Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8988/19.1T8VNG-D.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REVISTA EXCECIONAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DE RECURSO.
Sumário :

I – Numa insolvência, aos acórdãos da Relação proferidas no apenso de qualificação da insolvência são aplicáveis as regras gerais do recurso de revista (art. 671.º e ss do CPC) e não o regime específico de recursos constante do art. 14.º/1 do CIRE.

II – Regras gerais do recurso de revista que não contemplam a possibilidade de revista excecional para as apelações que apreciem decisões interlocutória que recaiam unicamente sobre a relação processual, apelações estas das quais só poderá haver revista nas situações previstas no n.º 2 do art. 671.º do CPC.

III – É o caso do acórdão da Relação que, em tal apenso, confirma o despacho que não admitiu um meio de prova (realização de perícia).

IV – Acórdão de que, no caso, não há revista, por não estarmos perante uma situação em que o recurso é sempre admissível e por a contradição jurisprudencial invocada ser com um acórdão da Relação (quando o 671.º/2/b) do CPC exige que a mesma seja com um acórdão do Supremo).

V – Efetivamente, a alínea d) do art. 629.º/2 do CPC (que admite que a contradição a invocar seja com um acórdão da Relação) está reservada para os casos em que, estando verificados todos os requisitos de admissibilidade da revista, o único obstáculo à admissibilidade da revista emerge dum específico e restritivo regime de acesso ao Supremo (como sucede no caso do art. 370.º/2 ou no caso do art 988.º/2 do CPC), o que não é o caso, em que é por força dos termos gerais (mais exatamente, por, de acordo com o art. 671.º/2/b) do CPC, se estar perante uma decisão que, nos termos interpostos, não comporta revista) que o acórdão da Relação não é recorrível de revista.

Decisão Texto Integral:


Proc. 8988/19.1T8VNG-D.P1.S1

6.ª Secção

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório

Abec – Utilidades Domésticas, Lda., na qualidade de credora, deduziu incidente de qualificação de insolvência – por apenso ao processo de insolvência de Imagina Soft Hs – Sistemas de Informação para a Saúde, Lda. – onde pediu que se qualifique tal insolvência como culposa, de acordo com o estabelecido nas alíneas a) e f) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE, “devendo o gerente da mesma, Sr. AA ser afetado diretamente pela qualificação”.

No parecer junto pelo respetivo A.I. foi igualmente solicitada a afetação desse mesmo gerente da sociedade insolvente pela qualificação da insolvência, dada a verificação da al. f) do n.º 2 e al. a) do n.º 3 do art. 186.º CIRE.

Também o Ministério Público juntou parecer no sentido do identificado gerente ser afetado pela qualificação culposa da insolvência, dada a ocorrência da situação prevista no art.º 186.º n.º 3 al. a) do CIRE.

O Requerido, AA, deduziu oposição, onde, entre o mais, invocou que não exerce a gerência de facto desde 2004, gerência que se encontra a cargo de BB, tendo, inclusivamente, no ano de 2017, deixado de prestar serviços à Insolvente e de praticar qualquer ato na sua esfera de atividade.

Assim, imputa a situação de insolvência ao BB, requerendo a realização de perícia e que, para esse fim, se solicite a junção de documentação, indicando, como aspetos importantes a considerar no objeto daquela, os seguintes pontos:

1- Das origens e a génese da constituição da Insolvente;

2 - Da gestão de facto da Insolvente pelo Sr. BB e da confusão entre a esfera jurídico-patrimonial da Insolvente e a esfera jurídico-patrimonial do Sr. BB e de entidades relacionadas com este;

3 Da dissipação do património da insolvente e da condução à respetiva insolvência por parte do Sr. BB.

Foi então, no saneador, proferido despacho relativo a tal requerimento probatório apresentado, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

 “… Porque não apresenta qualquer interesse para a boa decisão da causa, considerando os temas de prova selecionados e sublinhando que BB não é proposto como afetado com a qualificação da insolvência nestes autos, indefiro a requerida (por AA) notificação da sociedade “O..., Lda.” para juntar a estes autos todos os elementos contabilísticos / demonstrações financeiras que integrem a escrituração comercial da Insolvente, bem assim como os respetivos documentos de suporte.

