Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
187/19.9T8VRL.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do AUJ n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, n.º 212, 03-11-2022, pp. 10 e ss.), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação: “1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 3574/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco “), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º, do CVM.” 3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

II - Esta metodologia decisória resulta da circunstância de o AUJ, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado”, dotado de especial força de persuasão.

III - Provando-se que o autor sempre quis aplicar, e aplicou, o seu dinheiro, em depósitos a prazo, que nunca o réu explicou ao autor as características das obrigações e que o autor subscreveu as obrigações SLN por conselho de um funcionário do réu, seu gerente de conta, que lhe comunicou que tinha uma aplicação que descreveu como sendo totalmente garantida, sem qualquer risco de capital ou juros, tem de se concluir que o autor logrou cumprir o ónus da prova que sobre ele recai de demonstrar a violação do dever de informação pelo banco intermediário financeiro.

IV - Tendo ficado provado que “Se o autor tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações ou em qualquer outro produto financeiro ou que o capital e juros não estavam garantidos, não teria subscrito o referido produto”, é inequívoco que está demonstrada a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Decisão Texto Integral:       

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. AA veio intentar ação declarativa com processo comum contra o Banco BIC Português, S.A., onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência:

a) Ser o réu condenado a restituir à autora o montante do capital de €50.000,00, objeto do contrato de depósito a prazo, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;

b) Ser o réu condenado a pagar à autora a quantia de €10.000,00, a título de dano não patrimonial.

2. Para tanto alega, em síntese, que é cliente do banco réu e, em finais de 2004, o autor recebeu um telefonema de um funcionário do réu dizendo-lhe que tinha uma aplicação, que descreveu como interessante, com ótima rentabilidade, totalmente

garantida, sem qualquer risco de capital ou juros, condições essas aplicáveis apenas para depósitos a prazo de montante igual ou superior a €50.000,00 e, sem que o autor

assinasse qualquer documento, aquele funcionário do réu fez aquela aplicação, estando o autor convencido que se tratava de um depósito a prazo, nunca lhe tendo sido lido ou explicado o teor de qualquer documento, designadamente de qualquer ficha técnica

referente ao produto “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004” e só mais tarde, quando reclamou o seu dinheiro foi informado que havia subscrito esse produto, tendo o réu recusado devolver o dinheiro.

Se tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, o autor não teria subscrito o produto em causa.

3. O réu Banco BIC Português, SA, apresentou contestação onde conclui entendendo que devem as exceções invocadas serem julgadas procedentes, com as legais consequências ou, caso assim não se entenda, ser a presente ação julgada improcedente, por não provada.

O réu veio invocar a incompetência em razão do território, uma vez que o tribunal competente é aquele onde se situa o domicílio do réu ou o do cumprimento da obrigação em casos como o dos presentes autos em que o réu seja uma pessoa coletiva, ou seja a comarca ..., alegando ainda que que a ação deu entrada mais de dois anos após a data em que o subscritor tomou conhecimento da situação relatada na PI (artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários), tendo ainda impugnado a matéria de facto alegada.

O autor AA pronunciou-se quanto às exceções invocadas, entendendo deverem ser julgadas improcedentes.

4. Realizou-se audiência prévia, onde foi julgada improcedente a exceção de incompetência territorial, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

5. Realizou-se julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação improcedente.

6. Inconformado, o autor AA, veio interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo.

7. O Tribunal da Relação ..., após o exercício do seu poder de modificação dos factos provados e não provados, decidiu o seguinte:

«Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e condenando o réu no pagamento ao autor de uma indemnização, corresponde ao valor da aplicação, no montante de €50.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento e, no mais, improcedente, dele absolvendo o réu.

Custas por apelante e apelado, na proporção de decaimento».

8. Inconformado, veio o Banco BIC Português, S.A. interpor recurso de revista, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

           

1) Entre os factos agora aditados, e antes constante do elenco dos factos não provados - e por isso tido, até agora, por irrelevante -a douta decisão recorrida fez constar o facto nº 17 -“Se o autor tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações ou em qualquer outro produto financeiro e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, não teria subscrito o referido produto”.

2) Este é, nas próprias palavras do douto acórdão em crise, um facto absolutamente essencial ao preenchimento e verificação do direito reclamado...

3) De facto, a invocação da responsabilidade civil, seja a que título for implica a título principal a alegação e demonstração, como factos essenciais, de factos que integrem a ilicitude, a culpa (se não for presumida, como no caso), a causalidade e o dano! Ou seja, aquele facto é absolutamente constitutivo do direito que o A. pretende exercer nestes autos.

4) Nos termos do disposto no art.º 5º nº 1 do CPC cabe às partes alegar os factos essenciais que constituam a sua causa de pedir. Ao tribunal caberão os poderes de suprir eventuais falhas de alegação mas apenas na medida em que os factos por si considerados sejam instrumentais ou concretizadores dos efectiva e expressamente alegados pelas partes nos seus articulados.

5) Como bem decidiu este Venerando Tribunal, no âmbito do processo 3755/15.4T8LRA.C2.S1: “Os factos essenciais são os que apresentam, perante o quadro jurídico em que se fundamenta a acção ou a defesa, natureza constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva do direito”.

