Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A2767
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PONCE DE LEÃO
Descritores: AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: SJ200311200027676
Data do Acordão: 11/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : A ampliação do âmbito do recurso efectuada nos termos permitidos pelo artigo 684º-A, nº. 2 do Código Processo Civil, constitui uma permissão atribuída ao recorrido de, subsidiariamente, vir arguir a nulidade da sentença proferida (ou, então, proceder à impugnação da decisão tomada sobre a matéria de facto não impugnada pelo recorrente), deste modo acautelando a hipótese da procedência das questões por este suscitadas e, assim, ver suprimida a eficácia dos fundamentos do recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" veio intentar a presente acção declarativa contra a sociedade "B, S.A.", com sede em Lisboa, onde peticionou que o contrato que celebrou com a Ré seja qualificado como Contrato de Prestação de Serviços, e, ainda, que seja considerada insuficiente a antecedência com que a R. lhe comunicou a sua intenção de lhe pôr termo, declarando-se assim como incumprido o prazo de pré-aviso para a sua revogação, nos termos do artº. 1172º, al. c) do C.C. e, em consequência, seja a R. condenada a pagar ao A. a título de indemnização pelos prejuízos causados à sua actividade, a quantia de 7.300.000$00, correspondente ao acordado entre o A. e a R., tendo, para tanto e em resumo, alegado que:
- no ano de 1996 foi celebrado entre o A. e a R. um contrato verbal de prestação de serviços de consultoria, cujo objecto visava o apoio a um terceiro ("C"), consistindo o objecto desse contrato na assessoria à direcção comercial da "C";
- para o efeito, foram calendarizadas as necessárias deslocações a Angola, que seriam quatro em 1996, ficando acordada a retribuição de 350.000$00 por cada período semanal em Luanda;
- a primeira deslocação a Angola foi efectuada em Março de 1996, que foi devidamente retribuída pela R.;
- por carta de 20 de Maio de 1996, a R. revogou, unilateralmente, o referido contrato de prestação de serviços, sem qualquer motivo que o pudesse justificar, ficando assim o A. afastado do projecto "C", que era da sua exclusiva autoria, sem que a R. tivesse respeitado um prazo razoável de pré-aviso.
Devidamente citada, veio a Ré a apresentar contestação, tendo, em síntese, alegado que o A. não era o autor do projecto, mas apenas um dos consultores que fazia parte da equipa de trabalho que se encontrava sujeita ás directrizes da R., única responsável pelo dito projecto e que o afastamento do A. se ficou a dever ao facto de haver tomado atitudes que puseram em causa a imagem da R. e o seu bom nome e que manifestavam a sua incapacidade para o trabalho de equipa.
Foi proferido despacho saneador e organizados o rol de factos assentes e base instrutória, que foram objecto de reclamação, parcialmente atendida.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal e com gravação de prova.
Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, tendo a Ré sido condenada a pagar ao A. a quantia de 3.200.000$00, tendo em vista o ressarcimento do Autor pelos prejuízos que lhe advieram da revogação precipitada do contrato.

Inconformada a R., veio a Ré interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, recurso esse julgado procedente, em consequência do que foi a sentença da 1ª instância revogada e a Ré absolvida do pedido.

Foram dados como provados os factos seguintes:
A) No ano de 1996, foi celebrado entre o A. e a R. um contrato de prestação de serviços de consultoria, sob a forma verbal;
B) Cujo objectivo visava o apoio a um terceiro - "C";
C) Ficando acordada a retribuição a auferir, de 350 contos por cada período semanal em Luanda, acrescidos de 400 contos anuais pelo trabalho efectuado em Lisboa;
D) Foi efectuada a primeira deslocação a Angola, em Março de 1996, tendo sido esta devidamente retribuída pela R. e emitido o respectivo recibo;
E) Em 30 de Maio de 1996, a R. enviou ao A., que a recebeu, carta de igual teor àquela que se encontra junta a fls. 12 dos autos, que aqui se dá por reproduzida;
F) Em 15 de Maio de 1996, o A. enviou à R., que a recebeu, carta de igual teor àquela que se encontra junta a fls. 14 a 15 dos autos, que aqui se dá por reproduzida;
G) Em 13 de Maio de 1996, a R. enviou ao A. telegrama de igual teor àquele que se encontra junto a fls. 88, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
H) Em 11 de Junho de 1996, a "C" enviou ao A., que a recebeu, fax de igual teor àquele que se encontra junto a fls. 93 dos autos, que aqui se dá por reproduzido;
I) Em 13 de Junho de 1996, o A. enviou à "C", que o recebeu, fax de igual teor àquele que se encontra junto a fls. 94 a 95 dos autos, que aqui se dá por reproduzido;
J) O objectivo do contrato referido em A) consistia na assessoria à direcção comercial da "C";
L) Nos termos desse contrato, foi determinado o seu objectivo específico, o tempo da sua execução e a retribuição a auferir;
M) Tendo sido, para tal, calendarizadas as necessárias deslocações a Angola, que seriam de quatro em 1996.