Pelos mesmos motivos, porque se revela impertinente, dilatória e sem qualquer interesse para a boa decisão da causa, considerando os temas de prova selecionados, indefiro a realização da perícia requerida por AA.

Consequentemente, pelos mesmos motivos e por não apresentar qualquer interesse para a boa decisão da causa, considerando os temas de prova selecionados, indefiro a requerida (por AA) notificação da Conservatória de Registo Comercial ... para juntar aos presentes autos todos os documentos depositados referentes às sociedades “Imaginasoft Hs”, incluindo todas as actas de assembleias gerais, prestações de contas, etc. e a notificação de todos os bancos nos quais estejam sediadas todas as contas bancárias tituladas pelas sociedades “Imaginasoft” e “Imaginasoft, pelo Embargado BB, e bem assim pela sociedade “ABEC – Utilidades Domésticas, Lda.”, cujos registos existam nos registos contabilísticos das sociedades “Imaginasoft” e “Imaginasoft, para juntarem aos presentes autos todos os extractos bancários, de todos os meses, do período compreendido entre os anos 2004 a 2017 (pois destinavam-se a auxiliar a realização da perícia que foi indeferida).”

Inconformado, interpôs o requerido AA recurso de apelação – tendo por objeto a sua pretensão, indeferida em tal despacho, de ver deferido o seu requerimento probatório – e, tendo este recurso sido julgado improcedente por Acórdão da Relação do Porto de 21/06/2022, interpõe o presente recurso de revista, dizendo-se que o mesmo é interposto nos termos do art. 671.º/2 e 629.º/2/d) do CPC (e invocando contradição jurisprudencial entre o Acórdão recorrido e os Acórdãos de 27/01/2020 e de 04/05/2022 do Tribunal da Relação do Porto, um para cada uma das contradições jurisprudenciais invocadas).

Distribuídos os autos neste STJ:

Uma vez que o recorrente não havia procedido à junção das certidões, com nota de trânsito, de tais Acórdãos Fundamento (ou ao menos certidões a dizer que os mesmos transitaram), exigência (trânsito) indispensável por se tratar de um pressuposto de admissibilidade imposto pelo art. 637.º/2 do CPC, foi o recorrente (no seguimento do entendimento do TC – cfr. Ac. 151/2020 e 641/2020 – considerando inconstitucional a imediata rejeição da revista) convidado a juntar certidão de tais Acórdãos Fundamento, com nota de trânsito, sob pena de, não procedendo a tais junções, a revista interposta não ser por tal motivo admitida – convite que o recorrente satisfez; e.

Por se entender que tal Acórdão da Relação não é passível de revista, foram as partes convidadas a pronunciar-se, nos termos do art. 655.º do CPC, sobre a inadmissibilidade da revista interposta.

Ao que o recorrente veio dizer que “mesmo não fazendo apelo ao regime do artigo 671.º, n.º 2, al. a) do CPC - o qual não é feito pelo Mui Douto Despacho a que ora se responde -  importa referir que a interpretação que aí é feita do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. d) do CPC, não tem suporte nem na letra nem no espírito da lei”; que “não tem qualquer suporte legal a interpretação segundo a qual “o caso da alínea d) do mesmo art. 629.º/2 está reservado para os casos em que o obstáculo à admissibilidade da revista emerge duma “exclusão legal” (como sucede no caso do art. 370.º/2 ou do art 988.º/2 do CPC) e não, como é o caso dos autos, em que é por força dos termos gerais (mais exatamente, por força do art. 671.º/2/b) do CPC) que o acórdão da Relação não é recorrível de revista”, “desconhecendo-se qual o fundamento de onde se retira que o referido regime “está reservado para os casos em que o obstáculo à admissibilidade da revista emerge duma “exclusão legal”; e que “a interpretação feita é, portanto, inconstitucional, por criar um mecanismo artificial de recusa do recurso interposto, violando assim o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20° da CRP, o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 2.º e 18.°, n° 2, 2.ª parte, da CRP, bem como o seu direito ao recurso, previsto no artigo 32.°, n.° 1, também da CRP, e contrário ao Estado de Direito Democrático e ao próprio artigo 2.° do Protocolo 7.° da CEDH”. Pelo que, a seu ver, deve ser admitido o recurso de revista.

