Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
355/14.0TTCBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
FALTA DE PAGAMENTO PONTUAL DA RETRIBUIÇÃO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES INTERCALARES / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR / JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, 159, 405, 407.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, 114.
- Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª edição, 211, 419-421 e 458.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, vol. I, 2.ª edição, 415 e 501.
- Rodrigues Bastos, Notas ao “Código de Processo Civil”, vol. III, 247.
- Sinde Monteiro, in R.D.E., IV, 315.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, 230.º, 562.º, 799.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 663.º, N.º 2, 704.º, N.º 1 E N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 83.º, N.º 4.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 11.º, 127.º, N.º 1, AL. B), 258.º, 278.º, 255.º, N.º2 “A CONTRARIO”, 237.º, N.º 1, 309.º, 329.º, N.º 5, 351.º, N.º3, 387.º, N.º1, 389.º, N.º1, AL. A), E N.º3, 391.º, 394.º, N.º1, N.º 2, AL. A), N.º4 E N.º 5, 399.º, N.º 3, 400.º, N.º1, 401.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 7/3/85, IN B.M.J., 347.º/477.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 5/4/89, IN B.M.J. 386/446, DE 23/3/90, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/95, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/6/96, C.J., 1996, II/143, DE 31/1/91, IN B.M.J. 403.º/382.
-DE 11/07/2012, PROC. N.º 1584/07.8TTLSB.L1.S1.
-DE 2/04/2014, PROC. N.º 612/09.7TTSTS.P1.S1.
-DE 14/01/2015, PROC. N.º 2881/07.8TTLSB.L1.S1.
Sumário :

1 – A falta de pagamento pontual da retribuição, constitutiva de justa causa de resolução do contrato, pressupõe a efetiva prestação do trabalho, devendo ainda consubstanciar uma gravidade tal que torne inexigível para o trabalhador a continuação da prestação da atividade.

2 - O não pagamento das retribuições intercalares, na medida em que não constitui a contrapartida da prestação efetiva de trabalho, não integra a justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador.

3 – Tendo o trabalhador resolvido o contrato, com efeitos imediatos, invocando justa causa com fundamento na falta de pagamento das retribuições intercalares, sendo a resolução declarada ilícita, constituiu-se na obrigação de indemnizar a empregadora nos termos do art. 399º do CT.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

AA instaurou, contra BB, LDA, a presente ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que se condene a Ré a reconhecer que a Autora resolveu o contrato de trabalho com justa causa, com data de 30/11/2013; a indemnizar a Autora pela rescisão com justa causa, no montante de € 13.084,93; a pagar-lhe os créditos salariais vencidos até à data da rescisão do contrato de trabalho no montante de €17.435,15 e a pagar-lhe os juros de mora que se vencerem até integral pagamento daqueles valores.

Como fundamento alegou que, quando a Ré lhe comunicou que iria proceder à transferência temporária do seu local de trabalho para a sua sede em Lisboa, respondeu invocando as razões pessoais, profissionais e familiares da impossibilidade de aceitar tal transferência, além de que, à data, encontravam-‑se em dívida retribuições vencidas há mais de 8 meses e verificava-se violação do direito à ocupação efetiva, por não ter sido reintegrada na sequência de decisão judicial transitada em julgado. Na falta de resposta da Ré, a Autora resolveu o contrato com invocação de justa causa.

Contestou a Ré, alegando que a Autora, ao recusar-se a comparecer na sua sede, não pode invocar que não lhe distribuiu trabalho concreto. A não apresentação ao serviço deu origem a faltas injustificadas, por isso, ao reclamar em execução de sentença retribuições relativas a esse período, fê-lo de modo abusivo, antes da resolução do contrato de trabalho, sendo que, eventualmente, as únicas remunerações em dívida seriam as de Outubro e Novembro de 2013, não existindo fundamento legal para a resolução naquela data, o que confere à Ré o direito a exigir uma indemnização nos termos dos arts. 399º, 400º e 401º, todos do Código do Trabalho (diploma a que se reportação todos os preceitos doravante invocados sem menção de outra fonte), o que pede em reconvenção.

A Autora respondeu, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional ou, caso assim não se entenda, pela redução da indemnização ao correspondente prazo do aviso prévio.

Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença julgando parcialmente procedente a ação e procedente o pedido reconvencional e decidindo:

“a) Considerar ilícita a resolução do contrato de trabalho, por iniciativa da Autora e, considerar improcedente o pedido de indemnização por este formulado nos autos;

b) Condenar a Ré a pagar à Autora as férias e subsídio de férias (vencidos em 01/01/2013) e os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondentes ao tempo de serviço prestado nesse ano da cessação do contrato, num total de € 17.082,75 (dezassete mil e oitenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos).

c) Aos valores acima descritos acrescem os correspondentes juros de mora, à taxa legal em vigor, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.

d) Condenar a Autora a pagar à Ré a indemnização por falta do aviso previsto a que alude o art. 401º do CT, no valor de € 7.200,00.

e) Absolver a Ré do demais peticionado.

f) Absolver a Autora do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pela Ré.

Custas por A. e Ré, na proporção do respectivo decaimento – art 537.º, nº2, do NCPCivil”.

Inconformada, a autora apelou da decisão, tendo sido proferida a seguinte decisão:

“Julgar procedente a apelação e em, na alteração da sentença:

1 - revogar o decidido nas als. a) e d) do dispositivo da sentença;

2 - declarar que assistiu justa causa à Autora na resolução do seu contrato de trabalho com a Ré;

3 - condenar a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização por tal justa causa, o montante de € 13.084,93, acrescidos de juros, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 30/11/2013 até integral pagamento.

Custas do recurso pela apelada e na 1ª instância na proporção de vencidos.”

Inconformada dela recorre a Ré de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão e a repristinação da sentença da primeira instância, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

“A.      Salvo o devido respeito, o Acórdão Recorrido faz uma incorrecta e contraditória interpretação dos factos, da sua contextualização, do processo e, consequentemente, do direito aplicável.

B. A ora Recorrente não pode deixar de manifestar o seu desagrado quanto ao sentido da decisão e à argumentação que lhe subjaz.

