Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
Descritores: | PODERES DA RELAÇÃO PRESUNÇÕES JUDICIAIS PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMPRA E VENDA COISA DEFEITUOSA ÓNUS DA PROVA CADUCIDADE | ||
Nº do Documento: | SJ200502150045776 | ||
Data do Acordão: | 02/15/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1562/04 | ||
Data: | 06/15/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | I - É lícito à Relação tirar ilações da matéria de facto, desde que não altere os factos provados, mas antes se baseie neles, e sejam sua consequência lógica. II - Ao proceder desse modo, a Relação não faz outra coisa que não seja julgamento de matéria de facto, pelo que está vedado ao Supremo sindicar tal actuação, bem como a prova do referido facto. III - Por se tratar de factos constitutivos do direito do autor, a regra da prova da existência do defeito da coisa e da respectiva denúncia vale tanto para a prestação primeiramente efectuada, como para os casos em que a coisa foi reparada, mas o defeito permanece, por a reparação não ter sido bem realizada. IV - O reconhecimento inicial dos defeitos da coisa não impede a caducidade dos direitos do autor, para o tempo posterior à sua reparação, quando esta tiver lugar e for mal realizada, de tal modo que a partir da má reparação dos defeitos voltam a correr os prazos de caducidade. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 31-1-02, A, na qualidade de administrador do condomínio do prédio urbano sito na Rua da Feira de Março, nº..., Bloco"..", em Aveiro, instaurou a presente acção ordinária contra a ré Construções B, pedindo a condenação desta a pagar ao autor a quantia de 7.996.171$00, correspondente a 39.884,73 euros, despendida na realização de obras urgentes de reparação de defeitos de construção, na parte comum do dito prédio urbano, acrescida de juros de mora, à taxa legal anual, desde a citação até integral pagamento. A ré contestou, arguindo a excepção da caducidade dos eventuais direitos do autor e impugnando os factos alegados na petição. Houve réplica. Por despacho de fls 103, foi julgada procedente a excepção da ilegitimidade do autor, com a consequente absolvição da ré da instância, quanto às questões relativas às fracções autónomas identificadas na petição inicial e situadas no aludido prédio. Satisfazendo o convite do tribunal, o autor veio posteriormente a esclarecer quais as obras descritas na petição inicial que foram realizadas nas partes comuns. No despacho saneador, foi decidido relegar para a sentença final o conhecimento da excepção da caducidade da acção. Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor, na qualidade de administrador do condomínio do prédio urbano sito na Rua da Feira de Março, nº.., Bloco "...", a quantia de 36.577,27 euros, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo pagamento, despendida na reparação de obras urgentes de defeitos de construção, nas partes comuns do dito prédio. Apelou a ré e a Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 15-6-04, concedendo provimento à apelação, declarou procedente a excepção da caducidade, revogou a sentença recorrida, julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido. Agora, foi o autor que recorreu de revista, onde resumidamente conclui: 1 - O acórdão recorrido padece de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que decidiu não haver fundamento para alterar os factos provados, dando por definitivamente assente a matéria de facto havida como provada na 1ª instância, e depois considerou como provados os novos factos elencados no ponto 3.1- 31 do mesmo aresto. 2 - No que se refere aos defeitos das partes comuns do edifício constituído em regime de propriedade horizontal, o dies a quo para a contagem da denúncia dos defeitos é o momento da entrega da coisa realizada ao mais recente condómino e não o da constituição do condomínio. 