Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : |
O não pagamento, na íntegra, da retribuição correspondente a quatro meses é objetivamente tão grave, como violação do dever principal do empregador, que justifica a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, sem necessidade de invocar outros factos, tanto mais que tal incumprimento, nos termos da lei, se considera culposo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 340/19.5T8GRD-A.C1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
1. Relatório
AA propôs contra Elevolution – Engenharia, S.A, a presente ação com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, tendo peticionado, designadamente e com relevo para efeitos desta decisão, a condenação da ré a reconhecer que o autor resolveu, com justa causa subjetiva para o efeito, o contrato de trabalho entre ambos celebrado, e a pagar-lhe uma indemnização fundada nessa resolução no valor de € 68.310. Realizado o julgamento, foi proferida a seguinte decisão no despacho saneador: “Em face do exposto decide o Tribunal: I. Absolver a ré «ELEVOLUTION – Engenharia, S.A.» do pedido de condenação a reconhecer que o contrato de trabalho que a ligava ao autor AA foi resolvido com justa causa. II. Absolver a ré «ELEVOLUTION – Engenharia, S.A.» do pedido de condenação no pagamento ao autor AA de uma indemnização no montante de € 68 310,00 (sessenta e oito mil trezentos e dez euros). III. Condenar o autor AA no pagamento das custas na proporção do decaimento, a determinar a final”. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação. O Tribunal da Relação julgou a apelação procedente, “revogando-se a decisão recorrida, reconhecendo-se que o autor resolveu o contrato de trabalho com justa causa subjetiva para o efeito, e determinando-se o prosseguimento dos autos, também, para conhecimento e decisão relativa ao pedido de indemnização formulado pelo autor com fundamento em resolução do contrato de trabalho com justa causa subjetiva”. Inconformada a Ré interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões[1]: 1. Acordaram na 6ª secção da Relação ..., no sentido de julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, reconhecendo-se que o autor resolveu o contrato de trabalho com justa causa subjetiva para o efeito, e determinando-se o prosseguimento dos autos, também, para conhecimento e decisão relativa ao pedido de indemnização formulado pelo autor com fundamento em resolução do contrato de trabalho com justa causa subjetiva. 2. Decisão que não pode a ora recorrente aceitar e conformar-se. 3. Em 1.ª instância foi decidido: I. Absolver a ré «ELEVOLUTION – Engenharia, S.A.» do pedido de condenação a reconhecer que o contrato de trabalho que a ligava ao autor AA foi resolvido com justa causa; II. Absolver a ré «ELEVOLUTION – Engenharia, S.A.» do pedido de condenação no pagamento ao autor AA de uma indemnização no montante de € 68.310,00 (sessenta e oito mil trezentos e dez euros); III. Condenar o autor AA no pagamento das custas na proporção do decaimento, a determinar a final. 4. Mais considerando que o Autor e ora recorrido, limitou-se a invocar o incumprimento da obrigação retributiva. 5. Se considerarmos a jurisprudência dominante a) apesar de o incumprimento ser culposo no quadro de facto alegado e provado, não resulta demonstrado que o incumprimento por parte da ré tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; b) Inexistindo justa causa na resolução, improcede o pedido de condenação da ré, ora recorrida no pagamento de uma indemnização. 6. De facto, é inegável a relevância jurídica da questão sub judice, impondo a sua boa apreciação para uma melhor aplicação do Direito, na medida em que está em causa a responsabilidade por créditos laborais (de particular relevância social). 7. Só podia ter realmente improcedido o pedido do Autor, ora recorrido, e ter sido mantida pelo Exmos. Juízes Desembargadores a decisão da 1ª Instância, já que os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrido, na medida em que estavam dependentes da existência de uma justa causa para a resolução do seu contrato de trabalho com fundamento na falta culposa de pagamento da retribuição. 8. E já que em momento algum ocorreu qualquer violação dos direitos do Autor, ora Recorrido que justificasse a cessação do contrato por essa via. 9. E por não se terem verificado os requisitos legais dos quais dependia a existência de justa causa de despedimento de molde a permitir ao ora Recorrido a cessação do seu contrato de trabalho por essa via é que a ação só podia improceder. 