C.     O Acórdão Recorrido omite quatro factos dados como provados, absolutamente essenciais para a boa decisão da causa, a saber: 21 - As retribuições (intercalares) vencidas até Setembro de 2013 (quando ocorreu o trânsito em julgado da já referida sentença) foram reclamadas na execução de sentença, à data em curso contra a Ré; 26 - Desde a data da prolação da sentença (em 08-02-2013) até ao seu trânsito em julgado (27-09-2013) as retribuições vencidas perfizeram um total de € 28.800,00 que foi cumulado à execução que se encontrava em curso no processo n.º 446/12.1TTCBR-A; 27 - no auto de penhora lavrado em 27-02-2014, na sobredita execução, consta uma quantia exequenda de € 77.707,66 acrescida de despesas prováveis no valor de € 3.292,34, num total de € 81.000,00; 28 - A penhora do saldo da conta de Depósitos à ordem identificada nesses autos, ascendia nessa data a € 85.478,43.

D.        Relativamente ao fundamento - falta culposa de pagamento das retribuições devidas desde então até aquela data - invocado pela Autora aquando da resolução do contrato de trabalho, a alegada, cumpre recordar que, fosse porque motivo fosse, a Autora não trabalhou para a Ré, até à data do termo da relação laboral por resolução por sua iniciativa, mas não deixou de receber, pois logo que transitou em julgado a sentença, a Autora ora Recorrida, por cumulação sucessiva de execuções, imediatamente cuidou de penhorar o saldo da conta bancária da Ré ora Recorrente num montante que em 2014 ascendia a € 81.000,00 (cfr. fls. 277), quando aquilo que tinha a receber, a título de retribuições, era € 65.640,00 (€ 36.840,00 vencidos à data da sentença + € 28.800,00 vencidos até ao transito em julgado da mesma).

E.       Daí que, e contrariamente ao sustentado pelo Acórdão Recorrido, a Autora ora Recorrida não pode beneficiar da presunção ínsita no n.º 5 do artigo 394º do CT pois executou as retribuições em dívida até Setembro de 2013 inclusive, o que resulta manifesto dos FA 21, 26, 27 e 28.

F.        Saliente-se, para além do mais e conforme salientando pela Sentença do Tribunal do Trabalho de Coimbra, que o período relativamente ao qual a falta de pagamento efetivamente se processou não foi grave ao ponto de justificar a rescisão que levou a cabo pois só estava em dívida a retribuição de outubro que deveria ser paga a 30, motivo pelo qual no dia 30 de novembro de 2013, ainda não tinham decorrido os 60 dias, sendo certo que a quantia penhorada ultrapassa esse valor e a Autora não trabalhou ao longo de todo aquele período.

G.       Contrariamente ao sustentado pelo Acórdão Recorrido, para se poder afirmar a existência de justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador não é suficiente a mera verificação objectiva de um dos comportamentos previstos no n.º 1 do artigo 394° do CT, tendo também que haver culpa por parte do empregador, devendo ainda a violação das obrigações contratuais por parte deste último, em resultado da sua gravidade, implicar a insubsistência da relação laboral.

H.     Contrariamente ao defendido pelo Acórdão Recorrido, no art. 394º do CT configuram-se duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que aquele permaneça ligado à empresa por mais tempo: a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos, por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (arts. 394º n.º 2 e 396º); a segunda reporta-‑se a fundamentos objectivos, por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador (art. 394° n.º 3), contando-se, entre os primeiros, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição (al. a) do n.º 2), e entre os segundos, a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição (al. c) do n.º 3).

I.          Tal significa, no que respeita à situação da al. a) do nº 2 do art. 394.º, que há que distinguir consoante o atraso no pagamento da retribuição não atinja os 60 dias, caso em que a culpa do empregador se presume nos termos gerais do art. 799.º do Código Civil, admitindo prova em contrário, ou atinja 60 ou mais dias, caso em que a conduta se considera culposa, ou seja, não admitindo prova em contrário.

J.         E na situação dos autos, e que resulta dos factos assentes, ao invocar a falta de pagamento relativa ao supra citado período, a Autora ora Recorrida além de não desconhecer o valor da quantia já penhorada, sendo que, no contexto de todas as vicissitudes ocorridas, jamais trabalhou para a Ré, o que constituiria abuso do direito a sua pretensão.

K.   Concluindo-se, em face do exposto, pela ilicitude da resolução com justa causa com o fundamento de falta culposa de pagamento das retribuições devidas desde então até à data da resolução.

L.  Em consequência e diferente do decidido pelo Acórdão Recorrido, resulta do artigo 399.º do CT que não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador, in casu, a ora Recorrente tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401º.

M.     Sendo, deste modo, manifesto que a improcedência do pedido formulado pela Autora ora Recorrida, designadamente ao não lograr demonstrar que tinha justa causa para resolver o contrato, tem de ter consequências na análise do prazo de aviso prévio, ficando esta constituída na obrigação de pagar à Ré uma indemnização de valor nunca inferior à retribuição correspondente ao tempo de aviso prévio em falta que na situação ora em apreço era de 60 dias, tendo em conta a sua antiguidade, portanto, € 7.200,00.

N.  Concluindo-se, deste modo, que o Acórdão Recorrido ao revogar o decidido nas alíneas a) e d) do dispositivo da sentença e ao declarar que assistiu justa causa à Autora ora Recorrida para resolver o contrato com a Ré ora Recorrente e condenando esta a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante de € 13.084,93, violou o disposto nos Artigos 394º, 399º, 400º e 401º do CT, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

O.       Concluindo-se, pois, que deve ser dado provimento ao presente Recurso de Revista, revogado o Acórdão Recorrido e repristinada a Sentença da 1ª instância, na qual foi decidido considerar ilícita a resolução do contrato de trabalho, por iniciativa da Autora e considerado improcedente o pedido de indemnização por esta formulado, bem como decidido condená-la a pagar à Ré a indemnização por falta do aviso prévio a que alude o art. 401º do CT, no valor de € 7.200,00.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido da negação da revista.