3 - Por isso, o decurso do prazo de caducidade para intentar a presente acção, por parte do administrador do condomínio, não pode dar-se por decorrido enquanto não se tiver esgotado tal prazo relativamente a cada condómino, de per si. 4 - Acresce que o prazo de caducidade foi impedido, porque houve um reconhecimento do direito por parte da ré. 5 - Tendo a ré reconhecido a existência dos defeitos, no prédio objecto do presente litígio, a denúncia deles é inútil. 6 - Como a condómina C só adquiriu à ré a sua fracção autónoma "AA", correspondente ao 8º andar esquerdo, através da escritura de compra e venda 29-4-98, na data da propositura da presente acção (31-1-02) ainda não havia decorrido o prazo de 5 anos previsto no art. 916, nºs 2 e 3 do C.C. 7 - O Acórdão impugnado não podia dar como assente, sem que tal tivesse a sido alegado e provado pela recorrida, que, desde 1993, ou seja, desde anos antes de adquirir a sua fracção autónoma, a C participou nas assembleias de condóminos. 8 - O Acórdão recorrido também não podia dar como provado, por presunção, que, na data da outorga da escritura compra daquela fracção, em 29-4-98, a mesma C tinha conhecimento dos defeitos e que, por via disso, tinha de fazer a sua denúncia no prazo de um ano e de propor a acção no ano seguinte, sob pena de caducidade. 9 - Não existem razões válidas que justifiquem a interpretação extensiva do art. 917 do C.C. por forma a aplicar o prazo de caducidade, nele previsto para a acção de anulação da venda de coisa defeituosa, com base em erro, também à acção de reparação ou substituição da coisa e consequente pedido de indemnização. 10 - Foram violados os arts 668, nº1, al. c) do C.P.C. e 329, 331, nº2, 343, nº2, 916 nºs 2, 1225 e 1420 do C.C. A recorrida contra-alegou em defesa do julgado. Corridos os vistos, cumpre decidir. Remete-se para os factos que foram considerados provados no Acórdão recorrido, que aqui se dão por reproduzidos, ao abrigo do art. 713, n. 6 do C.P.C. Vejamos agora as questões postas no recurso. 1. O recorrente entende que o Acórdão impugnado padece de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que decidiu não haver fundamento para alterar os factos provados, dando por definitivamente assente a matéria de facto que a 1ª instância teve por provada e, depois, também considerou como provados os novos factos elencados no ponto 3.1 - 31 do mesmo aresto. Mas sem razão. Com efeito, não se vislumbra qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão. O Acórdão recorrido o que fez foi começar por considerar assente a factualidade dada como provada na 1ª instância, por a decisão sobre a matéria de facto não ter sido impugnada, nem haver fundamento para oficiosamente a alterar. Todavia, por considerar (como nele se escreve expressamente a fls 293) que pode ter interesse para a decisão e por tal resultar dos documentos constantes de fls 32 a 39 dos autos de produção antecipada de prova, apensos, ainda decidiu aditar ao elenco dos factos assentes e considerar provado, ao abrigo dos arts 713, n. 2 e 659, n. 3, do C.P.C., a materialidade do ponto 3.1 - 31, com o seguinte teor : "Das respectivas actas consta que nas assembleias de condóminos do prédio denominado Bloco.., sito na Rua da Feira de Março, nº..., em Aveiro, realizadas em 12-3-93, 5-4-94, 8-2-96 e 1-4-97, esteve presente C, constando imediatamente após a sua assinatura a indicação : 8º Esqº (AA) ". Tal procedimento não altera a factualidade provada na 1ª instância, pois trata-se de um mero aditamento de factos, de que a Relação podia servir-se por se encontrarem adquiridos desde a 1ª instância, por via de prova documental, nos termos dos arts 659, n. 3 e 713, n. 2, do C.P.C. Da conjugação destes preceitos legais resulta que, além dos factos admitidos por acordo, por confissão reduzida a escrito e dos que o tribunal da 1ª instância deu como provados, a Relação ainda deve considerar os que estão provados por documentos. Ora, os documentos em questão são fotocópias certificadas das actas da assembleia de condóminos do mencionado prédio que o próprio recorrente juntou aos autos de produção de prova antecipada, apensos, constituindo fls 32 a 39 desses autos, e que não foram impugnadas pela recorrida. Os factos constantes desses documentos valem por si e têm o valor probatório estabelecido na lei ( art. 362 e segs do C.C.), independentemente de estarem ou não expressamente referidos na matéria que a 1ª instância considerou assente. 