10. Acresce que, não é verdade que a ora Recorrente tenha aceitado ou reconhecido a resolução do contrato de trabalho com justa causa por mora no pagamento das retribuições. E mesmo que o tivesse feito, tal nunca poderia sustentar a validade da referida justa causa de resolução do contrato de trabalho. 11. A verdade é que em 1ª instância nunca o Autor, o ora recorrido, logrou fazer qualquer prova de que o comportamento da Ré, ora Recorrente, o impedia de manter a relação de trabalho, ao ponto de a resolução do contrato ser a única solução viável à salvaguarda dos seus interesses. 12. Estabelece o artigo 394.º, n.º 4 do Código do Trabalho que a justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte dos trabalhadores é apreciada, com as necessárias adaptações, nos termos do artigo 351.º, n.º 3 do Código do Trabalho, o qual estabelece que “na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.” 13. Neste sentido, é entendimento assente e unânime da jurisprudência e doutrina que a justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador apenas releva, se, em algum momento, ficar provado que o comportamento da entidade empregadora gerou, de facto, uma situação de impossibilidade de o trabalhador manter a relação laboral. 14. Sendo certo que o ónus da prova da impossibilidade acima indicada incumbia, naturalmente, ao Autor, ora Recorrido, o qual, in casu nem sequer cuidou de alegar qual o grau de lesão dos seus interesses e em que medida o incumprimento da Ré, inviabilizava a subsistência do seu vínculo contratual de trabalho com o ora Recorrido. 15. Com efeito, a resolução do contrato de trabalho com justa causa apenas é admissível se a mesma resultar de um comportamento do empregador que, pela gravidade das suas consequências e à luz das regras de boa-fé contratual, impossibilite, de forma imediata, definitiva e em termos práticos, a manutenção do contrato de trabalho. O que não sucede in casu! 16. A jurisprudência é unanime em referir que: “Naquele plano de consideração…..competia ao A. alegar e provar a situação económica e familiar decorrente do não pagamento da retribuição (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), ónus que não se mostra cumprido (…). Não pode, desde modo, afirmar-se que a conduta da Ré, embora ilícita, fosse impeditiva da manutenção da relação de trabalho que aquela mantinha com o Autor, pelo que, não pode considerar-se que a mesma integre justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador.” “Impõe-se, pois, a procedência da revista da Ré e a revogação da decisão recorrida, na parte em que reconheceu ao Autor o direito à indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho.” (sublinhado e realce nossos).” 17. O Tribunal da Relação, andou mal ao reconhecer que o autor resolveu o contrato de trabalho com justa causa subjetiva para o efeito. 18. A jurisprudência existente é praticamente unânime no sentido de defender a necessidade de alegação e prova da gravidade e consequências da fundamentação, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 19. Ademais, importa referir que a lei é clara no disposto no artigo 398.º, n.º 3 do Código do Trabalho quando estatui que “na ação em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no nº 1 do artigo 395º”. 20. Assim, o facto de o Autor, ora Recorrido, não se ter preocupado, em momento algum, em alegar ou demonstrar, ainda que forma indiciária, quais as reais e efetivas circunstâncias que o impediam de manter a relação de trabalhador é, por si só, suficiente para se considerar que o Autor, ora Recorrido, resolveu o seu contrato de trabalho com a ora Recorrente sem justa causa, desde logo, por não ser possível retirar qualquer outra conclusão em sentido contrário, o que foi decidido em 1ª Instância, mas revogado pela Mmos Juízes Desembargadores da Relação de Coimbra. 21. O Autor na ação, ora Recorrido, sempre estava cometido ao dever de alegar e provar a insustentabilidade da manutenção do vínculo laboral que o ligava à ora Recorrente. O que, não fez! 22. Não restando, assim, quaisquer dúvidas de que Autor, ora recorrido resolveu o seu contrato de trabalho com a Recorrente sem justa causa. 23. O Acórdão ora recorrido, fez uma errada interpretação ao reconhecer que o autor resolveu o contrato de trabalho com justa causa subjetiva para o efeito, e determinando-se o prosseguimento dos autos, também, para conhecimento e decisão relativa ao pedido de indemnização formulado pelo autor com fundamento em resolução do contrato de trabalho com justa causa subjetiva. 24. Devendo, deste modo, e atentos os fundamentos supra expostos, revogar-se a decisão tomada pelos Srs. Juízes Desembargadores julgando-se o presente recurso totalmente procedente”.