Vindo também o Ministério Público pronunciar-se pela não admissibilidade do recurso de revista.

*

II – Fundamentação

No despacho proferido nos termos do art. 655.º do CPC, expendeu-se o seguinte:

“(…)

Como é muito evidente do breve relato efetuado, o acórdão da Relação do Porto de que se interpõe a presente revista é proferido num processo de insolvência, mais exatamente no seu apenso de qualificação de insolvência, estando em causa o indeferimento do requerimento sobre os meios de prova apresentado pela ora recorrente (requerimento apresentado no âmbito da oposição à qualificação da insolvência e à afetação do aqui recorrente, oposição a que se refere o art. 30.º do CIRE).

O que significa o seguinte:

Que não é ao caso aplicável – como bem refere o recorrente – o art.º 14.º/1 do CIRE (segundo o qual, “no processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por Tribunal da Relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme”), uma vez que a decisão de que se recorre não foi proferida nem no processo principal de insolvência nem no apenso de embargos.

Temos pois que às decisões proferidas no apenso (de qualificação da insolvência) em que foi proferida a decisão sob recurso são aplicáveis as regras gerais (e não o regime específico do art. 14.º/1 do CIRE) do CPC, regras essas em que se encontra contemplada a previsão da “revista excecional”.

Porém – é o ponto – não a contemplam (a previsão da “revista excecional”) para as decisões interlocutórias.

Como claramente resulta do art. 671.º/3 do CPC, a revista excecional é a solução processual que supera o obstáculo que é colocado pela “dupla conforme”, pressupondo portanto a verificação dos pressupostos da revista normal, ou seja, que o acesso ao recurso de revista fica apenas vedado por causa da dupla conforme, o que significa que não pode haver revista excecional (por não estar prevista para tais hipóteses) quando a revista está vedado por outra causa diferente do obstáculo colocado pela “dupla conforme”.

E é este justamente o caso (a revista, nos termos interpostos, está vedada por outro obstáculo).

Voltando ao relato inicial, temos que a apelação apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual (decisão essa que terá tido apelação “autónoma” nos termos do art. 644.º/2/d) do CPC), sendo-lhe assim aplicável, de acordo com os termos gerais do recurso de revista, o n.º 2 do art. 671.º do CPC, ou seja, nos termos gerais, a admissibilidade da revista (dum acórdão da Relação como o sob recurso) não decorre de se estar perante um acórdão que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, mas sim apenas e só do disposto no n.º 2 do art. 671.º do CPC, segundo o qual:

“ (…)

 Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. (…)”

Ora, nem estamos perante um caso em que o recurso é sempre admissível, nem a contradição jurisprudencial invocada é com acórdãos proferidos pelo Supremo.

Os casos em que o recurso é sempre admissível são apenas os referidos nas alíneas a), b) e c) do art. 629.º/2 do CPC, uma vez que o caso da alínea d) do mesmo art. 629.º/2 está reservado para os casos em que o obstáculo à admissibilidade da revista emerge duma “exclusão legal” (como sucede no caso do art. 370.º/2 ou do art 988.º/2 do CPC) e não, como é o caso dos autos, em que é por força dos termos gerais (mais exatamente, por força do art. 671.º/2/b) do CPC) que o acórdão da Relação não é recorrível de revista.

