Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
685/03.6TBPRG.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO
BEM IMÓVEL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
RENDA
EQUIDADE
CITAÇÃO
MÁ FÉ
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO
Apenso:
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / CITAÇÃO / SENTENÇA / LIMITES DA SENTENÇA CONDENATÓRIA / NULIDADES DA SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida Costa, na RLJ, Ano 134.º, 299.
- Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, I, 1970, 356.
- Augusto Lopes Cardoso, Revista dos Tribunais, Ano 93.º (1975), 64 e 65.
- Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa, 2015, 63 a 67.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 12.ª edição, 2015, Almedina, 301 e notas (739) e (740).
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2008, 592.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, I, 4.ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, 54 e 55.
- Vaz Serra, na R.L.J., Ano 108.º, 224 a 227; na R.L.J., Ano 113.º, 326 e ss.; na R.L.J., Ano 114.º, 288, 309 e 310.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 483.º, N.º1, 564.º, N.º 2, 566.º, N.º 3, 1305.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 564.º, AL. A), 581.º, N.ºS 3 E 4, 2.ª PARTE, 606.º, Nº 1, 609.º, N.ºS 1 E 2, 615.º, N.ºS 1, D), E E), 666.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22-1-1980, B.M.J. N.º 293, 322.
-DE16-12-1986, B.M.J. N.º 362, 550.
-DE 29-11-2005, IN CJ (STJ), ANO XIII, T3, 151, A FOLHAS 155 (DECLARAÇÃO DE VOTO DO CONSELHEIRO SALVADOR DA COSTA); DE 11-12-2003, P.º N.º 03B3997, WWW.DGSI.PT .
-DE 8-6-2006, P.º N.º 06A1497, WWW.DGSI.PT
-DE 9-12-2008, P.º N.º 08A3401; DE 30-10-2008, P.º N.º 07B2131; DE 5-7-2007, P.º N.º 07B2138, WWW.DGSI.PT .
-DE 3-2-2009, P.º Nº 08A3942, WWW.DGSI.PT ; DE 25-3-2003, CJ (STJ), ANO XI, T1, 140; DE 27-6-2000, B.M.J. N.º 498, 222; DE 3-12-1998; B.M.J. N.º 482, 179; DE 10-7-97, B.M.J. N.º 469, 524; DE 6-3-1980, B.M.J. N.º 295, 369.
-DE 2-6-2009, P.º N.º 1583/1999.S1, WWW.DGSI.PT .
-DE 1-2-2011, REVISTA Nº 6845/07.3TBMTS.P1.S1, 1ª SECÇÃO, COLETÂNEA DE SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS DO STJ.
-DE 9-7-2015, INCIDENTE Nº 45/2000.P1.S1, 2ª SECÇÃO; STJ, DE 28-5-2015, RECLAMAÇÃO N.º 73/04.7TNLSB.L1-A.S1, 2.ª SECÇÃO; STJ, DE 12-03-2015, REVISTA N.º 52/2000.C1.S1, 2.ª SECÇÃO; STJ, DE 31-3-2011, INCIDENTE N.º 531/11.7TVLSB.L1.S1, 2.ª SECÇÃO, COLETÂNEA DE SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS DO STJ.
Sumário :

I - Não se verifica a nulidade do acórdão, por condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, quando o tribunal, eventualmente, se baseia para a condenação no pedido, em fundamentos jurídicos distintos dos invocados pelo autor.

II - Não incorre em nulidade, por excesso de pronúncia, nem constitui situação subsumível ao conceito de «decisão-surpresa», a decisão que reconhece ao lesado o direito a uma indemnização pela privação do uso de um bem de que é proprietário, suscetível de ser concretizada, através da obrigação do pagamento do valor correspondente à locação do bem, no período da forçada indisponibilidade da sua fruição pelo respetivo titular.

III - Encontrando-se acertada a existência de um dano indemnizável, mas não o montante exato do mesmo, a fixação da indemnização, segundo critérios de equidade, só será de excluir se não for possível ao tribunal, por total carência de elementos, determinar os limites dentro dos quais se deve fazer a avaliação, ou seja, quando o tribunal não puder estabelecer o exato montante do dano, sendo, no entanto, ainda viável que o autor possa avançar com outros elementos para esse fim.

IV - Só quando não é possível efetuar a liquidação ou concretização, no decurso da ação, é que o juiz profere sentença de condenação, em prestação genérica de indemnização, em conformidade com o estipulado pelo art. 609.º, n.º 2, do CPC.

V - A questão da ressarcibilidade da «privação do uso» não pode ser apreciada e decidida, em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa, porquanto a mera privação do uso do bem, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.

VI - É, a partir do momento da citação, ainda que os réus estivessem na convicção de que possuíam, justamente, o bem, que estes se colocam na situação de má fé, praticando, a partir de então, com a ocupação do mesmo, um facto ilícito e culposo, sendo responsáveis por todos os prejuízos causados no objeto possuído, desde que sejam direta ou, indiretamente, consequência da sua posse.   

     

       *Sumário elaborado pelo relator

Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA e esposa, BB, propuseram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra CC e esposa, DD, EE e esposa, FF e GG e esposa, HH, pedindo que, na sua procedência, se declare o reconhecimento aos autores do direito de propriedade sobre um prédio rústico, com a área de 1.598 m2, e que confronta do norte com GG e outros, de sul Variante à EN 108, nascente com AA e do poente com a Câmara Municipal do ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... como parte do artigo 294.°-B [a], sejam declarados ineficazes, em relação aos autores, os contratos de cedência de uso de terreno que identificam [b], os réus sejam condenados a entregar aos autores as parcelas de terreno que ocupam, ao abrigo dos contratos de cedência de uso de terreno que identificam, livres e desocupadas, de bens, pessoas, animais e coisas [c], que os réus sejam condenados a pagar aos autores a quantia de €20.700,00, e mais a quantia de €300,00 euros, por cada mês de ocupação, até à entrega efetiva das parcelas que, abusivamente, ocupam [d], e, subsidiariamente, se declare o reconhecimento aos autores do direito de propriedade sobre um prédio rústico, com a área de 1.598 m2, e que confronta do norte com GG e outros, de sul Variante à EN 108, nascente com AA e do Poente com a Câmara Municipal do ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... como parte do artigo 294.°-B [e], que sejam declarados nulos os contratos de cedência de uso de terreno que identificam [f], que os réus sejam condenados a entregar aos autores as parcelas de terreno que ocupam, ao abrigo dos contratos de cedência de uso de terreno que identificam, livres e desocupadas, de bens, pessoas, animais e coisas [g], que os réus sejam condenados a pagar aos autores a quantia de 20.700,00 e mais a quantia de € 300,00 euros, por cada mês de ocupação, até à entrega efetiva das parcelas que, abusivamente, ocupam [h].

Para fundamentar os seus pedidos, os autores alegam, desde logo, que, por contrato promessa de compra e venda, celebrado em 4 de abril de 1984, adquiriram dois quintos do prédio rústico que identificam, mas com as dimensões e a localização que do contrato promessa constam, parcela essa com a área de 3.300 m2, tendo sido celebrada escritura pública de compra e venda da dita fração, em 18 de janeiro de 1985, a qual, em 12 de fevereiro de 1985, foi registada em nome dos autores.