O Ministério Público, em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
2. Fundamentação
De Facto
Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias
“1. Em 6 de novembro de 2000, através de contrato de trabalho, o autor foi admitido ao serviço da ré. 2. Por força de tal contrato ficou acordado que o autor prestaria para a ré, sob as suas ordens, orientação, no seu interesse, em local a ela pertencente ou por ela indicado, sujeito a horário de trabalho e mediante retribuição, o trabalho inerente à categoria profissional de encarregado geral, mediante a retribuição mensal de € 2 028,00, acrescida de ajudas de custo no montante de € 502,00. 3. Tendo efetivamente trabalhado naquelas condições e em tal atividade para a ré desde a data de admissão até ao dia 15 de janeiro de 2019, nos locais indicados pela ré. 4. O autor esteve sem trabalhar, por indicação da ré, desde janeiro de 2017 a agosto de 2018. 5. No período de vigência do contrato de trabalho, a ré não pagou a retribuição a que se encontrava obrigada relativa aos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018. 6. No período compreendido entre janeiro de 2017 e julho de 2018, não lhe foi paga a ajuda de custo “isenta”. 7. Em 14 de janeiro de 2019, o autor, através de carta registada com aviso de receção, enviada para a morada da ré, transmitiu-lhe que considerava o contrato de trabalho resolvido com justa causa, invocando, para o efeito, a falta culposa de pagamento da retribuição relativa aos meses de setembro a dezembro de 2018, bem como do respetivo subsídio de Natal. 8. Posteriormente àquela comunicação, a ré liquidou a retribuição do mês de setembro de 2018. 9. A ré, em 15 de janeiro de 2019, certificou o Modelo RP 5044/2013 – DGSS (Declaração de Situação de Desemprego), fazendo constar que o contrato de trabalho cessou por resolução com justa causa por retribuição em mora. 10. Nessa mesma data emitiu declaração (certificado de trabalho), da qual consta que o autor trabalhou efetivamente para ela de 6 de novembro de 2000 a 15 de janeiro de 2019.”
De Direito O objeto do presente recurso circunscreve-se às questões de determinar se existiu justa causa para o Autor resolver o seu contrato de trabalho e se este cumpriu, ou não, o ónus de indicação sucinta dos factos que integram essa justa causa na comunicação escrita da resolução do contrato de trabalho previsto no n.º 1 do artigo 395.º do CT. Resulta do facto n.º 5 que o empregou não pagou a retribuição devida ao trabalhador relativa aos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018. Por seu turno, o trabalhador ao resolver o contrato de trabalho invocou, precisamente, a falta culposa de pagamento da retribuição relativa aos meses de setembro a dezembro de 2018 (bem como a falta de pagamento do subsídio de Natal, cujo incumprimento, todavia, não consta do elenco dos factos provados). Como resulta da lei, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho (artigo 394.º, n.º 2, alínea a), sendo que se considera culposa, designadamente, a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolonga por sessenta dias (artigo 394.º, n.º 5). O empregador veio, no entanto, invocar o artigo 394.º, n.º 4 (“a justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º com as necessárias adaptações”), defendendo que o trabalhador não tinha invocado como lhe competiria factos que permitissem concluir pela impossibilidade de manutenção da relação laboral (cfr., por exemplo, as Conclusões 14, 15, 16, 20, 21). Sendo o contrato de trabalho um contrato necessariamente oneroso e em que o trabalhador executa primeiro a sua prestação, confiando que o empregador cumprirá depois o seu dever de retribuir o trabalho prestado, a obrigação de pagar a retribuição é um dos deveres principais assumidos pelo empregador, por força do contrato de trabalho. No caso concreto estamos perante uma violação extremamente grave desse dever por parte do empregador porquanto o mesmo não pagou na íntegra quatro meses de salário. Como a própria remissão legal refere a aplicação neste contexto do n.º 3 do artigo 351.º deve ser feita com as necessárias adaptações. Aqui existe justa causa de resolução pelo trabalhador porque não lhe é exigível manter o contrato de trabalho com um empregador que comete uma violação culposa do seu dever principal de pagamento da retribuição com esta grandeza ou magnitude – quatro meses de não pagamento da totalidade do salário. Com efeito, e como se pode ler no Acórdão deste Tribunal de 06/05/2020, processo n.º 7388/16.0T8FNC.L1.S1 (Relator Conselheiro LEONES DANTAS), “o incumprimento culposo pelo empregador do dever de pagar pontualmente a retribuição, atenta a importância da mesma no âmbito da relação de trabalho, releva como fundamento de justa causa para a resolução do contrato, por parte do trabalhador, desde que se possa considerar objetivamente grave”. Neste caso concreto, e face a uma violação desta gravidade, o trabalhador nada mais tinha que invocar. Sublinhe-se, de resto, que o contrato de trabalho não exige a subordinação económica e que nem sempre será necessária a alegação por parte do trabalhador de especiais dificuldades económicas a que ele e, por vezes, o seu agregado familiar ficaram sujeitos por força do não pagamento tempestivo da retribuição. Tal alegação poderá ser útil em casos em que o não pagamento da retribuição se referiu a uma parte da mesma, mas não é necessária em casos como o presente.
Decisão: Negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido Custas pelo Recorrente Lisboa, 21 de abril de 2022
Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator) Pedro Manuel Branquinho Dias Mário Belo Morgado
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