lesão dos direitos da criança, sendo suficiente a existência de um perigo eminente ou provável, assente numa ideia de probabilidade, sem exigir consumação do ato lesivo ou do dano.

8. Num caso em que:

a) a mãe, que abandonou a criança, despida, num ecoponto, ato contínuo a dá-la à luz, prestou o consentimento para a sua adoção;

b) está provada a falta de condições do pai para receber a criança, atualmente com dois anos de idade, provisoriamente confiada a uma família de acolhimento com vista a adoção desde o 17.º dia de vida;

c) o progenitor, só depois de se encontrar cientificamente provada a paternidade afirmou pretender que a criança lhe fosse entregue, nunca antes tendo manifestado interesse em relação a ela;

d) o progenitor nunca teve qualquer contacto com o filho, inexistindo, por isso, qualquer vínculo afetivo entre ambos;

e) em que se afigura provável a ocorrência de perigo para a mesma em caso de entrega ao pai, dada aquela falta de condições,

não se pode entregar essa criança ao progenitor, à espera que ocorra real e grave perigo para se intervir posteriormente, quando pouco ou nada já houver a fazer.

9. Em tal caso, o superior interesse da criança impõe que seja tomada a medida de promoção e proteção consistente na sua confiança a família de acolhimento com vista à sua futura adoção”.

O recorrente insurge-se contra esta decisão, alegando que ela envolve a violação, entre outras, das normas dos artigos 6.º, n.º 1, 8.º e 13.º da CEDH, do artigo 1978.º-A do CC e dos artigos 35.º, n.º 1, al. g), 38.º-A, al. b), e 62.º-A, n.º 2, da LPCJP (cfr. conclusão XX).

Estando os poderes deste Supremo Tribunal confinados à formulação de juízos de legalidade, observe-se o que dispõe a lei com relevância para este caso – o que dispõem as normas invocadas pelo recorrente e quaisquer outras que se revelem importantes para a decisão.

1. Das normas aplicáveis

Comece-se por lembrar a norma (fundamental) do artigo 1978.º do CC, cujo teor é o seguinte:

1. O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;

b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;

c) Se os pais tiverem abandonado a criança;

d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;

e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

2. Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.

3. Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.

4. A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela”.

Segue-se-lhe a norma do artigo 1978.º-A do CC, que dispõe:

Decretada a medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, ficam os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais”.

Já na LPCJP, verifica-se que o artigo 35.º, n.º 1, al. g), elencando as medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, se refere expressamente à medida de “confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção”.

Esclarece-se no artigo 38.º-A, al. b), da LPCJP que esta medida, “aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, consiste, [designadamente] (…) na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de família de acolhimento ou de instituição com vista a futura adoção”.

Por fim, no artigo 62.º-A, da LPCJP estabelece-se:

1 - Salvo o disposto no número seguinte, a medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a adoção, dura até ser decretada a adoção e não está sujeita a revisão.

2 - A título excecional a medida é revista, nos casos em que a sua execução se revele manifestamente inviável, designadamente quando a criança atinja a idade limite para a adoção sem que o projeto adotivo tenha sido concretizado.

3 - Na sentença que aplique a medida prevista no n.º 1, o tribunal designa curador provisório à criança, o qual exerce funções até ser decretada a adoção ou instituída outra medida tutelar cível.

4 - O curador provisório é a pessoa a quem o menor tiver sido confiado.

5 - Em caso de confiança a instituição ou família de acolhimento, o curador provisório é, de preferência, quem tenha um contacto mais direto com a criança, devendo, a requerimento do organismo de segurança social ou da instituição particular autorizada a intervir em matéria de adoção, a curadoria provisória ser transferida para o candidato a adotante, logo que selecionado.

6 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, aplicada a medida prevista no n.º 1, não há lugar a visitas por parte da família biológica ou adotante.

7 - Em casos devidamente fundamentados e em função da defesa do superior interesse do adotando, podem ser autorizados contactos entre irmãos”.

Como se viu, o Tribunal a quo invocou e apoiou-se igualmente nestas normas.

A decisão centrou-se no critério do “superior interesse da criança” – conceito indeterminado que o Tribunal recorrido se esforçou por dilucidar – e nos requisitos de “adoptabilidade”, previstos no artigo 1978.º, n.º 1, do CC.

Todo o percurso trilhado denota o esforço em atingir uma solução acertada para o caso dos autos. Resta saber se ela é conforme às normas aplicáveis, na interpretação que delas se propugna.

2. Do artigo 1978.º, n.º 1, do CC, em particular

Onde imediatamente se diverge do Tribunal recorrido é na interpretação da norma do artigo 1978.º, n.º 1, do CC e, em particular, na subsunção que ele faz da situação dos autos às hipóteses previstas na als. d) e e).

Desde logo, e como se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 27.05.2021 (Proc. 2389/15.8T8PRT-D.P1.S1)[5], entende-se que a situação enunciada no proémio do n.º 1 do artigo 1978.º do CC (“quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação”) é o único pressuposto de aplicabilidade da norma, não constituindo as hipóteses taxativamente elencadas nas alíneas da norma pressupostos em sentido próprio e que possam ser encaradas como adicionais ou cumulativos.

De facto, se se atentar na técnica legislativa utilizada, as hipóteses previstas nas alíneas funcionam como situações indiciárias ou presuntivas da presença daquele pressuposto, ou seja, como as situações que o legislador considerou aptas a sinalizar ou demonstrar a presença daquele pressuposto[6].

Veja-se, em abono desta interpretação, o que afirma Estrela Chaby, em comentário à norma do artigo 1978.º do CC:

A decisão de confiança depende sempre da conclusão no sentido da inexistência ou sério compromisso dos vínculos afectivos próprios da filiação, constituindo as várias alíneas do n.º 1 situações objectivas suscetíveis de revelar aquela inexistência ou compromisso que deve, em si, ser demonstrada [7].

Na visão que se propugna, o único pressuposto da medida de confiança com vista à adopção reside, assim, na inexistência ou no sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, sendo certo que o tribunal pode aplicar a medida prevista sempre que, pela ocorrência objectiva de algumas das situações enunciadas nas subsequentes alíneas, se torne visível que não existem ou que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação[8].

Fazendo uma extensa transcrição da sentença, o Tribunal recorrido reconduziu, como se sabe, a situação dos autos a duas hipóteses previstas no artigo 1978.º do CC e aludiu ainda a uma terceira.

Conclui assim a sua fundamentação:

Mostra-se efetivamente preenchida a previsão, tanto da al. d) como da al. e) do n.º 1 do art. 1978.º do Cód. Civil, impondo o superior interesse da criança, a aplicação da medida de promoção e proteção consistente na sua confiança a família de acolhimento com vista à sua futura adoção, nos termos dos arts. 35.º, n.º 1, al. g) e 38.º-A, al. b) da LPCJP.

Isto sem que se olvide, no que à progenitora diz respeito, que esta, tendo abandonado o filho, deu, no entanto, o seu consentimento para a adoção do DD”.

Lido atentamente o Acórdão recorrido (as referências doutrinais e jurisprudenciais aí contidas e os excertos da sentença aí reproduzidos), não é possível, em boa verdade, aderir à conclusão que se atingiu aí.

Isto é assim quer se entenda (como se entende) que nenhuma das situações previstas na norma vale por si só e é necessária a inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, quer se entenda (como parece entender o Tribunal recorrido) que basta que se verifique alguma daquelas situações. Para facilitar, veja-se a situação nesta segunda perspectiva (menos exigente).

Os requisitos da medida de confiança com vista à adopção são, na hipótese da al. d), o perigo grave para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança em consequência da acção ou omissão dos pais, mesmo que por manifesta incapacidade / falta de aptidão.

Os requisitos da medida de confiança com vista à adopção são, na hipótese da al. e), o manifesto desinteresse dos pais pela criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

Ora, a verdade é que não se consegue encontrar factos que demonstrem, seja que o comportamento do pai biológico representa ou é susceptível de representar perigo grave para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança, seja que o pai biológico revela manifesto desinteresse ou carece de capacidade para assumir o papel de pai da criança.

2.1. Do perigo grave para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental (cfr. artigo 1978.º, n.º 1, al. d), do CC)

Há que esclarecer a noção de “perigo grave”, constante da al. a) do n.º 1 do artigo 1978.º do CC.

Em princípio, dir-se-ia que perigo grave é a situação em que se verifica o sério risco de lesão dos direitos da criança, designadamente dos direitos mencionados na norma.

Mas há que dar atenção ao n.º 2 do artigo 1978.º do CC que, tendo em vista ilustrar a noção, remete para as situações previstas na legislação especial respeitante à protecção e à promoção dos direitos da criança, ou seja, a LPCJP.

Adquire relevância, neste contexto, o disposto no artigo 3.º, n.º 2, da LPCJ onde pode ler-se:

Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;

e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;

g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.

h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional”.

De acordo com esta norma, entre os casos em que flagrantemente se verifica perigo grave contam-se, por acção, os casos em que os pais infligem violência, maus tratos físicos ou psíquicos ou abusos sexuais à criança ou sujeitam a criança a práticas e a comportamento desadequados[9] e, por inacção, os casos em que o abandono ou uma atitude gravemente negligente por parte dos pais deixa a criança privada da afeição ou dos cuidados necessários à salvaguarda da sua integridade física, intelectual e emocional.

É visível que nenhuma das circunstâncias descritas ocorre no caso dos autos.

Poder-se-ia argumentar, visando o disposto na al. d), que o DD está entregue, desde há algum tempo, ao cuidado de uma família de acolhimento e que, durante este tempo, não se criou uma relação afectiva entre o DD e o pai biológico.

Tendo em conta, porém, o espírito da norma, esta circunstância não pode ser ponderada de forma descontextualizada, ou seja, sem consideração pelas razões pelas quais esta relação afectiva não foi – não foi ainda – criada.

Ela não foi criada, não porque o pai biológico não queira mas por razões que são estranhas à sua vontade e que se prendem, inicialmente, com o monopólio da acção da mãe e, depois, com o monopólio da acção do Estado, ou seja, o processo a que, subsequentemente, foi sujeito o caso de DD.

Não fosse o contexto tão adverso e seria bem possível – tem de equacionar-se esta hipótese – que existisse hoje uma ligação afectiva sólida e saudável entre o pai e a criança.

Repitam-se os factos mais relevantes:

c) O DD é fruto de uma gravidez não planeada, nem vigiada.

d) A progenitora ocultou de familiares, amigos e do próprio pai biológico do menor que estava grávida, uma vez que nunca foi sua intenção ficar com a criança que viesse a nascer.

e) Aquando do nascimento do bebé DD, a progenitora colocou o recém-nascido no interior de um saco e depositou-o num contentor do lixo que se encontrava nas proximidades do local onde desenvolveu, sozinha, o trabalho de parto.

f) A partir desse momento, não mais se deslocou ao ecoponto para recolher o bebé recém-nascido, desinteressando-se sobre o seu destino.

g) Desde que nasceu até ter sido encontrado no dia .../.../2019, o recém-nascido permaneceu no interior do contentor.

h) Local onde apenas foi encontrado, no dia .../.../2019, pelas 17.30h, por terceiras pessoas.

i) Pelas 19:00h desse mesmo dia, o menor DD, ainda com uma parte do cordão umbilical, despido, sujo com terra e lixo, desidratado, com hipotermia e hipoglicemia, deu entrada no Hospital ..., em ..., onde ficou internado no Serviço de Neonatologia.

j) Se não tivesse sido localizado no ecoponto onde EE o deixou e, subsequentemente, conduzido ao hospital, o menor DD não teria sobrevivido.

l) Em face da situação de abandono em que se encontrava, por despacho judicial datado de 8 de novembro de 2019, ao menor DD foi aplicada a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, a título provisório.

m) Por despacho de 12 de novembro de 2019, a medida cautelar foi alterada para medida de acolhimento familiar.

n) Assim, desde o dia 21 de novembro de 2019 (data da alta hospitalar) que o menor DD se encontra à guarda de cuidados de família de acolhimento, que lhe tem prestado todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento.

O completo segredo em que a mãe envolveu toda a gravidez e o abandono por ela do recém-nascido nas dramáticas circunstâncias descritas impediram qualquer possibilidade de o DD ser imediatamente acolhido pelo pai biológico, como é típico e natural que um pai faça.

E o rumo que seguiu, depois, a situação nunca mais favoreceu o estabelecimento de contactos espontâneos entre pai e filho. DD foi muito cedo entregue à família que viria a ser indicada, mais tarde, para a sua adopção, o que privou pai e filho de terem uma relação que não fosse sob a égide da família e no âmbito do processo.

Além disso, há que levar em conta o aspecto mediático de que o pai de DD não poderia deixar de ter consciência e que com certeza terá causado inibições de vária ordem.

Entende-se, em suma, que DD e o pai biológico não tiveram até agora uma oportunidade razoável (com condições adequadas de espaço e de tempo) para tentar estabelecer a relação filial que seria natural que existisse.

A norma do artigo 1978.º, n.º 1, al. d) refere ainda uma hipótese que fica, também ela, claramente afastada – de manifesta incapacidade do pai biológico, designadamente devida a razões de doença mental.

Compulsando a factualidade, verifica-se que AA foi sujeito a avaliação psicológica e não se encontrou qualquer patologia. Consta aí, pelo contrário, que se apurou a vontade de AA em se adaptar e em exercer as novas responsabilidades parentais da melhor forma possível, nomeadamente aceitando a orientação ou a intervenção dos serviços competentes:

aav) Do relatório psicológico realizado ao progenitor resulta que; “relativamente à sintomatologia psicopatológica, AA não apresenta sintomas de desajustamento emocional e psicológico, compatíveis com alterações significativas do ponto de vista da saúde mental.

A análise integrada da informação clínica e dos elementos disponibilizados pelo Douto Tribunal permite concluir que, no âmbito das competências parentais, o examinando apresenta crenças desajustadas face ao exercício do papel parental (e.g. valida o recurso à punição física como forma de disciplinar as crianças, admite variações significativas nas práticas parentais em função do sexo do cuidador).

Por último, identificam-se as seguintes características no âmbito do exercício da parentalidade: a) Evidencia preocupações adequadas relativamente ao desenvolvimento psicoafectivo do filho; b) Revela conseguir projetar-se em função das necessidades da criança numa perspetiva operativa; c) Manifesta disponibilidade e abertura para beneficiar de orientação/intervenção dos serviços competentes”.

Tão-pouco parece advir perigo grave para a criança de alguma falta de condições da casa em que AA vive. Deve entender-se que só a falta de condições básicas – e a falta de condições básicas que seja insuprível – pode configurar uma situação de perigo grave para este efeito, ou seja, apta a legitimar o corte definitivo da criança com o pai biológico.

Ora, a verdade é que não há falta de condições básicas na casa de AA e muito menos uma que seja insuprível.

É verdade que as condições não são as mais adequadas para acolher uma criança, mas em que outra casa na qual fosse viver, pela primeira vez, uma criança também não seriam?

Os factos demonstram que com algumas adaptações – para as quais AA já mostrou disponibilidade e algumas das quais parecem ser supérfluas [no facto aas) fala-se em “reparações estéticas, como pintura, arrumação e mobiliário adequado”] – é possível criar aquelas condições.

Torne-se aos factos:

aao) A casa tem espaço, mas não detém ainda condições de habitabilidade adequadas para um bebé, procurando obter resposta dentro do encaminhamento para habitação social.

aao) Houve uma visita domiciliária, previamente agendada, realizada à morada do pai, permitiu apurar que a habitação possui as condições básicas de habitabilidade, isto é, possui fornecimento de água e eletricidade, cozinha equipada com fogão e esquentador ligados a gás de botija, casa de banho com banheira e dispõe de três quartos e uma sala de estar.

aap) Um dos quartos possui duas camas individuais, estando acometido ao avô paterno, que se encontra acamado e a quem foi amputada uma perna.

aaq) Dos outros dois quartos, um deles, mobilado com duas camas individuais, é destinado ao tio paterno, o qual se encontrava no seu interior aquando da visita domiciliária.

O outro quarto é ocupado pelo pai, possuindo uma cama de casal, uma mesa de cabeceira e uma comoda, encontrando-se desorganizado, com roupa e outros pertences amontoados e bens alimentares perecíveis (como por exemplo, uma embalagem de maionese) no seu interior.

aar) Na data da primeira visita domiciliária, a sala de estar continha um único móvel, dois colchões de cama encostados à parede, que, de acordo com o pai, serão inutilizados em breve, e um tapete destinado ao culto/prática da religião muçulmana.

aas) A habitação carecia, na primeira avaliação, de limpeza, reparações estéticas, como pintura, arrumação e mobiliário adequado, tendo o pai explicado que a casa está adaptada à estadia de homens adultos e que, por esse motivo, requer remodelações, mostrando-se consciente desse facto, tendo referido que as pretende executar, de forma a adequar o espaço às necessidades de DD, estimando que, no final do verão, a habitação poderia ter outra apresentação e funcionalidade.

aau) A EMAT ... emitiu parecer no sentido de que: “De acordo com as diligências levadas a cabo por esta equipa, foi possível verificar que o pai (…) reconhece que as condições habitacionais que detém, carecem de melhoramentos e remodelações, afirmando estar disposto a executá-las, em prol das necessidades de DD (…)”.

Conclui-se, assim, que as condições da casa não podem razoavelmente fundamentar a existência de perigo sério para a criança.

Pode argumentar-se que a situação sócio-económica do AA não é a mais favorável. O pai biológico de DD não é uma pessoa com uma profissão estável nem bem remunerada e, além disso, tem o encargo de cuidar do pai inválido[10].

Os factos mais relevantes são os seguintes:

ac) O progenitor reside com o seu pai e com um irmão mais novo.

ad) O progenitor trabalha na área da construção civil, como ... é trabalhador e com facilidade restabelece vínculo laboral, sendo que, presentemente, não se encontra a exercer atividade profissional remunerada, estando a tratar do pai, doente acamado e amputado em virtude de padecer de ....

af) Subsiste de prestação de desemprego, no valor de € 475,30, tendo sido a alternativa encontrada para poder prestar cuidados ao seu pai, que dos mesmos carece. Contudo, está certo da sua inserção no mercado de trabalho, logo que o pretenda.

aal) O pai reside nos ..., na ..., com o seu pai e irmão.

aam) Como meio de subsistência, informou auferir prestação por desemprego para que possa obter rendimentos e fazer face às despesas fixas, embora seja uma situação provisória pois prevê vir a ser contactado para trabalhar.

aan) Refere pagar €300,00 euros de renda mensal da habitação, que partilha com o irmão, pagando cada um €150,00.

Desejar-se-ia, evidentemente, que o DD – assim como todas as crianças que nascem todos os dias em meios sócio-económicos semelhantes – pudesse desfrutar de uma situação mais desafogada. Mas não deve sobrevalorizar-se o factor sócio-económico a não ser quando ele signifique carência de condições fundamentais para o desenvolvimento da criança.

No relatório da EMAT refere-se a situação sócio-económica de AA. Reconhece-se, todavia, que AA não deixa de assegurar o pagamento das despesas correntes e que, necessitando a cada de alguns melhoramentos / remodelações, AA já se disponibilizou a efectuá-los. Diz-se aí:

aau) A EMAT ... emitiu parecer no sentido de que: “(…) da avaliação efetuada, é possível concluir que, presentemente, o pai se encontra desempregado, a receber prestação por desemprego, não apresenta retaguarda familiar {ainda que partilhe o domicílio e concomitantes despesas fixas com o irmão (…)} e reconhece que as condições habitacionais que detém, carecem de melhoramentos e remodelações, afirmando estar disposto a executá-las, em prol das necessidades de DD. Face ao exposto, somos do parecer que, no momento atual, para além de não se encontrarem reunidas as condições socioeconómicas e habitacionais para o pai assegurar os cuidados do filho (…)”.

A propósito do factor sócio-económico, cumpre dizer que ele não legitima decisões com base comparativa. Quer dizer: o facto de a família adoptiva apresentar uma situação sócio-económica mais favorável não pode justificar, sem mais, a decisão de entrega da criança à família adoptiva, com preterição da sua família biológica.

Leia-se, com manifesta pertinência para este ponto, o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 16 de Fevereiro de 2016 (caso Soares de Melo c. Portugal, Queixa n.º 72850/14) (cfr. parágrafo 89):

O facto de uma criança poder ser acolhida num quadro mais propício à sua educação não justifica, só por si, que esta seja retirada pela força aos cuidados dos seus pais biológicos; semelhante ingerência no direito dos pais, a título do artigo 8.º da Convenção, a gozarem de uma vida familiar com o seu filho, deve ainda revelar-se “necessária” em razão de outras circunstâncias (K. e T., supra, § 173, e Kutzner, supra, § 69). Para mais, o artigo 8.º da Convenção coloca a cargo do Estado obrigações positivas inerentes ao “respeito” efetivo da vida familiar. Assim, aí onde a existência de um laço familiar está estabelecida, o Estado deve, em princípio, agir de modo a permitir a este laço desenvolver-se e adotar as medidas adequadas para reunir o parente e a criança interessados (Kutzner, supra, § 61)”.

E adiante, no parágrafo 107:

Se é verdade que, em certos casos declarados inadmissíveis pelo Tribunal, a colocação das crianças foi motivada por condições de vida não satisfatórias ou privações materiais, tal nunca foi o único motivo que serviu de fundamento à decisão dos tribunais nacionais: a estes acresciam outros elementos como as condições psíquicas dos pais ou a sua incapacidade afetiva, educativa e pedagógica (ver, por exemplo, Rampogna e Murgia c. Itália (dec.), n.º 40753/98, 11 de Maio de 1999, e M.G. e M.T.A. c. Itália (dec.), n.º 17421/02, 28 de Junho de 2005)”.

O referido artigo 8.º da CEDH consagra o direito ao respeito pela vida privada e familiar, referindo-se, em particular, à “proibição de ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros”.

Por fim, veja-se um último argumento utilizado pelo Tribunal recorrido para fundamentar a existência de perigo grave para a criança.

Destaca o Tribunal recorrido o facto seguinte:

ab) Na mesma ocasião, [] inquirido sobre de que modo o protegeria de vir a ter conhecimento sobre as circunstâncias do seu abandono no nascimento, ou ao convívio com a mãe, [AA] declarou não ter como impedir tal conhecimento.

Não se dá, porém, neste facto o significado que lhe deu o Tribunal recorrido.

Encara-se a declaração de AA como a declaração honesta de alguém que, com realismo, assume que não tem a possibilidade de assegurar que o filho nunca conhecerá as suas origens ou tentará contactar a mãe biológica. Nenhuma pessoa colocada na posição de AA poderia, em honestidade, assumir outra coisa. O caso do DD esteve exposto a tal cobertura mediática que é natural que, pelo menos na fase da adolescência, e mesmo involuntariamente, ele se depare com alguma notícia, o que pode despertar a vontade de estabelecer contactos.

Deve dizer-se ainda que, se isso acontecer, não impedir o DD é a única atitude possível em respeito aos seus direitos fundamentais, designadamente o direito à identidade pessoal, o direito à integridade pessoal e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade[11]. Por mais traumático que possa ser para DD, e por isso haja a tentação de o evitar, não há como recusar que ele tem o direito de procurar, se quiser, as suas raízes, de conhecer, se quiser, as suas origens – tem o direito de saber quem é e saber quem é exige saber de onde veio (e em que circunstâncias). Ninguém deve poder impedi-lo de exercer este direito.

2.2. Do manifesto desinteresse em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação [cfr. artigo 1978.º, n.º 1, al. e), do CC]

Quanto ao manifesto desinteresse do pai biológico, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos, ele é ostensivamente contraditado pelos factos. Aquilo que se verifica, pelo contrário, é que, desde que soube que é o pai de DD, AA tem manifestado um interesse forte, categórico e persistente em conhecer e se aproximar de DD.

Relembrem-se os factos mais relevantes para este efeito:

q) Em 15 de abril de 2021, no âmbito dos mesmos Autos de Averiguação Oficiosa da Paternidade /Maternidade nº 3905/19...., que correram termos junto da Procuradoria do Juízo de Família e Menores ..., AA perfilhou o menor DD, na sequência da realização de teste de paternidade, datado de 26 de Fevereiro de 2021.

aa) Em declarações prestadas nos presentes autos a 28-05-2021, o progenitor manifestou vontade em ficar com o DD.

ab) Na mesma ocasião, declarou querer vê-lo [].

ag) O progenitor mostra-se desejoso de conhecer o filho, e de adaptar a casa onde reside ao filho, embora reconheça que esta, por ora, não tem condições de habitabilidade adequadas para receber uma criança pequena.

ah) Demonstrou iniciativa de se candidatar a atribuição de habitação social e tenciona por o filho numa creche, caso lhe seja entregue durante o tempo que trabalhar.

aai) O progenitor AA declarou ter desejo e vontade em constituir-se como alternativa ao acolhimento do DD, expressando-o com clareza e de forma perentória.

aap) Desde que foi ouvido pela primeira vez em juízo, em 28 de Maio de 2021, o pai tem solicitado para ver o filho.

aau) A EMAT ... emitiu parecer no sentido de que: “De acordo com as diligências levadas a cabo por esta equipa, foi possível verificar que o pai mostra desejo e verbaliza vontade em constituir-se como resposta alternativa para DD (…)”.

Para sustentar o manifesto desinteresse de AA, o Tribunal recorrido valoriza, em particular, o seguinte facto:

aaab) O progenitor decidiu recusar a intervenção da equipa da EMAT, até ter a confirmação da sua ligação biológica ao DD.

O facto não pode, contudo, ser decisivo para criar a convicção de manifesto desinteresse do pai biológico. Desde logo, o manifesto desinteresse sempre seria contrariado pelos factos subsequentes ou, pelo menos, reduzido a um desinteresse meramente temporário, a uma hesitação que não pode ser vista fora de contexto. Depois, há, pelo menos, duas possibilidades alternativas de interpretar aquele facto. Qualquer destas possibilidades é mais plausível do que a hipótese do manifesto desinteresse, que – repita-se – sempre seria contrariado pelos factos subsequentes.

A primeira possibilidade é a de AA, como qualquer pessoa que se esforce por ser e permanecer razoável e sensata em todas as situações, não ter querido agir precipitadamente. Repare-se que o início de uma ligação afectiva não era de todo inconsequente no plano emocional, nem para AA nem para DD, e poderia ser desastrosa caso se concluísse não existir ligação biológica entre os dois.

A segunda possibilidade é a de, como tantas outras pessoas, o AA ter ficado desorientado e necessitar de algum tempo e de alguma tranquilidade para encontrar a melhor forma de agir.

Tenha-se presente, em qualquer caso, o quadro circunstancial em que se encontrava AA: uma pessoa que se viu, de repente, envolvida num caso que apresentava uma considerável carga dramática e que escandalizou a opinião pública, e que sentiria, seguramente, a pressão de uma contínua atenção mediática.

2.3. A referência ao consentimento prévio da mãe para a adopção [com eventual relevância para o artigo 1978.º. n.º 1, al. b), do CC]

Como se viu, na parte final da fundamentação do Acórdão recorrido, faz-se ainda uma referência ao facto de que, “no que à progenitora diz respeito, [] esta, tendo abandonado o filho, deu, no entanto, o seu consentimento para a adoção do DD”, no que parece consubstanciar uma alusão implícita à hipótese prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 1978.º do CC.

O facto, que consta da factualidade provada [cfr. facto z)], é exclusivamente atinente à mãe e por isso tem de ser irrelevante para a definição da posição jurídica do pai. Seria patentemente injusto que da conduta da mãe se retirassem consequências para definir a situação do pai em relação à criança – que se penalizasse o pai pela conduta censurável da mãe ou se legitimasse, porque consentida pela mãe, a aplicação de medidas que (também) envolvem o sacrifício ou a limitação dos direitos do pai.

3. Dos princípios orientadores da intervenção para a promoção e protecção da criança (cfr. artigo 4.º da LPCJP)

Chegados aqui, começa a formar-se a convicção de que talvez as medidas aplicadas ao caso dos autos sejam, porque irreversíveis, demasiado duras ou demasiado drásticas – não sejam, vendo bem, as que melhor satisfaçam os interesses do DD.

Perpassa, com efeito, uma impressão de algum imediatismo, de uma certa urgência na resolução da situação do DD.

Esta urgência é compreensível até certo ponto, atendendo à fragilidade da situação a que DD foi abandonado pela mãe, mas está também, com certeza, relacionada com os contornos dramáticos do caso e com a pressão mediática que o envolve.

Seja como for, esta urgência não justifica que se “queimem etapas”, preferindo-se medidas definitivas apenas porque as soluções intermédias demoram tempo a ser experimentadas e estão sujeitas ao risco de fracassar. Os direitos de todas as pessoas envolvidas (que não apenas a criança) e os interesse de ordem pública não se compadecem com a celeridade excessiva e obrigam a séria reflexão.

Deve recordar-se que toda a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem de ser ponderada de acordo com certos princípios – os princípios orientadores da intervenção impostos pelo artigo 4.º da LPCJP.

Dispõe-se nesta norma:

A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:

a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

b) Privacidade - a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;

c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida;

d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo;

e) Proporcionalidade e actualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;

f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;

g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;

h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;

i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;

j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção;

k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais”.

A norma do artigo 4.º está em plena harmonia com a norma do artigo 34.º da LPCJP, onde que se diz que a finalidade das medidas de promoção e protecção é a de afastar o perigo em que as crianças ou os jovens se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e / ou garantir a recuperação física e psicológica das crianças ou jovens que sejam vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.

Entre os princípios elencados no artigo 4.º da LPCJP, destacam-se, pelo seu especial interesse para o caso dos autos, os princípios do superior interesse da criança, da intervenção mínima, da proporcionalidade e da actualidade e da prevalência da família (cfr., respectivamente, als. a), d), e) e h) do artigo 4.º da LPCJP).

O princípio da intervenção mínima significa que não devem ser aplicadas medidas que não sejam indispensáveis à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança.

Este princípio está indissociavelmente ligado ao – é, em rigor, uma concretização do – princípio da proporcionalidade, segundo o qual as medidas a aplicar devem ser as estritamente necessárias e adequadas a evitar que se concretize a situação de perigo para a criança e nada mais do que isso[12].

O princípio da prevalência da família tem em vista proporcionar à criança o desenvolvimento em ambiente familiar, sendo certo que isso compreende ou implica, em primeira linha, a família biológica da criança. Recorde-se, a propósito, o disposto no artigo 36.º. n.º 6, da CRP: “[o]s filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”.

Mas o princípio que se destaca, porquanto a ele se subordinam os restantes é, sem dúvida, o do superior interesse da criança. Ele obriga a que, em decisões que envolvam o destino de uma criança, se atenda, acima de tudo, aos interesses e direitos da criança[13].

Não deve, apesar de tudo, alimentar-se uma concepção absolutizadora deste princípio, de forma a que, sistematicamente, se excluam ou desconsiderem os interesses das outras pessoas envolvidas na situação, designadamente dos pais biológicos.

Em primeiro lugar, não é correcto pressupor que o interesse superior da criança se opõe, por natureza, ou está necessariamente em conflito com os direitos de que sejam titulares estas pessoas.

Em segundo lugar, mesmo quando se verifique certa tensão entre os grupos de interesses presentes, não deve negar-se liminarmente a possibilidade de os equilibrar. Na realidade, no que aos pais biológicos respeita, há que ter presente que a melhor situação para a criança é, em primeira linha, a do seu desenvolvimento no ambiente natural e essa é também, em princípio, a situação que satisfaz o interesse dos pais biológicos e se compatibiliza, em geral, com o direito fundamental à família – o direito de constituir e conservar uma família, consagrado no artigo 36.º da CRP.

Veja-se, a propósito disto, a esclarecedora declaração de concordância do juiz Sajó á decisão contida no Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 16 de Fevereiro de 2016:

Entendo que é importante sublinhar que o interesse superior da criança é – salvo caso excecional – o de estar junto dos pais. A Convenção de 1989, relativa aos direitos da criança prevê, no seu artigo 3.º § 1, que em quaisquer decisões relativas às crianças, dimanem elas das instituições públicas ou privadas de proteção social, de tribunais, das autoridades administrativas ou dos órgãos legislativos, o interesse superior da criança deve ser uma consideração primordial. Uma consideração primordial não exclui a existência de outras considerações e, em presença de um direito convencional, há que fazer-se um esforço para harmonizar os vários interesses. É, no entanto, de sublinhar que o interesse superior da criança não é, em princípio, oposto ao direito fundamental dos pais a viverem uma vida familiar com os seus filhos. A regra do interesse superior da criança não pode ser interpretada como uma regra excluindo os direitos fundamentais dos pais. Encontramos, de resto, esta consideração no artigo 9.º § 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança:

“Os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, [...], que essa separação é necessária no interesse superior da criança”.

Do mesmo modo, o Tribunal reconheceu que está tanto no interesse da criança quanto no interesse dos seus pais que os laços entre ela e a sua família sejam mantidos, exceto nos casos em que esta se tenha mostrado particularmente indigna: quebrar estes laços é cortar a criança das suas raízes. Resulta daí que o interesse da criança impõe que apenas circunstâncias muito excecionais possam conduzir a uma rutura do vínculo familiar, e que tudo seja feito para manter as relações pessoais, e sendo caso disso, no momento próprio, “reconstituir” a família (Gnahoré c. França, n.º 40031/98, § 59, CEDH 2000-IX).

Segundo os princípios que se extraem da jurisprudência do Tribunal, aí onde a existência de um laço familiar com uma criança está estabelecida, o Estado deve agir de modo a permitir a este elo desenvolver-se e conceder uma proteção jurídica tornando a integração desta criança na sua família possível (ver, mutatis mutandis, Kroon e outros c. Países-Baixos, 27 de Outubro de 1994, Série A, n.º 297-C, § 32, e Wagner e J.M.W.L. c. Luxemburgo, n.º 76240/01, 28 de Junho de 2007). Para um parente e o seu filho, estarem juntos representa um elemento fundamental da vida familiar. De resto, para que o Tribunal julgue que uma medida contendo uma ingerência no exercício dos direitos protegidos pela Convenção, é “necessária numa sociedade democrática”, é preciso que os fundamentos invocados para justificar a medida em questão sejam pertinentes (e suficientes).

Assim, os direitos dos pais devem ser tomados em conta. O interesse superior da criança entra em jogo quando as obrigações inerentes aos direitos parentais não são observadas pelo parente ou que este utiliza os seus direitos de modo abusivo. As exigências da Convenção não são respeitadas se não se tem em conta a importância da necessidade para os pais e os seus filhos “de estarem juntos” (ver neste sentido o acórdão Gnahoré citado supra).

Na origem da compreensão unilateral e absolutista da noção de supremacia do interesse da criança está o desconhecimento da necessidade de interpretar esta noção de modo harmonioso com os outros direitos fundamentais. O absolutismo na interpretação do interesse da criança pode facilmente tornar-se fonte de formalismo administrativo por parte dos serviços de proteção da infância, formalismo que, por seu turno, degenerará a coberto de uma pretensa bem querença paternalista do Estado. A história dos maus tratos para com as crianças e da discriminação é uma história de serviços públicos e privados fornecidos por “salvadores”. Para evitar que esta história se repita, é da mais alta importância que os serviços de proteção da infância respeitem plenamente os direitos fundamentais de todos, inclusive os dos pais, mesmo quando pessoas bem querentes estão convencidas que não fazem senão servir pelo melhor o interesse das crianças”.

4. Da (des)conformidade da decisão recorrida com os princípios e as normas aplicáveis

Tudo ponderado, entende este Supremo Tribunal que os factos assentes não são suficientes para que se aplique a medida de confiança com vista a futura adopção, prevista nos artigos 1978.º do CC e 35.º, n.º 1, al. g) e 38.º-A, al. b), da LPCJP nem as restrições suplementares, designadamente a inibição das responsabilidades parentais, prevista no artigo 1978.º-A do CC, e a proibição de visitas por parte do pai biológico, prevista no artigo 62.º-A da LPCJP, considerando-se infringidas designadamente, estas disposições legais.

Só para reforçar esta conclusão, reveja-se o relatório da EMAT, que tão determinante terá sido para a decisão do Tribunal de 1.ª instância e do Tribunal da Relação:

aau) A EMAT ... emitiu parecer no sentido de que: “De acordo com as diligências levadas a cabo por esta equipa, foi possível verificar que o pai mostra desejo e verbaliza vontade em constituir-se como resposta alternativa para DD. Contudo, da avaliação efetuada, é possível concluir que, presentemente, o pai se encontra desempregado, a receber prestação por desemprego, não apresenta retaguarda familiar {ainda que partilhe o domicílio e concomitantes despesas fixas com o irmão e que, pelas razões supra invocadas, não foi avaliado por esta EMAT} e reconhece que as condições habitacionais que detém, carecem de melhoramentos e remodelações, afirmando estar disposto a executá-las, em prol das necessidades de DD. Face ao exposto, somos do parecer que, no momento atual, para além de não se encontrarem reunidas as condições socioeconómicas e habitacionais para o pai assegurar os cuidados do filho, outras há que carecem de melhor avaliação, e que se prendem com fatores estruturais e relacionais -capacidade do pai para estabelecer vínculo com a criança e assumir os cuidados parentais.

Importa referir que, não existe qualquer contacto, nem estabelecimento de relação afetiva entre a díade (pai-filho), desconhecendo-se qual a responsabilidade parental do pai, pelo que se considera não se encontrarem atualmente reunidas as condições necessárias para que o pai se constitua como alternativa ao acolhimento familiar.

Salienta-se ainda que esta equipa considera que os fatores relacionais, ainda não avaliados e inexistentes, não permitem a eventual entrega, no imediato, desta criança ao pai, apenas com base nos laços de filiação/ registo de paternidade”[14].

Note-se que a EMAT considera desaconselhável a entrega da criança aos cuidados do pai biológico mas esta decisão se funda em circunstâncias temporalmente delimitadas.

Note-se ainda, não tendo dúvidas sobre a vontade de AA para conhecer e contactar com o filho, a EMAT admite que a sua capacidade para assumir o papel de pai nunca foi avaliada.

Ora, a medida de confiança com vista a futura adopção não pode ser aplicada só porque “não existe qualquer contacto nem estabelecimento de relação afetiva” e “[se] desconhece[] qual a responsabilidade parental do pai”. Para ela ser aplicada teria o contacto ou a relação afectiva de estar seriamente comprometida ou não existirem razões para acreditar que alguma vez seriam estabelecidos.

Não se nega que, actualmente, de acordo com os factos assentes, não estão reunidas as condições para que a criança seja entregue ao pai biológico. Sucede que tão-pouco estão reunidas as condições para que se exclua já, de uma forma tão absoluta e definitiva, a hipótese de o pai biológico ter e manter uma ligação com a criança. Não há factos que atestem com segurança que inexistem ou que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação pela simples razão de que não foram feita uma tentativa séria para que isso pudesse ser verificado[15].

A relação biológica – insiste-se – só deve ser preterida em face de comprovada impossibilidade de a preservar.

Valem aqui, mutatis mutandis, as considerações tecidas no já referido o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 16 de Fevereiro de 2016 (cfr. parágrafo 93):

(…) resulta claro que corresponde ao interesse da criança que os laços entre ela e a sua família sejam mantidos, exceto nos casos em que esta se tenha mostrado particularmente indigna: quebrar este laço reconduz-se a cortar a criança das suas raízes. Resulta daí que o interesse da criança determina que apenas circunstâncias perfeitamente excecionais possam conduzir a uma rutura do laço familiar e que tudo seja feito para manter as relações pessoais e, sendo disso caso, chegado o momento, “reconstituir” a família (Gnahoré, supra, § 59, e Pontes, supra, § 85)”.

Não há razões, em síntese, nem para não dar ao DD a oportunidade de desfrutar do conhecimento, do contacto e da presença do pai biológico nem para não dar ao AA uma oportunidade razoável para criar laços afectivos com o filho.

Cumprirá ao Estado, através das autoridades públicas competentes, promover e apoiar a tentativa de estabelecer o contacto entre AA e DD, como uma fase absolutamente necessária do processo, que permitirá, mais tarde, reavaliar a situação e, então, tomar uma decisão tendencialmente definitiva quanto ao DD.

Como se advertiu desde o início, este Supremo Tribunal só se pode pronunciar sobre a conformidade da medida aplicada com a lei e não sobre a oportunidade ou a adequação de (quaisquer) medidas ao caso.

Verificando-se que não estão reunidas as condições para a aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção e que estão legalmente previstas medidas que asseguram o direito de DD e do seu pai biológico de se conhecerem e de estabelecerem contacto durante algum tempo, ainda que com acompanhamento, apoio e avaliação, determina-se que o Tribunal recorrido pondere estas outras medidas e aplique a(s) que considerar conveniente(s) para regular a situação.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento à revista, revogando-se o Acórdão recorrido na parte em que aplica a medida prevista no artigo 1978.º do CC e determinando-se a baixa dos autos para a aplicação da(s) medida(s) que o Tribunal a quo considere conveniente(s) ou oportuna(s) a regular a situação.


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Sem custas por delas estar isento o MP (cfr. artigo 4.º, n.º 1, al. a), do RCP), salvo quanto às eventuais custas de parte, que serão suportadas em conformidade com o disposto nos artigos 4.º, n.º 7, e 26.º, n.º 6, do RCP.


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Catarina Serra (relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

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[1] Cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 2009 (Proc. 1735/06.OTMPRT.S1) ou de 16 de Março de 2017 (Proc. n.º 1203/12.0TMPRT-B.P1.S1).
[2] Cfr. Acórdão do STJ de 30.05.2019 (Proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S), já antecedido pelo Acórdão do STJ de 25.05.2017 (Proc. 945/13.8T2AMD-A.L1.S).
[3] Verifica-se, por outras palavras, que, no caso presente, “a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão”. Cfr. o mesmo Acórdão do STJ de 30.05.2019 (Proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S).
[4] Sobre o carácter consequente desta inibição cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28.05.2015 (Proc. 8867/07.5TMSNT.L1.S1).
[5] Relatado pela presente Relatora e proferido pelo presente colectivo.
[6] Cfr., também adoptando este entendimento, por exemplo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.2021 (Proc. 2481/17.4T8BRR.L1.S1).
[7] Cfr. Estrela Chaby, in: Código Civil Anotado, volume II (Artigos 1251.º a 2334.º), Coimbra, Almedina, p. 899).
[8] Perscrutando a história do preceito e identificando a sua origem na lei francesa, parece também poder concluir-se do comentário de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, volume V, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, pp. 517-518) que o critério se mantém o da “não manutenção dos laços afectivos próprios da filiação”, sendo as hipóteses previstas “situações em que a lei facilita a entrega do menor”.
[9] Veja-se, para um exemplo deste tipo flagrante, o caso decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.04.2005 (Proc. 04A4491).
[10] Não cabe aqui fazer juízos de carácter mas, se alguma coisa, o facto de Algassimou prestar assistência ao seu pai não pode ser feito valer contra ele.
[11] Segundo Guilherme de Oliveira (“Caducidade das ações de investigação ou caducidade do dever de perfilhar, a pretexto do Acórdão n.º 401/2011, do Tribunal Constitucional”, in: Lex Familiae, 2012, n.ºs 17 e 18, pp. 108-109), o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, previsto no artigo 26.º da CRP; é o direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de acção cujas restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais. Para um estudo específico cfr. Paulo Mota Pinto, “O direito ao livre desenvolvimento da personalidade”, in: Portugal-Brasil – ano 2000, Studia Iuridica, 1999, n.º 40, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 149 e s. Sobre este e os outros direitos mencionados há uma jurisprudência desenvolvida do Tribunal Constitucional no âmbito das acções de investigação de paternidade. Citem-se apenas dois exemplos: o Acórdão n.º 488/2018, de 4 de Outubro, e o Acórdão n.º 394/2019, de 3 de Julho.
[12] Veja-se, para ilustrar o efeito moderador deste princípio, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.10.2020 (Proc. 634/09.8TBPVZ-B.P1.S1). Diz-se aí: “Acarretando a medida de acolhimento residencial, expressamente prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJ, um certo sacrifício para o interesse da família, mas sendo o rigor da medida atenuado com a autorização das visitas e dos contactos entre o jovem e a sua mãe e, sobretudo, com a limitação da medida no tempo e a sua susceptilidade de revisão a curto prazo, não há dúvidas de que ela respeita os princípios da proporcionalidade (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito) e da actualidade impostos no artigo 4.º, al. e), da LPCJ”.
[13] O artigo 1978.º, n.º 2, do CC contém uma concretização deste princípio, determinando que o critério prioritário a adoptar para a verificação das situações previstas nas várias alíneas do n.º 1 da norma é o dos direitos e interesses da criança.
[14] Sublinhados nossos.
[15] Para confirmar que uma medida drástica como aquela que se prevê no artigo 1978.º, n.º 1, do CC só deve ser aplicada quando tenham sido levadas a cabo tentativas para o evitar e o objectivo se tenha ostensivamente frustrado cfr., entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2020 (Proc. 1210/17.7T8CSC.L2.S1), de 27.05.2021 (Proc. 2389/15.8T8PRTD.P1.S1) e de 14.07.2021 (Proc. 1906/20.6T8VCT.G1.S1).