Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P1150
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: INCONSTITUCIONALIDADE
RECURSO DE REVISÃO
FUNDAMENTO
DECLARAÇÃO
FORÇA OBRIGATÓRIA
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
INVOCAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ200805080011505
Data do Acordão: 05/08/2008
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA
Decisão: NÃO AUTORIZADA A REVISÃO
Sumário :
1 – A segurança sendo seguramente um dos fins do processo penal, não é o único e nem sequer o prevalente: a justiça.

2 – Daí que nenhuma legislação moderna tenha adoptado o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado, mas antes uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o acto jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, e que se traduz na possibilidade limitada de revisão das sentenças penais.

3 – São fundamentos da revisão: (i) Falsidade dos meios de prova: falsidade reconhecidos por sentença transitada, de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever; (ii) Sentença injusta: crime cometido por juiz ou jurado, reconhecido em sentença transitada relacionado com o exercício de funções no processo (iii) Inconciabilidade de decisões: entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação (iv) Descoberta de novos factos ou meios de prova, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação; (v) Descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º; (vi)Declaração, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; (vii) Prolação, por uma instância internacional, de sentença vinculativa do Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça.

4 – O Supremo Tribunal, no quadro do recurso de revisão, não pode rever a decisão visada, nem dizer em que sentido deve ela ser revista por outro tribunal. O que pode e deve fazer é determinar se se verifica(m) o(s) invocado(s) fundamento(s) da peticionada revisão. Se responder negativamente a essa pergunta, ou seja se negar a revisão, condena o requerente, salvo o Ministério Público, em custas e ainda, se considerar que o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 a 30 UC (art. 456.º do CPP); se autorizar a revisão, reenvia o processo ao tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontrar mais próximo (n.º 1 do art. 457.º do CPP) que, por via de regra, designará dia para julgamento, observando em tudo os termos do respectivo processo (n.º 1 do art. 460.º do CPP).

5 – A inconciabilidade de decisões que pode fundar a revisão tem de referir-se aos factos que fundamentam a condenação e os factos dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação, o que significa que é necessário que entre esses factos exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda.

6 – A validade de meios de prova, a mediação de aparelhos para detectar álcool no sangue, a valoração que deles é feita pelos tribunais não são “factos” a que se refira a alínea c) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.

7 – A mudança de entendimento dos tribunais que, se aplicado ao seu caso, teria eventualmente conduzido a uma decisão diferente, não constituiu nem um facto, nem um meio de prova, nem fundamento legal do recurso de revisão.

8 – A mera e genérica arguição da inconstitucionalidade de um preceito legal não constitui fundamento de revisão, uma vez que os fundamentos da revisão de sentença são os previstos, taxativamente, nas diversas alíneas do art. 449.º do CPP.

9 – O novo fundamento de revisão que se prende com a Declaração de inconstitucionalidade de norma, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional [n.º 1, al. f)], consagrado na Lei n.º 48/2007,de 29 de Agosto, tem de referir-se a norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação. Teve-se em vista, na sequência da alteração introduzida no n.º 4 do art. 2.º do C. Penal afastando o limite do caso julgado em caso de ser publicado lei que conduza a regime concretamente mais favorável, alargar os efeitos da declaração com força obrigatória geral, mesmo quando já se verificou trânsito em julgado, quando a norma em causa tenha um conteúdo menos favorável ao arguido.

10 – A norma em causa e que consagra o novo fundamento é, aliás, inconstitucional, toda a vez que a que o Constituição dispõe de forma diversa quanto aos efeitos de tal declaração e atribuiu somente ao Tribunal Constitucional a possibilidade de conformação de tais efeitos. Na verdade, dispõe o n.º 3 do art. 282.º da Constituição que: «ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido».
Decisão Texto Integral:

1.

O 2.º Juízo Criminal do Funchal (proc. n.º 449/04.0PTFUN), por sentença transitada em julgado, deu como provado que:

“No dia 4 de Setembro de 2004, cerca das 00h10m, o arguido [AA] conduzia o seu veículo automóvel com a matrícula ..-..-.. na Estrada Monumental, junto às Galerias Jardins da Ajuda, nesta cidade do Funchal, quando foi interveniente num acidente de viação, tendo ao local sido chamada a autoridade policial.

Nas indicadas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido foi submetido ao teste qualitativo ao ar expirado, através do aparelho Drager Alcotest 7410, devidamente calibrado, que deu positivo.

Posteriormente, cerca das 00h49m, o arguido já na Esquadra da PSP, foi submetido ao teste quantitativo ao ar expirado no aparelho fixo Drager, modelo Alcotest 7110 MKIII, tendo acusado a taxa de álcool no sangue de 1,28 gramas/litro.

O arguido agiu de modo voluntário, livre e consciente, admitindo como possível estar a conduzir um veículo automóvel na via pública, afectado por um grau de alcoolemia no sangue superior ao permitido por lei, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal, e conformando-se com esse resultado.

O arguido tem um rendimento anual de 30.000€.

Não tem antecedentes criminais.”

Com base nesses factos, e na mesma sentença, foi o arguido AA, condenado como autor material de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez do art. 292.º do C. Penal, em 40 dias de multa à taxa diária de 20 Euros (800,00 Euros) e proibido de conduzir veículos automóveis pelo período de 4 meses.

Escreveu-se, a propósito, na sentença condenatória:

«A convicção do Tribunal no tocante aos factos praticados pelo arguido baseou-se na sua confissão parcial e com reservas e na prova testemunhal e documental junta aos autos (fls. 3 e 4 - talão com o resultado do teste e fls. 9 participação do acidente de viação).

Na primeira data designada, deu-se início à audiência na ausência do arguido, e foi ouvido o agente autuante que relatou os factos constantes da acusação de forma isenta e credível, confirmando o teor do auto de fls. 3 por si elaborado.

Pelo Ilustre Mandatário do arguido foi requerido que o arguido fosse ouvido numa segunda data, o que foi deferido.

Na 2ª data designada o arguido, quando interrogado, admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, mais concretamente, três copos de vinho e Whisky tendo, no entanto, manifestado algumas dúvidas quanto à taxa de alcoolemia registada. Isto porque, segundo referiu, depois do acidente teria ingerido uma Smirnoff Ice que tinha na sua viatura, por se encontrar nervoso na sequência de discussão com o condutor do táxi.