N) Em 9 de Maio de 1996, a R. deu conhecimento ao A., por telefone, que prescindia dos seus serviços no âmbito do contrato referido em A);
O) Nesse telefonema, o A. foi convocado para uma reunião a ter lugar no dia 17 de Maio de 1996, nas instalações da "B, S.A.";
P) O projecto "C" foi realizado com base no trabalho realizado pelo A., em 1995.
Q) Em 21 de Maio de 1996, a "C" enviou ao A. fax de igual teor àquele que se encontra a fls. 18, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
R) A elaboração e planeamento anual de um projecto desta natureza impediram o A. de preencher o seu calendário laboral com outros serviços,
S) O objecto do contrato referido em A) era a prestação de serviços à própria R., com o esclarecimento que essa prestação de serviços consistia na elaboração e execução de um projecto na área da assessoria à direcção comercial da "C";
T) O A. integrou a equipa de consultores do projecto em causa, que tinha como director de projecto o Dr. D e era constituído, ainda, pela Drª. E, pelo Dr. F e pelo Sr. G;
U) Era à R. que cabia definir a natureza dos trabalhos a realizar, a sua dimensão e quais os out-puts a entregar formalmente ao cliente após conhecimento e aprovação do director do projecto;
V) Facto que era do inteiro conhecimento do A.;
X) Todos os consultores que faziam parte da equipa de trabalho, como o A., estavam, como sempre estiveram, sujeitos às directivas da R., única entidade responsável pelo projecto, quer na vertente técnica, quer na financeira;
Z) Na primeira missão em Angola - de 5 a 25 de Março de 1996 -, numa reunião que convocou por sua livre iniciativa e em que esteve presente a direcção da "C", o A. entregou ao cliente um documento que intitulou "Notas para reflexão estratégica sobre a relação "C"/Mercado";
A.) A assessoria a prestar à "C" era da responsabilidade da R., devendo todos os aspectos e documentos de natureza estratégica e de política de actuação, no âmbito desse projecto, ser definidos e discutidos pela própria R., no seio da sua equipa técnica encabeçada pelo director de projecto, Dr. D;
B.) O conteúdo do referido documento mereceu a total discordância da R.;
C.) Havia, apenas, uma proposta técnica para todo o ano de 1996;
D.) Não estando ainda definida, à data, qualquer proposta técnica ou financeira para o ano de 1997;
E.) A intervenção da R. era definida anualmente;
F.) Já tem acontecido haver projectos em curso serem interrompidos, nomeadamente, por falta de pagamentos;
G.) Em 1 de Agosto de 1996, a R. enviou ao A., que a recebeu, carta de igual teor àquela que se encontra junta a fls. 89 a 92, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
H.) Numa outra reunião, de uma outra equipa da Ré, ocorrida também nessa 1ª Missão, em que estava presente outra colaboradora da Ré, a Drª. H, reunida com a direcção da cliente "C", o Autor interrompeu despropositadamente tal reunião, entrando de seguida em discussão directa com essa outra colaboradora à frente da cliente.
(esta factualidade constante do ponto H. foi dada como provada no acórdão recorrido - assim se julgando procedentes as primeiras treze conclusões das alegações do recurso de apelação - e mandada acrescentar aos primeiros trinta pontos dados como assentes em sede de 1ª instância, sendo correspondente ao quesito 20º que havia sido dado como "não provado").

Em matéria de Direito, no acórdão recorrido decidiu-se nos termos seguintes.
"Estabelece o artº. 1170º do C.C., aplicável ao contrato de prestação de serviços por força do artº. 1156º do mesmo Código: - "1. O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação. 2. Se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.".
A "justa causa", expressa no citado nº. 2, tem na sua origem situações que implicam a impossibilidade de prosseguir o fim de cooperação que o contrato se propõe.
Esta impossibilidade de cooperação, pode resultar de uma violação grave de obrigações contratuais por uma das partes ou da ocorrência de um facto impeditivo, relativamente a uma ou a ambas as partes, do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato.
Isto significa que a "justa causa" de resolução nestes contratos, se pode basear em factos culposos relativamente a uma das partes, mas, também, em factos não culposos. (Cfr. Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, 1990, pág. 226).
Como é manifesto, no caso "sub judice" não se coloca a questão da resolução com justa causa baseada em factos não culposos.
