Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4966/04.3TBLRA.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: SUBEMPREITADA
LIBERDADE CONTRATUAL
SUBSTANCIAÇÃO.
OBRAS PÚBLICAS
Data do Acordão: 02/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 64
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Limitado, embora, pelo princípio do dispositivo, a substanciação (ou consubstanciação) permite ao juiz definir livremente o direito aplicável aos factos que lhe é licito conhecer, buscando e interpretando as normas jurídicas que entende pertinentes.

2. A subempreitada – conceptualizada no artigo 1213.º do Código Civil – tem como pressuposto a pré-existência de um contrato de empreitada na sequência do qual o empreiteiro – actuando nas vestes de dono da obra, contrata com um terceiro a realização de todos, ou de parte, dos trabalhos que se vinculou a realizar.

3. É um contrato subordinado (subcontrato) mas com individualidade em relação à empreitada.

4. O conceito de empreitada de obras públicas consta do artigo 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 59/99 de 2 de Março – com as alterações da Lei n.º 163/99 de 14 de Setembro e do Decreto-Lei n.º 159/2000, de 27 de Julho – sendo a respectiva subempreitada prevista no n.º 1 do artigo 266.º.

5. O princípio da liberdade contratual permite a livre fixação do conteúdo e do clausulado dos contratos, desde que não contrariem disposições legais de natureza imperativa – artigo 405.º do Código Civil – autorizando o afastamento de contratos paradigmáticos desde que sejam garantidas a ética, a lisura negocial e a integridade de valores que informam a sociedade.

6. A autonomia privada também autoriza que nos tipos negociais existentes se insiram cláusulas de outros, com as restrições referidas, tendo por objectivo actualizar o paradigma, agilizar o comércio jurídico, a concertação e a compatibilização internacional.

7. Nada impede que num contrato de subempreitada privada se colham no regime do instituto homólogo de obras públicas, conceitos e regras, sem que tal implique a sujeição às normas de direito público.

8. É ao demandante que cumpre provar o dano pelo interesse contratual positivo.

9. Só pode fazer-se apelo a uma expectativa jurídica perante a existência de uma situação activa, já juridicamente tutelada, correspondente a uma fase de um “iter” complexo de formação sucessiva de um direito.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


“O..., S.A” intentou acção, com processo sumário, contra “A...de O...C..., Limitada” pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 54.303,07 euros, com juros à taxa de 12%.

Alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré um contrato de subempreitada para execução de trabalhos constantes de uma proposta que lhe apresentou, tendo a Ré adjudicado à Autora trabalhos orçados em 1.198.671,12 euros, com várias parcelas a preços unitários; que a Ré contratou outro empreiteiro para alguns trabalhos incluídos na proposta da Autora, nos valores de 89.038,42 euros e 229.746,31 euros; que nunca teria contratado com a Ré se estes trabalhos, que mais lucro lhe dariam, não fossem incluídos; que, assim, deixou de auferir 53.303,07 euros.

A Ré contestou o pedido.

No Circulo Judicial de Leiria, a acção foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Inconformada, a Autora apelou para a Relação de Coimbra que confirmou o julgado.