Notificadas, as partes nada disseram.

Considerando que a ação foi interposta em 31.03.2014 e que o acórdão recorrido foi proferido em 24.09.2014, é aplicável o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013 de 26.06.

Assentando a resolução do contrato em factos ocorridos em 2013 é também aplicável o Código do Trabalho atual, aprovado pelo Lei 7/2009 de 12/02.

ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 - Se a falta de pagamento das retribuições de Fevereiro a Outubro de 2013, constitui justa causa para a A. resolver o contrato de trabalho, apesar de ter instaurado execução para cobrança coerciva das relativas ao período de Fevereiro a Setembro;

2 – Se a A. deve ser condenada a indemnizar a R. pela inobservância do prazo do aviso prévio.

FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

As instâncias julgaram provados os seguintes factos:

“1- A Ré tem por objecto a prestação de serviços de saúde, actividade clínica, formação, recrutamento, selecção e gestão de recursos humanos, autoria de obras médicas, importação, exportação, comércio e representação de material e equipamento médico, serviço de apoio domiciliário, apoio social e pedagógico.

2- No âmbito da sua actividade, a Ré celebrou um contrato com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (doravante, DGRSP) para fornecer serviços de saúde diversos a ser prestados em estabelecimentos prisionais, onde se incluía o Estabelecimento Prisional de Coimbra.

3- Para assegurar esses serviços, na especialidade de Psiquiatria, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, aos reclusos adstritos a esse estabelecimento, a Ré contratou a Autora para trabalhar, sob as suas ordens e direcção, tendo a mesma aí prestado serviços regulares desde 1 de Outubro de 2009.

4- De acordo com o horário estabelecido pela Ré, a Autora executaria esse serviço em 4 dias por semana, assegurando 15 horas de trabalho fixo, distribuído por segunda, terça, quinta e sexta-feira, mediante uma remuneração de € 60,00 por cada hora de permanência no gabinete de consultas de psiquiatria no Estabelecimento Prisional.

5- A Autora estava obrigada a cumprir o referido horário, permanecendo, no respectivo gabinete do Estabelecimento Prisional, durante as respectivas horas, mesmo que não houvesse reclusos para consulta.

6- Em 27 de Maio de 2011, uma representante da Ré, de nome CC, veio ao Estabelecimento Prisional para proceder à substituição de pessoal, tendo comunicado à Autora que trazia ordens para lhe transmitir que a partir do final desse mês cessavam as suas funções naquele estabelecimento.

7- Por sentença, já transitada em julgado, proferida por este Tribunal, no âmbito do Proc. nº 446/12.1TTCBR, do (então 1º Juízo), foi a Ré condenada: a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com a Autora; a ilicitude do despedimento, e, consequentemente, a reintegração da Autora no seu serviço, sem prejuízo da categoria e antiguidade, bem como no pagamento das prestações vencidas (que a mesma deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da prolação da sentença, no valor de € 36.840,00), bem como das vincendas até ao trânsito em julgado, tendo nessa sentença sido reconhecido o valor da retribuição média mensal de € 3.600,00.

8- A sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra e transitou em julgado em 27 de Setembro de 2013.(certidão)

9- A Ré não requereu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

10- em 21-03-2013, a Autora endereçou à Ré uma carta de onde consta, além do mais que:

“(…) Como não foi requerido por vós o efeito suspensivo da sentença (…).

Assim, venho comunicar-vos da minha inteira disponibilidade para reassumir as funções que me competiam no âmbito do contrato de trabalho celebrado convosco, cumprindo o horário que antes estava estabelecido.

Se nada me for dito em contrário da vossa parte, na próxima 2ª feira, dia 25/03/2013, irei comparecer no Estabelecimento Prisional de Coimbra para reassumir as funções como médica Psiquiátrica. (…)”.

11- A Autora não pode, contudo, fazê-lo, uma vez que não dispunha de autorização para entrar no Estabelecimento Prisional, por não possuir cartão próprio emitido pelos serviços,

12- Com data de 14/6/2013, a Autora recebeu uma carta da Ré – em 19/06/2013 – que lhe comunicava que:

“(…) apesar da Sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Coimbra que ordenou a sua reintegração se encontrar pendente de recurso e de esta empresa continuar a considerar que entre as partes vigorou um contrato de prestação de serviço, foi decidido, até à prolação da decisão definitiva (…), que V. Exa passará a prestar serviços nas instalações da empresa, sitas na Av. (…) em Lisboa, a partir da próxima 3ª feira, dia 18 de Junho de 2013.

Os serviços em causa deverão ser prestados durante quinze horas semanais, no horário de funcionamento da empresa (entre as 9h e as 19h) com a seguinte distribuição:

a)Terça-feira – 3 horas e 30 minutos;

b) Quinta-feira – 3 horas e 30 minutos;

c) Sexta-feira – 4 horas e 30 minutos. (…)- (doc. 2)

13- Com data de 20/6/2013, a Autora respondeu à mesma invocando:

“(…) na vossa carta não vem invocada qualquer razão para ordem de transferência de local de trabalho, nem se esta é temporária ou definitiva.

Pelo que sem que me sejam esclarecidas as razões da vossa decisão, e qual o tipo de transferência, não posso acatar a vossa ordem, tanto mais que não respeitaram a antecedência mínima legal. (…)”- (doc. 3)

14- Com data de 5/8/2013, a Autora enviou nova carta à Ré com o seguinte teor:

“(…) Tendo acabado de ser informada pelo meu Advogado (…) de que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Coimbra que ordenou a minha reintegração no posto de trabalho (…) venho solicitar que me informem quando me devo apresentar ao serviço no Estabelecimento Prisional de Coimbra.