Vejamos, pois, se ocorre justa causa de resolução por factos culposos relativos a uma das partes:
Está assente que, na primeira missão em Angola, de 5 a 25 de Março de 1996, o A. convocou, por sua livre iniciativa, uma reunião, em que esteve presente a direcção da "C", na qual o A. entregou à cliente um documento intitulado "Notas para reflexão estratégica sobre a relação "C"/Mercado" (cfr. Z), competindo à R. definir a natureza dos trabalhos a realizar, a sua dimensão e quais os out-puts a entregar formalmente ao cliente após conhecimento e aprovação do director de projecto, o que era do inteiro conhecimento do A. (cfr. U e V), sendo certo que todos os consultores que faziam parte da equipa de trabalho, como o A., estavam, como sempre estiveram, sujeitos às directivas da R., única entidade responsável pelo projecto, quer na vertente técnica, quer na financeira (cfr. X) e que a assessoria a prestar à "C" era da responsabilidade da R., devendo todos os aspectos e documentos de natureza estratégica de política de actuação, no âmbito desse projecto, ser definidos e discutidos pela própria R., no seio da sua equipa técnica encabeçada pelo director de projecto, Dr. D (cfr. A.), acontecendo que o conteúdo do documento que o A. entregou à cliente mereceu a total discordância da R. (cfr. B.), e que havia apenas uma proposta técnica para todo o ano de 1996, não estando ainda definida, à data, qualquer proposta técnica ou financeira para o ano de 1997, sendo a intervenção da R. definida anualmente (cfr. C., D. e E.), já tendo acontecido serem interrompidos projectos em curso por falta de pagamentos (cfr. F.).
Através destes factos, verifica-se que a conduta do A. ao convocar uma reunião, por sua iniciativa, onde esteve presente a direcção da "C" e ao entregar ao cliente um documento da sua autoria intitulado "Notas para reflexão estratégica sobre a relação "C"/Mercado", quando todos os documentos de natureza estratégica e de política de actuação, no âmbito desse projecto, deviam ser definidos e discutidos pela própria R., no seio da sua equipa técnica encabeçada pelo director de projecto, o que era do conhecimento do A., violou, culposamente, as normas de cooperação que deveriam presidir à sua actuação no âmbito do contrato de prestação de serviços que celebrara com a R., tanto mais que o conteúdo do documento que o A. entregou à cliente mereceu a total discordância da R..
Estes factos, por si só, constituem justa causa de revogação.

Por outro lado, em face da alteração, por esta Relação, da resposta dada em 1ª instância ao quesito 20º, constata-se que a atitude do A. ao interromper, despropositadamente, a outra reunião, de uma outra equipa da R., ocorrida também nessa 1ª missão, em que estava presente outra colaboradora da R., a Drª. H, reunida com a direcção da cliente "C", entrando de seguida em discussão directa com essa outra colaboradora à frente da cliente, conduz à conclusão contida na redacção deste quesito, isto é, que o A. pôs em causa a boa imagem da R..
Também, com esta conduta, pondo em causa a boa imagem da R. junto da cliente, o A., culposamente, tornou inviável o prosseguimento do fim de cooperação que o contrato se propõe, pelo que, tal conduta, igualmente, integra justa causa de revogação.
A revogação com justa causa por culpa de uma das partes, afasta a necessidade da sua realização com antecedência, uma vez que o interesse que a antecedência visa proteger soçobra perante o interesse da outra parte em pôr termo ao contrato face à culpa que tal determina.
Deste modo, existindo justa causa de revogação por culpa de uma das partes, não impende sobre a outra parte que revogou o contrato o dever de indemnizar a primeira (cfr. nº. 2 do artº. 1170º e artº. 1172º do C.C.), como acontece no caso vertente.
Procedem, portanto, estas conclusões.
Procedem, em suma, as conclusões extraídas pela Apelante da respectiva Motivação.
Em face do exposto, em conformidade com as mencionadas disposições, concede-se provimento ao recurso, pelo que se revoga a Sentença recorrida na parte em que se condena a R. a pagar ao A. a quantia de 3.200.000$00, julgando-se improcedente o pedido de indemnização e, consequentemente, absolvendo-se a R., ora Apelante, dos pedidos respectivos.".

