Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2545/10.5TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
BOA FÉ
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 11/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 1008-1009, nota 3.
- Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, p. 400, nota 4.
- Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 259, 263, 264, 267 e 272-273.
- Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, 1995, pp. 334, 337.
- Carneiro da Frada, O método do caso, Almedina, Coimbra, 2011, p. 103; Teoria da Confiança e responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, pp. 552, 556.
- Fragali, RDCDO, I, 1966, p. 251, apud Brandão Proença, Lições de cumprimento…ob. cit..
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 258.
- José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato, 2.ª edição, 2014, Almedina, pp. 90-91, 95-109, 129.
- Júlio Gomes, «Da excepção de não cumprimento parcial e da sua invocação de acordo com a boa fé, Anotação ao Acórdão do TRP de 10.3.2008», Cadernos de Direito Privado, 2009, n.º 25, pp. 59-60, 65-66 e nota 44; «Sobre o dano da perda de chance», Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, II, p. 43.
- María Cruz Moreno, La Exceptio Non Adimpleti Contractus, Tirant to blanch, Valencia, 2004, pp. 75-80.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IX, Direito das Obrigações, Cumprimento e não cumprimento, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 141, 151, 154.
- Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, AAFDL, Lisboa, 1976, pp. 296-298.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 406, 580.
- Raúl Guichard e Sofia Pais, «Contrato-promessa», Direito e Justiça, Volume XIV, 2000, Tomo 1, p. 326.
- Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 447.
- Vaz Serra, «Excepção de contrato não cumprido», BMJ n.º 67, 1957, pp. 37 e ss.; «Mora do devedor», BMJ, n.º 48, 1955, pp. 60-62; in RLJ, Ano 108.º, p.155.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 334.º, 406.º, 428.º, 762.º, N.º2, 808.º, 1208.º, 1211.º, N.º2,. 1217.º, N.º 1, 2.ª PARTE.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 28-04-2009, PROC. N.º 09B0212
-DE 21-05-2009, PROC. N.º 09A0643
-DE 22-10-2009, PROC. N.º 409/09.4YFLSB
-DE 04-02-2010, PROC. N.º 4913/05.5TBNG.P1.S1
-DE 20-05-2010, PROC. N.º 8/03.4TBALM.L1.S1
-DE 09-12-2010, PROC. N.º 3803/06.9TBAVR.C1.S1
-DE 28-06-2011, PROC. N.º 7580/05. 2TBVNG.P1.S1
-DE 28-01-2014, PROC. N.º 954/05.OTCSNT.L1
-DE 29-01-2014, PROCESSO N.º 954/05.0TCSNT.L1
-DE 16-06-2015, PROC. 3309/08.1TJVNF.G1.S1
Sumário :
I - O contrato de empreitada é um contrato bilateral ou sinalagmático de que resultam prestações correspetivas ou correlativas (a obrigação de executar a obra e a do pagamento do preço), isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra e intercedendo entre ambas um nexo de causalidade e de reciprocidade.

II - Ao contrato de empreitada aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos arts. 1207.º e segs. do Código Civil, mas também as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis.

II - A invocação da exceção de não cumprimento do contrato, nas hipóteses de cumprimento defeituoso ou parcial, deve ser restringida aos casos em que não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos arts. 227.º e 762.º, n.º 2 do Código Civil e desde que sejam observados critérios de proporcionalidade a aferir segundo as circunstâncias do caso, tendo em conta não só o valor da prestação que ficou por pagar,  mas também as relações negociais entre as partes, a gravidade do incumprimento na economia do contrato, a atitude do demandado e do demandante, as causas da execução parcial ou defeituosa, a tolerância ou intolerância revelada por cada uma das partes no contrato, os seus interesses, etc.

III - A recusa da ré em entregar a obra por falta de pagamento de uma pequena parcela do preço relativo a obras novas, quando não cumpriu sistematicamente o prazo de entrega da obra e de completar alguns trabalhos já pagos, excede a finalidade e os critérios de proporcionalidade da exceptio, ainda mais tratando-se de uma exceptio atípica, situada fora do contrato bilateral inicial porque relativa a obras novas.

IV – É de admitir a resolução do contrato por recusa de cumprimento, decorrente de um comportamento concludente, quando este se insere num quadro de comportamentos sintomáticos que, sem colocarem diretamente em causa o cumprimento, o tornam improvável e de molde a criar no declaratário a convicção que o devedor não realizará a prestação no prazo fixado ou no decurso de uma subsequente interpelação admonitória

V – Trata-se de um «direito de resolução por justa causa», por analogia com outras disposições do Código Civil a propósito do mandato ou (art.1170.º, n.º 2) e do contrato de depósito (art. 1194.º), para os casos em que se verifica uma rutura da confiança essencial ao normal desenvolvimento da relação, suscetível de a inviabilizar no futuro.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

 

I – Relatório

SAA, Lda, instaurou acção declarativa, com forma ordinária, contra BB, Lda pedindo que se reconheça a resolução do contrato de empreitada e se condene a ré a pagar-lhe € 314.500, valor dos trabalhos de conclusão da empreitada, acrescidos de indemnização a liquidar posteriormente, pelos prejuízos que teve da não venda das moradias dentro do prazo acordado.

Alega, em síntese, que a ré se obrigou a construir duas moradias na Avenida de ..., …, ..., pelo preço total de € 414. 984, acrescido de IVA, sem qualquer adicional, no prazo de 90 dias, de acordo com o projecto de construção, conforme orçamento 1398/2006, de 16/01/2006. A ré não concluiu as moradias e desde Abril de 2008 que a ré se recusava a concluir as obras, exigindo o pagamento de trabalhos a mais no valor de € 13.017, valores esses que não eram devidos por a ré se ter obrigado a concluir a obra em 90 dias, sem receber qualquer quantia adicional.

A autora requereu, em produção antecipada de prova, Inspecção Judicial às moradias, nas quais se verificou, em 06/10/2008, quais os aspectos das obras que faltavam concluir.

Em 20/10/2008, por carta, disse à autora que estava a ultimar os trabalhos nas vivendas; a autora aguardou 60 dias e como a ré não concluiu as obras, em 24/12/2008, comunicou-lhe que considerava o contrato incumprido e solicitava a entrega das moradias; a ré voltou a solicitar o pagamento de trabalhos a mais, os quais não são devidos por ela se ter obrigado a concluir as moradias sem quaisquer adicionais.

A ré abandonou a obra em 7 de Janeiro de 2009, estando a obra ainda inacabada; para a conclusão da obra serão necessários € 314.500.

Em antecipação de prova requereu perícia à obra, não tendo havido unanimidade dos Srs. Peritos.

Se a obra fosse concluída nos prazos acordados a autora venderia as duas moradias pelo preço de € 500.000 cada uma, valor que devido à conjuntura económica não pode agora ser praticado.

Citada a ré contestou e deduziu reconvenção.

Confirma que em 03/03/08 aceitou concluir as duas moradias unifamiliares a que se refere o orçamento 1398/2006, no prazo de 90 dias a contar de 03/03/08, sem pagamento de qualquer quantia; a CC SA, anterior dona da obra, havia prescindido de determinados trabalhos: fornecimento e montagens de roupeiros com portas de carvalho; aquecimento, fornecimento e colocação de pedra Azulino Cascais nas paredes e pavimentos das casas de banho, substituição de vidros duplos por simples.

A ré suspendeu os trabalhos porque a autora e anteriormente a CC não pagavam os trabalhos a mais executados pela ré nas vivendas, no valor de € 13 017,00, que discrimina.

Os Peritos, por maioria, concordaram que para terminar as obras seriam necessários € 34.011,25 .

Em reconvenção, a ré pede a condenação da autora a pagar-lhe € 13.017,00, acrescidos de juros, correspondentes ao valor dos trabalhos a mais que realizou nas vivendas e que discrimina.