Com efeito, sem que me sejam dadas instruções precisas da vossa parte quanto à minha reentrada ao serviço, tanto ao Estabelecimento Prisional em causa como à Direcção Geral dos Serviços Prisionais, não será permitida a minha entrada ali para exercer as minhas funções dentro do horário contratado. (…)”- (doc. 4)

15- Com data de 30/9/2013, remeteu a Ré uma carta à Autora em que, fazendo referência à carta datada de 14 de Junho de 2013 – reproduzida em 12 – onde havia sido decidido pela empresa que a Autora deveria passar a prestar serviços nas instalações da Ré em Lisboa, a partir do dia 18 de Junho de 2013, comunicava à Autora:

“(…) No entanto V. Exa não compareceu no dia / hora e local indicados, nem apresentou qualquer justificação para as ausências no prazo legal, vindo a incorrer em faltas injustificadas desde então até à presente data.

Foi entretanto proferido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (…).

Conforme resulta da referida decisão, foi a BB, SA, condenada a pagar as retribuições vencidas desde 29 de fevereiro de 2012 até ao trânsito em julgado da decisão, deduzidas todas as importâncias que V. Exa terá obtido em virtude da cessação do contrato de trabalho, seja a título de subsídio de desemprego ou de outras importâncias que não teria auferido se não fosse a cessação do contrato de trabalho.

Tendo em vista o apuramento e o cálculo das quantias devidas a V. Exa, ao montante das retribuições intercalares vencidas deverão ser deduzidas as importâncias auferidas por V. Exa com a cessação do contrato (...) bem como a quantia eventualmente auferida por V. Exa a título de subsídio de desemprego, competindo à Segurança Social entregar essa quantia à Segurança Social Em face do exposto vem a BB SA (...) solicitar a V. Exa o envio dos documentos comprovativos das importâncias que V. Exa tenha obtido. (…)”.

Por fim reiteramos (…) o teor da nossa carta de 14 de Junho de 2013, para que lhe possam ser atribuídas funções correspondentes à sua categoria profissional. (…)” – Doc 5.

16- Por carta datada de 8/10/2013 a Autora, juntando os documentos pedidos pela Ré, argumenta:

“(…) na carta que vos remeti, datada de 20/06/2013 fui bem clara quanto às razões porque não aceitava a transferência do meu local de trabalho para Lisboa.

Por isso, não existem faltas injustificadas da minha parte, uma vez que a vossa ordem é ilegal. (…)

Quanto às retribuições intercalares venho esclarecer que não auferi qualquer subsídio de desemprego, nem outras importâncias que não teria auferido se não fosse a cessação do contrato de trabalho em Maio de 2011. (…).”.

“ (…) na sequência da minha carta datada de 2/08/2013, à qual não obtive qualquer resposta até à presente data, venho mais uma vez solicitar informações sobre a minha apresentação ao serviço, (…)”

“C…) Caso não obtenha qualquer reposta da vossa parte dentro dos próximos 10 dias concluirei que existe recusa da vossa parte em proceder à minha reintegração (…) o que constituirá fundamento para rescindir, com justa causa, o contrato de trabalho que me vincula a essa empresa. (…)” – (Doc 6)

17- Por carta de 15/10/2013, recebida pela Autora em 21, veio a Ré responder, comunicando:

“(…) como é do seu conhecimento, no passado dia 31 de Julho de 2013, cessou o contrato que vigorou entre esta empresa e a Direção Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais (…) não sendo pois possível reintegrar V. Exa no Estabelecimento Prisional de Coimbra.

Face a esta situação, e atendendo a que não é possível, de momento, reintegrar V. Exa em nenhum outro local de trabalho na zona / região/ concelho de Coimbra, onde reside, foi decidido proceder à transferência do seu local de trabalho para a sede da BB, SA, sita em (…) Lisboa, transferência que assume carácter temporário, por um período inicial previsível de três meses, que se prevê necessário para resolver a questão da sua colocação na zona onde reside, (…)”.

Vem, assim, a Administração da BB, SA, comunicar que, ao abrigo do disposto no art 194.º, do Código do Trabalho, e a partir o 8º dia subsequente à recepção da presente missiva, verá V. Exa passar a prestar serviços nas instalações da empresa, sita em (…) Lisboa (…)”.

Mais se comunica (…) que a BB, SA assume os custos de deslocação inerentes à transferência do local de trabalho e outras, desde que devidamente justificadas (…)”.

18- Por carta datada de 28/10/2013 veio a Autora responder quanto à transferência do local de trabalho, invocando:

“(…) Fui contratada para trabalhar em Coimbra e não em Lisboa, local onde resido há vários anos e onde tenho estabelecida a minha vida familiar, com filhos menores ao meu cuidado, para além de outra parte da minha vida profissional. Assim, a minha deslocação diária de Coimbra – Lisboa e regresso, para além, das horas que teria de permanecer ao vosso serviço, implicaria um dispêndio de cerca de 5 horas diárias em deslocações, totalizando em cada dia pelo menos 8,30 horas, o que é de todo incompatível com a minha vida familiar, pessoal e profissional. (…)”

“(…) devido à incapacidade de que estou afectada a nível da coluna, com a patologia que vai descrita na declaração que vos envio, estou desaconselhada a fazer deslocações frequentes e de longa duração.

Pelo que, venho comunicar que não irei apresentar-se ao serviço no local e dentro dos horários por vós determinados (…)”. – (Doc 8).

19- A essa carta a Ré não deu resposta.

20- Por carta de 29/11/2013 a Autora enviou carta à Ré do seguinte teor:

“(…) venho comunicar a minha decisão de resolver o contrato de trabalho com justa causa, com efeitos a partir do dia 30 de Novembro de 2013. (…)”

A falta de atribuição de funções por parte dessa empresa, reiterada durante mais de 8 meses, constitui (…) motivo para resolução do contrato de trabalho (…).

“(…) Pelo que existe falta culposa de pagamento das retribuições devidas desde então, até à presente data (…).

“(…) Para além da indemnização reclamo o pagamento de todas as retribuições vencidas até ao final do corrente mês, bem como o subsídio de férias e subsídio de Natal de 2013. (…)”.

21- As retribuições (intercalares) vencidas até Setembro de 2013 (quando ocorreu o trânsito em julgado da já referida sentença) foram reclamadas na execução de sentença, à data em curso contra a Ré.

22- O contrato celebrado entre a Ré com a DGRSP indicado em 2- resultou de um procedimento de ajuste directo e vigorou de 2 de Dezembro de 2009 até 31 de Julho de 2013, conforme era do conhecimento da Autora.