2. O Recorrente também se insurge contra o facto da Relação ter considerado provado, por presunção, que na data da escritura de compra e venda da fracção da condómina C, celebrada em 29-4-98, esta tinha conhecimento dos ajuizados defeitos iniciais de construção e da ineficácia das reparações efectuadas pela ré, face ao teor das referidas actas das assembleias de condóminos de fls 32 a 39 do processo apenso de produção antecipada de prova (mencionadas no ponto 3.1 - 31 do elenco dos factos provados) e ainda pela circunstância desta ter participado nessas assembleias desde 12-3-93. Mas também aqui falece razão ao recorrente. Como é sabido, é lícito à Relação tirar ilações da matéria de facto, desde que não altere os factos provados, mas antes se baseie neles, e sejam sua consequência lógica (A. Varela, R.L.J. 122-224 ; Ac. S.T.J. de 1-6-94, Bolo. 438-456; Ac. S.T.J. de 20-9-94, Bol. 439-538, Ac. S.T.J. de 19-10-94, Bol. 440-361; Ac. S.T.J. de 8-7-03, Col. Ac. S.T.J., XI, 2º, 151). No nosso caso concreto, foi o que aconteceu. A Relação baseou-se nos factos provados resultantes do teor das aludidas actas das assembleias de condóminos, em que a C esteve presente, e, perante eles, extraiu a conclusão de que a condómina C tinha conhecimento dos defeitos e de que a sua reparação tinha sido mal efectuada, desde a data da outorga da escritura de compra da sua fracção autónoma, conclusão essa inspirada nos princípios da lógica, nos próprios dados da intuição humana, nas máximas da experiência e nos juízos correntes de probabilidade. Ao proceder desse modo, a Relação não fez outra coisa que não fosse julgamento de matéria de facto, pelo que está vedado a este Supremo sindicar tal actuação, bem como a prova do referido facto - art. 729, nºs 1 e 2 do C.P.C. 3. Invoca o recorrente que o prazo de caducidade foi impedido, porque houve um reconhecimento do seu direito por parte da ré - art. 331, n. 2, do C.C. Acrescenta que tendo a ré reconhecido a existência dos defeitos de construção, a denúncia deles é inútil. Que dizer ? Relativamente a esta matéria, há dois momentos a considerar. Um primeiro momento, que abrange todo o período decorrido até aos finais do ano de 1994, em que a ré, construtora do prédio, efectivamente reconheceu a existência dos defeitos, então apurados, e realizou trabalhos no mesmo prédio, com vista à sua reparação, consistentes em intervenções na sua cobertura e na pintura do interior das fracções autónomas que se encontravam afectadas pelas infiltrações de águas pluviais, bem como na parte da fachada poente do edifício, ao nível dos 1º, 2º e 8º andares (respostas aos quesitos 12º, 13º, 14º e 16º da base instrutória). Nesse primeiro momento, o prazo de caducidade ficou interrompido, pois a ré reconheceu a existência dos defeitos, então apurados, e propôs-se repará-los até fins de 1994 - art. 331, n. 2, do C.C. Mas há um segundo momento, que se inicia a partir de finais do ano de 1994, resultante das referidas intervenções na cobertura não terem surtido efeito e do edifício em questão, apesar dos aludidos trabalhos realizados pela ré até àquela data, ter voltado a apresentar infiltrações de humidades em diversos pontos (respostas aos quesitos 14º e 15º). Com a realização dessas obras de reparação, por parte da ré, cuja necessidade esta havia reconhecido, voltaram a correr os prazos de caducidade, que só deixaria de se operar se a ré tivesse reconhecido os defeitos da reparação e o consequente direito do autor à respectiva eliminação ou se a denúncia daqueles defeitos da reparação fosse atempadamente efectuada e a competente acção tivesse sido tempestivamente proposta. Ora, o autor não logrou provar que a ré tivesse reconhecido os defeitos da reparação a que procedeu, nem que depois das obras que realizou em finais de 1994 esta tivesse assumido qualquer compromisso de realizar novas obras (respostas restritivas aos quesitos 14º, 15º e 16º e negativas aos quesitos 17º e 