Tal relato não se nos afigurou concebível pois o arguido, dada a sua profissão, não podia olvidar que, depois de intervir em acidente de aviação, o condutor é submetido ao teste de alcoolemia. A isto acresce que tal facto não foi referido pelo agente autuante anteriormente inquirido, nem o mandatário do arguido questionou o agente nesse sentido, nem foi feita qualquer referência a essa situação no auto de fls 3.

Já depois das alegações do Ministério Público, pelo mandatário do arguido foi requerida a reinquirição do agente autuante – o qual, alegadamente, teria presenciado a ingestão da Sminorff Ice e teria advertido o arguido para cessar esse comportamento – e da companheira do arguido, que, segundo sustentou o requerente, seguia atrás da viatura conduzida pelo arguido no aludido dia – o que foi indeferido, dada a extemporaneidade.

Relativamente às condições sócio-económicas do arguido, foram determinadas as declarações do arguido e, finalmente, no que concerne aos antecedentes criminais, atendeu-se ao teor do CRC de fls. 45.»

No recurso extraordinário de revisão que interpôs, pede agora o condenado:

«Deve o presente Recurso de Revisão de Sentença, ser admitido e autuado por apenso aos presentes autos e após havida em conta as provas aqui requeridas, seja determinada, nos termos do nº 6 do artº 29º da C.R.P., e demais normas aplicáveis, a revisão da sentença por reapreciação da sentença “sub-judice” já transitada em julgado, designadamente quanto à matéria de facto relativa à taxa de álcool no sangue do Recorrente, aplicando-se as margens de erro máximas dos alcoolímetros, nos termos do Ofício nº 14.811, de 19.07.2006, da Direcção Geral de Viação, proferida na sequência da Portaria nº 784/94, dando como provado a TAS corrigida de 1,18g/l, como sendo a taxa de álcool no sangue que o mesmo obrigatoriamente acusou quando submetido ao teste às 0h10m, do dia 4.09.2004, no lugar e nas circunstâncias reduzidas a escrito na douta sentença a rever e, em decorrência, seja julgado que o mesmo não cometeu, como autor material o crime previsto na norma do artº 292º do Código Penal, mas apenas a contra-ordenação prevista na alínea i) do artº 147º do Código de Estrada em vigor na data dos factos “sub-judice”, devendo ser condenado na coima adequada à gravidade da situação, nos termos do artº 139º do mesmo Código de Estrada, devendo ser considerado absolvido do crime previsto no artº 292º e restituído da pena de multa à taxa diária de €20,00 que ascendeu €800,00 na totalidade à razão de 40 dias de multa.»

Indicou as alíneas c) e d) [escreve b), por lapso] do n.º 1 do art. 449º do CPP como fundamentos do recurso, mas não apresentou, no entanto e como devia, conclusões mas sim uma extensa motivação.

Com efeito, a circunstância de se tratar de um recurso extraordinário de revisão não dispensa o recorrente de invocar um ou vários dos fundamentos, de que se pode socorrer no recurso de revisão, e sintetizar, nas conclusões da motivação, os elementos de facto e de direito de que parte para sustentar a admissibilidade e procedência do recurso.

Consideremos, no entanto e apesar dessa falha, o texto da motivação do recorrente:

3º – É elemento típico do crime previsto no art. 292.º do C.P., fazendo parte da sua facticidade, conduzir veículo com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l.

4º – O Tribunal ad quo deu como provado que, o Recorrente no momento da sua condução tinha uma taxa de álcool no sangue de 1,28g/l.

5º – Tal taxa de álcool é falsa.

6º – Na verdade, a Mma Juiz do Tribunal ad quo quando concluiu acerca do facto provado taxa de álcool 1,28g/l, não aplicou ao Recorrente as instruções e recomendações constantes da Portaria nº 748/94, de 3 de Outubro, acerca da regulamentação do controlo metrológico dos alcoolímetros, que lhe proporcionavam tratamento mais favorável.

7º – Nessa Portaria, o Estado Português admitiu que, os aparelhos iguais aqueles que realizaram o teste ao aqui Recorrente pelas 0h10m, dia 4.09.2004, na Estrada Monumental, junto às Galerias Jardins da Ajuda, nesta cidade do Funchal, têm margens de erro que devem resultar subtraídas desses valores a favor da pessoa testada.

8º – Também, após o julgamento do Recorrente, datado de 19 de Julho de 2007, a Direcção Geral de Viação, emitiu o Ofício 14811, com instruções de procedimento policial e para todas as autoridades de investigação acerca como estabelecer a taxa de álcool no sangue por aplicação das margens de erro.

9º – As margens de erro são as que constam na Tabela em anexo desse ofício que, agora se junta como Documento nº 2 anexo.

10º – Também agora se junta o resumo das conclusões do 2.º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, ocorrido em 17.11.2006, na cidade de Lisboa, onde se conclui sobre a fiabilidade da TAS e da TAE, controlo metrológico, erros máximos admissíveis (EMA), Documento nº3 anexo.

11º – Tal Portaria 784/94 esteve em vigor até a entrada em vigor da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que a revogou mantendo, todavia, no seu artigo 8º a admissibilidade de erros máximos metrológicos aos testes à TAS e TAE, Documento nº 4 anexo.

12º – Só após se ter tornado públicas e notórias as instruções do ofício 14811, de 19.07.2006, em desenvolvimento da Portaria nº 784/96, é que todos os órgãos policiais, de investigação ao nível do M.P. e os tribunais iniciaram a corrigir erros na medição da taxa de álcool e, em consequência, a corrigir, nas doutas decisões os factos dados como provados já por subtracção da percentagem de erro máximo relativamente à taxa metrológica de TAE ou TAS determinada em momento de inspecção policial.

13º – Neste sentido, juntam-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, acerca da condução sob o efeito do álcool que in sumário defende o seguinte:

1. As instruções da D.G.V. constantes do ofício 14811 de 19/07/06, que se encontram na sequência da Portaria nº 784/94, reconhecem a possibilidade da existência de margens de erro máximas nos alcoolímetros, apesar de estarem, aprovados e verificados periodicamente, e quantificam as mesmas numa tabela dizendo em seguida que deduzida a margem de erro máxima à T.A.S. registada pelo alcoolímetro, pode concluir-se que o condutor era portador de, pelo menos, a T.A.S. que resulta da subtracção desses valores.