Inconformado, veio o Autor interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que foram concluídas pela forma seguinte:
1ª) O acórdão recorrido encontra-se ferido da nulidade cominada no artº. 668º, nº. 1 al. d) do CPC, aplicável à 2ª instância ex vi artº. 716º, nº. 1, do CPC, por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado, as quais foram, sinteticamente, enunciadas nas seguintes conclusões das contra-alegações do A.:
a) conclusão 19ª - impugnação subsidiária da matéria assente em Z), não impugnada pelo apelante, feita pelo ora recorrente com os fundamentos constantes das suas contra-alegações, nos termos da ampliação do âmbito do recurso prevista no artº. 684º-A, nº. 2, do CPC, com vista a prevenir a possibilidade de procedência das alegações da Ré sobre a matéria de facto, como efectivamente se veio a verificar;
b) conclusões 1ª a 9ª, que deviam ter sido apreciadas porque aí são indicados elementos probatórios (depoimento de F) e matéria de facto apreciada pela 1ª instância (resposta negativa ao quesito 14º da B.I. e os 3 faxes da "C" cujos conteúdos estão assentes em H), I) e Q) que contrariam a alteração feita ao quesito 20º da B.I. pelo Tribunal da Relação;
c) conclusões 10ª a 16ª, que deveriam ter sido objecto de apreciação pois aí são indicados elementos probatórios e matéria apreciada pela 1ª instância que infirmam as conclusões 14ª a 22ª das alegações do apelante que vieram a ter provimento no acórdão ora recorrido;
d) conclusões 17ª e 18ª, que igualmente deveriam ter sido consideradas por impedirem a procedência da apelação interposta pela R.
2ª) O Tribunal a quo modificou a decisão de facto fora do circunstancialismo em que o artº. 712º do CPC o permite fazer, pois não reapreciou o conteúdo da prova produzida, orientado pelas indicações dadas por ambas as partes, uma vez que se limitou a apreciar as indicações dadas pela Ré, sem atender, nas matérias objecto da apelação, às questões colocadas nas contra-alegações e aos meios probatórios aí mencionados, nem à restante prova produzida nos autos que serviu de fundamento à decisão impugnada.
3ª) Na alteração feita à resposta ao quesito 20º da B.I., o acórdão recorrido não atendeu aos 3 documentos da "C" cujos teores estão assentes em H), I) e Q) e ao documento de fls. 12, assente em E), que demonstram que o A. nessa reunião não pôs em causa a imagem da R.; não considerou a resposta negativa ao quesito 14º, no entanto, relevou depoimentos de testemunhas em detrimento do depoimento da Testemunha F que, nesta matéria contraria aqueles e corrobora os referidos documentos, sem que se consiga descortinar qual a razão por que o fez.
4ª) O acórdão recorrido limitou-se, no fundo, a aderir às conclusões da R. formuladas na apelação, mas sem reavaliar o processo de convicção desenrolado na 1ª instância face a todos os meios probatórios produzidos, concluindo com insuficiente fundamentação, que a Mma. Juiz de 1ª instância se enganou na formação da sua convicção, uma vez que alterou a sua decisão.
5ª) Assim, o Tribunal a quo ao ter alterado a decisão de facto na resposta ao quesito 20º, violou o disposto no artº. 712º, nº. 1, al. b) e nº. 2, do CPC, pois não atendeu a todos os elementos probatórios constantes dos autos susceptíveis de destruir a prova em que se baseou a alteração feita, nem considerou o conteúdo das contra-alegações do ora recorrente.
6ª) Por outro lado, o acórdão recorrido ao não ter referido o motivo porque deu prevalência a certas provas em detrimento de outras que contrariam aquelas, padece de insuficiente fundamentação, violando assim o disposto nos artºs. 713º, nº. 2 e 158º do CPC e o constitucionalmente consagrado no artº. 205º, nº. 1 da CRP.
7ª) Assim, o acórdão recorrido é também nulo nesta parte, nos termos do artº. 201º do CPC, por violação dos artºs. 712º, nº. 1, al. b) e nº. 2, 713º, nº. 2 e 158º, todos do CPC, e artº. 205º, nº. 1 da CRP, pois as violações cometidas influíram decisivamente na decisão da apelação.
8ª) O Tribunal a quo, em sede de fundamentação de direito, analisa e conclui, em face de determinada selecção de factos assentes (em Z), U), X), A.), B.), C.), E.) e F.), que a conduta do recorrente integra justa causa de revogação do contrato, só que essa ilação, supõe matéria que não foi dada como provada pois, de acordo com a resposta negativa ao quesito 17º da B.I., o referido documento não é um documento de natureza estratégica e de política empresarial, que necessitasse de ser previamente definido e discutido pela Ré.
9ª) O acórdão recorrido ao ter seleccionado apenas esse encadeado de factos assentes, para concluir pela existência de justa causa, cometeu um incorrecto raciocínio, pois parte de falsas premissas consubstanciadas:
a) nos factos não provados constantes dos quesitos 17º, 19º e 14º da B.I.;
b) na alteração feita na decisão de facto à resposta ao quesito 16º que retirou a expressão "sem para tal estivesse autorizado";
c) no despacho sobre a reclamação à resposta do quesito 16º, de fls.303, que sendo confirmativo da mesma, precisou o sentido e o alcance do facto que se considerou provado;
d) a conjugação da resposta negativa ao quesito 14º com a matéria assente em A), P) e S) também não se compadece com essa conclusão.