A autora replicou.

Reitera que não era devido qualquer valor por trabalhos a mais para a conclusão das vivendas; nega que tenha prescindido dos trabalhos e acabamentos que a ré invoca.

Pede a condenação da ré como litigante de má-fé, no pagamento de multa, porque,

afirma, que ela pede o pagamento de trabalhos que não executou e sabe que não tem direito a trabalhos a mais.

Realizou-se audiência preliminar, saneando-se o processo e condensando-se os autos, com a reclamação à seleção da matéria de facto por parte da autora, reclamação essa não atendida.

Realizou-se o julgamento e decidiu-se a matéria de facto, sem reclamações.

A autora apresentou alegações escritas sobre o aspeto jurídico da causa.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Em face do exposto, decide-se julgar:

A acção improcedente e, consequentemente, absolve-se a ré do pedido.

A reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente, condena-se a autora/reconvinda a pagar à ré a quantia de 9.289€, acrescida de juros de mora, desde a notificação da reconvenção, às taxas que resultem da aplicação da Portaria 597/2005, de 19/07».

A Autora AA, LDA interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação julgado totalmente improcedente a apelação e confirmado a decisão recorrida, com custas pela Apelante.

Novamente inconformada intenta a autora recurso de revista excecional para este Supremo Tribunal, com fundamento na contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-02-2010, o qual foi admitido pela formação constituída nos termos do n.º 3 do art. 672.º do CPC, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 da mesma disposição legal.

A Recorrente formula, na sua alegação de revista, 161 conclusões exaradas a fls. 690 a 706, que aqui consideramos integralmente reproduzidas.

Terminam a sua alegação, requerendo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que admita o incumprimento definitivo da ré e julgue válida a resolução do contrato de empreitada pela Autora, bem como seja fixada indemnização a seu favor a liquidar em execução de sentença em virtude do incumprimento contratual.

A Ré não apresentou contra-alegações.

Nas suas conclusões, a autora coloca duas questões:

1. Que seja acrescentado à matéria de facto um facto novo com base no documento n.º 29, junto aos autos no articulado 76.º da petição inicial, o qual contempla a fixação de prazo admonitório que a autora-recorrente deu à ré para concluir a empreitada sob pena de incumprimento contratual, a cujo teor as instâncias não deram relevância nem o fizeram constar da factualidade provada.

2. Interpretação da conduta da ré de paralisação das obras, como exceção de não cumprimento do contrato desproporcional à gravidade do incumprimento parcial imputado à autora ou como declaração inequívoca da vontade de não cumprir suscetível de gerar incumprimento definitivo.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

II – Fundamentação de facto

As instâncias deram como provados os seguintes factos.

«1°- DD, na qualidade de gerente de Ré BB, Lda, emitiu a declaração escrita, datada de 03/03/08, cuja cópia se mostra a fls. 87, na qual consta:

“...declara ... que a sua representada se obriga perante a AA, Lda a:

1. Liquidar as letras de câmbio aceites pela AA, Lda infra identificadas, e a entregar as mesmas a esta última até ao dia 30 de Abril de 2008:

Letra de câmbio no montante de €45.000,00 com vencimento em 24.02.2008;

Letra de câmbio no montante de € 9.694,64, com vencimento em 10.03.2008;

c)-Letra de câmbio no montante de €16.789,23, com vencimento em 16.03.2008.

2. Concluir a obra a que se refere o seu orçamento n.° 1398/2006, no prazo de 90 (noventa) dias, sem pagamento de qualquer quantia por parte da AA, Lda.(A)

2°- A Ré emitiu o orçamento n.° 1398/2006, em 16/01/06, cuja cópia se mostra a fls. 79, do qual consta:

“ De acordo com o pedido de V.ª Ex.ª junto enviamos o valor para a construção de duas moradias na EE, de acordo com os projectos apresentados.

Os materiais são os descritos na memória descritiva.

– Construção das duas moradias 391.465,00€

– Construção duas churrasqueiras 9.826,00€

3. – Execução reparação dos muros de vedação 13.693,00€,

O valor total é de 414.984,00,

Nos preços apresentados não está incluído o valor de IVA.

Validade da proposta: 60 dias. Prazo de execução 11 meses.

Condições de pagamento: a combinar. (B)

3°- O orçamento foi aceite pela autora. (C)

4°- Em 6/10/08 foi realizada inspecção judicial às vivendas, na qual foi constatado:

“...Enumeram-se as obras que se encontram concluídas.

A estrutura dos edifícios está toda efectuada bem como os telhados, à excepção do telhado das churrasqueiras.

Todas as canalizações no interior das moradias encontram-se executadas, bem como electricidade, gás e esgotos.

Existe em todas as divisões, excepto na cave da moradia B, revestimento em estuque nas paredes e tectos e as casas de banho e cozinhas encontram-se revestidas e com pavimento.

Nas casas de banho só existe banheira e base de duche.

As caves encontram-se rebocadas e com pavimento cerâmico.

As moradias têm caixilhos e vidros nos vãos, excepto na moradia B (um vão na caixa de escada).

As casas encontram-se rebocadas exteriormente, excepto as churrasqueiras.

As portadas estão a ser colocadas neste momento.

Todas as portas estão colocadas, incluindo as das garagens.

O revestimento exterior, na globalidade, não está concluído.

Encontram-se por concluir as seguintes obras:

Colocação do caixilho no vão da caixa de escada da moradia B.

Conclusão da rede de esgotos na cave, bem como gás e electricidade no exterior.

Colocação das loiças sanitárias (excepto banheira e base de duche) e torneiras.

Uma das casas de banho do rés-do-chão não tem revestimento em azulejo, encontra-se estucada, tem as canalizações colocadas, falta pavimento, aparelhos sanitários e torneiras.

Colocação das aduelas e portas interiores.

O pavimento flutuante não se encontra colocado.

As casas encontram-se estucadas no interior.

As cozinhas não têm o equipamento (só revestimento e respectiva

canalização).

Os roupeiros não se encontram colocados.

Não se encontram colocadas as lareiras.

Nas varandas não se encontram colocadas as guardas.

A parte do terraço coberto não tem ainda pavimento e as paredes têm reboco.

As escadas interiores devem ser concluídas e colocado o revestimento.

Faltam as pérgulas dos terraços e faltam todos os acabamentos e remates inerentes ao fim da construção (no interior).

Falta concluir a rede eléctrica.

No exterior, os arranjos (revestimento) não se encontram executados.

Somente em algumas partes, nomeadamente as escadas, patamares tardoz e alçados laterais têm revestimento.

No alçado principal não se encontra concluído o revestimento.

Faltam todos os arranjos exteriores, bem como muros e muretes. Falta fazer as churrasqueiras e o chão. (D)

5º- Em 27/03/08, a ré, por referência ao orçamento 1398/06, refere ter realizado nas vivendas os seguintes trabalhos que considera não incluídos no orçamento:

1 – Trabalho de canalizador na separação da tubagem de água entre o lote do lado e o das moradias 1.682,00 €

2 – Trabalho de canalizador na reparação da rotura de água no jardim da moradia do lote ao lado 942,00 €

3 – Vidros duplos (5/12/4) da caixilharia (estava considerado vidro simples de 5mm) 2.343,00€

4 – Automatismo dos portões das garagens – 2 unidades (estava considerado manuais como os da rua) 1.385,00 €.