Pede agora revista, assim concluindo a sua alegação:
“- O Tribunal a quo ao decidir manter a decisão do Tribunal de primeira instância, Circulo de Leiria, corroborou o erro de interpretação e aplicou dos conceitos de ‘empreitada por preço global’ e empreitada por ‘série de preços’ que adoptou do diploma legal que define o regime jurídico de empreitada de obra pública, a saber o D.L. n.° 59/99 de 2 de Março.
- Tanto na medida em que o conceito de empreitada por ‘série de preços’, por transcrição legal, consiste em ‘A empreitada é estipulada por série de preços quando a remuneração do empreiteiro resulta da aplicação dos preços unitários previstos no contrato para cada espécie de trabalho a realizar às quantidades desses trabalhos realmente executadas’ e não como consta na fundamentação da decisão do Tribunal de primeira instâncias, adoptada pelo Tribunal a quo, ‘da prova produzida resultou que a empreitada contratada o foi, não por um ‘preço global’, mas, por ‘série de preços unitários’, isto é apenas os trabalhos devidamente realizados pela autora seriam contabilizados, descontando-se do pagamento a efectuar o preço unitário dos ‘itens’ que não haviam sido realizados’.
- O Tribunal a quo não emprega juízo jurídico correcto ao decidir que com a adopção dos conceitos ‘empreitada por preço global’ e empreitada por série de preços”, oriundo do diploma que define o regime jurídico de obra pública, bem com o facto de na fundamentação jurídica assentar em fundamentos do tipo, que se transcreve ‘..., da prova produzida resultou que a empreitada Contratada o foz não por um ‘preço global’ mas, por ‘série de preços unitários’, isto é apenas os trabalhos devidamente realizados pela autora seriam contabilizados descontando-se do pagamento à efectuar o preço unitário dos ‘itens’ que não haviam sido realizados’, o Tribunal de primeira instância não funda a sua decisão no regime jurídico da obra publica, o qual não se aplica ao caso — tal como entendemos e o próprio Tribunal a quo reconhece.
- O regime jurídico à luz do qual deve a causa ser julgada é o que consta do Código Civil, uma vez que, a questão, a saber a obra em causa é de natureza particular, assim seria distinta a solução jurídica se ao caso fosse aplicado o disposto nas normas ínsitas no artigo 1216.°, n.° 3 do Código Civil.
- E tal situação advém desde logo de ser revelador na fundamentação utilizada na sentença do Tribunal de primeira instância, a sua contradição com a matéria dada como provada. Contradição esta que toma a decisão nula, sendo esse um vicio que o Tribunal a quo não vislumbrou apesar de ter sido levado ao seu conhecimento em sede de recurso (Apelação), optando o Tribunal a quo por manter mantendo e reforçando o sentido de decisão do primitivo aresto.
- Assim, a decisão de primeira instância na fundamentação de decisão, ao tentar utilizar o conceito de empreitada por série de preços, demonstra o equivoco em que lavra, pois repare-se que o Tribunal entendeu que ao preço global se descontam os trabalhos não realizados de acordo com os preços unitários definidos, ora efectivamente esse não é o conceito de empreitada de preço global, sendo que efectivamente tal denota que o Tribunal se havia convencido que existia um preço definido aos trabalhos na sua globalidade, tal como a Recorrente expusera na sua petição inicial.