23- Tendo a última renovação do prazo de adjudicação ocorrido em 13-09-2013 para o período entre 1 de novembro de 2012 a 31 de julho de 2013.

24- Em Dezembro de 2009, aquando à celebração do contrato indicado em 3-, foi estipulado entre as partes que a Autora asseguraria o serviço de Psiquiatria no Estabelecimento Prisional durante o período de 3 anos.

25- As funções destinadas à Autora eram as de médica psiquiátrica em algumas instituições hospitalares na região de Lisboa.

Mais se provou – art 72º, nº1 do CPT:

26- Desde a data da prolação da sentença (em 08-02-2013) até ao seu trânsito em julgado (27-09-2013) as retribuições vencidas perfizeram um total de € 28.800,00 que foi cumulado à execução que se encontrava em curso no processo nº 446/12.1TTCBR-A.

27- no auto de penhora lavrado em 27-02-2014, na sobredita execução, consta uma quantia exequenda de € 77.707,66 acrescida de despesas prováveis no valor de € 3.292,34, num total de €81.000,00.

28- A penhora do saldo da conta de Depósitos à ordem identificada nesses autos, ascendia nessa data a € 85.478,43.”

O DIREITO

Com base nestes factos concluíram as instâncias de forma diversa.

A primeira instância considerou que o não pagamento das retribuições relativas ao período de Fevereiro a Outubro de 2013, não constituía justa causa de resolução do contrato, pelo facto de a A. ter intentado ação executiva na qual foram penhorados montantes superiores àqueles valores, para além de que são correspondentes a um período em que não prestou trabalho à R. ainda que não por culpa sua. Para além disso condenou a A. no pagamento à R. da quantia de € 7.200,00 a título de indemnização por inobservância do aviso prévio para denúncia do contrato.

Já a Relação entendeu em sentido inverso, com a seguinte fundamentação:

«A comunicação da resolução indica como fundamento o não pagamento das retribuições de Fevereiro a Setembro de 2013.

    Como se disse, a sentença reconheceu que a Ré não pagou à Autora, pontual e integralmente, tais subsídios.

   Ora, esse incumprimento manteve-se pese embora a Autora tenha dado à execução essas retribuições. Tal não altera os dados da questão, ou seja, esse incumprimento perdurou apesar da instauração da execução, sendo que esta só se justifica precisamente devido a tal não pagamento - foi este que determinou a acção da Autora em obter coercivamente, e por via da execução, o pagamento dos salários em atraso. E ainda que, em fase de pagamento da execução, a Autora tivesse obtido a satisfação dos seus créditos, o que é certo é que, na data da resolução, os mesmos ainda se não encontravam pagos, ou seja, mantinha-se a mora da Ré.

   Como refere a Autora-apelante, as retribuições relativas aos meses de Fevereiro a Setembro de 2013 eram devidas pela Ré à Autora, em consequência de decisão judicial. A Ré não podia ignorar que era sua obrigação pagar as retribuições intercalares vencidas posteriormente e até ao trânsito em julgado da sentença.

   E a verdade é que até à data da comunicação de resolução a Ré não efectuou o pagamento voluntário dessas retribuições. E pedido de execução não fez cessar o incumprimento, nem a mora.

   Assim, não vemos qualquer motivo para deixar de aplicar, no que se refere à culpa na falta de pagamento, o disposto o nº 5 do artigo 394º do Cód. do Trabalho: “considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.»

QUESTÃO PRÉVIA

A A. resolveu o contrato com os seguintes fundamentos (carta de 29.11.2013 – fls. 35 e 36):

1 - Não atribuição de funções no período de 21.03.2013 a 29.11.2013;

2 – Falta do pagamento das retribuições dos meses de Fevereiro a Outubro de 2013.

Quanto ao primeiro dos fundamentos invocados a primeira instância limitou-se a referir o seguinte:

«Começando por um dos fundamentos invocados pela Autora, nos termos do art 129.°, nº 1, do CT é proibido ao empregador: b) obstar injustificadamente à prestação efectiva do trabalho.

Como vimos, proferida a sentença que determinou a reintegração da trabalhadora na empresa, desde 08-02-2013 até à data fixada para cumprir a ordem de transferência para Lisboa (dia 29-10-2013) a Autora estava obrigada a apresentar-se no seu local de trabalho (que existiu até 31-07-2013 e de 29-10-‑2013 em diante em Lisboa) - e consequentemente a trabalhar – e não o fez, por facto que não lhe era imputável, como vimos, porquanto só em 29-10-2013 é que foi, legitimamente, apresentada à Autora uma alternativa ao extinto local de trabalho.

 Cumpre recordar que, fosse porque motivo fosse, a Autora não trabalhou para a Ré, até à data do termo da relação laboral por resolução por sua iniciativa, mas não deixou de receber.

 Com efeito, logo que transitou em julgado a sentença, a Autora, por cumulação sucessiva de execuções, logo cuidou de penhorar o saldo da conta bancária da Ré num montante que em 2014 ascendia a € 81.000,00 (cfr fls 277), quando aquilo que tinha a receber, a título de retribuições, era € 65.640,00 (€ 36.840,00 vencidos à data da sentença + € 28.800,00 vencidos até ao transito em julgado da mesma) ainda que sem juros.

 Assim, afigura-se que por um lado a Autora não pode beneficiar da presunção ínsita no nº 5º do artigo 394º do CT: a trabalhadora executou as retribuições em dívida até Setembro de 2013 inclusive. E por outro que o período relativamente ao qual a falta de pagamento efectivamente se processou não foi grave ao ponto de justificar a rescisão que levou a cabo: só estava em dívida a retribuição de outubro que deveria ser paga a 30. Logo no dia 30 de novembro de 2013, ainda não tinham decorrido os 60 dias, certo sendo que a quantia penhorada ultrapassa esse valor e a Autora não trabalhou ao longo de todo aquele período».

Como se vê, a sentença não retirou quaisquer consequências, para efeitos de aferição da justa causa de resolução do contrato, da invocada falta de atribuição de funções.