10ª) Assim, o Tribunal da Relação, não tendo considerado a decisão de facto na sua globalidade, atendendo por um lado, aos factos provados definindo os precisos termos em que o foram por referência aos factos dados como não provados, e por outro, à matéria não provada, concluiu incorrectamente que o A. teria violado os seus deveres contratuais e que por esse motivo ocorreria justa causa para a revogação do contrato.
11ª) O Tribunal a quo não fez assim um correcto enquadramento jurídico dos factos constantes da decisão de facto, nem lhes retirou as devidas ilações de direito, pelo que, ao ter concluído pela existência de justa causa quando efectivamente esta não ocorreu, violou as normas constantes dos artºs. 1154º, 1156º, 1170º, nº. 1 e 2, e 1172º, alínea c), todos do CC.
12ª) Por seu turno, da contradição existente entre a selecção de factos assentes feita pelo Tribunal a quo para concluir pela existência de justa causa, e a decisão de facto na sua globalidade (vd. respostas negativas a 17º, 19º e 14º da B.I., despacho de fls. 302 sobre a reclamação e factos assentes em A), P) e S), bem como em N), O), G), F) e E), resulta uma notória contradição entre, por um lado, os fundamentos de facto e por outro, a decisão e respectiva fundamentação de direito, pelo que, essa oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, conduz também à nulidade do acórdão recorrido nos termos do artº. 668º, nº. 1, al. c) do CPC.
13ª) Impõe o princípio da boa fé contratual que deve pautar as relações contratuais, nos termos do disposto no artº. 762º, nº. 2, do C.C., que, se a revogação contratual proceder da ocorrência de justa causa, a mesma tenha que ser alegada e documentada nessa revogação.
14ª) Conjugando os factos assentes em N), O), G), F) e em E), resulta que nem do telefonema da R. de 9/05/1996, nem do telegrama de 13/05/96, nem da carta do Autor de 15/05, nem na reunião de 17/05/96, nem tão pouco na carta onde a Ré formaliza a revogação contratual, se alega qualquer facto consubstanciador de justa causa para a referida revogação.
15ª) A alegada "justa causa" é, pela primeira vez, referida pela Ré na carta datada de 1 de Agosto de 1996 (facto assente em G.) e apenas é alegada a posteriori, tentando justificar o injustificável, na sequência de uma outra carta dirigida à Ré pelo anterior advogado do Autor, junta a fls... com as contra-alegações da apelação.
16ª) A carta da R. de fls. 12, cujo teor está assente em E), faz prova plena não só quanto às declarações atribuídas ao seu autor, mas também quanto aos factos compreendidos nessa declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, nos termos do artº. 376º, nº. 2 do CC.
17ª) Dado que nessa carta de revogação (fls.12), a R. não alega justa causa, apesar de o fazer nos presentes autos, e expressamente refere, no último parágrafo, que conta com os serviços do A. para futuras colaborações, a mesma é contrária aos seus interesses, pelo que faz prova plena dos factos nela compreendidos, de acordo com o disposto no citado artº. 376º, nº. 2 do CC.
18ª) Do exposto decorre, inequivocamente, que não houve quebra da confiança necessária à manutenção do vínculo contratual, pois se assim fosse, obviamente que a R. não propunha ao A. que lhe continuasse a prestar serviços no âmbito de outros projectos que tinha em curso. Se de facto, o Autor, tivesse violado culposamente os seus deveres contratuais, ou se a sua conduta tivesse, na realidade, posto em causa a boa imagem da Ré, por forma a impedir a subsistência da relação contratual, é evidente que esta, não se propunha continuar a usufruir dos seus serviços.
19ª) Assim, o acórdão recorrido ao ter considerado que existia justa causa para a revogação contratual por parte da Ré por o Autor ter violado culposamente "as normas de cooperação que deveriam presidir à sua actuação" e posto "em causa a boa imagem da R.", não atende aos factos assentes em N), O), G), F) e E) da sentença e viola o artº. 376º, nº. 1 e 2 do CC., que atribui força plena aos factos compreendidos na carta de fls. 12.
20ª) Por outro lado, não tendo sido alegada justa causa na revogação contratual efectuada pela Ré, a mesma não pode proceder sob pena de violação do princípio da boa fé, uma vez que não fundamentou a revogação e não comprometeu a subsistência da relação contratual entre as partes.
21ª) Nestes termos, é manifesto que o Tribunal de 1ª instância decidiu correctamente ao considerar que não existiu justa causa que justificasse a revogação pela R. do contrato, havendo, por esse motivo, lugar à indemnização pelos danos sofridos pelo A. com esse revogação, e consequentemente, o Tribunal da Relação decidiu incorrectamente ao considerar a ocorrência de justa causa sem atender aos factos assentes N), O), G), F) e E), à força probatória do documento de fls. 12, ao princípio da boa fé e à decisão de facto considerada na sua globalidade (vd. supra) violando assim os artºs. 1170º, nº. 2, e 1172º, al. c), 376º, nº. 2 e 762º, nº. 2, todos do C.C..