2. Em face dos últimos estudos científicos admite-se a existência de um erro máximo em relação ao valor registado no aparelho e desse erro máximo admissível deverá beneficiar o infractor, desde logo ao abrigo do princípio constitucional in dúbio pro reo.

3. Essa margem de erro máxima é também reconhecida, ao abrigo do nº3 do Regulamento aplicável aos alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 748/94 de 13 de Agosto, pelo Instituto Português da Qualidade, no ofício de 28 de Junho de 2007, remetido ao Conselho Superior de Magistratura –que mandou dar dele conhecimento aos Tribunais.

4. O exame ao álcool no sangue realizado por alcoolímetro é um meio de obtenção de prova- e não um meio de prova, como é por exemplo a prova pericial- e que no controlo metrológico deverá atender-se aos erros máximos admissíveis a que a Portaria nº 748/94 alude, estando-se perante uma situação de impugnação da matéria de facto.”, Procº 426/04.OGTSTR.C1, Documento nº 5 anexo.

14º – Também se junta sentença de fls. 65 a 69 proferida a 21 de Setembro de 2006, no âmbito do processo nº 50/06.3PTFUN, onde se claramente verifica no facto provado da alínea b) a aplicação da margem de erro metrológico nos termos seguintes:

Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em a) o arguido foi submetido, com observância do legal formalismo, a exame de pesquisa de álcool no ar expirado através do aparelho “Drager alcotest 7110MKIII”, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1,65g/litro, sendo que deduzido o valor do erro máximo admissível de 0,124 corresponde uma TAS de 1,53g/litro.”, Documento nº 6 anexo.

15º – Nessa decisão, o Mmo Juiz fundamentou a alteração da taxa de álcool obtida pelo aparelho usado, que é apenas meio de obtenção de prova e não meio de prova, com a seguinte motivação a fls 69:

A convicção do tribunal relativamente à matéria da acusação fundou-se nas declarações do arguido, o qual confessou, integralmente e sem quaisquer reservas, os factos pelos quais vem acusado.

Acresce que, o facto provado sob a alínea b) baseou-se na circunstância de os alcoolímetros estarem sujeitos a aprovação da Direcção-Geral de Viação, nos termos do nº5, do artigo 5º, do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23.02, a cargo do Instituto Português de Qualidade, para verificação da qualidade metrológica dos mesmos. Por sua vez, as normas legais e regulamentares aplicáveis ao controlo metrológico dos alcoolímetros admitem a possibilidade de erro, estabelecidos em Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal e na Portaria nº 748/94, de 13.08, por remissão para a norma NFX20-701. Acresce que, no caso em apreço, a margem de erro legalmente admissível é a aí referida. Assim, tendo em conta o erro máximo admissível para este tipo de equipamento de fiscalização a taxa de álcool no sangue situa-se num intervalo, para mais ou para menos, em relação ao valor registado, sendo que o valor relevante é o que resultar da TAS deduzida do valor do erro máximo admissível tendo em consideração o princípio in dúbio pro reo.

Relativamente às condições pessoais sócio-económicas do arguido, o Tribunal atendeu igualmente às suas declarações prestadas, em audiência de julgamento, que se mostraram sinceras e dignas de confiança.

No que tange aos seus antecedentes criminais atendeu-se ao teor do certificado do registo criminal de fls 51.”, Documento n.º 6 anexo.

16º – A taxa de álcool constante da decisão condenatória do aqui Recorrente foi obtida através do meio de obtenção de prova sujeito aos erros máximos da Portaria 748/94 e às instruções constantes do Ofício n.º 14811, de 19.07.2006, da Direcção Geral de Viação de Portugal.

17º – Sucede, porém, que, o Mmo Juiz do Tribunal ad quo não aplicou à taxa de álcool obtida por aparelho metrológico com erros a subtracção desses valores.

18º – Nem tão pouco o Ministério público quando deduziu acusação neste processo fez a correcção da taxa de álcool de acordo com aquele ofício, portaria e também de acordo com o Decreto do Governo n.º 34/84, que instituiu a convenção da Organização Internacional de Metrologia Legal, assinada em Paris em 12 de Outubro de 1955, Documento n.º 7 anexo.

19º – Ou seja, a taxa de 1,28g/l imputada ao Recorrente através daquele meio de obtenção de prova sujeito a erros reconhecidos pelas instituições responsáveis de homologação e aprovação dos mesmos não foi corrigida como deveria ter sido.

20º – Só após a correcção da margem de erro constante daquela Portaria e daquela Ofício da D.G.V., é que se poderia dar como estabelecido em sede de sentença que o Recorrente conduzia com uma taxa de álcool susceptível de sanção contra-ordenacional ou penal.

21º – De acordo com a margem de erro, como bem reflectem as tabelas resultantes da Portaria em questão, a taxa de valor nominal de leitura do aparelho 1,28g/l deve subtrair-se o erro máximo de 0.096 e deve considerar-se a TAS de 1,18g/l.

22º – Se nestes autos o Mmo Juiz tivesse procedido nos termos relevados nas doutas decisões judiciais agora juntam e de acordo com as instruções regulamentares e da Direcção Geral de Viação, jamais deveria ter dado como estabelecido o facto provado relativo a uma taxa de álcool no sangue no Recorrente de 1,28g/l, mas apenas podia dar como provado que através do aparelho metrológico TAE a TAS corrigida era de 1,18g/l.

23º – Se assim é, e se assim o Mmo Juiz do Tribunal ad quo tivesse procedido, o Recorrente jamais poderia ser condenado como autor material do crime p.p. pelo art. 292.º do C.P., como foi.

24º – Quer isto dizer que, não estamos aqui perante uma mera correcção da medida concreta de sanção aplicada, estamos sim perante novos factos ao nível dos meios de obtenção da prova relativamente à TAS que são inconciliáveis com os dados provados, por exemplo, nas duas decisões judicias que aqui se juntaram e também com o ofício da D.G.V. que, indiscutivelmente suscita grave dúvida sobre a justiça da condenação do aqui Recorrente.