Porém, a Câmara Municipal do ... veio a adquirir a II e esposa, JJ, um prédio urbano que estava e fora construído dentro do prédio rústico identificado e três quintos do mesmo prédio rústico, por 10.924.000$00.

Ora, partindo do princípio, erróneo e falso, de que a Câmara Municipal do ... era proprietária de todo o prédio rústico nº 294-B da freguesia de ..., a mesma autarquia deliberou ceder o uso de várias parcelas do mesmo aos réus, formalizando os contratos de cedência gratuita, em 26 de dezembro de 1997.

Contudo, esses contratos são ineficazes, em relação aos autores, pois que estes não foram chamados, nem ouvidos e nem participaram na sua celebração.

Sucede ainda que, no âmbito do processo de expropriação, foi reconhecido aos autores, por sentença homologatória, o direito de propriedade sobre 1.598 m2 (1120 m2 mais 478 m2), do lado direito da variante, atendendo ao sentido ..., ficando a pertencer à Câmara Municipal, em propriedade, toda a faixa de terreno situada entre o Rio Douro e a Variante, sendo, precisamente, do lado direito da variante, atendendo ao sentido ..., e dentro da faixa de terreno que integra os 1598 m2, que é propriedade dos autores, que se localizam as parcelas identificadas nos contratos de cedência gratuita, como é do conhecimento dos réus.

E, desde 26 de dezembro de 1997, que os réus entram, saem, permanecem, põem e tiram terra, plantam arbustos ornamentais, roseiras e outras plantas, colocam vasos e regam, circulando por todas as parcelas, estacionando veículos automóveis, colocando grades e criando galinhas, sendo certo que os autores podiam utilizar tal terreno, tendo já recebido ofertas para arrendar aquele espaço, por mais de €500,00, por mês.

Na contestação os réus EE, GG e esposa e CC defendem a improcedência da ação.

Foi decidido absolver os réus da instância, relativamente aos pedidos de declaração de ineficácia dos contratos de cedência de terrenos, juntos com a petição inicial, e ao pedido subsidiário de declaração de nulidade dos contratos de cedência juntos com a petição inicial, em relação aos réus.

Na sequência de requerimento apresentado pelos autores na audiência de julgamento, o tribunal admitiu a pretendida alteração do pedido subsidiário, na parte em que aqueles solicitam o reconhecimento do direito de compropriedade sobre o prédio rústico, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo 294.0-B, e melhor identificado nos autos, mas não admitiu a pretendida alteração do pedido subsidiário, na parte em que os autores peticionaram a declaração de nulidade dos contratos de cedência de uso de terrenos celebrados pela comproprietária Câmara Municipal de ....

A sentença decidiu “a) Reconhecer aos AA a titularidade do direito de propriedade sobre um prédio rústico com a área de 1.598 m2 e que confronta do norte com GG e outros, Sul com Variante à EN 108, Nascente com AA e do Poente com Câmara Municipal do ...;

b) Condenar os RR a entregar aos AA as parcelas de terreno que ocupam ao abrigo dos contratos de cedência de uso de terreno;

c) Condenar os RR a pagar aos AA a quantia de €11.500 (onze mil e quinhentos euros);

d) Condenar os RR a pagar aos AA a quantia de €100 (cem euros), por cada mês de ocupação das parcelas de terreno que ocupam desde a data daquela sentença e até à sua entrega efetiva aos AA;

e) Julgar improcedente a ação no demais peticionado, nessa parte se absolvendo os RR do pedido”.

Desta sentença, os réus e os autores interpuseram recurso, limitado à matéria dos danos/indemnização, tendo o Tribunal da Relação ordenado a anulação das alíneas c) e d) do dispositivo da sentença, retomando-se o julgamento com produção de prova necessária, tendo, em seguida, sido proferida nova sentença, que decidiu “julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenam-se os R.R. a pagar aos A.A. a quantia de €11.500 (onze mil e quinhentos euros);

b) Julga-se a ação improcedente no demais peticionado não expressamente reconhecido nas als. a) e b) do segmento decisório da sentença constante de fls. 691 e ss. e na al. a) do segmento decisório da presente sentença, nessa parte se absolvendo os R.R. do pedido.”.

Desta segunda sentença, autores e réus interpuseram, de novo, recurso, tendo o Tribunal da Relação “julgado improcedente as apelações e, consequentemente, confirmado a decisão recorrida”.

Deste acórdão da Relação de Guimarães, os réus DD, EE e esposa, FF interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:

1ª – Por acordo denominado “Contrato de Cedência de Uso de Terreno”, celebrado em 26 de Dezembro de 2007, entre a Câmara Municipal de ... e os réus/apelantes foi-lhes cedido pelo prazo de 20 anos o uso de umas parcelas de terreno, com a área total de 197 metros quadrados, de que a cedente se arrogava proprietária e que, no âmbito da douta sentença proferida com data de 24.04.2013, se veio a reconhecer serem parte de uma parcela de terreno com a área de 1.598 metros quadrados, cujo direito de propriedade foi reconhecido aos autores/apelados e, consequentemente, ordenada a entrega;

2ª - Por sentença proferida pelo TAF do Porto em 16 de Julho de 2012, transitada em julgado, os denominados contratos de cedência de terreno celebrados entre a Câmara Municipal de ... e os réus/apelantes foram considerados válidos e eficazes, sendo estes considerados legítimos detentores das parcelas cedidas;

3ª - Em cumprimento da douta sentença condenatória os réus/recorrentes procederam em 06.05.2013 à entrega das parcelas de terreno reivindicadas;

4ª - Na douta sentença em mérito entendeu-se que se encontravam verificados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar e, com recurso à equidade, fixou-se devida a importância de € 100,00 (cem euros) por cada mês de ocupação do terreno (parte de 478 m2. da parcela global de 1.598 m2.), o que determinou a condenação dos réus/recorrentes no pagamento da importância global de €11.500,00 (115 meses x €100,00) (onze mïl e quinhentos euros);

5ª - Cumpre relevar que os 115 meses decorridos desde a citação até à decisão judicial que ordenou a entrega das parcelas, e que determinou o período de posse das mesmas, se ficaram a dever a vicissitudes processuais e não a qualquer comportamento delitual dos réus/recorrentes;

Posto isto,

6ª - Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que a indemnização arbitrada não é devida, tudo porque, (i) Os autores/recorridos deduziram um pedido de indemnização patrimonial decorrente da perda do valor locativo, não logrando provar os pressupostos da sua fixação; (ii) o tribunal “a quo” decidiu-se indevidamente pela fixação indemnizatória do dano de privação do uso com recurso à equidade e, finalmente, (iii) a entender-se devida a obrigação de indemnizar a mesma peca por excesso, devendo ser relegada a sua liquidação para execução de sentença;

Vejamos, então:

