Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03S4345
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VÍTOR MESQUITA
Descritores: PROCESSO LABORAL
AGRAVO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: SJ200403310043454
Data do Acordão: 03/31/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4542/03
Data: 10/01/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: DECIDIDO NÃO TOMAR CONHECIMENTO.
Sumário : 1. Com a reforma processual de 1995/96 foi intenção do legislador atribuir à 2ª instância competência para apreciar os recursos que envolvam controvérsia sobre a matéria de facto ou a resolução de questões de natureza processual, reservando para o STJ - que constitucionalmente aparece caracterizado como verdadeiro tribunal de revista - a apreciação dos recursos que versem sobre questões de direito atinentes ao mérito da causa, e, portanto, à aplicação do direito substantivo.
2. O nº. 3 do art. 754º do CPC foi introduzido pelo D.L. 180/96, visando esclarecer que o regime limitativo estabelecido no nº. 2 não é aplicável aos agravos referidos nos nºs. 2 e 3, do art. 678º e na alínea a), do nº. 1, do art. 734º.
3. "A decisão que ponha termo ao processo", referida neste último preceito legal, reporta-se à decisão final da causa.
4. Só excepcionalmente subirão ao STJ os "agravos continuados" que hajam sido interpostos de acórdãos da Relação que hajam conhecido do objecto do recurso interposto da decisão proferida na 1ª instância.
5. Sendo a questão a resolver de natureza meramente processual, já que a agravante apenas invoca ter sido violado o disposto no art. 79º do CPT81, e não ocorrendo qualquer das circunstâncias previstas no nº. 3 do art. 754º do CPC, nem as que integram a ressalva contemplada no seu nº. 2, o recurso é legalmente inadmissível.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

"A" intentou no 1º Juízo do T.T. de Lisboa acção emergente de contrato individual de trabalho contra "B, Lda.".
Tendo sido proferida sentença condenatória a R. dela interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Para obter efeito suspensivo deste recurso prestou caução, através de garantia bancária, titulada pelo documento de fls. 44, emitido em 11/02/2000, pelo "C, S.A.".
Em 02/01/2003 o "D" juntou aos autos o documento, que constitui fls. 53, e tem a data de 31/12/2002, no qual comunica "a intenção deste Banco em proceder nesta data à sua denúncia, pelo que a mesma será extinta com efeitos a 11 Fevereiro 2003, nada nos podendo vir a ser reclamado, ao abrigo de tal garantia a partir dessa data".
Notificadas as partes do teor deste documento, a Autora A, ora caucionada, veio, através do requerimento de fls. 55 e 56, dizer que "não aceito aquela denúncia, uma vez que não foi paga ainda do valor em que a requerente da caução foi condenada nos autos, estando a correr a respectiva execução e mantendo-se por isso a obrigação do Banco assumida pela prestação daquela garantia até que se verifique o completo ressarcimento da exequente". Termina, requerendo "a notificação daquele Banco de que a garantia se mantém nos autos até ser substituída por pagamento da executada ou do Banco que a prestou".
Por decisão proferida a fls. 59 e 60 foi julgado validamente denunciado o acordo celebrado entre o "C, S.A." e a "B, Lda.", e indeferido "o referido a fls. 55 dos autos de prestação de caução".
Inconformada com esta decisão dela interpôs a A recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de fls. 92 a 97, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Ainda inconformada com este acórdão interpõe a mesma o presente recurso de agravo para este STJ.

Tendo apresentado alegações, formula as seguintes conclusões:

1ª. Em acção emergente de contrato individual de trabalho movida pela A. contra a R. veio esta a ser condenada a pagar à Autora diversas quantias decorrentes de uma cessação ilícita de contrato de trabalho.
2ª. Tendo a R. interposto recurso de apelação daquela decisão condenatória e pretendendo obter o efeito suspensivo do recurso interposto, veio, por apenso, prestar nos presentes autos garantia bancária, nos termos do art. 79º do CPT (na redacção de 1981 por ser então a vigente, a qual foi considerada idónea, e através da qual o "C, S.A." se obrigou a entregar em juízo a importância em que a R. fora condenada em 1ª instância.
3ª. Tendo, entretanto, transitado em julgado a decisão condenatória da 1ª instância, foi requerida execução e nomeada à penhora a garantia bancária prestada nos presentes autos.
4ª. Na pendência dessa execução veio o "D" denunciar a garantia bancária prestada pelo "C, S.A.", presumivelmente por se tratar do Banco que sucedeu nos direitos e obrigações do "C, S.A.".
5ª. O art. 79º do CPT ao estabelecer os meios através dos quais a caução poderia ser prestada para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, teve em vista garantir que, através do diferimento obtido pela R. com o efeito suspensivo do recurso, não seriam diminuídas as garantias de pagamento à Autora das quantias em que a R. fora condenada, e, por isso, estabeleceu três modos de prestação de caução que eram:
d) Depósito efectivo no Tribunal
e) Depósito na Caixa Geral de Depósitos
f) Fiança bancária.
6ª. Se através dos dois primeiros meios ficam garantidas as possibilidades de a Autora vir a ser paga não obstante o diferimento obtido com a fixação do efeito suspensivo do recurso interposto, através de fiança bancária a mesma garantia tem de ser obtida como meio alternativo ao depósito efectivo que representa.
7ª. A fiança bancária prestada nos termos do art. 79º do CPT só funciona assim como meio de obtenção do efeito suspensivo do recurso, se não puder ser denunciada pelo Banco que a prestou antes de a Autora obter o pagamento devido em resultado da sentença condenatória - Ac. do STJ de 27/01/99 (A.D. do STA, 451º, 1002).
8ª Sendo a garantia bancária prestada ao beneficiário e irrevogável a partir do momento em que chega ao conhecimento do mesmo, independentemente da convenção estabelecida entre o banco e o hipotético devedor (entre outros, Acs. do STJ de 25/5/99, C.J. II, 114, e de 01/06/2000, C.J., II, 85).
9ª. A tudo acrescendo que a garantia bancária em causa não pode ser denunciada nos termos requeridos pelo Banco, uma vez que ela própria ressalva que a denúncia não pode abranger as obrigações assumidas até ao termo da duração da garantia.
10ª. A douta decisão da 1ª instância e o douto acórdão recorrido que a confirmou, ao aceitarem a denúncia da garantia bancária, requerida pelo "D", violou, por isso, o art. 79º do CPT81.
Pede seja dado provimento ao recurso, anulando-se a decisão recorrida e mantendo-se a garantia bancária prestada nos autos, nos exactos termos do art. 79º do CPT/81.