- Ora, vejamos que os factos provados suportam uma decisão diferente, uma vez que se provou qual o preço global atribuído aos trabalhos; provou-se que a Recorrente criou expectativa de lucro em face da proposta que apresentou à Recorrida e que foi ínsito no contrato celebrado; provou-se que existiu diferença entre o preço e o volume de facturação; provou-se que foram retirados trabalhos à Recorrente.
- Ora afastado o erro de aplicação de lei, e aplicada a lei da empreitada privada constante do Código Civil, temos inevitavelmente que a acção deveria ter sido julgada procedente.
- Atento o facto do Tribunal a quo perante a Apelação da decisão do Tribunal de primeira instância - ter suportado tal decisão no facto de que não foram feita aplicação de regime legal não aplicável ao caso - bem como se ter estribado em argumentos reveladores de erros de interpretação e aplicação da lei, como sejam os de que, (1) a Recorrente aceitou a alteração aos trabalhos tal como proposta pelo Dono de Obra; (2) o Dono de Obra foi o responsável pela alteração sendo terceiro nesta acção (3) a Recorrente não provou que tivesse sido a Recorrente a contratar outra empresa, (4) a Recorrente não provou que tivesse deixado de auferir um lucro de € 54.303,07; (5) a Recorrente não provou que nunca teria contratado com a recorrida pelos preços indicados, se esses trabalhos não estivessem incluídos no contrato, encontra-se a mesma viciada.
- Uma vez que, a Recorrente celebrara contrato com a Recorrida, logo é a esta que a Recorrente reclama o seu prejuízo, podendo a Recorrida se eventualmente o entendesse chamar o Dono de obra à acção, logo a anuência de cortesia comercial que da Recorrente à alteração que o Dono de Obra promovera à mesma nada significou para o efeito do que se discute na presente acção, pois não podia sequer a Recorrente insistir em proceder à colocação de um pavimento que não era mais desejada pelo Dono da Obra; A Recorrida figura no contrato com a Recorrente, que se discute nestes autos como dona de obra e a recorrente como Empreiteira, logo se ocorreram alterações promovidas pelo Dono da Obra, o mesmo assume as consequência da lei, vide artigo 1216.°, n.° 3 do Código Civil, com a Recorrida e esta com a Recorrente.
- Neste quadro a Recorrente não tinha que provar que fora a Recorrida a contratar outra empresa, porque tal matéria está fora do espectro da acção, mais não tinha sequer a Recorrente que fazer prova de facto negativo, qual seja o de que nunca teria contratado com a Recorrida se não estivessem incluído no contrato os trabalhos que efectivamente estavam e que foram retirados da obra, uma vez que tal se afigura como facto negativo de prova mais fácil para a Recorrida prova que a teria contrato da mesma forma; por fim não é verdade e constitui mais um erro de interpretação do Tribunal a quo o facto de entender que a Recorrente não provou o seu prejuízo, quando o mesmo sobressai do conjunto dos factos provados, designados pelas alíneas G), I), J), K), M).”