7ª - Os autores/apelados deduziram pedido indemnizatório que, a título principal e subsidiário, tinha como causa de pedir a perda do valor locativo de €500,00/mês que lhes foi proposto mas que não aceitaram - pontos 13 e 14 dos factos provados - alegando ter deixado de auferir tal compensação porque impossibilitados de arrendar a parcela de terreno de 1.598 m2, por culpa que atribuíam aos demandados, e que os mesmos contabilizaram numa importância nunca inferior a €300,00/mês;

8ª - Não invocaram os autores/recorridos subsidiariamente qualquer pedido cuja causa de pedir se fundasse em qualquer enriquecimento dos réus/recorrentes que não fosse a aludida perda de valor locativo;

9ª - Tal pedido, formulado com base na responsabilidade civil dos réus/apelantes, foi a causa de pedir que fundou a reação dos autores/recorridos à intromissão destes no seu direito de propriedade sobre a parcela de 1.598 m2 e à produção dos prejuízos decorrentes da privação do valor locativo da mesma;

10ª - Assim, não se pode aceitar que não tendo os autores/apelados logrado provar que se viram privados de auferir o valor locativo de €500,00/mês que atribuíam à parcela de terreno de 1.598 m2 por culpa do comportamento dos réus/apelantes (responsabilidade civil), se possa concluir que existe dano efetivo e concreto fundante da obrigação de indemnizar;

11ª - Aliás, resulta dos factos provados que os autores apenas estiveram meramente privados da possibilidade de uso, sem qualquer repercussão econômica e, enquanto tal, não revelando qualquer dano indemnizável;

12ª - Ademais, cumpre verificar que o pedido de indemnização (principal e subsidiário) assenta inequivocamente no reembolso da perda do valor locativo da parcela de terreno com 1.598 m2, na qual se integravam as detidas pelos réus/recorrentes, tudo nos exatos termos anteriormente vertidos;

13ª - Certo é que aos autores/recorridos cabia o ónus da prova - art° 342° do CC. - não podendo obter indemnização com base na ausência da causa fundante, pelo que ao decidir em sentido contrário a douta decisão violou, por erro de interpretação e aplicação, o preceituado no art.° 342° do C.P.C. e art.°s 483°, 562°, 563° e 564°, todos do CC.;

Ora,

14ª - O princípio do pedido tem consagração inequívoca no art.° 3°, n° 1, do CPC: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (,..);

15ª - Incumbe ao autor dever formular esse pedido - art.° 552°, n° 1, e) do CPC —, dizendo “com precisão o que pretende do tribunal - que efeito jurídico quer obter com a ação”, pedido esse que vinculará o tribunal quanto aos efeitos que pode decretar a final;

16ª - Com efeito, como dispõe o art.° 609°. n° 1, do CPC. a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir;

17ª - Entende, contudo, o douto acórdão impugnado que a nulidade a que aduz o art.° 615°, n.° 1, alínea e) do CPC só se verifica quando o tribunal condena em pedido substancialmente diferente, o que não se aceita;

Vejamos, então:

18ª - O M.° Juiz “a quo” entendeu ultrapassar a falta de prova da causa de pedir e do pedido (valor locativo) e recorreu à equidade - art.° 566°, n.° 3 do C.C. – para fixação do montante indemnizatório;

19ª - No entanto, os autores/apelados não deduziram qualquer pedido cuja causa de pedir se fundasse em qualquer juízo de equidade (dano de privação do uso) mas tão só perda de valor locativo, que recusaram auferir e que peticionaram;

20ª - Decorrente da falta de pedido, e não basta a alegação do facto ou causa de pedir como se pretende fazer crer no douto acórdão em mérito, é nula a sentença quando o juiz condene em objeto diverso do pedido. — cf. art.° 668°, n°1, alínea e) do C.P.C.

21ª - Acresce, ainda, que o tribunal incorreu também em excesso de pronúncia, por apreciar questão não suscitada pelas partes (dano de privação do uso), o que é igualmente causa de nulidade, nos termos do art.° 615°, n° 1, d), do CPC e configura uma verdadeira decisão surpresa;

22ª - Caso assim não se entendesse, sempre deveria relegar-se para execução de sentença a fixação da indemnização do dano indemnizável, uma vez que os autos não fornecem elementos bastantes que permitam a formulação de um tal juízo;

23ª - Finalmente, sem prescindir do anteriormente vertido, cumpre afirmar que a quantificação da indemnização arbitrada com recurso à equidade (art.° 566°, n° 3 do C.C.) peca pelo exagero;

24ª - Com efeito, não bastassem as considerações tidas em atenção no douto acórdão, na senda da sentença de primeira instância, cumpre verificar que, na decorrência da matéria quesitada (quesitos 2 e 6), e provada, os autores/recorridos afirmam ter recebido propostas para arrendar os 1.598 m2 por € 500,00 mensais;

25ª – Assim, ainda que viciosa se possa demonstrar a aritmética no caso em apreço, sempre se afigura lícito concluir que o valor locativo do metro quadrado do terreno não ultrapassaria os €0,31/m2 (€500,00:1,598m2) o que, atenta os 197 m2 possuídos pelos réus/apelantes, determinaria um valor nunca superior €62,00/mês referente ao enriquecimento obtido;

26ª – Impondo-se, por esta via, a sua redução.

Os autores não apresentaram contra-alegações.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. Encontra-se descrito, na Conservatória do Registo Predial de ..., o prédio rústico, sito no lugar do ..., composto de vinha da região demarcada do Douro, cultura de sequeiro e árvores de fruto, com a área de 5749 m2, descrito sob o n.º ... e inscrito sob o art. 294-B, freguesia de ..., ..., a favor, 3/5, da Câmara Municipal de ..., e 2/5, a favor de AA - A).

2. Por escritura pública, intitulada "Compra e venda", outorgada no Cartório Notarial de ..., em 18 de janeiro de 1985, II e mulher, JJ, declararam vender a AA «pelo preço de um milhão de escudos que já receberam do segundo outorgante, dois quintos indivisos do prédio rústico composto de vinha da região demarcada do Douro, cultura arvense de sequeiro sito no lugar de ... (...) inscrito na matriz cadastral sob o artigo [294-B], (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número [53669] ( ...). Que os vendedores não possuem outros prédios rústicos contíguos ao agora vendido. O segundo outorgante declarou que aceita esta venda» - B).

3. Por despacho do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território de 4 de dezembro de 1992, foi expropriada aos autores a área de 1485 m2 do prédio referido em 2., para execução da variante à E.N. n.º 108 - C).

4. A Câmara Municipal de ..., através das deliberações n.ºs 1068, de 14/10/97, e 1117, de 11/11/97, deliberou ceder o uso de várias parcelas do prédio identificado em 1., aos réus, cuja cedência veio a ser revogada, por deliberação datada de 02/06/98, pela mesma Câmara - D).