25º – Salvo o devido respeito, para o Recorrente nem existem dúvidas, é completamente exacto que, se no momento do julgamento pudesse ter usado os factos novos relativos às margens de erro de medição metrológica jamais seria condenado na prática do crime previsto no artº 292º do C.P..

26º – Do mesmo modo, jamais o recorrente estaria com o seu registo criminal afectado por um crime que afinal não cometeu, em virtude da TAS corrida de 1,18g/l não constituir crime, mas mera contra-ordenação.

27º – No momento em que o Recorrente se defendeu não pode deitar mão a estes novos factos relativos aos erros máximos dos aparelhos metrológicos, que são apenas meios de obtenção de prova, em virtude de à época não estarem a ser atendidos pelas forças policiais, autoridades de viação, pelas autoridades de investigação judicial e pelos tribunais, na medida em que, não existia ainda a instrução dada pela D.G.V. constante do Ofício 14.811, de 19.07.2006.

28º – Na realidade, o julgamento do Recorrente verificou nos dias 25 de Janeiro de 2006 e no dia 30 desse mês e ano, sendo que, a douta sentença condenatória aqui a rever foi proferida e assinada pelo Mmo Juiz do Tribunal ad quo no dia 31 de Janeiro de 2006.

29º – É indiscutível que, na data do julgamento e da prolacção da sentença quer o Recorrente condenado, quer o seu advogado, quer o Mmo Juiz julgador, não tinham conhecimento ainda daquele ofício da D.G.V. que obrigou meses mais tarde a elaboração de sentenças com a correcção dos valores nominais TAE, por subtracção das margens de erro reguladas pela autoridade de fiscalização, D.G.V., gerando TAS corrigidas.

30º – Se o Recorrente tivesse visto corrigido o valor nominal da TAE, o Mmo Juiz julgador teria dado como provado o facto de no momento da condução ter acusado a taxa de álcool no sangue de 1,18g/l e não aquela que deu como provado, porque não corrigiu, e jamais seria condenado pela prática do crime.

31º – Neste sentido, atendendo a que o Recorrente foi objecto de condenação injusta pela prática dum crime que não cometeu, em virtude do Tribunal a quo não ter aplicado ao caso concreto a correcção por subtracção de margem de erro à medição metrológica nominal de TAE.

32º – Resulta evidente que, neste sentido, a sentença a rever está ferida do vício de inconstitucionalidade porque o Tribunal a quo realizou uma interpretação do artº 292º do C.P. materialmente inconstitucional porque não podia sentenciar criminalmente, de modo condenatório o Recorrente, sem verificar que a TAS corrigida de 1,18g/l teria que ser obrigatoriamente havida como provada de acordo com as instruções do Ofício nº 14811, de 19.07.2006, da D.G.V. e não interpretou deste modo a lei, pelo que, violou as normas constantes do nº1 e 4 do artº 29º e nº1 do artº 32º, ambos da Constituição da república Portuguesa, vício de entendimento interpretativo daquelas normas ao caso concreto aqui rever, que se invoca para todos os efeitos legais.

33º – E, a injustiça grave da sentença a rever que condenou o Recorrente por crime não cometido, até se projecta na ideia de que caso tivesse sido objecto de julgamento no dia em que o cidadão Carlos Vítor Sousa Gonçalves, no âmbito do processo 50/06.3PTFUN, pendente no 1º Juízo Criminal do tribunal Criminal do Funchal, ter-lhe-ia sido aplicada a TAS corrigida e jamais ter-lhe-ia sido imputado o crime p.p. no art. 292.º do C.P..

34º – Em face a tudo o que até agora se defendeu nesta peça, estão cumpridos os fundamentos da admissibilidade do pedido de revisão de sentença previstos na alínea c) e b) do n.º 1 do art. 449.º do C.P.P.

Ofereceu o recorrente 4 testemunhas e 7 documentos.

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu detalhadamente à motivação, pronunciando-se pela não realização das diligências de prova requeridas, dado o incumprimento pelo recorrente do disposto no art. 453.º, n.º 2 do CPP, e pelo improvimento do recurso, por se não verificar nenhum dos fundamentos invocados.

Informou o Juiz da condenação, nos termos do art. 454.º do CPP, o seguinte:

«O arguido AA foi, por sentença transitada em julgado nestes autos, condenado nas penas de 800 euros de multa e 4 meses de proibição de condução de veículos motorizados, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Pretende agora a revisão extraordinária de tal sentença, com fundamento das als. c) e d) do n.º 1 do art. 449º do C. P. Penal.

O primeiro dos referidos fundamentos reporta-se à descoberta de contradição entre os factos que serviram de fundamento à condenação com os dados como provados noutra sentença, e que tal contradição justifique graves dúvidas sobre a justeza da condenação.

Em nossa opinião, o recorrente labora aqui em manifesto lapso. De facto, em nosso entendimento, este pressuposto de recurso extraordinário evoca a possibilidade de existência de contradição entre factos dados como provados em duas sentenças, em que os segundos ponham em causa os primeiros. Ou seja, o alcance desta norma tem a ver com duas decisões judiciais em que se apreciaram situações, de algum modo, concretamente relacionadas, e em que a segunda decisão dá como provados factos conexos com os anteriormente fixados e que os põem em causa. Dá-se o seguinte exemplo de escola: prova-se na segunda sentença que o arguido, na tarde de 1 de Janeiro de 2007 estava em Singapura, quando na primeira decisão se tinha dado como provado que, nessa mesma tarde, ele agrediu uma pessoa no Funchal. Não é esta realidade que o recorrente aqui põe em causa. Decorre dos termos do seu recurso que apresenta um acórdão em que é feita uma interpretação diversa do alcance e valor de um determinado meio probatório, diferente da relevância que foi conferida a tal meio probatório nestes autos. Os factos dados como provados no acórdão que apresenta não põem em causa os factos da sentença proferida nestes autos, pela simples razão de que, em concreto, em nada se relacionam com eles.