Efetivamente, o facto de tal alínea d) continuar a prever que tal “está reservada para os casos em que o único obstáculo à admissibilidade da revista emerge de “motivo estranho à alçada do tribunal”, constitui base normativa suficiente para se concluir que o preceito acaba por ter o mesmo significado que o seu antecedente mais direto (o n.º 4 do art. 678.º do CPC de 1961), ou seja, que a sua aplicação se circunscreve aos casos em que se pretenda recorrer de acórdão da Relação proferido no âmbito de ação (ou procedimento) cujo valor excede a alçada da Relação, mas relativamente à qual esteja excluído o recurso de revista por motivo estranho a essa alçada. É esta, aliás, a interpretação que é seguida pela jurisprudência generalizada do Supremo e pela doutrina[1].

Por outro lado, as contradições jurisprudenciais invocadas – na medida em que são duas as questões suscitadas na revista – são com dois acórdãos da Relação do Porto (um de 27/01/2020 e outro de 04/05/2022) e não com um acórdão do Supremo, como o exige o art. 671.º/2/b) do CPC[2].

Concluindo:

A admissibilidade da revista é liminarmente de afastar, por estarmos perante um acórdão da Relação que apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual e as contradições jurisprudenciais invocadas (pelo recorrente) serem com outros acórdãos da Relação (e não com um acórdão do STJ, como o exige o art. 671.º/2/b) do CPC)[3].

 (…)”

Mantém-se integralmente o que foi expendido em tal despacho.

Não é verdade, ao contrário do que o recorrente refere, que tal despacho haja omitido o “apelo ao regime do artigo 671.º, n.º 2, al. a) do CPC; não está correto dizer que a interpretação que ali é feita do artigo 629.º/2/d) do CPC não tem suporte nem na letra nem no espírito da lei; e não existe, a nosso ver, qualquer inconstitucionalidade na interpretação feita de tal artigo 629.º/2/d) do CPC.

A interpretação que foi exposta (no despacho) sobre o artigo 629.º/2/d) do CPC decorre justamente de se hipotizar, no despacho, o “apelo ao regime do artigo 671.º, n.º 2, al. a) do CPC”: doutro modo, se tal hipótese/apelo não tivesse sido feito, o despacho ter-se-ia limitado a fundamentar a inadmissibilidade da presente revista na circunstância das contradições jurisprudenciais invocadas (pelo recorrente) não serem com um acórdão do STJ.

Quanto à interpretação que é feita do artigo 629.º/2/d) do CPC:

Como é referido no despacho – e logo ali se sublinhou, por tal estar no cerne da inadmissibilidade da revista – a interpretação da alínea d) do art. 629.º/2 do CPC não é a mais linear, porém, como também ali se refere, trata-se da “interpretação que é seguida pela jurisprudência generalizada do Supremo”, devendo entender-se (como refere Abrantes Geraldes, na obra e local para que no despacho transcrito se remete) que tal alínea d) está reservada para os casos em que, estando verificados todos os requisitos de admissibilidade da revista (tratar-se duma decisão de que cabe revista, ter a causa valor para tal e ocorrer sucumbência[4]), o único obstáculo à admissibilidade da revista emergir dum específico e restritivo regime de acesso ao Supremo (como sucede no caso do art. 370.º/2 ou no caso do art 988.º/2 do CPC), o que não é o caso dos autos, em que é por força dos termos gerais (mais exatamente, por, de acordo com o art. 671.º/2/b) do CPC, se estar perante uma decisão que, nos termos interpostos, não comporta revista) que o acórdão da Relação não é recorrível de revista.

Doutro moto, a fazer-se a interpretação do art. 629.º/2/d) do CPC pretendida pelo recorrente, teríamos que concluir que mal andou o legislador ao exigir, no art. 671.º/2/b) do CPC, para a admissibilidade da revista, no caso dos Acórdãos da Relação que apreciam decisões interlocutórias (como é o caso dos autos), que a contradição invocada seja com um Acórdão proferido pelo Supremo: por outras palavras, a fazer-se a interpretação pretendida pelo recorrente, tal exigência do art. 671.º/2/b) do CPC – da contradição ter que ser com um Acórdão proferido pelo Supremo – seria “letra morta”, uma vez que (com a interpretação pretendida pelo recorrente para o art. 629.º/2/d) do CPC) afinal a revista seria admissível se a contradição invocada fosse com um Acórdão proferido pela Relação.