Nas alegações da apelação que apresentou, referiu a A. relativamente a tal questão:

«A Autora fundamentou a resolução do seu contrato de trabalho, alegando justa causa, em dois factos concretos, devidamente especificados na sua carta de 29/11/2013, a saber:

a) A falta de atribuição de funções, reiterada, durante mais de oito meses, desde a interposição do recurso (sem efeito suspensivo) no anterior processo e mesmo depois do trânsito em julgado dessa decisão;

b)  A falta de pagamento das retribuições relativas ao período decorrido desde 8/02/2013 e até 31 de Outubro de 2013, falta esta culposa.

 Quanto ao primeiro fundamento, a meritíssima Juíza a quo considerou que o mesmo improcedia por considerar que, após a carta da Ré, data de 15/10/2013, a Autora tinha a obrigação de se apresentar na sua sede para trabalhar dentro do horário estabelecido contratualmente. E, não se te apresentado, incorreu em faltas injustificadas.

(…)

 Quanto à conclusão a que se chegou relativamente ao primeiro dos fundamentos invocados a Autora não a põe em causa, admitindo embora que a ordem de transferência para Lisboa, ainda que temporária, constitui um abuso de direito, pois que a mesma era materialmente impossível de ser executada pela Autora, tendo em consideração que, como era do conhecimento da Ré, ela é médica dos quadros do CHUC e atenta a distância a percorrer diariamente para cumprir tal ordem.»

Também as conclusões, que confinam o âmbito do conhecimento do tribunal de recurso, são omissas quanto a este fundamento.

Está, assim, definitivamente dirimido o conflito no que tange ao aludido primeiro fundamento invocado pela A. para a resolução do contrato - falta de atribuição de funções.

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto da revista, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([3]).

1 - Se a falta de pagamento das retribuições de Fevereiro a Outubro de 2013, constitui justa causa para a A. resolver o contrato de trabalho, apesar de ter instaurado execução para cobrança coerciva das relativas ao período de Fevereiro a Setembro (da prolação da sentença até ao respetivo trânsito);

Podemos resumir o caso dos autos da seguinte forma: A R. rescindiu o contrato que havia celebrado com a A. considerando que se tratava de um contrato de prestação de serviços. Entendendo que o contrato era de trabalho e que aquela rescisão constituía despedimento sem justa causa, a A. impugnou judicialmente o despedimento tendo o tribunal qualificado o contrato como de trabalho e, entendendo que ocorreu despedimento ilícito, condenou a R., para além do mais, a reintegrar a A. no seu posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas. A R. interpôs recurso desta sentença ao qual foi atribuído efeito devolutivo. Face a este efeito, a A. apresentou-se no estabelecimento prisional de Coimbra, seu local de trabalho, mas não foi permitida a sua entrada por não ter autorização, facto que comunicou à R. referindo aguardar informação sobre o local onde se devia apresentar. A R. acabou por ordenar a sua apresentação em Lisboa, determinação que a A. não acatou. A R., apesar do efeito devolutivo do recurso não pagou à A. as retribuições intercalares. A sentença em causa foi confirmada pelo Tribunal da Relação e transitou em julgado em 27.09.2013. A A. cumulou na execução pendente e que havia instaurado contra a R., o valor das retribuições vencidas desde a data da prolação da sentença (8.02.2013) até ao seu trânsito em julgado (27.09.2013).

Vejamos então se a invocada falta de pagamento das retribuições de Fevereiro a Outubro constitui justa causa de resolução do contrato conferindo à A. o direito à respetiva indemnização como decidido pela Relação, ou se, pelo contrário, não conferem à A. o direito potestativo de resolução com a consequente obrigação de indemnizar a R., como decidido pela primeira instância e vem agora impetrado pela R. recorrente.

Nos termos do art. 127º, nº 1 al. b) é dever do empregador pagar pontualmente a retribuição, constituindo o respetivo incumprimento culposo justa causa de resolução do contrato (art. 394º, nº 2).

Esta obrigação do pagamento da retribuição mantém-se nos casos de despedimento ilícito declarado pelo tribunal, como foi o caso dos autos, em que a R. foi condenada, para além do mais, a pagar à A. as retribuições correspondentes ao período que mediou entre a data da prolação da sentença e o seu trânsito.

Mas será que o não pagamento dessas retribuições intercalares constitui justa causa de resolução do contrato?

O contrato de trabalho é definido no art. 11º como sendo “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.

Estamos, assim, perante um contrato sinalagmático em que a obrigação do pagamento da retribuição constitui a contrapartida contratual do empregador, devida pela prestação da atividade do trabalhador.

Da definição legal “resulta claramente que são elementos definidores e, portanto, essenciais deste contrato a obrigação de trabalho e a obrigação de retribuir, ligadas por um nexo de condicionalidade recíproca. Este nexo não releva, porém, somente na formação do contrato, isto é, no momento em que os sujeitos assumem aquelas obrigações, pois projecta-se no desenvolvimento da relação jurídico-laboral.”

 É por isso que, no regime da suspensão do contrato de trabalho, se entende que a formulação do art. 295º/1 CT - “durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho” - contém implícito o princípio segundo qual sem prestação de trabalho não há direito a salário ([4]).

«Do ponto de vista jurídico-formal, a retribuição surge como a contraprestação da entidade patronal face ao trabalho efectivamente realizado pelo trabalhador. Assim é que, por exemplo, as faltas não justificadas, e mesmo algumas das justificadas, conferem (legalmente) ao empregador o direito ao desconto na retribuição (arts. 255º/2 e 256º/1) Outra amostra: se o trabalhador estiver temporariamente impedido, por motivos ligados à sua pessoa (mas que não lhe sejam imputáveis), nomeadamente por doença, de prestar trabalho, o empregador fica exonerado do pagamento do salário enquanto durar a impossibilidade (art. 295º). O mesmo dispositivo é aplicável no caso de a interrupção do trabalho ser devida a greve, embora esta corresponda a um direito dos trabalhadores (art. 536º)» ([5]).