O segundo dos fundamentos invocados está relacionado com a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Tanto quanto percebemos do recurso apresentado, não foram descobertos novos factos nem novos meios de prova que coloquem em causa a justiça da condenação. O que o recorrente descobriu foi um acórdão onde é dado um enquadramento e alcance a um determinado meio probatório – o teste de alcoolemia através do ar expirado – diverso daquele que se apresenta na sentença e acórdão proferidos nestes autos. Aliás, nenhuma novidade existe nos fundamentos de tal meio probatório. O recorrente invoca uma portaria de 1994. Considerando que recorreu para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa da sentença proferida nestes autos doze anos depois da publicação de tal portaria, não se percebe porque razão já não fundamentou o seu recurso ordinário em tal portaria nem por que presume que os Juizes Desembargadores que julgaram o seu recurso a ignoraram. Esclarece o recorrente que o alcance de tal portaria só se tornou público e notório com umas instruções dadas pela D. G. V., num seu ofício de 2006. É bom de ver que as instruções em causa, não só não representam lei em sentido formal ou material, como não representam interpretação autêntica de qualquer diploma normativo. É certo, ainda assim, que as ditas instruções foram pretexto suficiente para lançar alguma polémica na jurisprudência, na primeira e segunda instâncias, onde chegou a levar-se em consideração a “famigerada” margem de erro. No que pessoalmente nos diz respeito, na medida em que, durante um curto período temporal, o Ministério Público desta comarca, expressamente ou por remissão para os autos de notícia elaborados pela P. S. P., passou a acusar os arguidos e a imputar-lhes apenas a taxa que resultava do dito “desconto” e constatando, por um lado, que o mesmo era praticamente despiciendo para a medida concreta da pena a fixar (v., em sentido concordante com esta premissa, o Ac R. L. infra cit.), acatámos nas nossas sentenças tal limitação factual proposta pelo titular da acção penal, mais por respeito do princípio do acusatório “puro”, que não merecia ser beliscado por tão pouco, do que por entusiasmada adesão a essa “moda” do desconto (relevando ainda a ponderação de que as alterações não substanciais dos factos constantes da acusação que, constantemente, se fossem cominando aos arguidos, poderiam originar requerimentos contra-probatórios de aferição metrológica de complexidade e morosidade absolutamente desproporcionadas com a alteração factual pouco significativa que o Tribunal, oficiosamente, lhes pretenderia impor). Em curtíssimo prazo, no entanto, o Ministério Público desta comarca retomou a mais correcta acusação pelo valor constante do talão extraído do alcoolímetro, sem qualquer desconto, tendo os arguidos vindo a ser condenados em conformidade, sem, aliás, qualquer recurso interposto em que se sufraguem as posições do ora recorrente.

Também o acórdão da Relação de Lisboa junto aos autos pelo recorrente aderiu à tese da aplicabilidade do desconto. Com melhor jurisprudência se apresentam, salvo o devido respeito, inúmeros recentes acórdãos da mesma Relação que descartam em absoluto a necessidade de proceder a qualquer desconto sobre a taxa fixada pelo alcoolímetro, como ainda fulminam com a apreciação de “erro notório na apreciação da prova o dito “desconto” (v. g., por todos, Ac. 23/10/07, relatado pelo Desembargador Vieira Lamim, de que se transcreve o sumário, disponível em www.dgsi.pt: “Não prevendo a lei qualquer margem de erro, para os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, em que são usados aparelhos certificados e não existindo quaisquer elementos de prova que suscitem dúvidas sobre a fiabilidade de aparelho concreto usado no exame, deve considerar-se assente o resultado obtido, sem dedução de qualquer margem de erro; Considerando o tribunal provado um valor inferior ao resultado do exame efectuado e não decorrendo dos autos, nem da fundamentação da decisão recorrida, que tenha sido produzida prova susceptível pôr em causa a fiabilidade do aparelho usado, ocorre o vício de erro notório na apreciação da prova.”).

Por outro lado, o próprio recorrente junta aos autos, em sua defesa, um parecer científico (Controlo Metrológico de Alcoolímetros No Instituto Português da Qualidade) que, na realidade, depõe exclusivamente contra a sua posição. De facto, nas conclusões de tal parecer (fls. 58 dos autos) se dispõe que: “ De acordo com os resultados laboratoriais obtidos durante as operações de controlo metrológico, demonstra-se que os EMA não são uma “margem de erro” nem devem ser interpretados como tal. O valor da indicação do instrumento é em cada situação o mais correcto”.

Por tudo isto se conclui que - em nosso parecer - não assiste razão ao recorrente quanto ao mérito do seu recurso, seja sob a perspectiva formal da sua admissibilidade, seja sob o ponto de vista substancial da condenação em que foi visado.»

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça teve vista o Ministério Público que acompanhou a posição assumida em 1.ª Instância.

Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP.

Colhidos os vistos, teve lugar a conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

2.

E conhecendo.

Comecemos por analisar, brevemente, a natureza e estrutura do recurso de revisão, tendo presente que nenhuma legislação moderna adoptou o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado, pelo que foi escolhida uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o acto jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, e que se traduz na possibilidade limitada de revisão das sentenças penais, que foi entre nós consagrada.

A segurança é seguramente um dos fins do processo penal, não é seguramente o único e nem sequer o prevalente, que se encontra antes na justiça.

Aliás, o recurso de revisão inscreve-se também, parcialmente, nas garantias constitucionais de defesa, no princípio da revisão consagrado no n.º 6 do art. 29.º da Constituição: os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

Essas condições da lei encontram-se nos art.ºs 449.º a 466.º do Código de Processo Penal (CPP), admitindo-se a revisão das decisões penais, não só a favor da defesa, mas igualmente da acusação.

São, em síntese, os seguintes os fundamentos e condições de admissibilidade da revisão:

– Falsidade dos meios de prova: falsidade reconhecidos por sentença transitada, de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever [art. 449.º, n.º 1, al. a)];

– Sentença injusta: crime cometido por juiz ou jurado, reconhecido em sentença transitada relacionado com o exercício de funções no processo [art. 449.º, n.º 1, al. b)];

– Inconciabilidade de decisões: entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. c)];

– Descoberta de novos factos ou meios de prova, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. d)].

– Descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º [art. 449.º, n.º 1, al. e)].

– Declaração, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação [art. 449.º, n.º 1, al. f)].

– Prolação, por uma instância internacional, de sentença vinculativa do Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça [art. 449.º, n.º 1, al. g)].