5 – Abertura de vão nos quartos que dão para o terraço (na cobertura), incluindo a alteração de rede eléctrica e novo caixilho em alumínio lacado e vidro duplo – 2 unidades. 2.386,00 €

6 – Execução do terraço no piso 1, incluindo a impermeabilização, betonilhas e mosaico no pavimento e descontando o valor da telha 4.279,00 €

No valor total de: 13.017,00 €

E refere trabalhos a mais não executados:

1 – Execução de abertura de vão na sala para o terraço, incluindo a colocação de caixilharia lacada e vídeo duplo nos dois alçados e pavimento flutuante igual ao da casa 2 unidades (descontando o mosaico do pavimento se fosse terraço) 13.633,00 €

2 – Fornecimento e colocação de móveis de cozinha em melamina branca superiores e inferiores, formando um L, incluindo o lava louça e a misturadora (continuam excluídos os electrodomésticos) – 2 unidades 9.988,00 €

3 – Execução de muros de alvenaria para as floreiras de acordo com a planta de implementação, rebocados pelo lado exterior (excluindo terra de jardim e plantas), para as duas moradias. 9.625,00 €

4 – Execução dos arruamentos em calçada com lancis em vidraço, de acordo com a planta de implementação 29.316,00 €

No valor de: 62.562,00 €

Requer que lhe sejam pagos os 13.017,00€ acrescidos de IVA e informa se forem requeridos trabalhos a mais ainda não realizados, o pagamento de 50% respectivos. (E)

6°- Em 13/05/08, a ré comunica que irá manter a obra parada enquanto não for paga a factura de 13.017,00 € e a autora indique se adjudica ou não os restantes trabalhos a mais. (F)

7°- Em 24/10/08 a ré comunica à Autora que estava a concluir os trabalhos das vivendas. (G)

8°- Em 24/12/08, a gerente da autora comunicou à ré que por já terem passados 60 dias sobre a data em que a ré informa que está a concluir os trabalhos da vivenda, considera incumprido o contrato e determina que devolva de imediato a obra. (H)

9°- Em Setembro de 2008, as obras de execução das vivendas referidas em B), estavam paradas e a ré fez depender a respectiva continuação do pagamento de 13 017€. (1°)

10°- Houve pessoas interessadas em visitar as vivendas com vista a uma eventual compra. (2°)

11°- A ré saiu da obra em Janeiro de 2009 na sequência da carta da autora referida em H). (3°)

12º - Quando a ré saiu da obra faltavam concluir os seguintes trabalhos e aplicar os seguintes materiais:

- Pavimentos:

- Assentamento de pavimento flutuante em laminado estratificado, incluindo manta;

- Fornecimento e assentamento de cobertores de degraus em madeira de carvalho maciça;

- Paredes:

- Assentamento de rodapé em mdf folheado de carvalho;

- Pintura de paredes interiores a tinta plástica a 3 demãos;

- Pintura de paredes exteriores a tinta areada, incluindo esfregaço e base;

- Tectos:

-Pintura de tectos e sancas a tinta plástica a 3 demãos;

- Carpintarias:

- Fornecimento e montagem de corrimão em madeira de carvalho maciça;

- Assentamento de painéis de revestimento nas portas de segurança;

- Montagem de fechaduras e puxadores em portas interiores;

- Serralharias:

- Fornecimento e montagem de guardas exteriores em alumínio lacado;

-Fornecimento e assentamento de portões exteriores em ferro metalizado e pintado a esmalte;

- Porta de homem com 0,80 de largura;

- Portão de viaturas com 3,00 de largura;

- Montagem dos motores para accionamento eléctrico dos portões da garagem;

- Águas e esgotos:

- Fornecimento e montagens de louças incluindo todos os acessórios;

- Sanitas com tanque, mecanismo e tampo;

- Bidés;

- Bases de chuveiro 80x80 cm;

- Lavatórios;

- Banheiras de 1,60 m;

- Fornecimento e montagem de torneiras, incluindo todos os acessórios;

- Misturadoras de lavatório e bidé;

- Misturadores de chuveiro e banheira;

- Torneiras de corte para sanitas;

- Fornecimento de grupos de bombagem de esgotos para as águas pluviais e domésticas, incluindo todos os acessórios em caixas e tubagens já existentes;

- Diversos:

- Remates, afinações e retoques finais em mosaicos, silicones, beirados, portas e outros

- Limpeza final da obra. (4°)

13°- No valor total de 34 011,25 €. (5°)

14°- As moradias destinavam-se a ser vendidas pela Autora. (6°)

15°- A autora não conseguirá vender as moradias pelo preço de 500 mil euros cada uma. (8°)

16°- A anterior dona da obra havia prescindido de:

Fornecimento e montagem de roupeiros com portas em carvalho;

Aquecimento;

Fornecimento e colocação de pedra “Azulino Cascais” nas paredes e pavimento das casas de banho. (9°)

17°- Foram realizados os seguintes trabalhos não previstos no orçamento 1398/2006, a solicitação da autora:

- Trabalho de canalizador na separação da tubagem de água entre o lote ao lado e o das moradias no valor de 1682,00;

- Trabalho de canalizador na reparação da rotura de água no jardim da moradia do lote ao lado no valor de 942,00;

- Abertura de vão nos quartos que dão acesso para o terraço na cobertura incluindo a alteração de rede eléctrica e novo caixilho em alumínio lacada e vidro duplo 2 unidades, no valor de 2.386,00;

- Execução do terraço no piso 1, incluindo a impermeabilização, betonilhas e mosaico no pavimento e descontando o valor da telha, no valor de 4.279,00 (10° e 11°)».

III – Fundamentação de direito

 1. O acórdão recorrido entendeu que a suspensão da execução das obras era apenas uma  situação de mora que não foi convertida em incumprimento definitivo, por não ter havido uma interpelação admonitória nem perda de interesse do credor, com a seguinte fundamentação:

«Dispõe o art. 808º, nº 1 do Código Civil que: “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.

Portanto, nos termos deste nº 1, 2ª parte, perante uma situação de mora, a parte cumpridora pode fixar à outra parte um prazo suplementar razoável, dentro do qual a prestação deve ser cumprida sob pena de resolução automática do contrato.

É o que se chama a interpelação admonitória, a qual deverá conter os seguintes elementos:

- a intimação para o cumprimento; - fixação de um termo peremptório para o cumprimento;

- a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro desse prazo.

Por seu turno, a perda de interesse na prestação é apreciada objectivamente, isto é, o credor não deve rejeitar a prestação a seu arbítrio, mas apenas com fundamento em interesses ou motivos dignos de tutela que serão, por via de regra, motivos ligados aos fins subjectivos do credor - aqueles fins a cuja satisfação ele destinava a prestação ( nº 2 do referido art. 808º).

 No caso em apreço está provado que:

 - A Ré requer que lhe sejam pagos 13.017,00€, acrescidos de juros, correspondentes ao valor dos trabalhos a mais que realizou nas vivendas e que discrimina.

- em 13/05/08 a Ré comunicou que iria manter a obra parada enquanto não fosse paga a factura de 13.017,00 € e que a Autora indicasse se adjudicava ou não os restantes trabalhos a mais.

-Em 24/12/08, a gerente da Autora comunicou à Ré que, por já terem passados 60 dias sobre a data em que a mesma informou que estava a concluir os trabalhos da vivenda, considerava incumprido o contrato e determinava que se devolvesse de imediato a obra.

-Em Setembro de 2008, as obras de execução das vivendas referidas em B), estavam paradas e a Ré fez depender a respectiva continuação do pagamento de 13 017€.

O que pode resultar desta factualidade é que a Ré/Apelada incorreu em mora, em simples mora ao paralisar a execução da obra.

Para converter esta mora em incumprimento definitivo deveria a Apelante/Autora ter procedido à interpelação admonitória nos temos e com as formalidades acima indicadas. Tal não aconteceu.

No caso, para haver perda de interesse na conclusão da empreitada, sempre apreciado este de forma objectiva, necessário era que o empreiteiro se recusasse definitivamente a não concluir a obra, ou não conseguisse, de todo em todo, por não ter capacidade técnica ou por outros motivos, continuar a mesma, convertendo-se aí a mora do devedor em incumprimento definitivo, imputável ao empreiteiro e, nesta situação, “já não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio, ou através de terceiro, efectuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento do custo das obras” (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2004, p. 88 e 111).