Esta mesma ideia da correspetividade entre a prestação efetiva da atividade e o pagamento da retribuição ressuma de diversas normas do Código do Trabalho, para além do transcrito art. 11º (“mediante retribuição”). É o caso dos arts. 258º (“como contrapartida do seu trabalho”) ([6]) e 258º/1 (“considera-se retribuição a prestação a que… o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”).

Também o facto do “crédito retributivo [se vencer] por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês de calendário” (art. 278º) inculca a ideia de que a retribuição pressupõe a efetiva prestação do trabalho, uma vez que o pagamento apenas é devido no fim daqueles períodos, ou seja, após a efetiva prestação do trabalho.

É claro que esta reciprocidade não é absoluta e sofre desvios, como são os casos previstos no art. 309º (durante o encerramento temporário ou de diminuição da atividade), no art. 329º/5 (suspensão preventiva do trabalhador na pendência do processo disciplinar), no art. 255º/2 “a contrario” (faltas justificadas não contempladas neste preceito ou em outras disposições legais) e no art. 237º/1 (“férias retribuídas”). É ainda o caso do descanso semanal e dos feriados.

É certo que o direito ao pagamento das retribuições sem a contrapartida da prestação do trabalho ocorre também nos casos de despedimento declarado ilícito pelo tribunal, relativamente às retribuições intercalares ou de tramitação.

Trata-se, porém, de situação que não é equiparável às anteriormente aludidas.

O despedimento constitui uma forma de cessação unilateral do contrato de trabalho, sendo uma declaração receptícia, irrevogável (art. 230º do CC) e que atinge a plena eficácia resolutiva quando chega ao poder ou ao conhecimento do trabalhador (art. 224º do CC) ([7]).

Importa ter em consideração que a ilicitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial (art. 387º/1), em ação intentada pelo trabalhador.

Sendo o despedimento ilícito, estamos perante uma violação contratual que confere ao trabalhador o direito à indemnização “por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais” [art. 389º/1/a)], para além do direito à reintegração ou, em substituição desta, à indemnização prevista no art. 391º. Tal declaração confere ainda ao trabalhador o direito ao recebimento das retribuições que deixar de auferir desde o despedimento (ou dos 30 dias que antecederam a propositura da ação), até ao trânsito em julgado da sentença.

Trata-se, assim, de reconstituir o status quo ante, objetivo primeiro da responsabilidade civil, seja contratual, seja extracontratual ou aquiliana (art. 562º do CC) ([8]).

Com a declaração da ilicitude, o vínculo laboral é reatado sendo devidos ao trabalhador os valores correspondentes à privação patrimonial de que esteve afetado desde o despedimento (ou dos 30 dias que antecederam a propositura da ação), até ao trânsito em julgado da sentença (retribuições intercalares ou de tramitação).

Como referimos, sendo o despedimento uma declaração receptícia, a resolução do contrato ocorre e torna-se eficaz logo que chega ao conhecimento do respetivo destinatário, o trabalhador, e com ela é interrompida a obrigação de prestar trabalho.

«Tal como a resolução do contrato opera por mera declaração à outra parte (art. 436º, nº 1, do CC), o despedimento acarreta a cessação do contrato de trabalho sem necessidade de recurso ao tribunal; o efeito extintivo produz-se no momento em que o trabalhador recebe a declaração de despedimento. Atendendo ao efeito constitutivo, a declaração de despedimento não pode ser revogada pelo empregador depois de ter sido recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida (art. 230º, nº 1, do CC). Na medida em que a relação laboral é de execução continuada, o despedimento implica a cessação do vínculo com eficácia ex nunc, não tendo, pois, efeito retroactivo (art. 434º, nº 2, do CC)»

(…)

O despedimento ilícito não é inválido, pelo que, mesmo injustificado produz efeitos; ou seja, determina a imediata cessação do contrato de trabalho, podendo, contudo, em determinados casos, restabelecer-se retroactivamente o vínculo» ([9])·

Ora, cabendo ao tribunal a declaração de ilicitude do despedimento, é esta que reata o vínculo laboral e faz nascer na esfera jurídica do trabalhador o direito ao recebimento (para além do mais) das referidas retribuições intercalares.

Daqui resulta que a obrigação do pagamento das retribuições intercalares não constitui a contrapartida, o sinalagma, da prestação de trabalho, tendo ao invés um conteúdo indemnizatório visando a reconstituição do status quo ante. Estas retribuições são, assim, devidas por força da sentença e da respetiva declaração da ilicitude da resolução.

Repare-se que no caso do trabalhador ilicitamente despedido passar a desempenhar outra atividade remunerada (e pode fazê-lo), as retribuições aqui auferidas são dedutíveis às retribuições intercalares.

É verdade que no caso de interposição do recurso com efeito devolutivo a sentença pode ser desde logo executada (art. 83º, nº 4 do CPT), já que constitui título executivo (art. 704º, nº 1 do CPC). Porém, o trabalhador não pode obter o pagamento enquanto a sentença não transitar em julgado (art. 704º, nº 3 do CPC).

No caso, a R. interpôs recurso da sentença, com efeito devolutivo, tendo, em consequência, a A. instaurado ação executiva para cobrança coerciva das quantias em que a R. fora condenada e, em cumulação sucessiva, das retribuições intercalares que se foram vencendo.

Montando a quantia exequenda a € 65.640,00, foi na execução penhorado o saldo da conta bancária da R. no montante de € 81.000,00.

A sentença transitou em julgado em 27.09.2013.

Assim, só a partir desta data a A. poderia ser paga (na execução) das retribuições vencidas após a prolação da sentença condenatória (8.02.2013) (que são as que estão em causa nesta ação e cujo não pagamento foi um dos fundamentos invocados pela A. para a resolução do contrato com justa causa, sendo certo que apenas estes são atendíveis – art. 398º/3).

Nos termos do art. 323º, nº 3, “a falta de pagamento pontual da retribuição confere ao trabalhador a faculdade de suspender ou fazer cessar o contrato, nos termos previstos neste Código”.

Concretizando, estabelece o art. 394º, nº 2 al. a) que, constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição, determinando ainda o nº 5 que se considera “culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias…”, caso em que, nos termos do nº 1, “o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato”.