5. No âmbito do processo de expropriação que correu termos neste Juízo, com o n.º 85/92, em que era autora a Câmara Municipal de ... e réu AA, foi homologado, por sentença datada de 31 de maio de 1999, transitada em julgado, em 11 de junho de 1999, o acordo, do qual constam as seguintes cláusulas: «A Câmara Municipal de ... pagará ao expropriado Sr. AA a quantia de 6.431.000$00 ( ... ) que uma vez recebida se considera como pagamento único e integral da área expropriada que se considera ser de 1485 m2 ( ... ) A construção da variante, ...dividiu o prédio rústico inscrito sob o art. 294-8 da freguesia de ..., em duas parcelas. ( ... ) O Sr. AA ficará na posse e propriedade de uma parcela de terreno, que já detém com a área de 1120 m2 do prédio rústico identificado, que se situa no lado direito da Variante atendendo ao sentido .... ( ... ) O Sr. AA integrará nesta sua parcela de terreno mais uma área de 478 m2 que com ela confina, igualmente situada no lado direito da Variante e que fazia parte do prédio identificado no ponto 3. ( ... ) A Câmara Municipal de ... ficará pertença de todos os terrenos do art. 294-8 que ficam entre a marginal e o rio incluindo os 478 m2 que eram possuídos pelo Sr. AA, em tal parcela.» - E) e documento de fls. 43 e ss, cujo teor se deu por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos.

6. Do lado direito da Variante à E.N. n.º 8, no sentido ..., e dentro da faixa de terreno que integra uma área de 1598 m2, situam-se as parcelas cedidas pela Câmara aos réus, referidas em 4 - F).

7. Corre termos, no 1° Juízo do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, uma ação declarativa instaurada pelos aqui réus contra o Município de ... sob o n.º 568/02, onde se peticiona, entre outros, a declaração de validade dos contratos de cedência de uso de terreno, referidos em 4, e, por via de tal, que os ora réus são legítimos detentores das respetivas parcelas - G).

8. Com a celebração, em 4 de abril de 1984, do contrato-promessa de compra e venda, celebrado entre II e esposa, JJ, e AA, este ultimo passou a ocupar uma parcela delimitada de terreno do prédio referido em 1., parcela essa que tinha área de 3.300 m2 - 1.°.

9. Na sequência do acordo obtido no processo de expropriação, referido em 5., aos autores foi atribuída uma parcela de terreno com 1.598 m2, dos quais 1.120 m2. já eram ocupados pelos autores, nos termos referidos em 8., e 478 m2. eram "possuídos" pela Câmara Municipal de ... - 2.°.

10. A parcela com 1598 m2, referida em 9., situa-se do lado direito da variante à E.N. n.º 108, junto á marginal do Rio Douro, e os réus vêm ocupando, desde 26 de dezembro de 1997, parte dos 478 m2 do terreno referido em 5. e em 9. - 3.°.

11 .... Na sequência da cedência do seu uso pela Câmara Municipal, no âmbito das deliberações referidas em 4. - 4.°.

12. Nessa parte dos 478 m2, os réus fazem plantações, depositam lenha e estacionam carros – 5º.

13. Os autores receberam propostas para arrendar o espaço, referido em 9., para «stand» de automóveis, por €500,00 mensais - 6.°.

14. As propostas não foram aceites e os réus impediam o acesso dos autores às parcelas por eles ocupadas - 7.° da BI, com a resposta oferecida a fls. 960.

15. Desde 26 de dezembro de 1997, que os réus vêm limpando e ajardinando as parcelas que lhes foram cedidas pela Câmara Municipal de ... com a configuração vertida a fls. 30, sob os n.ºs 14., 15. e 16. - 8.º.

16 .... Nelas plantando plantas, roseiras e arbustos - 9.°.

17. Os factos descritos em 16. foram praticados, de forma continua, e à vista de toda a gente - 10.°.

18. Convictos de não lesarem direitos de terceiros - 11.°.

Mais se provou, documentalmente, que:

19. No dia 6 de novembro de 1992, na Divisão Administrativa e Financeira da Câmara Municipal do ... compareceram como outorgantes, Primeiros, LL, em representação de seu pai II, e JJ e, Segundo, MM, Presidente da Câmara Municipal de ..., outorgando em nome desta. E ali pelos primeiros outorgantes foi declarado, em seu nome e da pessoa representada, venderem à Câmara Municipal de ..., nomeadamente, três quintos indivisas, a que corresponde a área de 3449,4, do prédio rústico com a área total de cinco mil setecentos e quarenta m2., situado no ... freguesia de ..., concelho de ..., descrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo 294.°-8 e "inscrito" na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 0035/12.02.85-.... E disse o segundo outorgante que em nome da sua representada, a Câmara Municipal de ..., aceita a venda (cfr. documento de fls. 23 a 25 cujo teor se dá por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

20. Pela ap. 04/040177, encontra-se inscrita sobre o prédio descrito, sob o n.º 00035/120285, na Conservatória do Registo Predial de ..., a aquisição, a favor de II, casado com JJ, por compra (cfr. documento de fls. 11 e 12, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

21. Pela ap. 09/260692, encontra-se inscrita, sob o prédio descrito sob o n.º 00035/120285, na Conservatória do Registo Predial de ..., a declaração de utilidade pública daquele prédio, por despacho de 22 de Fevereiro de 1992, publicado no Diário da Republica de 22 de Abril de 1992, II Série, sendo que pelo Av. 1 - ap. 04/191092 foi retificada no sentido de que a declaração de utilidade publica incide apenas sobre os 2/5 de AA (cfr. documento de fls. 421 e ss. cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

22. Por declaração publicada, no D.R. - II Série, de 27-04-1992, foi declarado: "Torna-se publico que o Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, por despacho de 22-02-92, a pedido da Câmara Municipal de ..., declarou a utilidade pública e urgência de expropriação de duas parcelas de terreno, com a área de 4047 m2, ( ... ), por serem indispensáveis â execução da variante á Estrada Nacional n.º 108 (Avenida Marginal), fase I e fase IV2 (cfr. documento de fls. 22 cujo teor se dá aqui por integrado para os devidos e legais efeitos).

23. Por declaração publicada, no D.R. - II Série, de 11-07-1992, foi declarado: "Torna-se publico que o Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, por despacho de 12-06-92, a pedido da Câmara Municipal de ..., retificou a declaração de utilidade pública, publicada no D.R., 2.ª Série, 97, de 27-04-92, na parte respeitante à parcela n.º 2, pertencente a AA, cuja área é de 2299,60 m2, correspondente a dois quintos indivisos do prédio rústico, inscrito na matriz predial, sob o artigo 294/8, freguesia de ... (cfr. documento de fls. 602, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

24. Por declaração de retificação, publicada no D.R. - II Série, de 27-01-1993, foi declarado: "Torna-se público que o Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, por despacho de 4-12-92, rectificou o teor do seu despacho de 30-06-92, publicado no D.R. 2.a, 158, de 11-7-92, no que respeita á área a expropriar a AA, com fundamento nas informações n.ºs 177/92 e 378/DSJ, respectivamente da Auditoria Jurídica do Ministério do Planeamento e da Administração do Território e da Direcção-Geral do Ordenamento do Território.