Deste modo, não se mostrando provado o incumprimento definitivo não podia a Apelante resolver o contrato».

A recorrente invoca um documento, junto com o art. 76.º da petição inicial e que não foi não considerado pelas instâncias, o documento n.º 29, ao qual atribui o valor de interpelação admonitória com virtualidade para gerar incumprimento definitivo.

2. A apreciação do documento n.º 29, com data de 30 de junho de 2008, após o incumprimento do prazo inicialmente fixado de 90 dias para a conclusão das moradias, como não foi impugnado pela ré (que até aceitou a sua veracidade na contestação e não negou tê-lo recebido), situa-se no domínio da prova vinculada, atribuindo-se ao mesmo o valor de confissão.

Nele se afirma que no caso de a ré não entregar a obra dentro de 15 dias, se deve considerar resolvido o contrato:

“Concedemos um prazo de 15 dias para V. Ex.ªs procederem à conclusão das obras e repararem os defeitos existentes nas mesmas, prazo findo o qual teremos de considerar definitivamente incumprido o contrato de empreitada”

O teor do documento corresponde a uma interpelação admonitória, pois contém os elementos exigidos pela lei e pela jurisprudência:

1 - a intimação para o cumprimento;

2 - a fixação de um termo peremptório para o cumprimento;

3 - a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro desse prazo.

Contudo, o significado e os efeitos jurídicos a atribuir a este documento têm que ser enquadrados na factualidade provada.

Nos termos do facto n.º 7.º, «Em 24/10/08, a ré comunica à Autora que estava a concluir os trabalhos das vivendas», e, segundo o facto n.º 8 «°- Em 24/12/08, a gerente da autora comunicou à ré que por já terem passados 60 dias sobre a data em que a ré informa que está a concluir os trabalhos da vivenda, considera incumprido o contrato e determina que devolva de imediato a obra». A resposta da autora significa que esta não considerou o contrato resolvido dentro do prazo de 15 dias a contar da receção da carta datada de 30 de junho, conforme a interpelação feita, o que permite concluir que houve entre as partes, entre junho e outubro, um acordo de manutenção do contrato, em sentido contrário ao que indicava a carta. Assim se explica, o diálogo posterior mantido entre as partes em outubro e em dezembro.

Em consequência, os factos provados indicam que esta carta não teve efeito resolutivo, não se tendo extinguido o contrato na data nele prevista.

3. A recorrente coloca, ainda, a questão da recusa de cumprimento, alegando que o acórdão recorrido não abordou a questão do significado da paralisação da obra como vontade clara e inequívoca de não cumprimento, nem a questão de saber se a exceção de não cumprimento do contrato respeitava os critérios jurisprudenciais da boa fé e da proporcionalidade, questões alegadas no recurso de apelação e que a autora esgrimia desde a petição inicial.

Deve, portanto, este Supremo proceder a uma reavaliação da matéria de facto, para decidir se a autora tem ou não razão quando entende que a paralisação das obras, como resposta a uma alegada falta de pagamento de 13.017 euros pela autora, constitui uma exceção de não cumprimento do contrato desproporcionada e contrária à boa fé, com o significado de recusa de cumprimento, tendo em conta o preço global acordado pela obra no valor de € 414. 984.

4. A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o acórdão fundamento, de 4-02-2010 (proc. n.º 4913/05.5TBNG.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Oliveira Rocha, tem entendido que o recurso à exceção de não cumprimento num contrato bilateral sinalagmático, quando está em causa um incumprimento parcial da outra parte, tem que obedecer a critérios de proporcionalidade e de boa fé, sob pena de a exceção de não cumprimento ser equivalente a um incumprimento definitivo.

No citado acórdão de 4-02-2010, estabeleceu-se a seguinte orientação:

 «A excepção do não cumprimento do contrato, consagrada no art. 428.º do CC, é uma consequência natural dos contratos sinalagmáticos, pois, neles, cada uma das partes assume obrigações, tendo em vista as obrigações da outra parte, de sorte que se romperia o equilíbrio contratual, encarado pelas partes, se caso uma delas pudesse exigir da outra o cumprimento sem, por outro lado, ter cumprido o que se prestar a cumprir.

No caso de incumprimento parcial, o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser proporcional à gravidade da inexecução, o que só poderá implicar uma recusa parcial por parte do credor; isto é, o credor poderá tão só suspender, parcial e proporcionalmente, a prestação, segundo o princípio da boa fé que deve presidir a toda a temática do cumprimento das obrigações.

O dono da obra, perante a apresentação pelo empreiteiro - no tempo acordado - de duas facturas respeitantes às primeiras quatro fases da obra (que no total tinha sete), não pode, pura e simplesmente, recusar-se a pagar qualquer quantia, baseado no facto - comprovado - de que alguns dos trabalhos facturados ainda não foram executados.

(…)

A recusa pura e simples do autor-dono da obra em efectuar qualquer pagamento ao réu- empreiteiro, não obstante grande parte das obras relativas às quatro primeiras fases já se encontrar efectuada, apontando diversas razões que se mostraram totalmente infundadas - e apesar de ter conhecimento que o réu atravessava dificuldades financeiras -, inviabilizando qualquer outra solução para o litígio surgido, traduz um comportamento próprio de quem não quer ou não pode cumprir, possibilitando à contraparte a resolução válida do contrato sem precedência de interpelação admonitória».

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-04-2009 (proc. n.º 09B0212), relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, sumariou-se o seguinte:

«A oponibilidade da exceptio supõe, porém, além dos pressupostos enunciados no art. 428º/1 do CC, a não contrariedade à boa fé, que postula, nos contratos bilaterais, o respeito pela ideia da preservação do equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas e, neste campo, a regra da adequação entre a ofensa do direito do contraente que invoca a excepção e o exercício desta.

Assim, uma prestação que padeça de significativo grau de incompletude ou de defeito justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha obrigado; mas só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito, isto é, a parte da sua prestação bastante para se garantir da parte não cumprida».

5. O contrato de empreitada é um contrato bilateral ou sinalagmático de que resultam prestações correspetivas ou correlativas (a obrigação de executar a obra e a do pagamento do preço), isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra e intercedendo entre ambas um nexo de causalidade e de reciprocidade.

Ao contrato de empreitada aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos arts. 1207.º e segs. do Código Civil, mas também as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis.

  Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual, no contrato de empreitada – corolário do princípio geral da pontualidade (art. 406º do Código Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados –“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” – art. 1208º do Código Civil e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço. - “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”- nº2 do art. 1211º do citado diploma.

«Todavia, nos contratos com prestações fraccionadas, o contraente credor de prestações vencidas pode invocar perante o seu devedor a excepção de não cumprimento do contrato para suspender a sua prestação – execução do remanescente da obra – até que lhe sejam pagos débitos correspondentes à parte já executada da obra, desde que essa actuação não exprima violação da actuação de boa fé» (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 16-06-2015, proc. 3309/08.1TJVNF.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos).

O contrato de empreitada é um contrato de execução sucessiva, em que a obrigação do empreiteiro é de cumprimento contínuo e a obrigação do dono da obra de pagamento do preço, normalmente, é periódica ou fracionada. Por exemplo, se o empreiteiro inicia a obra e o dono desta não paga a primeira fração do preço no momento devido, pode o empreiteiro suspender a construção até que o dono da obra pague a referida fração do preço. Se o dono da obra cumpre de forma defeituosa uma determinada fase da construção, o dono da obra pode retardar o pagamento da fração do preço correspondente até à correção do defeito.