6) Factos instrumentais serão aqueles que, não demonstrando os principais, contribuem para a sua demonstração, ou no dizer eloquente do douto acórdão deste Tribunal de 18.05.2004: “São factos instrumentais aqueles que, sem fazerem directamente a prova dos factos principais, servem indirectamente para prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência”.

7) Vista e revista a douta PI apresentada pelo A., não logramos vislumbrar qualquer facto ali alegado que reflicta este outro facto que veio a ser dado como provado, e concretamente que implicasse que o A. não teria subscrito a obrigação em causa se lhe tivesse sido informado que não beneficiava de garantia de reembolso de capital e de remuneração.

8) Por outro lado, não se tratando de um facto instrumental ou concretizador de factos essenciais, não se vê como poderia o Tribunal, nos termos do disposto no art.º 5º nº 2 do CPC considerar o facto como provado, assim suprindo a apontada falta de alegação.


9) Ainda que o pudesse fazer, sempre deveria, para o efeito, fazer menção a essa sua intervenção, quanto mais não fosse por forma a habilitar à sindicância dessa circunstância pelas partes.

10) A decisão recorrida violou, por errónea interpretação e aplicação o disposto no art.º 5º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, devendo, por isso, a decisão ser expurgada do facto provado 17, por falta de alegação - e, de resto, em rigor, de prova.

Ademais,


11) A decisão recorrida conclui erradamente que o Banco-R. prestou informação falsa e omissa ao A. a propósito da venda de Obrigações SLN 2004, por este instrumento financeiro não ser isento de risco – não ser tão seguro quanto um Depósito a Prazo - e por não ter capital garantido! Todavia,

12) O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso por não ser um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos, e por não ser previsível qualquer risco de liquidez porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos – note-se que esta era a segunda emissão da SLN (depois da emissão de 2004) e à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão!

13) Resta, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito correspondente à possibilidade de incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

14) A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

15) E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial. Impor a advertência de um tal risco geral importaria necessariamente o reconhecimento de uma capitis diminutio dos clientes, uma quase inimputabilidade ou incapacidade, impondo ao intermediário financeiro a obrigação de informação de uma evidência.


Por outro lado,

16) Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2004, dez anos antes! Ou seja, o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma!


17) A verificação do evento em 2016 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2004! Pelo contrário,


18) Em 2004, a SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., como era dona de várias outras dezenas de empresas nas mais diversificadas áreas de negócio!


19) O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN, e sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco – risco de reembolso de um Depósito a Prazo!


20) Em suma, a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.


21) E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo.


22) É que se por um lado, à data, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta,


23) Por outro, nenhum cliente, e o A. certamente, efectuava os seus depósitos fiado na garantia do FGD.


24) Ou seja, a segurança que o A., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exactamente na solvabilidade do Banco, e nada mais!


25) Era este mesmo pressuposto que assegurava o bom reembolso das Obrigações – razão por que dizer que o produto não tinha risco naturalmente não pode senão ser entendido como a atribuição de um risco mínimo, equivalente ao de um DP.


26) A afirmação de que a aplicação era isenta de risco, se levada literalmente, apenas poderia prevalecer no já referido caso de se resumir o declaratário não a uma pessoa financeiramente inapta, mas juridicamente incapaz! É que essa afirmação implicaria que alguém acreditasse – como se fosse possível! – que seria possível estabelecer uma qualquer relação jurídica sem risco.


27) O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! Tanto assim que os pressupostos de nacionalização do Banco, no Dec. Lei 62-A/2008 d e11 de Novembro são exactamente os previstos para insolvência do Banco - a SLN insolveu, é certo... mas o Banco também! E antes, muito antes!


28) A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis – neste sentido vejam-se os dois acórdãos do STJ já citados, de 6 de Junho de 2013 e de 12 de Janeiro de 2017,


29) No caso, inclusivamente, reforçada pelo facto de a sociedade emitente ser a sociedade-mãe do Banco.


30) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido - veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses.


31) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.


Acresce que,

32) Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.


33) A menção do artº 312 nº 1 al. e) do CdVM aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição – essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.


34) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.


35) Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!


36) Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

37) O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!


38) A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!


39) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!


40) É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.


41) E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!


42) O Banco-R. forneceu ao A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.


43) O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.


44) Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido o A.


45) A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artº 312º, em particular o nº 1 al. e), e 314º do CdVM.



Por outro lado,


46) O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e o dano!


47) Todavia, além da demonstração da causalidade “mecânica” entre o imputado facto ilícito e o dano, importaria a demonstração de que aquele mesmo ilícito é, em geral, adequado à produção daquele dano - o que, neste caso ficou por demonstrar!


48) Pelo contrário, dos factos provados, e concretamente das relações de domínio entre a SLN e o Réu, resulta uma segurança, uma garantia de natureza patrimonial àquele bom reembolso.