Efectivamente, aquela área é de 1485 m2, e não 2299,6 m2, conforme se referiu no despacho ora rectificado" (cfr. fls. 603 cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).

25. Por acordo denominado "Contrato de Cedência de Uso de Terreno", celebrado em 26 de dezembro de 1997, entre a Câmara Municipal de ... e EE, foi declarado que "a Câmara Municipal cede ( ... ) a parcela de terreno identificada ( ... ), pelo prazo de 20 anos, renovável automaticamente por períodos sucessivos de cinco se não for comunicado o contrário pelo 1.° ao 2.° com a antecedência de um ano antes de findo o período de cedência ou prorrogação ( ... )" (cfr. documento de fls. 32 e ss. cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

26. Por acordo denominado "Contrato de Cedência de Uso de Terreno", celebrado em 26 de dezembro de 1997, entre a Câmara Municipal de ...a e CC, foi declarado que "a Câmara Municipal cede ( ... ) a parcela de terreno identificada ( ... ), pelo prazo de 20 anos, renovável automaticamente por períodos sucessivos de cinco se não for comunicado o contrário pelo 1.° ao 2.° com a antecedência de um ano antes de findo o período de cedência ou prorrogação ( ... )" (cfr. documento de fls. 26 e ss., cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

27. Por acordo denominado "Contrato de Cedência de Uso de Terreno", celebrado em 26 de dezembro de 1997, entre a Câmara Municipal de ... e GG, foi declarado que "a Câmara Municipal cede ( ... ) a parcela de terreno identificada ( ... ), pelo prazo de 20 anos, renovável automaticamente por períodos sucessivos de cinco se não for comunicado o contrário pelo 1.° ao 2.° com a antecedência de um ano antes de findo o período de cedência ou prorrogação ( ... )" (cfr. documento de fls. 32 e ss., cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

28. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica, sob o artigo 438, Secção B, do Distrito de ... Concelho de ..., freguesia de Godim, em nome de AA, o prédio localizado no ... com 0,159800 ha., de cultura arvense e que resultou da divisão do prédio 294-B (cfr. documento de fls. 531, cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).

29. De acordo com 10., os réus vêm ocupando, desde 26 de dezembro de 1997, parte dos 478 m2 de terreno, referido em 5. e 9. (cfr. facto 29 aludido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-01-2014);

30. Os réus já fizeram a entrega aos autores das áreas ocupadas (cfr. facto 30 aludido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-01-2014);

31. O referido em 30. Ocorreu, em 6 de maio de 2013 (cfr. resposta à pergunta 12, aludida no mencionado douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto);

32. Os autores têm pretendido, desde 26 de dezembro de 1997, e, designadamente, na pendência da presente ação, vedar e salvaguardar a integridade do seu prédio e fazer do espaço o que entendem (cfr. resposta à pergunta 13, Identificada no mencionado douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto).

33. E não o podem fazer porque os réus, através de atos e ameaças à sua integridade, impedem os autores de entrar nas parcelas, de as possuírem e delas tirar qualquer utilidade (cfr. resposta à pergunta 14, aludida no mencionado douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto);

34. Os réus estacionavam ali os carros, circularam por ali, plantaram e cultivaram ali curiosidades hortícolas e depositavam ali objetos (cfr. resposta à pergunta 17, identificada no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto).

35. Não fora o facto de os réus impedirem os autores de entrar nas parcelas, os autores podiam ter naquele espaço grades, botijas, automóveis e/ou os mais "variados objectos" (cfr. resposta à pergunta 18, identificada no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto).

36. Se as parcelas dos autos não tivessem sido ocupadas pelos réus, podiam os autores ter aquele espaço todo plantado e ajardinado, colhendo ali fruta, "fruindo" e usufruindo da beleza daquele local, situado ao lado do Rio Douro (cfr. resposta à pergunta 19, identificada no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto).

37. As parcelas de terreno que os réus ocuparam, entre 26 de dezembro de 1997 até 6 de maio de 2013, constituem no conjunto um espaço apetecível e procurado pela sua "boa localização" e beleza (cfr. resposta á pergunta 21, identificada no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto).”

                                                      *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da nulidade do acórdão, por violação do princípio do pedido.

II - A questão da nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia.

III – A questão do meio da fixação do valor dos danos demonstrados, mas não quantificados.

IV – A questão da falta de verificação dos pressupostos da indemnização arbitrada.

V – A questão do quantitativo da indemnização arbitrada.

I. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PEDIDO

I.1. Defendem os réus recorrentes que o acórdão é nulo, porque condena em objeto diverso do pedido, sendo certo que os autores não deduziram qualquer pedido cuja causa de pedir se fundasse num juízo de equidade (dano de privação do uso) mas, tão-só, na perda de valor locativo, que o tribunal entendeu ultrapassar, recorrendo à equidade para fixação do montante indemnizatório.

I.2. Dispõe o artigo 615º, nº 1, e), do CPC, que “é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Este preceito legal, em sintonia com o estipulado pelo artigo 609º, nº 1, do CPC, define os limites da condenação a proferir, de modo que, com observância do princípio do dispositivo, a decisão se contenha, quer em substância, quer em quantidade, no âmbito do pedido formulado.

Como elemento identificador da ação, o pedido é, na terminologia do artigo 581º, nº 3, do CPC, “o efeito jurídico que se pretende obter com a ação”, ao passo que a causa de pedir, de acordo com a teoria da substanciação, adotada pelo artigo 581º, nº 4, 2ª parte, do mesmo diploma legal, é o facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer “fattispecie” jurídica que a lei admita como criadora de direitos[2].

Tendo os autores formulado o pedido, na parte que ainda importa considerar, de “condenação dos réus a pagar a quantia de €20.700,00 e mais a quantia de €300 euros, por cada mês de ocupação até à entrega efetiva das parcelas que, abusivamente, ocupam”, o acórdão recorrido, confirmando a sentença proferida em 1ª instância, “condenou os R.R. a pagar aos A.A. a quantia de €11.500 (onze mil e quinhentos euros)”.

Não se verifica, assim, bem pelo contrário, a condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, com a consequente inexistência da arguida nulidade, a que se reportam os artigos 615º, nº 1, e) e 609º, nº 1, do CPC, que não ocorre quando o tribunal, eventualmente, se baseia para a condenação no pedido, em fundamentos jurídicos distintos dos invocados pelo autor.

   II. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

II. 1. Alegam ainda os réus recorrentes que o acórdão impugnado é nulo, por incorrer em excesso de pronúncia, ao apreciar questão não suscitada pelas partes (dano de privação do uso), o que configura uma verdadeira decisão surpresa, pois que os autores deduziram o pedido, com fundamento na “perda de valor locativo”, tendo o acórdão condenado em indemnização, socorrendo-se de um juízo de equidade, pelo “dano de privação do uso”.

Preceitua o artigo 615º, nº 1, d), do CPC, que “é nula a sentença quando o juiz… conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”.