A exceção do não cumprimento do contrato, consagrada no art. 428º do Código Civil, é uma consequência natural dos contratos sinalagmáticos, pois, neles, cada uma das partes assume obrigações, tendo em vista as obrigações da outra parte, de sorte que se romperia o equilíbrio contratual, encarado pelas partes, se caso uma delas pudesse exigir da outra o cumprimento sem, por outro lado, ter cumprido a sua prestação.

A exceção de contrato não cumprido corresponde a uma concretização do princípio da boa fé, constituindo um meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio ou equivalência das prestações, princípio que carateriza o contrato bilateral. Por isso, ela vigora, não só quando a outra parte não efetua a sua prestação, porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou não a oferece, porque não pode.  

Sendo um meio de conservação do equilíbrio contratual dos contratos bilaterais, não tem caráter sancionatório, exigindo-se apenas como requisito para o seu funcionamento o incumprimento da outra parte, mas não necessariamente um incumprimento culposo nem muito menos um incumprimento com culpa grave. 

A exceptio é um meio de coerção, defensivo e temporário, através do qual o contrato fica suspenso, para pressionar o devedor a cumprir, servindo também como garantia do credor contra a insuficiência económica do devedor. A  correspondência ou reciprocidade que está na origem das obrigações (sinalagma genético) deve continuar a estar presente no seu cumprimento (sinalagma funcional).

Apesar de a lei apenas prever que a exceção de não cumprimento do contrato é aplicável na hipótese de não haver prazos diferentes para o cumprimento das prestações (regra do cumprimento simultâneo), a doutrina tem entendido que a exceção pode ser invocada, ainda que haja vencimentos diferentes, por aquele dos contraentes cuja prestação deva ser feita depois da do outro, só não podendo opô-la o contraente que devia cumprir primeiro (vide Vaz Serra, RLJ, Ano 108.º, p.155 e Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, p. 400, nota 4).

 A exceção “non adimpleti contractus” tem sido qualificada como exceção dilatória de direito material ou substancial (vide José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato, 2.ª edição, 2014, Almedina, p. 129; Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, 1995, p. 334).

É exceção material ou de direito material, porque fundada em razões de direito substantivo; é dilatória, porque não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente ou retarda. Esta, como as demais excepções materiais dilatórias, apesar de produzirem um efeito retardador (à semelhança das exceções dilatórias processuais), conduzem (ao contrário destas) à absolvição do pedido.

Para além disso, a exceptio só opera se invocada pela parte que nela tem interesse, sendo vedado ao tribunal o seu conhecimento oficioso (cf. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, ob. cit., p. 334)

Tem-se admitido que a exceção de não cumprimento vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso (Vaz Serra, Excepção de contrato não cumprido, BMJ n.º 67, 1957, pp. 37 e ss; Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, ob. cit., p. 337).

Vaz Serra («Excepção de contrato não cumprido», pp. 37 e ss) entendia que, perante um cumprimento defeituoso ou parcial, a exceptio poderia ser exercida em relação à totalidade da contraprestação, mesmo quando não se tratasse de uma falta suficientemente grave para justificar a resolução.

A doutrina evoluiu, restringindo a invocação da exceptio, nas hipóteses de cumprimento defeituoso ou parcial, aos casos em que esta não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos arts. 227.º e 762.º, n.º 2 (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 406) e sujeitando a sua licitude à observância de critérios de proporcionalidade a aferir segundo as circunstâncias do caso (José João Abrantes, A Excepção…ob. cit., pp. 95-109).

José João Abrantes (A excepção de não cumprimento do contrato, ob cit., pp. 90-91) afirma que: «E é manifesto que, quando uma parte invoca uma ofensa mínima ao contrato para deixar de cumprir por completo ou, depois de indemnizada recusa ainda satisfazer toda e qualquer contraprestação com o fundamento de que a prestação do outro contraente foi parcial ou defeituosa, se está perante um abuso de direito de não cumprir, pois assim se frustram os princípios de equilíbrio e equivalência, que estão na base de todos os contratos sinalagmáticos.

(…)

O alcance do nosso meio de defesa deve ser proporcionado à gravidade da inexecução. Se não é justo ficar a parte que recebe um cumprimento parcial ou defeituoso impedida de alegar a excepção, também o não é responder a uma falta insignificante do ponto de vista da economia contratual com a recusa total da sua prestação. Sabido ser o equilíbrio sinalagmático o elemento caracterizador essencial da relação contratual em causa, a suspensão da prestação deve ser considerada legítima «na quantidade necessária para restabelecer o equilíbrio das prestações ainda por cumprir, as quais ficariam novamente sujeitas à regra do cumprimento simultâneo».

A parte da prestação recusada pelo excipiente deve ser proporcional à parte ainda não executada pelo contraente faltoso» (José João Abrantes, A Excepção de não cumprimento do contrato, ob. cit., p. 95).

No mesmo sentido, Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, IX, Direito das Obrigações, Cumprimento e não cumprimento, Almedina, Coimbra, 2014, p. 141) entende que «a exceção de contrato não cumprido deve ser sempre usada nos limites da boa fé, sem o que pode provocar um abuso do direito. Assim sucede quando uma pessoa recuse uma prestação vital para o credor, a pretexto de um pequeno atraso na contraprestação, quando nada leve a fazer crer a sua intenção de não cumprir, em definitivo».

Antunes Varela (Das obrigações em geral, ob. cit., p. 400) entende, também, que «se o não cumprimento parcial da prestação pouca ou praticamente nenhuma importância tiver para a outra parte, não poderá esta usar da exceptio, sob pena de estar infringindo o princípio da boa fé. Trata-se, aliás, de aplicar à exceptio, por analogia, o disposto no n.º 2 do artigo 802.º para a resolução do contrato».

Júlio Gomes («Da excepção de não cumprimento parcial e da sua invocação de acordo com a boa fé, Anotação ao Acórdão do TRP de 10.3.2008», Cadernos de Direito Privado , 2009, n.º 25, pp. 65-66), contudo, chama a atenção para a dificuldade prática da aplicação do critério da proporcionalidade nos casos de incumprimento parcial e para o perigo de a exigência desta proporção poder significar que a exceptio passaria a ter como pressuposto a gravidade do incumprimento da contraparte, o que limitaria muito a aplicação do instituto. Propõe, portanto, o autor, com base na doutrina alemã e italiana, que o valor insignificante da prestação que ficou por pagar seja apenas um dos factores a considerar, e que se tenha em conta as relações negociais entre as partes, o passado entre elas, a gravidade do incumprimento na economia do contrato e a dinâmica da relação entre as partes, através de uma valoração comparativa dos interesses e comportamentos destas no decurso da execução do contrato. No mesmo sentido, na doutrina espanhola, María Cruz Moreno (La Exceptio Non Adimpleti Contractus, Tirant to blanch, Valencia, 2004, pp. 75-80), entende que não se deve exigir para fundamentar a exceptio os mesmos requisitos que se exigem para a resolução do contrato por incumprimento e que o requisito da proporcionalidade é apenas um factor a ter em consideração entre outros para avaliar a conformidade da exceptio à boa fé, devendo ponderar-se todas as circunstâncias concomitantes à invocação da exceção de não cumprimento: a atitude do demandado e do demandante, as causas da execução parcial ou defeituosa, a tolerância ou intolerância revelada por cada uma das partes no contrato, os seus interesses, etc.

Concluímos que este meio de auto-tutela não deve ser exercido quando se está perante um incumprimento ínfimo ou insignificante da outra parte, sob pena de o sujeito que a invoca, apesar de formalmente ter legitimidade para o fazer, incorrer em abuso de direito. Deve exigir-se, para este efeito, que à luz da valoração das circunstâncias do caso e das relações entre as partes, essa desproporção seja manifesta, admitindo-se uma certa margem de erro culposo do excipiens (Júlio Gomes, «Da excepção de não cumprimento parcial e da sua invocação de acordo com a boa fé», 2009, p. 65 e nota 44).