E caberá nestes preceitos a falta de pagamento das retribuições intercalares?

Entendemos que não.

Na verdade a falta do pagamento das retribuições, constitutivo de justa causa de resolução, é o que consubstancia uma violação contratual do direito do trabalhador ao recebimento pontual da retribuição e da consequente obrigação do empregador de a pagar [art. 127º, 1, b)].

Ora, tendo o vínculo laboral se extinguido com o despedimento, cujos efeitos operam ex nunc, deixou, a partir daí, de existir violação contratual. O não pagamento pontual da retribuição, constitutivo de justa causa de resolução, pressupõe que a mesma seja a contrapartida do trabalho prestado e não um valor indemnizatório, como é o caso das retribuições intercalares ou de tramitação.

No caso, a A. não prestou a sua atividade à R. no período de 8.02.2013 a 27.09.2013 ([10]).

Por conseguinte, o não pagamento das retribuições intercalares mesmo depois do trânsito em julgado da sentença, não constitui justa causa de resolução do contrato.

Importa referir que, para além das retribuições intercalares (até ao trânsito da sentença), a R., aquando da comunicação resolutiva da A., em 29.11.2013, ainda não havia pago a retribuição do mês de Outubro e que era devida por se ter reatado o vínculo laboral.

Porém, nesta data, porque ainda não haviam decorrido mais de 60 dias, não beneficiava a A. da presunção de culpa inilidível, estabelecida no art. 394º/5, mas apenas da presunção geral cominada no art. 799º, nº 1 do CC.

Só que, esta mera presunção não constitui, por si, justa causa de resolução do contrato com direito à correspetiva indemnização.

Para que este inadimplemento constitua justa causa de resolução é necessário que constitua grave lesão para o trabalhador, quer pelo seu valor quer pela premente necessidade daquele dinheiro, de forma a que constitua uma grave violação pelo empregador das obrigações contratuais (arts. 351º/3 por remissão do art. 394º/4) e torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, com tem sido entendimento uniforme desta secção ([11]).

Competia à A. demonstrar a gravidade desta violação, o que não fez, nem a invocou na comunicação de resolução.

Daqui concluímos que também o não pagamento da retribuição do mês de Outubro não constituiu justa causa de resolução do contrato.

2 – Se a A. deve ser condenada a indemnizar a R. pela inobservância do prazo do aviso prévio.

Foi entendimento da primeira instância que foi ilícita a resolução do contrato pela A., e porque não observou o prazo de aviso prévio estabelecido no art. 400º, condenou-a a pagar à R. a indemnização prevista no art. 401º.

A Relação, entendendo de forma diversa, considerou lícita a resolução e absolveu a A. do pedido reconvencional.

Impetra a R. na revista a repristinação da sentença nomeadamente no que tange ao pedido reconvencional.

Já vimos que os fundamentos invocados pela A. para a resolução do contrato, não constituem justa causa, tendo por conseguinte a mesma sido ilícita.

É certo que a A. podia denunciar livremente o contrato conquanto comunicasse essa intenção à empregadora com a antecedência estabelecida no art. 400º.

Dispõe o número 1 deste preceito “o trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.”

Na missiva que, em 29.11.2013, dirigiu à R., comunicou-lhe a A. que resolvia “o contrato de trabalho com justa causa, com efeitos a partir do dia 30 de Novembro de 2013”.

A A. iniciou a sua prestação para a R. em 1.10.2009, auferindo a “retribuição média mensal de € 3.600,00”.

Por conseguinte, de acordo com o transcrito art. 400º, era de 60 dias o prazo do aviso prévio, prazo este que não foi respeitado.

Nos termos do art. 401º “o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.”

Temos assim que a indemnização devida pela A. à R. ascende a € 7.200,00, como decidido na primeira instância, cuja sentença deve assim, e como vem peticionado, ser represtinada.

DECISÃO

Pelo exposto decide-se:

1 – Conceder a revista;

2 – Revogar o acórdão recorrido;

3 – Repristinar a sentença da primeira instância;

4 – Condenar a recorrida nas custas da apelação e da revista.

Lisboa, 7.04.2016


Ribeiro Cardoso (Relator)


Pinto Hespanhol


Gonçalves Rocha



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[1] Acórdão redigido de acordo com a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de  23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n. 2 do CPC.
[4] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 159.
[5] António Monteiro Fernandes, ob. cit. pág. 407.
[6] António Monteiro Fernandes, ob. cit. pág. 405.
[7] Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª edição, págs. 211, 419 e 420.
[8] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 114. Sinde Monteiro, RDE, IV, pág. 315. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, págs. 415 e 501.
[9] Pedro Romano Martinez, ob. cit. págs. 420, 421 e 458.
[10] Não referimos as retribuições até à prolação da sentença, porquanto não invocou o seu não pagamento na comunicação de rescisão do contrato, sendo que apenas os factos aqui invocados são atendíveis para aferir da licitude da resolução (art. 398º/3).
[11] «Invocando justa causa subjectiva, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar, em razão da sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, devendo demonstrar, de igual passo, a existência do nexo de causalidade entre aquele comportamento e a inexigibilidade para o trabalhador na manutenção do vínculo» Ac. do STJ de 14.01.2015, proc. 2881/07.8TTLSB.L1.S1 (relator Melo Lima).
«A justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador pressupõe, em geral, que da actuação imputada ao empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que se torne inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua actividade» - ac. do STJ de 2.04.2014, proc. 612/09.7TTSTS.P1.S1 (relator Leones Dantas).
«Para que a falta culposa de pagamento pontual da retribuição constitua justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador não basta um qualquer atraso no seu pagamento; é necessário que essa falta de pagamento, apreciada segundo o critério de um bonus pater familias revista, em si mesma e/ou nas suas consequências, uma gravidade tal de torne verdadeiramente insustentável para o trabalhador a manutenção do vínculo laboral.» - Ac. do STJ de 11.07.2012, proc. 1584/07.8TTLSB.L1.S1 (relator Sampaio Gomes).