O acórdão recorrido considerou, a este propósito, que “constata-se que os autores pretendiam valorizar aquele espaço com uma vedação, colocando-o no mercado do arrendamento, … e até usando-o para armazém. Isto é revelador de que os autores ficaram privados de usar e de frutificar o seu prédio, traduzindo-se num dano concreto na esfera jurídica de quem é proprietário. Não se está apenas numa situação de dano abstrato emergente da ocupação. Esta reflete-se concretamente em prejuízos de ordem económica e moral na pessoa dos réus, enquanto titulares do direito de propriedade, constrangido pelos atos de ocupação dos réus. Daí que julgamos que há fundamento para condenar os réus numa indemnização segundo o instituto da privação do uso de um bem imóvel,…”.

O reconhecimento ao lesado do direito a uma indemnização pela privação do uso de um bem de que é proprietário, a cargo do lesante, na lógica do princípio da restauração «in natura», é suscetível de ser concretizado, através da obrigação do pagamento do valor correspondente à locação do bem, no período da forçada indisponibilidade da sua fruição pelo respetivo titular.

Muito embora não seja de privilegiar, necessariamente, o valor locativo como critério de indemnização pela privação do uso da coisa[3], desde logo, por ser diferente o valor do uso do valor da locação[4], tem-se adotado esse valor locativo, apenas, como ponto de referência na determinação do valor do dano da privação do bem[5].

Deste modo, o acórdão recorrido, ainda que com fundamentação jurídica, parcialmente, diversa da invocada pelos autores, decidiu a questão que importava conhecer, não tendo ultrapassado o que lhe foi pedido pelas partes e, consequentemente, não incorreu na nulidade, por excesso de pronúncia, a que se reportam os artigos 615º, nº 1, d) e 666º, nº 1, ambos do CPC.

II. 2. Invocam, igualmente, os réus que o acórdão impugnado, ao apreciar a questão da privação do uso, incorreu em «decisão surpresa».

Com efeito, o princípio da proibição das decisões-surpresa, que assenta em fundamentos que não foram, nem se configura que pudessem ter sido, anteriormente, ponderados pelas partes, e que constituem postergação ou violação do princípio do contraditório, aplica-se, apenas, nos casos em que a qualificação jurídica que o juiz se propõe adotar não corresponde aquela com que as partes, pelas posições assumidas, possam contar[6].

Por isso, só cabem, no âmbito das decisões-surpresa, aquelas que, embora, juridicamente, possíveis, não foram peticionadas, e que as partes não tinham o dever de prognosticar, antes estabelecem uma relação colateral com o pedido formulado para a concreta decisão da causa[7].

Porém, como já foi dito, em II. 1., a fundamentação jurídica adotada pelo acórdão, ainda que, parcialmente, diversa da invocada pelos autores, permitiu decidir a questão que importava conhecer, sem que o tribunal «a quo» tenha ultrapassado a factualidade invocada e o pedido formulado.

Não se verifica, pois, o alegado vício da nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia, a que se reportam os artigos 615º, nº 1, d) e 606º, nº 1, ambos do CPC, nem uma situação subsumível ao conceito de «decisão-surpresa».

III. DO MEIO DA FIXAÇÃO DO VALOR DOS DANOS DEMONSTRADOS PELA PRIVAÇÃO DO USO, MAS NÃO QUANTIFICADOS

III. 1. Sustentam, igualmente, os réus recorrentes que o Tribunal «a quo» fez um uso indevido da equidade, não invocada pelos autores, na liquidação do dano de privação do uso, devendo antes a indemnização ser relegada para liquidação em execução de sentença, porque os autos não fornecem elementos bastantes que permitam a formulação de um juízo de equidade.

Dispõe o artigo 566º, nº 3, do Código Civil (CC), que “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

Sempre que a lei determina que o caso concreto seja resolvido, segundo a equidade, pressupõe, necessariamente, que “o julgador não está, nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei”, mas antes “a razões de conveniência, oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda”[8].

Com efeito, o comando do normativo legal em análise funda-se na consideração da impossibilidade do apuramento e fixação de um valor exato dos danos a indemnizar[9], sendo inaplicável quando o dano não foi alegado, nem provado[10], porquanto "... os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado do facto ilícito, «lato sensu», porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respetivo valor em dinheiro"[11].

Porém, o tribunal não deve poder recorrer a um juízo equitativo, fora dos casos em que a lei o estabelece como regra, como acontece com a hipótese do artigo 494º, enquanto for possível a fixação do montante da indemnização, nos termos gerais, pois que a disposição do nº 3, do artigo 566º, ambos do CC, funda-se em que, para o caso da indemnização em dinheiro, se for impossível a fixação do valor exato dos danos a indemnizar, esse facto não deve excluir a efetivação do direito de indemnização, que será, então, estabelecido, equitativamente, em face das circunstâncias do caso concreto[12].

Com efeito, o poder de fixação equitativa do dano não é absoluto, porquanto o tribunal deve ponderar as especificidades do caso concreto e atender ao montante que, por via de regra, terão atingido, nessas circunstâncias, os danos causados ao lesado[13], pelo que bem pode acontecer que, não obstante esta latitude de atuação do tribunal, não se hajam obtido elementos para formar o juízo equitativo, com o prudente arbítrio que a lei recomenda.

 Neste enquadramento, preceitua o artigo 609º, nº 2, do CPC, que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

Deste modo, se a impossibilidade de averiguação do valor real dos danos depende da falta de elementos, sendo certo que ainda não é determinável o seu montante, a opção entre o disposto no artigo 609º, nº 2, do CPC [liquidação posterior] e o artigo 566º, nº 3, do CC [julgamento equitativo desse valor], deriva do juízo que, face às circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade da futura determinação de tal valor, consistindo uma hipótese típica dessa não probabilidade a de se não vir a fazer na liquidação a prova do valor exato do dano, com prevalência da equidade, ou, na hipótese oposta, com preferência da liquidação posterior.

Encontrando-se acertada a existência de um dano indemnizável, mas não o montante exato do mesmo, a fixação da indemnização, segundo critérios de equidade, só será de excluir se não for possível ao tribunal, por total carência de elementos, determinar os limites dentro dos quais se deve fazer a avaliação, ou seja, quando o tribunal não puder estabelecer o exato montante do dano, sendo, no entanto, ainda possível que o autor possa avançar com outros elementos para esse fim[14], isto é, quando não esteja esgotada ou, razoavelmente, seja de prognosticar esse cenário, quanto ao apuramento dos elementos com base nos quais o seu montante haja de ser determinado, remetendo, então, o tribunal o autor para uma liquidação posterior para concretizar, definitivamente, a indemnização[15].

III. 2. O acórdão impugnado concordou com a posição tomada pela sentença de 1ª instância, quanto ao recurso à equidade, como forma de liquidação do dano, ao salientar que não vislumbramos que os autores ainda possam apurar, através de outras provas, o montante concreto do montante indemnizatório. Daí que se imponha lançar mão da equidade e, com base na matéria de facto provada, encontrar o montante indemnizatório adequado às circunstâncias do caso concreto, como o fez o tribunal recorrido”.