O legislador ordinário não se limitou, pois, a consagrar a possibilidade de revisão das sentenças condenatórias, mas visou igualmente as decisões penais favoráveis ao arguido. Porém, também ponderou, neste último domínio, o princípio constitucional de que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (n.º 5 do art. 29.º da CRP), que não inviabiliza, mas limita fortemente a possibilidade de revisão contra o arguido e previu, para este último caso, dois fundamentos de revisão contra os quatro previstos para as decisões condenatórias.

Com efeito, dos fundamentos já enunciados só os dois primeiros, em que está em causa genuinidade da decisão, em que esta está afectada no seu nascimento (por uso de meios de prova falsos ou de intervenção de membro de tribunal suspeito, com toda a quebra de confiança geral no sistema) é que podem fundar o pedido de revisão contra a defesa.

Já os restantes fundamentos, designadamente a inconciabilidade de decisões [art. 449.º, n.º 1, al. c)] e descoberta de novos factos ou meios de prova [art. 449.º, n.º 1, al. d)] só operam, como resulta do uso ali feito da expressão "graves dúvidas graves sobre a justiça da condenação", em relação a decisões condenatórias.

Volvemos agora, novamente, à motivação do recorrente que impõe uma primeira precisão, quanto ao objecto do recurso extraordinário de revisão.

Diversamente do que parece pensar o recorrente, este Supremo Tribunal não pode rever a decisão visada por este recurso, nem dizer em que sentido ela deve ser revista por outro tribunal. Não é esse o objectivo deste recurso.

O que o Supremo Tribunal de Justiça pode e deve fazer é determinar se se verifica(m) o(s) invocado(s) fundamento(s) da peticionada revisão. Se responder negativamente a essa pergunta, ou seja se negar a revisão, condena o requerente, salvo o Ministério Público, em custas e ainda, se considerar que o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 a 30 UC (art. 456.º do CPP); se autorizar a revisão, reenvia o processo ao tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontrar mais próximo (n.º 1 do art. 457.º do CPP) que, por via de regra, designará dia para julgamento, observando em tudo os termos do respectivo processo (n.º 1 do art. 460.º do CPP).

Assim, mesmo que viesse a autorizar a presente revisão, nunca iria o Supremo Tribunal de Justiça substituir-se ao Tribunal que teria de proceder ao novo julgamento, mesmo que limitando-se a indicar a este os termos desse julgamento, diversamente do que é pedido pelo recorrente.

Esse pedido não cabe, pois, no enquadramento deste recurso extraordinário de revisão.

Foi invocado, como fundamento da presente revisão, o disposto no art. 449.º, n.º 1 als. c) e d): inconciabilidade de decisões ou descoberta de novos factos ou meios de prova que, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.

O recorrente, que foi condenado, como se viu, como autor material de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez (art. 292.º do C. Penal), por ter acusado a taxa de álcool no sangue de 1,28 grs/litro, procura demonstrar, neste recurso, que:

– Não praticou os factos correspondentes, porque não tinha no sangue aquela taxa de álcool, pois àquele valor não foi feito o desconto referente à margem de erro do aparelho utilizado; e que

– A decisão revidenda é inconciliável com duas decisões judiciais que junta.

Para afirmar a primeira ideia, a de que a taxa de álcool no sangue de 1,28g/l dada como provada não é exacta, alega que lhe não foram aplicadas ao Recorrente as instruções e recomendações constantes da Portaria nº 748/94, de 3 de Outubro (regulamentação do controlo metrológico dos alcoolímetros) de conteúdo mais favorável (admite que, os aparelhos iguais aos do teste têm margens de erro que devem resultar subtraídas desses valores a favor da pessoa testada) o que veio a ser confirmado por ofício n.º 14811 da Direcção Geral de Viação de 19.7.2007, posterior ao julgamento, com instruções de procedimento policial e para todas as autoridades de investigação sobre o estabelecimento da taxa de álcool no sangue por aplicação das margens de erro, as da Tabela anexa, que veio alterar a actuação dos órgãos policiais, de investigação ao nível do M.P. e dos tribunais que teriam começado a corrigir erros na medição da taxa de álcool, subtraindo a percentagem de erro máximo à taxa metrológica de TAE ou TAS determinada pelos aparelhos.

Sustentou ainda que a Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro que revogou a Portaria 784/94 manteve, no seu art. 8º, a admissibilidade de erros máximos metrológicos aos testes à TAS e TAE. Cita um Acórdão da Relação de Coimbra (procº 426/04.OGTSTR.C1) uma sentença de 21.9.2006 (proc. nº 50/06.3PTFUN) que teriam acolhido essa posição.

À taxa de álcool apurada em relação ao recorrente 1,28g/l deveria ter-se subtraído o erro máximo de 0.096 e considerar-se a TAS de 1,18g/l, pelo que só poderia dar-se como provado que através do aparelho metrológico TAE a TAS corrigida era de 1,18g/l, nunca devendo o recorrente ser condenado como autor material do crime do artº 292º do C.Penal, como foi.

Refere que no julgamento não pode deitar mão a estes novos factos relativos aos erros máximos dos aparelhos metrológicos, que são apenas meios de obtenção de prova, em virtude de à época não estarem a ser atendidos pelas forças policiais, autoridades de viação, pelas autoridades de investigação judicial e pelos tribunais, na medida em que, não existia ainda a instrução dada pela D.G.V. constante do Ofício 14.811, de 19.07.2006.

Considera que foi objecto de condenação injusta pela prática dum crime que não cometeu, em virtude do Tribunal a quo não ter aplicado ao caso concreto a correcção por subtracção de margem de erro à medição metrológica nominal de TAE.

Mas não lhe assiste razão.

Como se acentua na informação do art. 454.º do CPP, um dos fundamentos invocados, o segundo, padece de manifesto equívoco. Referimo-nos à alegada contradição entre os factos que serviram de fundamento à condenação com os dados como provados noutra sentença, e que criam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Já se viu que a inconciabilidade de decisões a que se reporta o art. 449.º, n.º 1, al. c) tem de referir-se aos factos que fundamentam a condenação e os factos dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação.

E para que se possa afirmar que os factos são inconciliáveis é necessário que entre eles exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda.