Contra alegou a recorrida em defesa do julgado.

A Relação deu por assente a seguinte matéria de facto:

A) A autora dedica-se à actividade de construção civil e obras públicas.
B) No seguimento de solicitação da ré, a autora elaborou uma proposta orçamentada para uma subempreitada de trabalhos de infra-estruturas a desenvolver por si, numa obra localizada no loteamento dos Covões, em Portalegre (obras da Urbanização do Planalto), proposta constante do documento junto aos autos a fls. 8 a 28.
C) Tal proposta foi enviada pela autora à ré em 08.02.2002.
D) A ré aceitou a proposta da autora relativamente aos trabalhos identificados na mesma.
E) Em consequência, em 22.02.2002, foi celebrado entre a autora e a ré, um contrato de subempreitada, para a execução dos trabalhos constantes da proposta da autora, conforme resulta da cláusula 2.ª do referido contrato, onde se escreveu “os trabalhos a considerar serão: Os mencionados nas páginas 3 a 19 da nossa proposta, datada de 08.02.2002”. A proposta da autora é parte integrante do mesmo. Desse acordo, consubstanciado no documento junto a fls. 29 e 30, subscrito pela autora e ré, constam ainda, nomeadamente, as seguintes cláusulas:
“6. O valor acordado para a execução dos trabalhos é de: 1198671,12€ (um milhão cento e noventa e oito mil seiscentos setenta e um euros e doze cêntimos). São os valores unitários que constam na vossa proposta datada de 08/02/2002 nas páginas 23 a 19. (Esta proposta e por série de preços). Sobre estes valores incidirá o IVA à taxa legal em vigor na data de apresentação da factura.
7. Dos trabalhos realizados mensalmente, será elaborado o Auto de Medição e assinado pelos representantes das duas partes e a respectiva factura datada do último dia do mês em causa.
8. O sub-empreiteiro fará dar entrada das facturas no escritório até ao dia 05 do mês seguinte ao das medições e de acordo com estas.”
F) A autora executou os trabalhos contratados, os quais tiveram por base um estudo exaustivo dos preços unitários da proposta, à excepção daqueles aí identificados sob os números 2.3 e 2.5 relativos ao fornecimento e assentamento de cubos de granito em estacionamento e de pavimento de cerâmica em passeios.
G) Os trabalhos referidos na dita proposta nós artigos 2.3 e 2.5 encontravam-se orçamentados em 89.038,42 € e 229.746,31 €, respectivamente.
H) A autora reclamou junto da ré o pagamento da quantia de 54.303,07 €, por carta datada de 29.03.2004.
I) A ré declinou a sua responsabilidade pelo pagamento da quantia peticionada, por carta enviada à autora em 23.04.2002.
J) O valor acordado para a execução dos trabalhos contratados era de um milhão cento e noventa e oito mil, seiscentos e setenta e um euros e doze cêntimos (resultante da soma de todos os itens relativos a cada trabalho a efectuar) (resposta ao quesito 1.º).
K) A proposta assim elaborada pela autora e aceite pela ré, considerada na sua globalidade, criava uma determinada expectativa de lucro para a primeira (resposta ao quesito 2°).
L) A adjudicação pela ré da proposta da autora a que se alude em D) e E) foi feita por série de preços unitários, ou seja, a autora só executaria os trabalhos que, no decorrer da obra, viessem a mostrar-se necessários. E a ré só lhe pagaria esses e não quaisquer outros (resposta aos quesitos 9.º e 10°).
M) Como é normal em todas as obras, também nesta houve trabalhos a mais e trabalhos a menos, sendo o total facturado pela autora à ré de € 1.105.597,15 (resposta ao quesito 11°).
N) A dona das obras a que se alude em B), e que as deu de empreitada à ré, é a sociedade F...N...& M..., Lda, com sede em Leiria, competindo à dona da obra definir os trabalhos a executar na Urbanização (resposta aos quesitos 12° e 13°).
O) Quando o projecto de tais obras foi aprovado pela Câmara Municipal, esta exigiu que os passeios fossem revestidos com mosaico cerâmico, do tipo designado por Calçada 2000 (resposta ao quesito 14°).
P) Após a aprovação do projecto, que ocorreu em Julho de 2001, houve eleições autárquicas e mudou o executivo camarário, e com ele mudou o corpo técnico da Câmara Municipal de Portalegre (resposta ao quesito 15°).
Q) A nova direcção do departamento de obras da Câmara entendeu que a calçada cerâmica oferecia desvantagens em relação à calçada em cubos de granito e sugeriu à dona da obra que fizesse a substituição de uns por outros, a qual aceitou a sugestão (resposta ao quesito 16°).
R) A dona da obra comunicou à autora e à ré a decisão de alterar o tipo de calçada dos passeios e solicitou à autora que apresentasse preço para a alteração, tendo este facto ficado registado no livro de obra respectivo (resposta ao quesito 17°).
S) A autora aceitou, sem qualquer reclamação ou reserva, a alteração decidida e apresentou no dia 20.2.2002, um orçamento para os trabalhos alterados (resposta ao quesito 18°).
T) Como o orçamento da autora era superior a outro obtido pela dona da obra, esta mandou executar essa parte da obra a outro empreiteiro, retirando-a da empreitada (resposta ao quesito 19°).
U) Em reunião onde esse assunto foi discutido, a ré aceitou a decisão do dono da obra e a autora, por seu turno, disse não poder acompanhar o orçamento apresentado por outra empresa (resposta ao quesito 20°).
V) E foi a dona da obra quem contratou tal empreiteiro e lhe pagou os trabalhos que realizou (resposta ao quesito 21°).

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,
1- Contrato de subempreitada.
2- Liberdade contratual.
3- “In casu”.
4- Conclusões.
1- Contrato de subempreitada

Delimitado, que foi, o objecto do recurso pelo acervo conclusivo das alegações da recorrente, e perante a impossibilidade de modificar a decisão de facto – por não se perfilar qualquer das situações do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, na redacção aqui aplicável – e de não ser caso de lançar mão da faculdade de reenvio do n.º 3 do artigo 729.º daquele diploma, vamos ficar nas questões de direito suscitadas.