Regressando à factualidade que ficou demonstrada, importa reter que, na sequência do acordo obtido no processo de expropriação, foi atribuída aos autores uma parcela de terreno, com 1.598 m2, da qual já ocupavam 1.120 m2, enquanto que os restantes 478 m2 da mesma parcela já eram "possuídos" pela Câmara Municipal de ... que cedeu o uso de uma parte da mesma aos réus, que, por via dessa cessão, a vêm ocupando, desde 26 de dezembro de 1997, aí fazendo plantações, depositando lenha e estacionando carros.

Desde esta data, e, designadamente, na pendência da presente ação, que os autores têm pretendido vedar e salvaguardar a integridade do seu prédio e fazer do espaço o que entendem, constituindo o conjunto uma área apetecível, procurado pela sua "boa localização" e beleza, mas sem o conseguirem, porque os réus, através de atos e ameaças à integridade dos autores, impedem estes de entrar nas parcelas, de as possuírem e delas retirarem qualquer utilidade.

Os réus ocuparam as aludidas parcelas de terreno, entre 26 de dezembro de1997 e 6 de maio de 2013, data em que fizeram a sua entrega aos autores, os quais receberam propostas para arrendar o espaço para «stand» de automóveis, por €500,00 mensais, não tendo estas propostas sido aceites, em virtude de os réus impedirem o acesso dos autores às aludidas parcelas.

III. 3. Assim sendo, os prejuízos sofridos pelos autores, pela perda do valor locativo do imóvel ocupado pelos réus, são já determináveis, patrimonialmente, no presente processo, não dependendo a sua avaliação, em concreto, da entrada na fase de liquidação subsequente, onde não é conjeturável, com recurso a prova complementar, a obtenção do montante exato ou muito mais próximo dos danos reais verificados.

Com efeito, só quando não é possível efetuar a liquidação ou concretização, no decurso da ação, é que o juiz profere sentença de condenação, em prestação genérica de indemnização, em conformidade com o estipulado pelo artigo 609º, nº 2, do CPC, que preceitua, como já se disse, que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado [liquidação posterior], sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”, em sintonia, aliás, com o estatuído pelo artigo 564º, nº 2, parte final, do CC, segundo o qual o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, mas ainda não determináveis, sendo a fixação da indemnização correspondente remetida para decisão ulterior.

Na petição inicial, os autores solicitam, além do mais, que os réus sejam condenados a pagar-lhes a quantia de €82.500,00, pela privação do uso do veículo, acrescida de juros de mora, desde a citação.

Os danos dos autores resultantes da privação do uso da parcela contendem com os designados lucros cessantes, que abrangem os benefícios que os lesados deixaram de obter, por causa do facto ilícito da ocupação, imputável aos réus.

Mas, para liquidar os lucros cessantes, não se alcançam ainda dos autos factos bastantes para esse efeito.

III. 4. Muito embora não seja razoável considerar concretizada a quantificação, como decorrente da mera privação do uso da parcela, porque seria contraditório que os danos derivados da privação do uso desse bem se confundissem com os prejuízos provenientes da falta do bem, propriamente dito, independentemente da circunstância de se saber qual o montante dos benefícios que o lesado deixou de obter, por causa do facto ilícito de que derivou a sobredita privação, existem já elementos factuais que permitem quantificar o direito de crédito reconhecido aos autores, não importando concretizar o objeto da condenação genérica, através da liquidação em incidente posterior, antigamente, denominada por liquidação em execução de sentença.

Como assim, não importa relegar para liquidação em incidente posterior a concretização dos prejuízos resultantes da privação do uso da parcela dos autores.

IV. DA FALTA DE VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA

IV. 1. Alegam, também, os réus recorrentes que se não provaram os pressupostos constitutivos da obrigação de indemnização, por inexistir dano, efetivo e concreto, por não se haver demonstrado que os autores se viram privados de auferir o valor locativo de €500,00, por mês, que atribuíram à parcela de terreno, por culpa do comportamento dos réus.

Os requisitos, essencialmente, constitutivos da responsabilidade civil extracontratual, que aqui interessa considerar, conforme decorre do disposto pelo artigo 483º, nº 1, do CC, são o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Os réus entendem que não se mostram preenchidos os pressupostos do dano, da culpa e, de algum modo, também, da ilicitude.

A privação do uso da parcela dos autores é, em princípio, suscetível de constituir um ilícito e de corresponder a um dano indemnizável, na medida em que, por via de regra, impede o titular do respetivo bem de retirar do mesmo as correspondentes vantagens, patrimoniais e não patrimoniais, que ele lhe pode proporcionar, ou seja, de dispor e fruir das utilidades próprias da sua natureza.

Porém, a questão da ressarcibilidade da «privação do uso» não pode ser apreciada e decidida, em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa, porquanto a privação do uso é uma realidade conceitual distinta e não coincide, necessariamente, com a privação da possibilidade do uso, sendo certo que a pessoa só se encontra, de facto, privada do uso de uma coisa, sofrendo, com isso, um prejuízo, se, realmente, a pretender usar e a utilizasse, caso não fosse a impossibilitada de dispor da mesma, enquanto que se não pretender usá-la, ainda que, também, o não possa fazer, já se está perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica no património do titular, e que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável[16].

Portanto, embora não seja de exigir a prova de todos os danos concretos emergentes da privação da parcela, deverá o lesado demonstrar que, se a tivesse disponível, a utilizaria, normalmente, isto é, que dela retiraria as utilidades que a mesma está apta a proporcionar[17].

Quer isto dizer que a mera privação do uso da mencionada parcela de terreno, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.

IV. 2. Muito embora os autores tenham alegado danos relativos à ocupação da parcela pelos réus, de €300,00, por cada mês, desde, então, até à sua entrega efetiva aqueles, cuja existência se demonstrou, em montante que se estabeleceu, em €100,00 mensais, tal não afasta o facto de terem ficado impedidos de, desde 26 de dezembro de 1997 a 6 de maio de 2013, entrarem nas parcelas, de as possuírem e delas tirarem qualquer utilidade, fazendo o que entendessem de um espaço apetecível e procurado pela sua "boa localização" e beleza, designadamente, gradeando-o, tendo-o todo plantado e ajardinado, colhendo a fruta, fruindo e usufruindo da beleza do local, situado ao lado do Rio Douro, devido aos atos e ameaças dos réus, que nele colocaram botijas, estacionaram automóveis, depositaram os mais variados objetos, circulando e efetuando plantações e cultivo.

A privação do uso da parcela constitui violação ilícita do direito de propriedade dos autores, com assento nos artigos 1305º e 483º, nº 1, ambos do CC.

Por outro lado, a citação dos réus para os termos da presente ação, com a qual tem início o período da privação ilícita da parcela de terreno, faz cessar a sua boa-fé, nos termos do disposto pelo artigo 564º, a), do CPC.

Deste modo, a partir do momento da citação, ainda que os réus se encontrassem na convicção de que possuíam, justamente, colocaram-se na situação de má-fé, praticando um facto ilícito e culposo, sendo responsáveis por todos os prejuízos causados no objeto possuído, desde que sejam, direta ou indiretamente, consequência da sua posse[18].