Ora, os factos respeitantes à taxa de alcoolémia de outra pessoa noutra situação e noutro tempo não podem ser inconciliáveis com os factos referentes à taxa de alcoolémia do recorrente, na situação tida em conta nesta sentença, por não existir entre elas qualquer relação, nem sequer de se tratar do mesmo aparelho utilizado nas medições.

A validade de meios de prova, a mediação de aparelhos, a valoração que deles é feita pelos tribunais não são “factos” a que se refira a alínea c) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.

Esta tem sido a posição pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça, que já decidiu que:

– (1) - Em processo penal, só é possível atingir o caso julgado através do instituto da revisão e este demanda, para poder produzir efeitos, a verificação de qualquer dos pressupostos que, taxativamente, se elencam no n.º 1 do art.º 449.º, do CPP. (2) - A revisão apresenta-se como um expediente destinado a estabelecer um compromisso de equilíbrio entre a imutabilidade da decisão decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material. (3) - À luz do nosso direito processual penal, a revisão versa exclusivamente sobre a questão de facto. (4) - A inconciliabilidade prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 449.º, do CPP, é uma inconciliabilidade de factos ou entre factos. Assim, as decisões que se profiram só serão inconciliáveis entre si na medida em que forem inconciliáveis os factos em que se fundaram. (5) - Não se pode falar em inconciliabilidade de factos por reporte à mera circunstância de se ter feito referência, por lapso, em acórdão cumulatório de penas, a uma pena de dois anos e meio de prisão, englobada no cúmulo, em vez da de dois anos de prisão que constava da anterior decisão. (AcSTJ de 12-10-2000, proc. n.º 2094/00-5);

– (I) - A inconciliabilidade entre factos que tenham sido considerados na decisão revidenda e numa outra decisão tem de materializar-se numa contradição entre factos provados, como decorre claramente da proposição normativa: os factos que serviram de fundamento à condenação devem ser inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença, e não entre factos provados e factos não provados. (II) - Na verdade, só existe verdadeira contradição para o efeito que aqui interessa, entre factos provados que se não conciliem. Só a contradição daí resultante é capaz de gerar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, como sucederá, por exemplo, se numa decisão se der como provado que A matou B e noutra se tiver dado como provado que a morte de A resultou da sua queda involuntária num precipício. Já o mesmo não sucede se num processo se tiver dado como provado que A matou B e noutro tiver ficado não provado que a morte de A resultou de uma acção de B. (AcSTJ de 16-02-2006, proc. n.º 99/06-5)

– (1) - Um dos fundamentos da designada revisão pro reo e que diz respeito à revisão da sentença condenatória é a que tem por base a inconciliabilidade dos factos dados como provados nessa decisão com os dados como provados noutra, daí devendo resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou seja, dúvidas tão sérias, que se ponha fundadamente o problema de o condenado poder vir a ser absolvido, embora se não ponha necessariamente o problema da sua inocência. (2) - Não ocorre essa inconciliabilidade se os factos dados como provados em ambas as decisões não se excluírem mutuamente. (3) - As divergências que possa haver entre os factos dados como provados numa e noutra decisão só são fundamento de revisão se tornarem ambas as decisões incompatíveis e puderem gerara graves dúvidas sobre a justiça da condenação. (AcSTJ de 06-07-2006, proc. n.º 2319/06-5);

– (I) - A inconciliabilidade entre factos que tenham sido considerados na decisão revidenda e numa outra decisão tem de materializar-se numa contradição entre factos provados, como decorre claramente da proposição normativa - os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença -, e não entre factos provados e factos não provados. (II) - Deve ser negada a revisão de sentença, por não verificação dos pressupostos legais da inconciliabilidade entre decisões, se o recorrente, na motivação, tenta fazer um cotejo entre factos provados e não provados, e questionar a matéria de facto constante das decisões transitadas com fundamento na sua perspectiva da valoração da prova produzida e que fundamentou essa matéria fáctica, dela retirando ilações no sentido de ser inconciliável a mesma matéria fáctica questionada. (AcSTJ de 29-05-2007, proc. n. º 1230/07-3).

Afastado este fundamento, importa considerar o primeiro fundamento, adiantando, desde já, que o recorrente não apresenta novos factos ou novos meios de prova, como exige o art. 449.º, n.º 1, al. d) do CPP.

Com efeito, dispensa-se de enunciar quais sejam esses factos e quais os novos meios de prova de que deduz a injustiça da condenação; aliás, a taxa de alcoolémia a atender é a “mesma”, como mesmo é o meio de prova (o aparelho utilizado).

O que afinal invoca o recorrente é uma mudança de entendimento dos tribunais que, se aplicado ao seu caso, teria eventualmente conduzido a uma decisão diferente.

Ora essa mudança não constituiu nem um facto, nem um meio de prova. E tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça que o diverso entendimento sobre os meios de prova ou factos não constitui aquele fundamento legal do recurso de revisão.

Assim:

– (2) - Se o recorrente se baseia, para pedir a revisão de sentença condenatória, num parecer farmacológico sobre a perícia oportunamente feita no juízo de condenação, não se está perante um facto novo. (3) - E o documento não pode constituir um meio de prova que crie grave dúvida sobre a justiça da condenação uma vez que constitui um mero juízo opinativo sobre factos assentes. (AcSTJ de 15-07-1992, proc. n.º 42937);

– Mesmo face ao CPP de 1987 o STJ continua a entender que os simples juízos periciais não constituem novo elemento de prova para efeitos de revisão de sentença transitada em julgado. (AcSTJ de 26-05-1993, proc. n.º 43426)

– (1) - Um parecer de perito, num processo em que foram realizadas várias perícias, não pode integrar o novo elemento de prova a que se refere a al. d) do nº 1 do art. 449º do CPP. (2) - Este meio de prova para ser relevante, tendo em vista a concessão da revisão, de per si ou combinado com os que foram apreciados no processo, deve suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. (3) - O parecer, dada a sua natureza não constitui facto novo, apenas pode considerar-se como meio de prova, mas como tal não passa de mais uma opinião técnica que, muito embora não concorde com as perícias feitas no processo, não pode abalar as decisões proferidas. (AcSTJ de 04-11-1993, proc. n.º 44345).