A primeira tem a ver com a qualificação do contrato e respectivo regime jurídico aplicável.

Tem-se por certo que o juiz está limitado pelo princípio do dispositivo mas a substanciação (ou consubstanciação) permite-lhe definir livremente o direito aplicável aos factos que lhe é licito conhecer, buscando e interpretando as normas jurídicas.

Na situação em apreço o contrato foi qualificado – e correctamente – como de subempreitada, conceptualizado no artigo 1213.º do Código Civil, figura jurídica que tem como pressuposto a pré-existência de um contrato de empreitada.

Aqui, o empreiteiro acorda com o dono da obra a realização da mesma.

Na subempreitada o empreiteiro acorda com um terceiro a realização de toda, ou parte, da obra que se vinculou a realizar.

Trata-se, pois, de um contrato subordinado, ou subcontrato, mantendo a sua distinção, ou individualidade, em relação à empreitada.

O empreiteiro assume, na subempreitada a qualidade de dono da obra perante o subempreiteiro mas mantém aquela qualidade perante o dono da obra principal. (cf., v.g., Prof. Romano Martinez, “O Subcontrato”, 1989, 185 e 36; Prof. Carvalho Fernandes, “Da Subempreitada”, apud “Direito e Justiça”, XII (1998), 79).

Os dois contratos tem, afinal, um objectivo comum, sendo esse a realização do interesse do dono da obra.

Aqui chegados, pode concluir-se que se a empreitada tiver como objecto uma obra pública ajustada pelo primeiro empreiteiro a subempreitada também seguirá o regime de direito público (veja-se o artigo 266.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, com as alterações da Lei n.º 163/99 de 14 de Setembro e do Decreto-Lei n.º 159/2000 de 27 de Julho; os Drs. Oliveira Antunes e Costa Pouseiro, in “Subempreitada de Obras Públicas e Subcontratação”, 2001, 21 e ss; e, a propósito, o Prof. Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo”, I, 10.ª ed., 583 definindo o contrato de empreitada de obras públicas como o acordo pelo qual alguém se encarrega de trabalhos de construção, adaptação, reparação ou conservação de bens imóveis do domínio público, por conta de uma pessoa colectiva de direito público, com materiais subministrados por esta ou pelo empreiteiro, mediante certa retribuição.)

A definição legal consta do artigo 2.º, n.º 3, do citado Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março: “Entende-se por empreitada de obras públicas o contrato administrativo, celebrado mediante o pagamento de um preço, independentemente da sua forma, entre um dono de obra pública e um empreiteiro de obras públicas e que tenha por objecto quer a execução, quer, conjuntamente, a concepção e a execução das obras mencionadas no n.º 1 do artigo 1.º, bem como das obras ou trabalhos que se enquadrem nas subcategorias previstas no diploma que estabelece o regime de acesso e permanência na actividade de empreiteiro de obras públicas, realizadas seja porque meio for e que satisfaçam as necessidades indicadas pelo dono da obra.”

Sendo que da matéria de facto não resulta poder subsumir o contrato “sub judice” ao conceito de empreitada de obras públicas não lhe é aplicável – como não foi – o respectivo regime legal, mas o da lei civil.

É certo que os outorgantes fizeram apelo a conceitos típicos do contrato de empreitada de obras públicas, como “preço global”, “série de preços”, constantes do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 59/99.

Porém, tal não significou – nem sequer implicou – a adopção do regime de empreitada de obras públicas.
2- Liberdade contratual

Como se julgou no Acórdão recorrido – que, também enfatizou a inaplicabilidade daquele regime – como as partes se socorreram da terminologia da empreiteira de obras públicas “quando estipularam (livremente) as cláusulas contratuais vertendo essa classificação no contrato, conclui-se que se apropriaram de conceitos definidos no referido diploma, conceitos que tem um conteúdo muito preciso e que, com naturalidade, é adquirido pelos profissionais nas respectivas áreas de actividade.”

Não podemos deixar de concordar, por duas razões:

- O princípio da liberdade contratual constante do artigo 405.º do Código Civil, autoriza a livre fixação do conteúdo, e clausulado, dos contratos, desde que não contrariem disposições legais de natureza imperativa.

Trata-se de afirmar um corolário da autonomia privada (cf., ainda, o artigo 398 do Código Civil) que só pode ser limitada por imperativo das normas que regulam o objecto negocial (artigo 280.º e ss do Código Civil) ou pelos que regulem especialmente alguns contratos.

Tem ínsita a liberdade de contratar, ou não, a faculdade de escolher o contraente e “a possibilidade de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem dos contratos típicos, ou paradigmáticos, disciplinados na lei (celebrando contratos atípicos) ou de incluírem em qualquer desses contratos paradigmáticos cláusulas divergentes do regulamento supletivo contido no Código Civil.” (Profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, I, 3.ª ed., 353; Prof. Antunes Varela – “Das obrigações em geral”, 10.ª ed., I, 248, a destacar como restrições a “de assegurar a lisura e a correcção com que as partes devem agir na preparação e execução dos contratos, o de garantir quanto possível a justiça real, comutativa [não a simples justiça formal expressa pela igualdade jurídica dos contraentes] nas relações entre as partes, o de proteger a parte que dentro da relação contratual se considera económica e socialmente mais fraca e o preservar a integridade de certos valores essenciais à vida de relação, como sejam a moral pública, os bons costumes, a segurança do comércio jurídico e a certeza do direito.”; cf., ainda, o Prof. Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, I, 1980, 93 e o Prof. Almeida Costa, apud “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 197).

Com a evolução da sociedade e do comércio jurídico vem surgindo nova conceptualização dos vários institutos e a necessidade de criação de novíssimas formas de negociar adaptadas à realidade social e aos instrumentos financeiros disponíveis.

Daí que – e não se olvide que o Código Civil já tem 44 anos de vigência – tenham entretanto aparecido na dogmática jurídica múltiplos contratos atípicos, por o clausulado - regra da maioria dos nominados dever ser actualizado, não só em sintonia com a necessidade de compatibilização internacional como, e “not the least”, para impedir a conflitualidade e agilizar a concertação.

A amplitude que a lei deixa aos particulares para gerirem os seus interesses terá, por isso, de ser compatível com as liberdades de escolha do tipo contratual e de estipulação do respectivo clausulado.

Isto dito, não admira, e antes se aceita como natural, que num contrato de subempreitada privado – sem as peias de ordem pública contratual – as partes possam legitimamente incluir cláusulas decalcadas do regime jurídico das empreitadas de obras públicas, por mais actual, com conceitos mais precisos e garantia de melhor sinalagma, sem que tal implique uma descaracterização do negócio ou a sua submissão a um ordenamento a que é alheio.

No mais, vale sempre, e em sede interpretativa, o princípio geral da impressão do destinatário, por apelo à visão do profissional comum, como declaratário, no exercício da actividade questionada (artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil).

3- “In casu”

Aqui chegados, e verificando não ter existido “erro de aplicação de lei”, resta apurar se os factos conduziam a uma diferente decisão.

A Autora alegou ter celebrado, em 22/2/2002, com a Ré, um contrato de subempreitada tendo-lhe esta adjudicado trabalhos orçados em 1.198.671,12 euros, quantia representativa do conjunto de vários preços unitários com diversas, por parcelares, margens de lucro; que em Janeiro de 2003, a Ré contratou outro empreiteiro, sem qualquer explicação prévia, para a execução de alguns trabalhos incluídos na proposta da Autora e que estavam orçamentados em 89.038,42 euros e 229.746,31 euros, sendo que estes eram os trabalhos que maior lucro lhe dariam pelo que sem eles não teria contratado; que, como consequência, deixou de auferir um lucro de 53.303,07 euros.

A Ré contestou para, nuclearmente, dizer que não contratou com a Autora por um preço global mas por uma série de preços unitários apenas lhe competindo pagar os trabalhos realizados; que certos trabalhos ficaram fora da empreitada, que aceitou uma alteração à obra e apresentou um preço superior ao de outra empresa, o que levou o dono da obra – não a Ré – a com ela contratar.

Mas a Autora não logrou provar que a Ré tivesse contratado outro empreiteiro “sem qualquer explicação prévia”; que nunca teria contratado com a Ré pelos preços indicados, se aqueles trabalhos não estivessem incluídos no contrato; que, por causa da conduta da Ré, tivesse deixado de auferir 54.303,07 euros (cf., as respostas negativas aos quesitos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º).

A Ré logrou provar tudo o que alegou (quesitos 17.º, 18.º, 19.º, 20.º e 21.º) com ênfase para o facto de a Autora ter aceite, sem reserva, a alteração e apresentado novo orçamento que não foi aceite.

Não foi, assim, provada nenhuma das situações inseríveis nos artigos 1215.º e 1216.º do Código Civil, não podendo este Supremo Tribunal – e como se disse “ab initio” – proceder, sem mais, à alteração da matéria de facto fixada pelas instâncias, “maxime”, como pretende a recorrente quanto à prova do prejuízo (dano contratual positivo) ou dano “in contractu”.

Outrossim, não pode fazer-se apelo a qualquer expectativa da Autora, pois tal teria de consistir numa situação activa, já com tutela jurídica, correspondente a um estádio de um processo complexo de formação sucessiva de um direito, o que aqui não ocorre (cf., Profs. Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., 180), Galvão Telles, in “Direito Geral das Sucessões”, 5.ª ed., 90 e Castro Mendes – “Direito Civil, Teoria Geral”, 1979, 11, 150).

4 – Conclusões

Resta concluir que:
a) Limitado, embora, pelo princípio do dispositivo, a substanciação (ou consubstanciação) permite ao juiz definir livremente o direito aplicável aos factos que lhe é licito conhecer, buscando e interpretando as normas jurídicas que entende pertinentes.
b) A subempreitada – conceptualizada no artigo 1213.º do Código Civil – tem como pressuposto a pré-existência de um contrato de empreitada na sequência do qual o empreiteiro – actuando nas vestes de dono da obra, contrata com um terceiro a realização de todos, ou de parte, dos trabalhos que se vinculou a realizar.
c) É um contrato subordinado (subcontrato) mas com individualidade em relação à empreitada.
d) O conceito de empreitada de obras públicas consta do artigo 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 59/99 de 2 de Março – com as alterações da Lei n.º 163/99 de 14 de Setembro e do Decreto-Lei n.º 159/2000, de 27 de Julho – estando a respectiva subempreitada prevista no n.º 1 do artigo 266.º.
e) O princípio da liberdade contratual autoriza a livre fixação do conteúdo e do clausulado dos contratos, desde que não contrariem disposições legais de natureza imperativa – artigo 405.º do Código Civil – permitindo o afastamento de contratos paradigmáticos desde que sejam garantidas a ética, a lisura negocial e a integridade de valores que informam a sociedade.
f) A autonomia privada autoriza ainda que nos tipos negociais existentes se insiram cláusulas de outros, com as restrições referidas, tendo por objectivo actualizar o paradigma, agilizar o comércio jurídico, a concertação e a compatibilização internacional.
g) Nada impede que num contrato de subempreitada privada se colham no regime do instituto homólogo de obras públicas, conceitos e regras, sem que tal implique a sujeição às normas de direito público.
h) É ao demandante que cumpre provar o dano pelo interesse contratual positivo.
i) Só pode fazer-se apelo a uma expectativa jurídica perante a existência de uma situação activa, já juridicamente tutelada, correspondente a uma fase de um “iter” complexo de formação sucessiva de um direito.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Fevereiro de 2010

Sebastião Póvoas (Relator)

Alves Velho

Moreira Camilo