6. Como de forma muito clara e precisa se tem entendido nesta 1.ª Secção (acórdãos de 28-6-2011, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, processo n.º 7580/05. 2TBVNG.P1.S1) e de 28-01-2014 (relatado pelo Conselheiro Mário Mendes, processo n.º 954/05.OTCSNT.L1), o incumprimento definitivo (cuja eventual verificação haverá de relevar para efeitos da decisão a proferir) restringe-se às seguintes situações: 1 - Recusa de cumprimento (repudiation of a contract ou riffuto di adimpieri); 2 - Termo essencial (prazo fatal); 3 - Cláusula resolutiva expressa; 4- Interpelação admonitória; 5 - Perda de interesse do credor apreciada objetivamente.

No caso concreto, tendo a autora invocado incumprimento definitivo do contrato de empreitada pela ré e resolvido o contrato, não se demonstrou que tivesse havido uma interpelação admonitória com os requisitos necessários para converter a mora em incumprimento definitivo nem perda de interesse do credor, nos termos exigidos pela lei (art. 808.º do Código Civil), nem o contrato de empreitada fixava um prazo essencial para o cumprimento da obrigação nem continha uma cláusula resolutiva expressa.

Sendo assim, resta-nos analisar se a oposição da exceção de não cumprimento do contrato pela ré, paralisando as obras, por alegar estar em falta o pagamento de um valor de 13.017 euros, está ou não em conformidade com a boa fé e se significa ou não uma recusa de cumprimento, suscetível de ser valorada como incumprimento definitivo do contrato e de legitimar a resolução do contrato pela autora.

Na verdade, pode ocorrer incumprimento definitivo, independentemente de mora ou de interpelação, quando um dos contraentes, mantendo-se a prestação ainda possível, declara ao outro, inequívoca e categoricamente, que não cumprirá o contrato.

Tem-se entendido que a vontade de não cumprir pode resultar de comportamentos concludentes apreensíveis pela atuação da parte inadimplente em função dos deveres contidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos atos por si perpetrados na inexecução do contrato (acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Janeiro de 2014, processo n.º Revista nº 954/05.0TCSNT.L1, relatado pelo Conselheiro Mário Mendes). Ou seja, quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem inequivocamente a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, não tem, nestes casos, o credor de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação: «I - A par das situações tipificadas de não cumprimento definitivo, existe uma outra situação que a doutrina e a jurisprudência equiparam à falta definitiva de cumprimento e que se traduz na declaração, expressa ou tácita, do devedor de que não quer ou não pode cumprir. II - Quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem inequivocamente a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o credor não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (se ainda não ocorreu), não tem de alegar e provar a perda de interesse na prestação do devedor, nem o tem de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-05-2010, processo n.º 8/03.4TBALM.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves).

O incumprimento definitivo pode resultar, portanto, da recusa antecipada, categórica e ilegítima de cumprimento, figura que tem sido aplicada pela jurisprudência mas ainda pouco teorizada pela doutrina.

Afirma Brandão Proença que a recusa de cumprir pode ser feita por palavras ou pela prática de atos materiais ou jurídicos reveladores inequívocos do desejo de repudiar o compromisso assumido (Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 259).

«A vontade negativa do devedor pode também ser retirada de factos significantes (a “repudiation by conduct” do direito anglo-saxónico) activos ou omissivos, de natureza material ou jurídica, como sucederá nos casos em que o empreiteiro abandone a obra (…), destrua o bem devido ou viole, mesmo, o contrato através da alienação do objecto prometido-vender (Brandão Proença, Lições de cumprimento…ob. cit., p. 263).

O Supremo Tribunal de Justiça já decidiu que «Em caso de paragem da obra, pelo empreiteiro, pelo período de dois anos, sem que se prove que o mesmo prestou ao dono da obra qualquer informação explicativa para tal paragem, é lícito concluir-se que existe um incumprimento definitivo, pois tal traduz-se num comportamento inequívoco de quem não quer ou não pode cumprir» (acórdão de 09-12-2010, proc. n.º 3803/06.9TBAVR.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues).

A regra é a da liberdade formal, podendo tratar-se de declaração verbal expressa ou de um comportamento concludente, por exemplo um comportamento omissivo, como a hipótese do empreiteiro que não tenha iniciado a construção de um imóvel que deva entregar a curto prazo (Fragali, RDCDO, I, 1966, p. 251, apud Brandão Proença, Lições de cumprimento…ob. cit.).

A declaração de não cumprimento para dar lugar à dispensa de interpelação admonitória tem, contudo, que se revestir de determinadas caraterísticas, ponderadas com cautela.

A figura, originária do direito alemão, foi expressamente consagrada na lei, pela reforma ao BGB de 2001/2002, que deu nova redação ao § 286, 2, ao aos § 281, 2 e ao § 323, 2. A primeira norma, que se ocupa da mora, afirma no seu n.º 2 que não é necessária interpelação quando: (…) 3. O devedor recuse séria e definitivamente a prestação (…). O § 281, 2, relativo ao direito de exigir indemnização quando o devedor não efetue uma obrigação vencida, dispensa a fixação do prazo quando o devedor recuse séria e definitivamente a prestação ou quando existam circunstâncias especiais que, sob a ponderação dos interesses de ambas as partes, justifiquem a imediata invocação da prestação indemnizatória. Por último, o § 323, no seu n.º 2, em relação ao direito de resolução do contrato, estipula que «A fixação do prazo é dispensável quando: 1. O devedor recuse séria e definitivamente a prestação».

A doutrina e a jurisprudência alemã afirmam, contudo, que se mantêm as estritas exigências doutrinárias e jurisprudenciais fixadas antes da reforma: a declaração de não cumprimento deve ser pura e simples, desprovida de qualquer justificação e ter caráter definitivo (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IX, Direito das Obrigações, ob. cit., p. 151).

No direito português, Vaz Serra («Mora do devedor», BMJ, n.º 48, 1955, pp. 60-62) admitia, com base no direito comparado, que, para a constituição em mora, fosse dispensável a interpelação quando o devedor tomasse a iniciativa de fazer conhecer ao credor, por declaração escrita, a sua recusa de cumprir, terminante e definitiva. Esta exigência teria a vantagem de facilitar a prova da declaração e de assegurar a ponderação do devedor. O autor enquadrava a declaração terminante do devedor, não apenas na mora, mas também na violação positiva do crédito.

Galvão Telles (Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 258), não obstante o silêncio da lei, aderiu à tese segundo a qual não é necessária a interpelação nos casos em que o devedor declara terminantemente que não cumprirá.   

Almeida Costa (Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 1008-1009, nota 3) e Ribeiro de Faria (Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 447) defendem que a declaração séria, inequívoca e definitiva de não cumprir, feita pelo devedor, provoca o vencimento antecipado ou a desnecessidade de interpelação.

Já Pessoa Jorge (Lições de Direito das Obrigações, AAFDL, Lisboa, 1976, pp. 296-298) rejeita a equiparação entre a declaração de não cumprimento e o incumprimento em si, pois entende que as causas de exigibilidade antecipada estão fixadas na lei (art. 805.º) e têm natureza excecional. O autor admite a eficácia da declaração antecipada de incumprimento, apenas quando esta seja categórica e definitiva, e desde que se verifique uma reação do credor, pedindo de imediato a resolução ou uma indemnização moratória a contar da data da declaração, pois seria injusto, se o credor nada fizer após a declaração do devedor, permitir‑lhe que, porventura anos mais tarde, venha pedir uma indemnização moratória a partir da data da declaração. Chama a atenção, contudo, para o perigo de uma declaração, que pode não ter sido devidamente ponderada pelo devedor, ter graves consequências para si. 

Menezes Cordeiro adota uma posição cautelosa, distinguindo vária subhipóteses: o caso de não haver prazo, o caso em que havendo prazo a obrigação não está vencida, o caso de a obrigação estar vencida e os casos de contrato complexo, em que o devedor é simultaneamente credor (Tratado de Direito Civil, IX, ob. cit., p. 154).