Não foram apresentadas contra-alegações.
No seu douto "parecer" de fls. 115 a 117, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto opina no sentido de se julgar improcedente o agravo".
Colhidos os "vistos" legais cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o nº. 1 do art. 754º do CPC que cabe recurso de agravo para o STJ do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação.
Estipula, por sua, vez, o nº. 2 do mesmo artigo que não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo STJ ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos arts. 732-A e 732-B, jurisprudência com ele conforme.
A actual redacção do nº. 2 foi introduzida pelo Dec.-Lei 375-A/99, de 20 de Setembro, pondo termo aos agravos continuados para o STJ relativos a decisões interlocutórias, tendo, contudo, deixado em aberto a admissibilidade de recurso quanto aos casos de divergência previstos na ressalva constante do mesmo preceito.
O caso "sub judice" não configura qualquer das situações previstas na aludida ressalva.
Importa, aliás, salientar que já com a reforma processual de 1995/96 se estabelecera a inadmissibilidade do recurso de agravo para o STJ dos acórdãos das Relações que, versando sobre questões processuais, confirmassem, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, procurando-se, por esta via, obstar a que um tribunal de revista, como é o STJ no nosso sistema judiciário, se visse sistematicamente solicitado para resolver questões meramente processuais.
Deixou-se evidenciado no preâmbulo do Dec-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro:
"Pretende-se com este sistema propiciar um certo grau de especialização funcional dos tribunais superiores, atribuindo naturalmente à 2ª instância competência para apreciar os recursos que envolvam controvérsia sobre a matéria de facto ou a resolução de questões de natureza processual e reservando o Supremo - que constitucionalmente surge caracterizado como verdadeiro tribunal de revista - para apreciação dos recursos que versam sobre questões de direito atinentes ao mérito da causa, e, portanto, à aplicação do direito substantivo ...".
A unanimidade do acórdão da Relação que confirme a decisão da 1ª instância, exigida pela reforma processual de 1995/96, desapareceu com a nova redacção do nº. 2 do art. 754º do CPCivil, introduzida pelo Dec.-Lei 375-A/99, de 20/9, como se viu.
De qualquer modo, "in casu", o acórdão da Relação até foi proferido por unanimidade.
Estabelece, por sua vez, o nº. 3 do art. 754º do CPC que o disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável aos agravos referidos nos nºs. 2 e 3 do art. 678º e na alínea a), do nº. 1, do art. 734º.
O nº. 2 do art. 678º prevê as situações em que o recurso é sempre admissível, seja qual foi o valor da causa, isto é, se tiver por fundamento a violação das regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia, ou a ofensa de caso julgado.
O nº. 3 do mesmo artigo refere que também admitem sempre recurso as decisões respeitantes ao valor da causa, dos incidentes ou dos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre.
Prescreve, por outro lado, o nº. 1, a), do art. 734º do CPC que sobem imediatamente os agravos interpostos da decisão que ponha termo ao processo.
Analisando o art. 754º do CPC, sublinha Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, 513) que o nº. 3 deste preceito foi introduzido pelo D.L. 180/96, visando esclarecer, de forma explicita, em estrita consonância com o teor literal da autorização legislativa concedida pela Lei 33/95, de 18 de Agosto, que o regime limitativo estabelecido no nº. 2 não é aplicável aos agravos referidos nos nºs. 2 e 3 do art. 678º e na alínea a), do nº. 1, do art. 734º, deixando, deste modo, bem claro que a limitação do direito de recorrer apenas poderá atingir recursos interpostos de decisões interlocutórias - e nunca o recurso reportado à decisão final da causa, embora de conteúdo estritamente processual.
E mais adiante (ob. cit., pág. 514), observa:
"É evidente que o novo regime estabelecido neste preceito implica, natural e reflexamente, restrição às normas que se reportam ao regime do agravo em 2ª instância ... sendo manifesto que só excepcionalmente subirão para apreciação no Supremo os "agravos continuados" que hajam sido interpostos de acórdão da Relação que hajam conhecido do objecto do recurso interposto da decisão proferida na 1ª instância".
No caso "sub judice", aliás, e tal como a agravante a perspectiva, a questão a resolver é de natureza meramente processual, já que invoca apenas ter sido violado o disposto no art. 79º do CPT/81.

Assim, não ocorrendo qualquer das circunstâncias previstas no nº. 3 do art. 754º do CPC, nem as que integram a ressalva contemplada no seu nº. 2, o recurso é legalmente inadmissível.
Certo é também que a decisão que admita um recurso não vincula o tribunal superior (art. 687º, nº. 4, do CPC).

Termos em que se decide não conhecer do objecto do recurso.
Sem custas.

Lisboa, 20 de Maio de 2004
Vítor Mesquita,
Fernandes Cadilha,
Mário Pereira.