Foram apresentadas contra-alegações, onde se defendeu a bondade e manutenção do Julgado.
Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir.

Decidindo:
Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684º, nº. 3 e 690º, nº. 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403º, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, página 84, respectivamente).
Atentos às conclusões apresentadas e supra transcritas, poderemos considerar como constitutivas do objecto do recurso as seguintes três questões:
1ª) Omissão de pronúncia;
2ª) Violação do artigo 712º, nº. 1, alínea b) e nº. 2 do Código Processo Civil;
3ª) Contradição entre os fundamentos de facto e de direito da decisão.

Analisemos, pois, a primeira das suscitadas questões - que, no entendimento do recorrente, deverá ferir de nulidade o acórdão recorrido.
E o certo é que, antecipando embora a decisão final a tomar, se nos afigura que lhe assiste razão na tese por si propugnada, donde se dever inferir que o acórdão recorrido incorre no apontado vício.
Mas vejamos, o que, com interesse para o ajuizamento da questão sub judicie, resulta dos autos:
- O autor, ora recorrente A, funda a respectiva pretensão indemnizatória na revogação unilateral e injustificada de um contrato verbal de prestação de serviços existente entre si e a ré "B, S.A." e cujo objecto visava o apoio a um terceiro, a empresa "C";
- Contesta a ré (artigos 39º a 62º) tal pretensão, tendo alegado que o autor meramente lhe prestava serviços, fazendo parte de uma equipa de trabalho, sendo que lhe cabia a si definir a natureza dos trabalhos a realizar, a sua dimensão, assim como os elementos a entregar formalmente ao cliente após conhecimento e aprovação do Director do Projecto, facto este que era do conhecimento do autor;
- Não obstante, aquando da ida do A. a Angola, na 1ª Missão, este, sem que para tal estivesse autorizado, numa reunião que convocou por sua livre iniciativa e em que esteve presente toda a estrutura directiva da "C", entregou ao cliente um documento que intitulou de "Notas para reflexão estratégica sobre a relação "C"/Mercado", documento este que, por assumir natureza essencialmente estratégica e de política empresarial, necessitava da prévia aprovação do Director do Projecto e de ser analisado no âmbito da equipa onde o autor estava integrado;
- A assessoria a prestar à "C" era da responsabilidade da ré, devendo todos os aspectos e documentos de natureza estratégica e de política de actuação, no âmbito desse projecto, ser definidos e discutidos pela própria ré e nunca só pelo autor;
- Para além desta actuação grave e incorrecta do autor ao formalizar e apresentar o referido documento estratégico sem estar minimamente autorizado, o conteúdo do mesmo mereceu a total discordância da ré, quer porque a estratégia fora definida solitariamente pelo autor, quer pela linguagem utilizada, quer quanto aos aspectos técnicos e o próprio português utilizado;
- Acresce que, numa outra reunião ocorrida o autor pôs em causa a boa imagem da ré ao interromper despropositadamente tal reunião, entrando de seguida em discussão directa com essa outra colaboradora à frente da cliente.

São, portanto, duas, as situações relativas ao comportamento do autor que a ré invocou como constituindo justa causa de revogação do contrato de prestação de serviços existente entre ambos: a primeira prende-se com a convocação pelo autor de uma reunião, na qual apresentou um documento por si elaborado, sem prévia aprovação do Director do Projecto e cujo conteúdo mereceu a total discordância da ré; a segunda, a interrupção despropositada de uma reunião, entrando em discussão directa com outra colaboradora da empresa, assim colocando em causa a boa imagem da ré.

Ora, tais factos foram incluídos nos artigos 10º a 20º da base instrutória - fls. 243 e 244 - tendo merecido as respostas vertidas a fls. 297 e 298, objecto de reclamação por parte do autor (fls. 301), relativamente às respostas dadas aos artigos 16º e 23º e, por parte da ré, ao artigo 1º.
Na decisão proferida e constante de fls. 302 e 303, foi esclarecido o sentido e alcance da resposta dada ao artigo 16º, que se manteve.
Na sentença proferida - fls. 309 a 319 - considerou-se que o documento entregue pelo autor na aludida reunião não constitui qualquer violação grave dos respectivos deveres (tal documento não definiria, em si próprio, qualquer estratégia, não passando de um "conjunto de notas", "com vista a proporcionar um melhor acompanhamento e gestão de uma reunião de trabalho") e muito embora seja certo que a matéria constante do quesito 20º (que se referia ao comportamento do A. na segunda reunião) fosse dada como "não provada", foi a acção julgada parcialmente procedente, meramente por razões atinentes ao "timing" com que foi feito o pré-aviso da revogação do contrato.