Assim, os autores ficaram privados do uso da parcela, com o consequente dano indemnizável que daí decorre, estando, portanto, verificados os requisitos do facto voluntário danoso, imputável aos réus, de modo ilícito e culposo, intercedendo um nexo causal entre a prática do facto e a existência do dano cometido, constitutivos da responsabilidade civil extracontratual, a que se reporta o já mencionado artigo 483º, nº 1, do CC.

   V. DO QUANTITATIVO DA INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA

Alegam, por fim, os réus recorrentes que a quantificação da indemnização arbitrada, com recurso à equidade, peca pelo exagero, devendo ser reduzida, não se determinando um valor superior a €62,00, por mês, referente ao enriquecimento obtido pelos 197 m2 possuídos por aqueles.

O acórdão impugnado considerou que “o montante encontrado pelo tribunal recorrido (100€/mês) é o adequado ao espaço de terreno ocupado pelos réus (197 m2) face ao conjunto de todo o prédio, ponderando a proposta de arrendamento e as potencialidades de fruição ambiental deste espaço, de que os autores ficaram privados”.

Tendo os autores ficado impedidos de, desde 26 de dezembro de 1997 a 6 de maio de 2013, entrarem nas parcelas, de as possuírem e delas tirarem qualquer utilidade, fazendo o que entendessem de um espaço apetecível e procurado pela sua "boa localização" e beleza, designadamente, gradeando-o, tendo-o todo plantado e ajardinado, colhendo fruta, fruindo e usufruindo da beleza daquele local, situado ao lado do Rio Douro, considerando que, no julgamento segundo a equidade, o julgador não está, necessariamente, subordinado aos critérios normativos fixados na lei, mas antes a razões de conveniência, oportunidade, principalmente, de justiça concreta, em que a equidade se funda, mantém-se o valor equitativo de €100,00 mensais, pela privação do uso do bem, desde a data da citação dos réus até à data da efetiva entrega do mesmo aos autores.

Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista dos réus recorrentes, por se não mostrarem violadas as disposições legais pelos mesmos citadas ou outras de que, oficiosamente, importe conhecer.

CONCLUSÕES:

I - Não se verifica a nulidade do acórdão, por condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, quando o tribunal, eventualmente, se baseia para a condenação no pedido, em fundamentos jurídicos distintos dos invocados pelo autor.

II - Não incorre em nulidade, por excesso de pronúncia, nem constitui situação subsumível ao conceito de «decisão-surpresa», a decisão que reconhece ao lesado o direito a uma indemnização pela privação do uso de um bem de que é proprietário, suscetível de ser concretizada, através da obrigação do pagamento do valor correspondente à locação do bem, no período da forçada indisponibilidade da sua fruição pelo respetivo titular.

III - Encontrando-se acertada a existência de um dano indemnizável, mas não o montante exato do mesmo, a fixação da indemnização, segundo critérios de equidade, só será de excluir se não for possível ao tribunal, por total carência de elementos, determinar os limites dentro dos quais se deve fazer a avaliação, ou seja, quando o tribunal não puder estabelecer o exato montante do dano, sendo, no entanto, ainda viável que o autor possa avançar com outros elementos para esse fim.

IV - Só quando não é possível efetuar a liquidação ou concretização, no decurso da ação, é que o juiz profere sentença de condenação, em prestação genérica de indemnização, em conformidade com o estipulado pelo artigo 609º, nº 2, do CPC.

V – A questão da ressarcibilidade da «privação do uso» não pode ser apreciada e decidida, em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa, porquanto a mera privação do uso do bem, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.

VI – É, a partir do momento da citação, ainda que os réus estivessem na convicção de que possuíam, justamente, o bem, que estes se colocam na situação de má-fé, praticando, a partir de então, com a ocupação do mesmo, um facto ilícito e culposo, sendo responsáveis por todos os prejuízos causados no objeto possuído, desde que sejam direta ou, indiretamente, consequência da sua posse.

DECISÃO[19]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista dos réus e, em consequência, confirmam o douto acórdão impugnado.
                                                     *

Custas da revista, a cargo dos réus.

                                                               *

Notifique.

Helder Roque (Relator) *

       Roque Nogueira

       Alexandre Reis

         (Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)

------------------------
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino; 2º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira.
[2] Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, I, 1970, 356.
[3] Como defende Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 12ª edição, 2015, Almedina, 301 e notas (739) e (740), para quem a avaliação se fará, naturalmente, pela consideração do valor locativo do veículo.
[4] Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa, 2015, 63 a 67.
[5] Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2008, 592.
[6] STJ, de 9-7-2015, Incidente nº 45/2000.P1.S1, 2ª secção; STJ, de 28-5-2015, Reclamação n.º 73/04.7TNLSB.L1-A.S1, 2.ª Secção; STJ, de 12-03-2015, Revista n.º 52/2000.C1.S1, 2.ª Secção; STJ, de 31-3-2011, Incidente n.º 531/11.7TVLSB.L1.S1, 2.ª Secção, Coletânea de Sumários de Acórdãos do STJ.

[7] STJ, de 1-2-2011, Revista nº 6845/07.3TBMTS.P1.S1, 1ª secção, Coletânea de Sumários de Acórdãos do STJ.
[8] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, 54 e 55.
[9] Vaz Serra, RLJ, Ano 108º, 224 a 227; STJ, de 3-2-2009, Pº nº 08A3942, www.dgsi.pt; STJ, de 25-3-2003, CJ (STJ), Ano XI, T1, 140; STJ, de 27-6-2000, BMJ nº 498, 222; STJ, de 3-12-1998; BMJ nº 482, 179; STJ, de 10-7-97, BMJ nº 469, 524; STJ, de 6-3-1980, BMJ nº 295, 369.
[10] STJ, de 8-6-2006, Pº nº 06A1497, www.dgsi.pt
[11] Declaração de voto do Conselheiro Salvador da Costa, constante do Acórdão do STJ, de 29-11-2005, in CJ (STJ), Ano XIII, T3, 151, a folhas 155.
[12] Vaz Serra, RLJ, Ano 114º, 288, 309 e 310; Almeida Costa, RLJ, Ano 134º, 299; STJ, de 11-12-2003, Pº nº 03B3997, www.dgsi.pt.
[13] Vaz Serra, RLJ, Ano 113º, 328.
[14] STJ, de 22-1-1980, BMJ nº 293, 322, com anotação favorável de Vaz Serra, in RLJ, Ano 113, 326 e ss.
[15] Augusto Lopes Cardoso, Revista dos Tribunais, Ano 93º (1975), 64 e 65.
[16] STJ, de 2-6-2009, Pº nº 1583/1999.S1, www.dgsi.pt
[17] STJ, de 9-12-2008, Pº nº 08A3401; STJ, de 30-10-2008, Pº nº 07B2131; STJ, de 5-7-2007, Pº nº 07B2138, www.dgsi.pt
[18] STJ, de16-12-1986, BMJ nº 362, 550.
[19] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino; 2º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira.