Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERNANDES CADILHA | ||
Descritores: | ÓNUS DA PROVA INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA RECUSA DE COOPERAÇÃO DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE MEIOS DE PROVA CONTRADIÇÃO AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO | ||
Nº do Documento: | SJ200601120026554 | ||
Data do Acordão: | 01/12/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 6015/04 | ||
Data: | 02/21/2005 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Sumário : | I - A inversão do ónus da prova nos termos previstos no artigo 344º do Código Civil, para que remete o n.º 2 do artigo 519º do Código de Processo Civil, pressupõe que tenha havido uma recusa de cooperação processual por uma das partes que tenha tornado culposamente impossível a prova ao onerado; II - Não é esse o caso, quando não há uma indicação precisa de que a parte dispusesse dos meios de prova que lhe foram solicitados e se verifica, por outro lado, que os elementos instrutórios relevantes poderiam encontrar-se na posse de uma entidade administrativa, a quem poderiam ter sido requisitados; III - A existência de contradições na decisão de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, constitui um dos casos em que o Supremo poderá determinar a devolução do processo ao tribunal recorrido para, mediante a repetição do julgamento, se suprirem as deficiências detectadas (artigo 729º, n.º 3, segunda parte, do Código de Processo Civil). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório "A" intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra B, SA, pedindo, na sequência da rescisão do contrato de trabalho que o ligava à ré, o pagamento de diversas remunerações em dívida, bem como a indemnização por antiguidade e o ressarcimento de danos não patrimoniais no montante de € 15.000,00. Realizada audiência de julgamento com gravação da prova, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente. Em apelação, o autor considerou que havia lugar à inversão do ónus da prova por falta de coperação da ré na descoberta da verdade e que, em consequência, a acção devia ser julgada como provada e procedente, vindo, todavia, a ser negado provimento ao recurso. Ainda inconformado, o autor interpôs o presente recurso de revista em que retomando as considerações expendidas perante a Relação, formula as seguintes conclusões: 1º- Porque as partes estão obrigadas ao dever de cooperação no sentido de se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio - cfr. arts. 266º e 266-A do CPC. Não houve contra-alegações e, neste Supremo Tribunal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negada a revista. Colhidos os vistos dos Exmos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 3. Fundamentação de direito O autor intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho invocando, além do mais, que estava sujeito a um horário de trabalho que excedia o limite máximo legalmente permitido, conforme a especificação constante do artigo 21º da petição, e que seria determinante da obrigação, por parte da entidade patronal, do pagamento de trabalho suplementar. Requereu para prova dos factos alegados que a ré fosse notificada para juntar cópias das folhas de remunerações remetidas à segurança social, do mapa de pessoal, da escala de serviço, do livro de registo de trabalho suplementar, dos mapas de férias, dos mapas de cálculo das ajudas de custo e dos registos de tacógrafo das viaturas por si conduzidas. Essa notificação foi ordenada na audiência de julgamento, tendo vindo a ré a juntar aos autos, em cumprimento da determinação judicial, as folhas de remunerações, bem como 55 discos de tacógrafo (que alegou serem os únicos que se encontravam em seu poder) e a indicar os períodos de gozo de férias do autor, invocando não possuir os demais documentos solicitados. Por sua vez, o tribunal deu como provado, quanto à matéria da prestação de trabalho suplementar, apenas o que consta do n.º 5 da decisão de facto, baseando-se, segundo resulta da respectiva fundamentação, na confissão das partes. O autor alega, contudo, que, nos termos previstos no artigo 519º, n.º 2, do Código de Processo Civil, deveria operar, no caso, a inversão do ónus da prova por recusa de colaboração da ré na descoberta da verdade, porquanto esta estava obrigada a conservar os registos dos tempos de trabalho efectivamente cumpridos pelo trabalhador e a fornecê-los ao tribunal para prova dos factos articulados na petição. Resulta, com efeito do disposto no artigo 10º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, que "as entidades empregadoras devem possuir um registo de trabalho suplementar onde, antes do inicio da prestação e logo após o seu termo, serão anotadas as horas de inicio e termo do trabalho suplementar, visado pelo trabalhador imediatamente a seguir à sua prestação", havendo ainda a imposição da remessa à Inspecção-Geral de Trabalho da relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar, com a discriminação do número de horas prestadas nesse regime (n.º 5 do mesmo artigo). No entanto, como se depreende dos elementos dos autos, o veículo utilizado pelo autor estava equipado com tacógrafo, que permitiria assegurar, nos termos legalmente estabelecidos para o transporte rodoviário, o registo dos tempos de trabalho e de repouso do condutor (artigo 2º do Decreto-Lei n.º 272/89, de 19 de Agosto). Nestas circunstâncias, o cumprimento do disposto na lei geral quanto ao registo do trabalho suplementar poderia ser satisfeito através das folhas de registo do tacógrafo, que a entidade empregadora se encontra obrigada a conservar durante um período temporal mínimo de 5 anos (?). No caso concreto, a ré alega que os discos dos tacógrafos eram arquivados em pasta própria no interior dos veículos, e que relativamente ao veículo conduzido pelo autor apenas foram encontrados 55 desses discos, que foram juntos aos autos em cumprimento da notificação judicial. Poderá a este propósito afirmar-se que a obrigação de conservar as folhas de registo dos tacógrafos pertence à entidade patronal e é esta que incorre em responsabilidade contra-ordenacional por não cumprir o estipulado legalmente quanto a essa matéria (artigo 9º, n.º 2, alínea i), do Decreto-Lei n.º 272/89, de 19 de Agosto). À ré incumbia, pois, recolher as folhas de registo relativamente a cada período de utilização do veículo, por forma a efectuar as necessárias anotações quanto aos tempos de trabalho e de descanso do condutor e proceder, designadamente, à elaboração da relação nominal a que se refere o n.º 5 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 421/83. No entanto, alegando a ré que conservava os discos de tacógrafo no próprio veículo (contrariamente ao que seria recomendável) e que aí apenas encontrou 55 desses discos, quando o veículo lhe foi entregue pelo autor, não é possível afirmar, na ausência de outros elementos de prova, que a ré se recusou a prestar a sua colaboração ao tribunal. Ou seja, sem embargo de se poder entender que a ré incorreu na contra-ordenação prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 272/89, não há, em todo o caso, elementos suficientes para considerar que a ré se recusou a entregar documento que tinha em sua posse, por forma a considerar-se verificada a situação prevista nas disposições conjugadas dos artigos 519º, n.º 2, e 529º do Código de Processo Civil. É certo que a ré sempre poderia facultar a relação nominal relativa ao trabalho suplementar que lhe incumbe elaborar nos termos previstos no n.º 5 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 421/83. Todavia, esse documento destina-se a ser enviado à Inspecção-Geral de Trabalho, pelo que nada impedia que o autor tivesse requerido ao tribunal que requisitasse a essa entidade esses elementos, nos termos do disposto nos artigos 519º e 519º-A do Código de Processo Civil, não podendo atribuir-se à falta de colaboração da ré, nesse ponto, a impossibilidade de fazer a prova da prestação do trabalho suplementar. E o mesmo se diga quanto aos mapas de horário de trabalho. A entidade empregadora está, de facto, obrigada a elaborar e afixar os mapas de horário de trabalho de acordo com as disposições legais e os instrumentos colectivos de trabalho, sendo que o Despacho Normativo n.º 22/87, de 4 de Março, estabelece especificamente as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal das empresas transportadoras (artigo 44º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro). Todavia, também nesse caso, a entidade patronal deveria remeter cópia desses elementos à Inspecção-Geral de Trabalho (artigo 46º do mesmo diploma), pelo que a informação poderia ter sido directamente solicitada a esta entidade administrativa. Tendo a ré alegado que não dispunha desse documento, e não havendo no processo qualquer outra prova sobre a veracidade dessa informação, fica excluída a possibilidade de se imputar à ré a responsabilidade por sonegação de prova, quando é certo que os mesmos elementos, caso existissem, poderiam ter sido obtidos junto dos competentes serviços administrativos. Conforme resulta do artigo 344º do Código Civil, para que remete o citado artigo 519º do Código de Processo Civil, a inversão do ónus da prova (que o recorrente reclama para o caso dos autos) pressupõe que a parte contrária tenha tornado culposamente impossível a prova ao onerado. Não há, todavia, no caso, uma indicação precisa de que a ré se recusou a fornecer os meios de prova de que dispunha; e, por outro lado, não está demonstrado que a falta de cooperação da ré, a ter existido, tenha impossibilitado a produção de prova, visto que os elementos instrutórios relevantes para a determinação dos tempos de trabalho suplementar poderiam encontrar-se na posse de uma outra entidade a quem poderiam ter sido solicitados. Aqui chegados seria de definir o direito aplicável face à matéria de facto fixada pelas instâncias. Mas neste ponto há que reconhecer a existência de contradição que inviabiliza a decisão jurídica do pleito. Na verdade, o tribunal dá como assente que o autor auferia em média 85.000$00, a título de ajudas de custo, que se destinavam a remunerar o trabalho prestado de noite e na parte que excedia as 40 horas semanais (n.º 3 da matéria de facto), para depois referir que o autor excedeu semanalmente as 40 horas de trabalho, em número de horas indeterminado, mas não inferior às que a referida quantia de 85.000$00 visava retribuir (n.º 5). Daqui se extrai que o tribunal não logrou obter prova bastante quanto ao número de horas que o autor prestou em regime de trabalho suplementar, o que induziria a remeter a liquidação das remunerações em dívida para execução de sentença, tanto mais que o autor não formulou, quanto a esta matéria, um pedido específico. No entanto, no mesmo ponto de facto, logo se acrescenta que esse número de horas (não determinado) não era inferior ao que era normalmente remunerado através de uma importância fixa de ajudas de custo. Não se diz, no entanto, qual era o período de prestação de trabalho suplementar que as ajudas de custo se destinavam a remunerar, pelo que se fica sem saber como é que o número de horas de trabalho suplementar prestado, sendo indeterminado, era inferior a um número de horas, também desconhecido, de trabalho suplementar efectivamente pago. A contradição é, aliás, reforçada pela circunstância de o juiz, na fundamentação da decisão de facto, não fazer qualquer referência à prova efectuada através dos discos de tacógrafo (sendo que estes embora não abarcando a totalidade do serviço de condução prestado pelo autor, permitiriam especificar o tempo de trabalho suplementar prestado relativamente ao período considerado), e referir como único elemento determinante da sua convicção a confissão das partes, quando é certo que não houve depoimentos de parte e os factos articulados na petição foram sistematicamente impugnados pela ré (cfr. fls 203). Acresce que a sentença de primeira instância acaba por retirar da factualidade dada como provada uma ilação jurídica aparentemente contraditória, ao decidir que o pedido de pagamento de trabalho suplementar é improcedente porque se não provou o número de horas de trabalho suplementar que o autor efectivamente trabalhou e que se provou que foi pago o número de horas de trabalho suplementar que excederam as 40 horas semanais. Ora, o que resulta da decisão de facto é que o autor prestou trabalho suplementar em número de horas indeterminado, mas não inferior ao que era coberto pelo pagamento de ajudas de custo, o que faz supor que havia trabalho suplementar que tinha ficado por remunerar. |