Inconformada recorreu a ré, pugnando nas alegações que fazem fls. 329 a 355, na parte que ora importa apreciar, pela alteração da decisão recorrida sobre a matéria de facto, relativamente aos factos constantes do referido artigo 20º da Base Instrutória, considerando que tal matéria deveria ter sido dada como provada, tendo, assim, sido influenciada a justa decisão da causa.
Nas respectivas conclusões - 15ª a 20ª - reporta-se aos factos já dados como provados: a entrega à cliente "C" do documento que elaborou e intitulou de "Notas para reflexão estratégica sobre a relação "C"/Mercado", sem que tal tivesse sido do conhecimento e previamente autorizado pelo Director do Projecto, o que, no seu entendimento justificaria, só por si, a resolução, com justa causa, do contrato.
Por outro lado, considerando ainda que, dando-se como provada a matéria do artigo 20º, deveria ter-se considerado que, mais uma vez, o autor incumpriu gravemente os seus deveres para com a ré, comprometendo, definitivamente, a subsistência do seu contrato de prestação de serviços.
Conclui a recorrente que, contrariamente ao decidido na 1ª Instância, não foi violado qualquer direito do autor, que rescindiu com toda a legitimidade o contrato que tinha com ele, devendo a acção ser julgada totalmente improcedente e, como tal, ser absolvida do pedido.
Contra-alegou o autor, nos termos constantes de fls. 362 a 407, pugnando pela manutenção da resposta que o quesito 20º merecera, tendo, para tanto, invocado o teor de outros depoimentos testemunhais e documentos e, em consequência, pela consideração de inexistência de justa causa que justificasse a revogação do contrato de prestação de serviços.
E, com relevo para a matéria ora submetida a apreciação, a fls. 402, em caso de improcedência do supra alegado, subsidiariamente, impugnou os factos considerados provados em Z) da sentença recorrida e constantes do artigo 16º da Base Instrutória, nos termos do preceituado no artigo 684º-A, nº. 2 (1), do CPC, (cujo comando dispõe: "Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas."), decisão relativamente à qual já havia reclamado.
Funda o autor o pedido de ampliação do âmbito do recurso, a título subsidiário, precisamente, para a hipótese de o Tribunal da Relação, considerar procedente o recurso da ré, como veio a ocorrer.
Para tanto, invocou que a 1ª Instância não decidiu correctamente ao dar como provada a matéria transcrita em Z), onde se refere: "Na primeira missão em Angola - de 5 a 25 de Março de 1996 - numa reunião que convocou por sua livre iniciativa e em que esteve presente a direcção da "C", o autor entregou ao cliente um documento que intitulou de "Notas para reflexão estratégica sobre a relação "C"/Mercado", porquanto, em face do teor do documento junto pelo recorrido e não impugnado, do conteúdo da primeira página do documento intitulado "Notas..." e das assinaturas constantes nesse documento e da impugnação da autoria que a ré lhe pretende em exclusivo atribuir, a resposta não deveria ter sido aquela que foi dada pelo Tribunal, uma vez que não convocou a referida reunião nem foi o autor do citado documento.
Após, enuncia os pontos da prova que entende determinarem solução diversa da referida matéria de facto.
Nas respectivas conclusões, concretamente a 19ª, o autor refere: "Subsidiariamente, nos termos do artigo 684º-A, nº. 2, do CPCivil, o recorrido impugna a matéria dada como provada na al. Z) da sentença recorrida, uma vez que o douto Tribunal a quo não decidiu correctamente sobre essa matéria pois o recorrido não convocou a referida reunião nem foi o autor do citado documento, conforme é demonstrado pelos elementos probatórios indicados a esse propósito na fundamentação do presente recurso".
No relatório do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que faz fls. 420 a 429, refere-se que "o objecto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões retiradas pela Apelante da sua Alegação", as quais haviam sido previamente transcritas, passando a reportar-se às conclusões 1ª a 13ª relativas ao quesito 20º da Base Instrutória.
Após, foi analisado o depoimento das testemunhas e concluiu-se pela alteração da resposta à referida matéria de facto, que se considerou provada e, em consequência, ao elenco dos factos dados como assentes na 1ª Instância, foram aditados tais factos, tal como supra já se havia referido.
Seguidamente, passou-se à análise das conclusões 14ª a 22ª, referentes estas à "justa causa" de revogação do contrato.
Para tanto, elencou-se a matéria de facto assente - fls. 428 - com início, precisamente, na transcrição da alínea Z) da sentença, a qual, mais adiante - último parágrafo -, também foi usada para fundamentar a existência de justa causa de revogação do contrato, afirmando-se que "a conduta do autor, ao convocar uma reunião, por sua iniciativa, onde esteve presente a direcção da "C" e ao entregar ao cliente um documento da sua autoria intitulado "Notas..." (...) violou, culposamente, as normas de cooperação...", tendo-se acrescentado a fls. 429: "Estes factos, por si só, constituem justa causa de revogação".