18º). Por se tratar de factos constitutivos do direito do autor art. (342, nº1, do C.C.), a regra da prova da existência do defeito da coisa e da respectiva denúncia vale tanto para a prestação primeiramente efectuada pela ré, como para os casos em que a coisa foi reparada, mas o defeito permanece, por a reparação não ter sido bem realizada (Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, pág. 357). Assim sendo, o reconhecimento inicial dos defeitos por parte da ré não impede a caducidade dos direitos do autor para o tempo posterior à sua reparação, de tal modo que a partir da reparação dos defeitos voltam a correr os prazos da caducidade. 4. Sustenta o recorrente que o início da contagem do prazo de caducidade para a denúncia e para intentar a presente acção, por parte do administrador do condomínio, relativamente aos defeitos da reparação efectuada nas partes comuns, se deve reportar ao momento da entrega da coisa ao mais recente condómino e não à data da constituição do condomínio, de tal forma que tais prazos não podem dar-se por decorridos enquanto se não tiverem esgotado relativamente a cada condómino, de per si. Ora, mesmo aceitando a bondade do entendimento do recorrente e atendendo à data da escritura de compra e venda de 29-4-98, através da qual a condómina mais recente, C, adquiriu a sua fracção "AA", correspondente ao 8º andar esquerdo, o Acórdão recorrido evidencia que a caducidade já se havia operado quando esta acção foi proposta. Com efeito, em situações do tipo das que se discutem nestes autos, há três prazos a observar, por força do disposto nos arts 916, n. 3 e 1225, ns. 2, 3 e 4 do Cód. Civil : - a denúncia tem de ser feita no prazo de um ano a partir do conhecimento do defeito ou de que a respectiva reparação não foi bem efectuada ; - a acção deve ser proposta dentro do ano subsequente à denúncia ; - em qualquer caso, a denúncia tem de ser feita no prazo máximo de cinco anos, a partir da entrega do imóvel. Pois bem. Pelo menos em 5-3-98, quando instaurou o processo apenso de produção antecipada de prova, o autor tinha conhecimento de que a reparação dos defeitos foi mal efectuada pela ré, não tendo surtido efeito a intervenção levada a cabo na cobertura e tendo o prédio voltado a apresentar infiltração de humidades em diversos pontos, tudo isto face ao alegado no articulado inicial daqueles autos. Pode entender-se que o autor procedeu à denúncia dos defeitos da reparação em 11-3-98, quando a ré foi notificada do requerimento daquele pedido de produção antecipada de prova (fls 42 do processo apenso). Por outro lado, mostra-se provado que, em 29-4-98, quando a condómina mais recente, C, formalizou a compra da sua fracção autónoma à ré, eram do conhecimento desta os defeitos iniciais e que a sua reparação foi mal efectuada, estando esta condómina em condições de legalmente exercer o seu direito de denúncia dos defeitos da reparação e da competente acção, a partir de então. Defendendo o recorrente que o direito do autor se mede pelo direito desta condómina, os respectivos prazos de caducidade não poderão deixar de ser coincidentes. O que significaria que o autor gozaria do prazo de um ano para proceder à denúncia de que a reparação dos defeitos foi mal efectuada, a contar de 29-4-98, prazo esse que se esgotaria em 29-4-99. E teria de instaurar a presente acção no ano subsequente à denúncia, até ao limite de 29-4-2000. Assim sendo, como a presente acção só foi proposta em 31-1-02, constante do carimbo aposto na petição inicial, há muito que nessa data já se encontrava esgotado o prazo de caducidade. Daí que o direito do autor tenha caducado. 5. A convocação que o recorrente faz do art. 917, n. 3, do C.C. não tem razão de ser. A interpretação extensiva da doutrina do citado artigo não está em causa. A questão é decidida à luz do preceituado nos arts. 916, n. 3 e 1225, nºs 2, 3 e 4 do C.C., na redacção do dec-lei 267/94, de 25-10, como foi julgado pelas instâncias. Termos em que negam a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 15 de Fevereiro de 2005 Azevedo Ramos, Silva Salazar , Ponce Leão. |