Para ser eficaz, defende o autor, que a declaração de não cumprimento deverá ser pura, definitiva, consciente e juridicamente possível, exprimindo a intenção consciente e definitiva de trocar o contrato pelas consequências da sua inexecução (Tratado de Direito Civil, IX, ob. cit., p. 154).  

A jurisprudência tem tido a mesma posição cautelosa. Veja-se, entre outros, por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 21-05-2009 (proc. n.º 09A0643), relatado pelo conselheiro Alves Velho, onde se afirma o seguinte:

«Equiparável às situações de conversão da mora em incumprimento definitivo para efeito de resolução contratual por perda objectiva do interesse na prestação ou pela fixação e decurso de um prazo admonitório, previstas naquele art. 808º, será aquela em que o devedor declare que não procederá ao cumprimento pontual ou exacto da prestação devida. Se o devedor afirma inequivocamente que não procederá à eliminação da desconformidade (defeito), então o credor poderá resolver o contrato independentemente de se ter estabelecido prazo admonitório, pois que, nesse caso, o incumprimento definitivo está verificado pela tomada de posição do devedor no sentido de que a prestação não realizada já não o será posteriormente.

   Essa manifestação de vontade do devedor tem que ser expressa por uma declaração absoluta e inequívoca, impondo-se que o renitente emita uma declaração séria, categórica e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade e propósito de querer não cumprir».

7. Analisemos, então, à luz da doutrina e da jurisprudência expostas, se o comportamento da ré de suspender as obras, para pagamento de um valor de cerca de 13 mil euros (factos provados n.º 8 e 11), consiste ou não no exercício da exceção de não cumprimento do contrato manifestamente desproporcionada e contrária à boa fé, equivalente a uma recusa de cumprimento.

 Aceitamos o princípio de que a invocação da exceptio de forma desproporcionada e contrária à boa fé pode consistir num comportamento concludente a que seja atribuído o significado de recusa categórica e definitiva de cumprir, que dispense a interpelação admonitória. Contudo, a interpretação do comportamento concludente depende das caraterísticas factuais de cada caso e de juízos de valor casuísticos.

No caso vertente, há que considerar que os trabalhos a que corresponde o valor de 13.017 euros invocado como causa da exceptio (facto provado n.º 5), e dos quais se provaram os descritos no facto n.º 17 (Trabalhos não previstos no orçamento 1398/2006, a solicitação da autora), constituem uma obra nova, nos termos do art. 1217.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Civil, não prevista no orçamento.

Na obra nova, além da obra contratada, o empreiteiro realiza uma outra, que não constava no contrato de empreitada e que é dotada de autonomia. Se, nestes caso, se fizer o enquadramento jurídico da obra nova, num contrato autónomo do anterior, ficaria dificultada a legitimação da exceptio, por falta de sinalagma. Com efeito, situando-se a exceção de não cumprimento do contrato, no domínio dos contratos bilaterais, não poderia afirmar-se que estamos no contexto de duas obrigações correspetivas e causais, em termos de o não cumprimento de uma – o pagamento da parcela do preço – legitimar o direito de suspensão do contrato inicial e de não entregar a obra, porque este direito refere-se à totalidade da obra adjudicada à ré, que foi objeto do orçamento 1398/2006.

Contudo, dada a indivisibilidade das obrigações (não é possível separar a obra nova da obra resultante do contrato anterior, de forma a recusar apenas a entrega daquela) e a ligação funcional entre os dois contratos (ou a consideração de que afinal não se trata de dois contratos mas de um mero aditamento ao anterior e que dele ainda faz parte), pode ainda admitir‑se uma exceptio atípica. Segundo informa Júlio Gomes («Da excepção de não cumprimento parcial…», 2009, ob.cit., p. 59-60), uma parte da doutrina italiana defende que a correspetividade não seria elemento essencial da exceptio, admitindo que possa ser invocada em contratos plurilaterais com comunhão de escopo face ao incumprimento de uma prestação de um dos contraentes, aos contratos unilaterais, ao incumprimento de obrigações acessórias e à união de contratos, através de uma noção de interdependência diversa da mera correspetividade das obrigações e entendendo que a correspetividade não é tanto entre obrigações mas entre resultados.

Para se aferir das causas de resolução do contrato pela autora, é necessário analisar as circunstâncias concomitantes ao surgimento do litígio entre as partes e a dinâmica da sua relação.

A relação jurídica entre as partes era complexa. Ambas eram as únicas sócias de uma outra sociedade – FF, Lda – da qual a autora saiu, cedendo as suas quotas à ré (contrato de cessão de quotas a fls. 87 e seguintes). Esse contrato de cessão de quotas (documento n.º 14, fls. 72 a 73) é acompanhado de um documento em que se fixa a obrigação da ré proceder à liquidação de letras de câmbio (facto provado n.º 1) e a obrigação da ré completar a obra em 90 dias, sem o pagamento de mais qualquer quantia pela autora (facto provado n.º 1).

No caso sub judice, a atitude da ré insere-se num quadro de comportamentos sintomáticos que, sem colocarem diretamente em causa o cumprimento, uma vez que formalmente não houve uma declaração expressa de não cumprimento, tornam altamente improvável o cumprimento do ponto de vista dos interesses do credor.

O contrato de empreitada remonta a 2006. Neste contrato (orçamento 1398/2006), a ré comprometeu-se a construir as moradias em 11 meses, prazo que não cumpriu. Na declaração anexa ao contrato de cessão de quotas, datada de 3 de março de 2008 (já depois de expirado o prazo inicial), a ré assumiu a obrigação de completar a obra em 90 dias, prazo que também não cumpriu, apesar de intimada para tal pela autora que lhe concedeu primeiro um prazo de quinze dias (documento n.º 29) e após declaração da ré, em outubro de 2008, de pretender retomar os trabalhos (facto provado n.º 7), recuou na sua intenção de resolução e, confiando na mesma, deu uma nova oportunidade à ré, da qual desistiu após dois meses, em dezembro de 2008, conforme facto provado n.º 8, em carta em que afirma que por já terem passado 60 dias sobre a data em que a ré informa que está a concluir os trabalhos da vivenda, considera incumprido o contrato e determina que devolva de imediato a obra. 

Apesar de a autora não ter cumprido, nesta carta de dezembro de 2008, as formalidades necessárias para que estejamos perante uma interpelação admonitória, revelou neste processo uma atitude de tolerância com a ré, prolongando sucessivamente o prazo e tentando a via consensual para a solução do conflito, enquanto a ré utilizou sistematicamente expedientes dilatórios para não cumprir, fazendo-se valer da situação de poder que lhe conferia o facto de ter a obra no seu domínio.

O exercício da exceptio, para além de atípico, porque referido a obras novas e não ao contrato inicial, é claramente desproporcionado e exercido com desrespeito pelo sinalagma, pois referindo-se a trabalhos solicitados pela autora cujo pagamento esta não realizou (facto provado n.º 17), não pode justificar a não realização dos trabalhos objeto do orçamento inicial e já pagos. Com efeito, provou-se que, quando a ré saiu da obra, faltavam concluir os trabalhos descritos no facto provado n.º 12, sendo que algumas destas obras por realizar são de caráter básico e essencial a qualquer construção, como as pinturas das paredes e a colocação das louças de casa de banho, integrando necessariamente o orçamento inicial e não o conceito de obras novas.

Sendo assim, consideramos que a reação da ré de recusar a entrega da obra e de suspender a execução do contrato, constitui um abuso do direito, não só pela desproporção entre o valor em dívida e o valor total da obra, mas também porque a ré incumpriu sistematicamente tudo o que dizia respeito a prazos, tendo a autora tido uma tolerância com o seu comportamento que a ré, por sua vez, não teve consigo.

Entendemos assim que a ré violou o princípio da boa fé na execução do contrato (art. 762.º, n.º 2 CC) e ultrapassou os limites postos pelo fim social, económico e ético-jurídico do exercício da exceptio, incorrendo em abuso do direito (art. 334.º do CC).

O contrato de empreitada como contrato duradouro e intuitu personae exige uma especial confiança entre as partes. As circunstâncias do caso aumentam o grau de boa fé exigível, tendo em conta que as partes eram sócias da mesma sociedade de investimentos imobiliários e que a autora cedeu as suas quotas à ré a troco de um conjunto de compromissos, entre os quais o dever de completar a obra em 90 dias, sem pagamentos adicionais. Estas circunstâncias densificam os deveres de lealdade e de correcção e o conteúdo da boa fé objetiva, para o qual remete o art. 762.º, n.º 2 do CC, de forma a poder afirmar-se que, dentro da elasticidade gradativa admitida pelo preceito, estamos perante uma boa fé qualificada em relação áquilo que ordinariamente se reclama (Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, p. 552).

A recusa da ré em entregar a obra por falta de pagamento de uma pequena parcela do preço relativo a obras novas, quando não cumpriu sistematicamente o prazo de entrega da obra e de completar alguns trabalhos já pagos, excede a finalidade e os critérios de proporcionalidade da exceptio, ainda mais tratando-se de uma exceptio atípica porque situada fora do contrato bilateral inicial a propósito de obras novas.

Brandão Proença admite a resolução do contrato por recusa de cumprimento, decorrente de um comportamento concludente, quando este se insere num quadro de comportamentos sintomáticos que, sem colocarem diretamente em causa o cumprimento, o tornam improvável e de molde a criar no declaratário a convicção que o devedor não realizará a prestação no prazo fixado ou no decurso de uma subsequente interpelação admonitória (Lições de cumprimento, ob. cit., pp. 267 e 272-273). O autor admite que, nestas situações, a «crise da funcionalidade do contrato» seja de tal forma intensa que se torne legítima a reação do credor para fazer face à perturbação dos seus planos e que, mesmo sem interpelação admonitória, se dê uma «justa causa de libertação do credor em função do seu receio consistente da perda do valor patrimonial do seu crédito», num quadro circunstancial que justifique a conclusão de que o devedor com muita probabilidade agiu motivado por um desejo inequívoco de querer fugir ao cumprimento» (Lições de cumprimento…ob. cit., p. 264).

Compreende-se assim que a autora não tenha que ficar vinculada a um contrato no qual já perdeu o interesse por quebra de confiança de que a ré irá cumprir.

Trata-se de admitir um «direito de resolução por justa causa», por analogia com outras disposições do Código Civil a propósito do mandato ou (art.1170.º, n.º 2) e do contrato de depósito (art. 1194.º), em «(…) situações de perturbação do desenvolvimento, execução ou estabilidade contratual, que, pela sua gravidade, afectam a relação estabelecida entre as partes no seu todo, de molde a conduzirem à perda (legítima) de confiança de uma delas na subsistência e no bom desfecho do contrato» (cf. Raúl Guichard e Sofia Pais, «Contrato-promessa», Direito e Justiça, Volume XIV, 2000, Tomo 1, p. 326). No mesmo sentido Carneiro da Frada (Teoria da Confiança e responsabilidade civil, ob. cit., pp. 556), em relação aos negócios fiduciários, nos casos em que há uma rutura da confiança essencial ao normal desenvolvimento da relação suscetível de a inviabilizar no futuro, revestindo-se essa perda de confiança de um «carácter sintomático, produzindo o receio justificado de que se sigam mais tarde outros inadimplementos».

Na jurisprudência, a propósito de um contrato de gestão de empresa, veja-se o acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 21-05-2009, de relatado pelo Conselheiro Alves Velho (processo n.º 09A0643):

«A “justa causa” de resolução integra-se regime típico das relações contratuais duradouras, mormente nas de execução continuada, às quais não se ajusta directamente o regime admonitório previsto no art. 808º C. Civil, pois que o que está em causa não é, em regra, a perda de interesse numa concreta prestação, “mas a justificada perda de interesse na continuação da relação contratual”, podendo a cessação do vínculo resultar da quebra de confiança entre as partes quando, ponderados os motivos no contexto global, seja de formular um juízo de perda de confiança justificada assente no de prognose de inviabilidade de prossecução da relação contratual».

 Em face do comportamento sistematicamente dilatório da ré e das circunstâncias concomitantes do mesmo, em comparação com a tolerância e correção manifestadas pela autora com os atrasos da ré, entendemos que estamos perante um caso em que é de admitir a resolução do contrato por justa causa, por quebra de confiança, independentemente de interpelação admonitória.

    8. Quanto à indemnização a pagar pela ré à autora pelo valor necessário para concluir as obras, tendo-se provado, conforme facto provado n.º 13, um valor de 34.011, 25 euros, será este o montante em que a ré fica condenada como dano emergente do incumprimento.

A autora pede uma indemnização por lucros cessantes, cuja determinação solicita para execução de sentença, alegando que se o prazo fixado para o terminus da obra tivesse sido cumprido, junho de 2008, as duas moradias teriam sido vendidas pelo preço de 5000.0000,00 euros cada uma, valor que devido à conjuntura económica deixou de poder ser praticado, causando-lhe o incumprimento da ré um prejuízo elevado dado que não prevê a venda por uma valor superior a metade do preço inicialmente possível.

Ficou provado que as moradias se destinavam a ser vendidas pela autora (facto provado n.º 14) e que esta não conseguirá vendê-las pelo preço de 5000.000,00 euros cada uma (facto provado n.º 15).

Contudo, para o efeito da prova de lucros cessantes não basta a alegação genérica das oportunidades perdidas, mas tem de se demonstrar, segundo critérios de verosimilhança ou probabilidade, que o lesado deixou de auferir determinados benefícios na sequência da lesão, sendo necessário provar um nexo de causalidade entre o facto ilícito e a perda do benefício.

 Ora, no caso sub judice, não ficou demonstrado que em junho de 2008 a autora vendesse cada vivenda pelos pretendidos 500.000,00 euros, nem a autora indicou um potencial comprador que nessa data tivesse feito a referida oferta pelas moradias e com quem as negociações tivessem ficado frustradas por culpa da ré. Trata-se de uma mera hipótese, cuja probabilidade de verificação é tão remota que não podemos considerar, no quadro dos factos alegados e provados, preenchidos os critérios de probabilidade ou verosimilhança defendidos pela doutrina para estarmos perante um lucro cessante indemnizável (Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, ob. cit., p. 580)

Por outro lado, não existe um direito ao lucro e a perda de chance não assume, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória como tem defendido a doutrina (Júlio Gomes, «Sobre o dano da perda de chance», Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, II, p. 43; Carneiro de Frada, O método do caso, Almedina, Coimbra, 2011, p. 103) e a jurisprudência (acórdão do Supremo Tribunal, de 22-10-2009, proc. n.º 409/09.4YFLSB, relatado pelo Conselheiro João Bernardo).

Sendo assim, não se alegaram nem provaram, no caso, factos integradores de lucro cessante indemnizável, pelo que não há que remeter o cálculo do seu montante para execução de sentença.

IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se conceder parcialmente a revista e revogar o acórdão recorrido, condenando-se a ré a pagar à autora uma indemnização no valor de 34.011, 25 euros, à qual será abatida a quantia de 9.289,00 euros em dívida à (e respetivos juros de mora a contar da notificação da reconvenção), acrescida de juros de mora a contar da citação.

Custas pela recorrente e pela recorrida na proporção do respetivo decaimento

Lisboa, 17 de novembro de 2015

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Sebastião Póvoas

Alves Velho