E, adianta-se que, em face da alteração feita ao quesito 20º, "também com esta conduta, pondo em causa a boa imagem da R. junto da cliente, o A., culposamente, tornou inviável o prosseguimento do fim de cooperação que o contrato se propõe, pelo que, tal conduta, igualmente, integra justa causa de revogação".
Concluiu-se, assim, pela procedência das conclusões da motivação da apelante e, consequentemente, foi a sentença proferida revogada, nada se referindo quanto à requerida ampliação do objecto do recurso.
Assim sendo, constata-se que, efectivamente, o Acórdão proferido não fez qualquer menção relativamente à impugnação da matéria de facto constante na resposta ao dito artigo e que a matéria impugnada foi usada pelo Tribunal da Relação para fundamentar a respectiva decisão.
Em suma, na delimitação do objecto do recurso não se tomou em conta a norma excepcional prevista no artigo 684º-A, nº. 2, que permite a ampliação (2) do objecto do recurso, preenchidos os requisitos referidos no citado normativo e que, no nosso entendimento, ocorrem neste caso.
Na verdade, tais requisitos mostram-se formalmente preenchidos, porquanto o recorrido, nas contra-alegações, a título subsidiário, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela recorrente, impugnou a decisão proferida sobre a resposta à matéria de facto constante do artigo 16º da Base Instrutória (artigo 684º-A, nº. 2 do Código Processo Civil), tendo ainda cumprido o ónus de alegar e formular conclusões a que alude o artigo 690º, bem como o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, em conformidade com o artigo 690º-A.
Acresce que, a questão sobre a qual o Tribunal da Relação se não pronunciou constitui também objecto de recurso, uma vez que se enquadra nos casos excepcionais previstos no artigo 684º-A, nº. 2, não estando prejudicada - ao invés, só fazendo sentido ser apreciada - pela solução dada ao recurso que decidiu sobre o mérito da causa favoravelmente para a outra parte.
Para terminar, saliente-se ainda que a questão suscitada pelo ora recorrente, porque se prende com o mérito da causa - o preenchimento ou não do conceito de justa causa de revogação - em face da decisão sobre a matéria de facto impugnada terá forçosamente que ser apreciada pelo Tribunal da Relação por estar vedado o respectivo conhecimento ao STJ.
Pelo exposto, entendemos que se verifica a arguida nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, por omissão de pronúncia (3) sobre questão que devia ter sido conhecida, em violação do disposto no artigo 668º, nº. 1, alínea d) do Código Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 716º, nº. 1, do mesmo diploma.
Em consequência, deverão os autos baixar à 2ª Instância para que esta se venha a pronunciar relativamente à impugnação da matéria de facto indicada pelo ora recorrente, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

Termos em que ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente a revista e, em consequência, decidem:
1º) Revogar o acórdão recorrido.
2º) Ordenar que os autos baixem ao Tribunal da Relação de Lisboa, tendo em vista a apreciação, se possível pelos mesmos Meritíssimos Senhores Juízes Desembargadores, da matéria de facto supra indicada, decidindo-se, seguidamente, em conformidade.
Custas pela Recorrida.

Lisboa, 20 de Novembro de 2003
Ponce de Leão
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida
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(1) No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.1997, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº. 471º-1997, em situação similar, decidiu-se na apreciação do objecto do recurso "Pelo artigo 684º-A do Código Processo Civil, na versão actual, 0 tribunal de recurso deve conhecer "de fundamentos (...) da defesa (...) em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a hipótese da sua apreciação"...........
Porém, para que possa ter lugar essa reapreciação, o recorrido deve suscitá-la, de modo claro e expresso, expondo as razões da sua discordância e contrariando as invocadas na decisão recorrida, e, tal, como se exige para o recorrente, não basta a referência à questão nas conclusões das da contra-alegação, devendo a mesma ser exposta no respectivo texto, por deverem ser aquelas um simples resumo deste.
(2) Trata-se, aqui, de uma faculdade concedida ao recorrido de, subsidiariamente, vir arguir a nulidade da sentença, ou impugnar a decisão proferida sobre certos pontos da matéria de facto não impugnados pelo recorrente, deste modo prevenindo a hipótese da procedência das questões por este suscitadas. Com esta faculdade visa-se dar ao recorrido a possibilidade de, impugnando por sua vez a decisão recorrida, neutralizar a eficácia dos fundamentos do recurso - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nos autos de agravo nº. 1051/98. (3) No mesmo sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.1.1996 in Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 1996, Tomo I, Pg. 43.