E na verdade, o recurso extraordinário de revisão (quando fundado na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP) não tem por finalidade – que será a do recurso ordinário em matéria de facto, da competência, em regra, da Relação, aliás interposto sem êxito – o reexame crítico da fundamentação do acórdão recorrido. Mas, diversamente, apurar/avaliar – com vista a uma eventual revisão da sentença condenatória transitada em julgado – se, após a condenação, se descobriram (ou não) "novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação" (cfr. no mesmo sentido o AcSTJ de 31-05-2007, proc. n.º 13/07-5)

Ora, o que o recorrente pretende é obter a reapreciação dos factos apurados, à luz dos meios de prova produzidos e examinados na decisão revidenda tendo em atenção uma Portaria de 1994, já então vigente, “ressuscitada” por um ofício da DGV que não obriga os tribunais, pois não constituem lei em sentido formal ou material, nem interpretação autêntica de qualquer diploma normativo.

Para tanto se socorreu, como se viu, de outras decisões judiciais que aderiram ao ponto de vista de que parte na sua crítica. Como se refere na informação do Juiz da condenação:

«o que o recorrente descobriu foi um acórdão onde é dado um enquadramento e alcance a um determinado meio probatório – o teste de alcoolemia através do ar expirado – diverso daquele que se apresenta na sentença e acórdão proferidos nestes autos. Aliás, nenhuma novidade existe nos fundamentos de tal meio probatório. O recorrente invoca uma portaria de 1994. Considerando que recorreu para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa da sentença proferida nestes autos doze anos depois da publicação de tal portaria, não se percebe porque razão já não fundamentou o seu recurso ordinário em tal portaria nem por que presume que os Juízes Desembargadores que julgaram o seu recurso a ignoraram».

E mesmo na polémica que se chegou a instalar, a propósito, as instâncias inclinaram-se para a posição adoptada na decisão revidenda, descartando a necessidade de proceder a qualquer desconto sobre a taxa fixada pelo alcoolímetro. Aliás, o parecer científico junto pelo recorrente conclui que: “de acordo com os resultados laboratoriais obtidos durante as operações de controlo metrológico, demonstra-se que os EMA não são uma “margem de erro” nem devem ser interpretados como tal. O valor da indicação do instrumento é em cada situação o mais correcto”.

Finalmente, o argumento da inconstitucionalidade.

Como se viu já, o recorrente alega ainda:

«A sentença a rever está ferida do vício de inconstitucionalidade porque o Tribunal a quo realizou uma interpretação do artº 292º do C.P. materialmente inconstitucional porque não podia sentenciar criminalmente, de modo condenatório o Recorrente, sem verificar que a TAS corrigida de 1,18g/l teria que ser obrigatoriamente havida como provada de acordo com as instruções do Ofício nº 14811, de 19.07.2006, da D.G.V. e não interpretou deste modo a lei, pelo que, violou as normas constantes do nº1 e 4 do artº 29º e nº 1 do artº 32º, ambos da Constituição da República Portuguesa, vício de entendimento interpretativo daquelas normas ao caso concreto aqui rever, que se invoca para todos os efeitos legais.»

Mas também aqui não se contém nos limites do quadro legal.

Em primeiro lugar, a decisão revidenda transitou em julgado, pelo que não é susceptível de recurso ordinário, o que inclui o recurso de constitucionalidade.

Depois, a arguição da inconstitucionalidade de um preceito legal não constitui fundamento de revisão, de harmonia com a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que os fundamentos da revisão de sentença são os previstos, taxativamente, nas diversas alíneas do art. 449.º do CPP (cfr. neste sentido o AcSTJ de 07-12-2005, proc. n.º 2928/05-3).

É certo que, como se viu, o art. 449.º, veio consagrar, depois da intervenção da Lei n.º 48/2007,de 29 de Agosto, um novo fundamento de revisão que se prende com a Declaração de inconstitucionalidade de norma, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional [n.º 1, al. f)].

Só que, já o dissemos trata-se então da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação. Teve-se em vista, na sequência da alteração introduzida no n.º 4 do art. 2.º do C. Penal afastando o limite do caso julgado em caso de ser publicado lei que conduza a regime concretamente mais favorável, alargar os efeitos da declaração com força obrigatória geral, mesmo quando já se verificou trânsito em julgado, quando a norma em causa tenha um conteúdo menos favorável ao arguido.

A norma em causa e que consagra o novo fundamento é, aliás, inconstitucional, toda a vez que a que o Constituição dispõe de forma diversa quanto aos efeitos de tal declaração e atribuiu somente ao Tribunal Constitucional a possibilidade de conformação de tais efeitos. Na verdade, dispõe o n.º 3 do art. 282.º da Constituição que: «ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido».

Mas no caso não se trata de um alargamento dos efeitos de uma declaração com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido, mas de uma mera arguição de inconstitucionalidade que não foi atempadamente colocada.

Daí que se deva manter o entendimento anterior já anunciado.

3.

Pelo exposto, acordam os juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em não autorizar a revisão, negando provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com a taxa de justiça de 5 Ucs.

Lisboa, 8 de Maio de 2008

Simas Santos (Relator)

Santos Carvalho

Carmona da Mota (com declaração de voto*)

«Ressalvados os casos julgados (art. 282.3 da Constituição), a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado (n.º 1). Porém, já não terá lugar essa ressalva se a decisão do TC que declarar a inconstitucionalidade de determinada norma com forma obrigatória geral alargar a sua eficácia, expressis verbis, aos casos condenatórios já julgados com fundamento na norma declarada inconstitucional, quando esta seja de conteúdo mais desfavorável ao condenado que a norma repristinada (n.º 3). Ora, foi a Lei 48/2007 que – ao adicionar ao n.º 1 do art. 449.º do CPP uma nova alínea f) («A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação»)- veio resolver «o problema da inexistência de um meio de execução no processo penal das sentenças do TC que declarem, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de norma [de conteúdo menos favorável ao arguido] que tenha constituído ratio decidendi da condenação» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário, p. 1217). Assim definido o seu alcance, a norma da alínea f) do n.º 1 do art. 449.º do CPP não enfermará de inconstitucionalidade. CM»