Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2213/20.0T8STB-B.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
VENCIMENTO ANTECIPADO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
CONTRATO DE MÚTUO
AÇÃO EXECUTIVA
INCONSTITUCIONALIDADE
DIREITO DE PROPRIEDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310º, alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II. Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 871º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incluindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE EMBARGOS DE EXECUTADO


ENTRE

AA

(aqui patrocinado por ..., adv.)

Executado / Embargante / Apelado / Recorrido

CONTRA

CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.

(aqui patrocinada por ..., adv.)

Exequente / Embargada /Apelante / Recorrida



I – Relatório

   A Exequente, tendente à cobrança coerciva de 85.588,67 € referente a capital e juros de contrato de mútuo com hipoteca entretanto resolvido com vencimento integral da dívida, intentou contra o Embargante e outros acção executiva.

  O embargante deduziu oposição invocando erro na forma de processo, prescrição da dívida exequenda e inexequibilidade do título executivo.

   A embargada pronunciou-se pela improcedência dos embargos, alegando, designadamente, ter havido reconhecimento da dívida.

   No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de erro na forma do processo.

  A final foi proferida sentença que, considerando não ter ocorrido reconhecimento da dívida e verificado o prazo quinquenal de prescrição, julgou procedentes os embargos e declarou extinta a execução relativamente ao Embargante.

  Inconformada, apelou a Exequente, impugnando a matéria de facto e considerando não ter ocorrido a prescrição quer por ter havido reconhecimento da dívida quer por ser ao caso aplicável ao caso o prazo ordinário de prescrição, sob pena de inconstitucionalidade.

 A Relação manteve inalterado o elenco factual e, considerando não ter ocorrido reconhecimento da dívida e ser aplicável o prazo quinquenal de prescrição, julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Irresignada veio a Autora interpor recurso de revista excepcional, que foi admitido, reafirmando o seu entendimento de ser aplicável à situação o prazo ordinário da prescrição, sob pena de violação da Constituição.

 Não houve contra-alegação.


 II – Da admissibilidade e objecto do recurso

O recurso foi já admitido.

   Destarte, merece conhecimento.

  Vejamos se merece provimento.

           


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Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

 Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

  Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a única questão a apreciar é a de saber qual o prazo prescricional aplicável relativamente ao crédito da Autora.


III – Os factos

A factualidade relevante é a fixada nas instâncias (cf. página 2 da sentença), para a qual se remete nos termos do artº 663º, nº 6, por remissão do art.º 679º do CPC.


IV – O direito

A questão objecto do presente recurso foi já resolvida pelo acórdão deste Supremo Tribunal nº 6/2022 (Diário da República, I Série, nº 184 , 22SET2022) no sentido de que:


I. No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310º, alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II. Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 871º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incluindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

Pelo que mais não resta do que aplicar essa jurisprudência uniformizada, do que resulta a correcção do entendimento adoptado pelas instâncias.

Obtempera, no entanto, a Recorrente que a interpretação normativa adoptada nas instâncias (e na uniformização de jurisprudência) é violadora da Lei Fundamental.

Em particular viola o direito à propriedade privada na sua vertente do direito do credor à satisfação do seu crédito, criando uma injustificada situação de desequilíbrio em desfavor do credor ao aplicar um prazo de prescrição curto; viola o direito à igualdade por tratar diferentemente situações iguais; viola o princípio da proporcionalidade na medida em que, da conjugação dos artigos 281º do CPC e 327 do CCiv, resulta, de facto, um encurtamento do prazo prescricional de cinco anos para seis meses.

Não se nos afigura assistir-lhe razão nessa objecção.

A prescrição não é incompatível com o direito do credor à satisfação do seu crédito, como aliás, a própria Recorrente reconhece na sua alegação.

Não há similitude factual, relativamente ao capital, no mútuo sem que seja convencionado o pagamento em prestações e aquele em que o sejam (desconsidera-se a situação do mútuo em que seja convencionado o pagamento em prestações sem juros por ser situação de facto inexistente no comércio bancário), pois que no primeiro caso estamos perante uma obrigação única e no segundo perante uma obrigação fraccionada, circunstancialismo diferenciado que (independentemente da regulamentação quanto aos juros) pode justificar diferentes opções legislativas.

E no que tange à invocação de desproporcionalidade por da regulamentação legal poder resultar efectivamente um prazo prescricional de 6 meses e não 5 anos, ela parte de um equívoco nos seus pressupostos: não é o prazo de prescrição que resulta arbitraria e substancialmente reduzido, ocorrendo antes a desconsideração da ‘suspensão’ da contagem do prazo de prescrição pela pendência da execução. Mas isso por omissão exclusivamente imputada à conduta processual negligente do exequente. 


V – Decisão

Termos em que se nega a revista, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13OUT2022

Rijo Ferreira (Relator)

Cura Mariano

Fernando Baptista