Enfim, a “história” do art. 629.º/2/d) do CPC e a harmonia do sistema de recursos impõem a interpretação que vem sendo feita, neste Supremo, de tal art. 629.º/2/b).

Passando à inconstitucionalidade:

Não há, a nosso ver, na referida interpretação qualquer inconstitucionalidade, designadamente, por violação, como se invoca, dos artigo 18.°, 20.º e 32.º da CRP.

Efetivamente, o atual regime da revista estabelece a ideia de que o triplo grau de jurisdição, em matéria cível, não constitui uma garantia generalizada.

“Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar, em absoluto, a admissibilidade do recurso de revista para o Supremo (possibilidade que implicitamente decorre da previsão constitucional de uma hierarquia de tribunais judiciais, tendo como vértice o Supremo Tribunal de Justiça), ou de elevar o valor da alçada da Relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível para a grande maioria de casos, o Trib. Const. vem considerando que não existem impedimentos absolutos à limitação ou condicionamento de acesso ao Supremo”[5].

Assim, não há qualquer inconstitucionalidade em concluir-se, pela interpretação conjugada dos art. 671.º/2 e 629.º/2/d) do CPC, que só a contradição jurisprudencial (afora as hipóteses previstas nas 3 primeiras alíneas do art. 629.º/2 do CPC) com Acórdão do Supremo permite, no caso de Acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, a admissibilidade de revista e o acesso ao 3.º grau de jurisdição: o triplo grau de jurisdição, em matéria cível, não constitui uma garantia generalizada e, em consequência, a referida interpretação não padece de inconstitucionalidade.

*

III – Decisão

Pelo exposto, ao abrigo do art. 652.º/1/b) do CPC (ex vi 679.º do CPC), julga-se findo o recurso por não haver que conhecer do seu objeto.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 17/01/2023

António Barateiro Martins (Relator)

Luís Espírito Santo

Ana Resende

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., pág. 71.

[2] A solução, refira-se, não seria diferente se fosse caso de aplicação do art. 14.º/1 do CIRE. Efetivamente, o regime especial do art. 14.º/1 do CIRE é um regime restritivo em relação regime geral dos recursos de revista, é um regime que estabelece que não haverá (em certos casos) revista no processo principal de insolvência, quando, se se seguisse/aplicasse os termos gerais do recurso de revista, a mesma seria admissível; ou seja, não é – o regime especial do art. 14.º/1 do CIRE – um regime que amplie os termos gerais do recurso de revista, o que significa que, se, em tais termos gerais (como é o caso), um acórdão da Relação (a que for aplicável o art. 14.º/1 do CIRE) não admitir revista, não é por estar invocada e verificada, indistintamente, qualquer uma das contradições jurisprudenciais identificadas no citado art. 14.º/1 do CIRE que passa a haver revista (que, repete-se, seguindo/aplicando os termos gerais, não será admissível) - Cfr, neste sentido, entre outros, acórdãos deste STJ de 10.12.2019 e de 07/07/2021, ambos in ITIJ.

[3] E não entramos sequer na apreciação da “substância” das contradições jurisprudenciais invocadas, apreciações que, uma vez que não estamos perante uma revista excecional, não competiriam à “Formação” prevista no art. 672.º/3 do CPC.

[4] Aliás, aqui (ter a causa que ter que valor e ocorrer sucumbência), situa-se um outro ponto em que o art. 629.º/2/d) tem que ser interpretado, sendo também interpretação generalizada deste Supremo que, quando também a alçada do tribunal (ou a sucumbência) constitui obstáculo à admissibilidade da revista, a alínea d) do art. 629.º/2 do CPC não é aplicável; o racional é o mesmo do caso dos autos: para tal alínea d) ser aplicável, a inadmissibilidade da revista tem que se situar unicamente num específico e restritivo regime de acesso ao Supremo, ou seja, temos que estar perante uma situação em que, se não fosse tal específico e restritivo regime, nada obstaria ao 3.º grau de jurisdição.
[5] Abrantes Geraldes, local citado, pág. 395.