49) No caso, o Banco terá prestado um serviço de recepção e transmissão de ordens por conta de terceiros, pelo qual terá recebido ordem de subscrição de Obrigações e a terá encaminhado por forma a garantir a efectiva titularidade pretendida pelos seus clientes. O Banco Recorrido nada tem que ver com a emissão de títulos propriamente dita, mas apenas com a intermediação financeira que permitiu a respectiva subscrição! Já o dano dos Recorrentes corresponde à falta de reembolso, na respectiva data de vencimento, daquela emissão de obrigações, por parte da SLN.


50) Estamos, portanto, perante duas relações contratuais distintas – uma em que o Banco teria praticado o suposto ilícito, e outra onde o A. sofreu o seu dano!


51) A formulação negativa da teoria da causalidade adequada faz sentido apenas e só para o incumprimento da prestação principal de um contrato - em que a causalidade entre o ilícito e o dano resulta da identidade entre o dano e a prestação incumprida. Neste cenário percebe-se que se diga que apenas a verificação de uma circunstância excepcional afastaria a relação causal. Todavia, o mesmo não se diga no caso do incumprimento de uma prestação acessória, como é o dever de informação num serviço de intermediação financeira de recepção de ordens, e muito menos no âmbito de uma relação contratual complexa em que o incumprimento de uma obrigação acessória de um contrato (de intermediação financeira) pode implicar um dano no âmbito de outro contrato (da emissão obrigacionista).


52) Ou seja, a determinação de causalidade adequada depende, outrossim, da verificação de um nexo causal mecânico concreto entre o facto ilícito e o dano, por um lado, mas simultaneamente, de um nexo de adequação abstracto entre os mesmos eventos.


53) Não se vislumbram no elenco de factos provados, quaisquer factos capazes de determinar qualquer adequação à produção do dano pela conduta do R. - ao invés, genericamente, sempre se dir-se-á que as relações de domínio societárias entre a SLN e o R. eram, efectivamente, de molde a criar uma  fundada e acrescida confiança na segurança das obrigações, e que por isso mesmo um normal investidor não teria problemas em subscrever as mesmas.


Por fim, e em bom rigor,

54) A origem do dano do A reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrente é alheio!


55) Não podemos, por tudo o que vimos de expor, deixar de concluir que não apenas o Banco-R. não praticou qualquer acto ilícito, como mesmo que o houvesse praticado, tal qual identificado pelas instâncias, e ele nunca seria causal relativamente ao dano alegado.


56) Além das normas já referenciadas, incorreu a decisão recorrida em violação do disposto no art.º 563º do Código Civil.


Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e, em consequência, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas. ...

... JUSTIÇA!»


9. O recorrido apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.


10. Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões, as questões a decidir são a da ilicitude e do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano como pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro.


Cumpre apreciar e decidir.



II – Fundamentação

A – Os factos

A matéria de facto provada e não provada, após o exercício pelo tribunal recorrido dos seus poderes de modificação,  é a seguinte:

 Factos provados

1. O autor é, há vários anos, cliente do réu, na sua agência da Av. ..., no ..., com a conta à ordem nº ...06, onde movimenta parte dos dinheiros, realiza pagamentos e faz poupanças.

2. Em 2004, o autor quis fazer uma aplicação de €50.000,00.

3. Para tanto, mediante contacto estabelecido com o BPN-Banco Português de Negócios, S.A., através de funcionário deste, subscreveu obrigações SLN Rendimento Mais 2004, naquele montante de €50.000,00.

4. Desde finais de 2008, o autor reclamou junto do réu a restituição da referida quantia, o que lhe foi negado, com a informação de que os títulos que subscrevera, denominados de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, não tinham liquidez.

5. O autor solicitou ao réu toda a documentação referente à subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

6. Respondendo o réu que: “Após diligências efetuadas para averiguação dos factos apresentados por Vª Exa., até ao presente momento, ainda não nos foi possível localizar o boletim de subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, situação que se mantém.

7. O referido em 4, colocou o autor em estado de preocupação e ansiedade, criando-lhe o temor de não vir a reaver o dinheiro em causa;

8. O que lhe tem provocado stress, ansiedade e tristeza.

9. Por iniciativa do Governo Português, ocorrida em novembro de 2008, o BPN Banco Português de Negócios, S.A., foi nacionalizado e incorporado na Caixa Geral de Depósitos.

10. Posteriormente, em julho de 2011, o Estado Português procedeu à venda da totalidade das ações do então BPN-Banco Português de Negócios, S.A., ao Banco BIC Português, S.A., passando este a deter a totalidade do capital social e domínio sobre aquele.

11. O autor sempre quis aplicar, e aplicou, o seu dinheiro, em depósitos a prazo.

12. Nunca o réu explicou ao autor as características de outros produtos bancários, designadamente de obrigações.

13. Em finais de 2004, o autor recebeu um telefonema de um funcionário do réu, seu gerente de conta, comunicando-lhe que tinha uma aplicação que descreveu como sendo totalmente garantida, sem qualquer risco de capital ou juros.

14. O autor não assinou qualquer documento e não lhe foi lido ou explicado qualquer documento.

15. O autor sempre esteve convencido de que, o funcionário do BPN tinha depositado o montante de €50.000,00 num depósito a prazo.

16. Só quando reclamou junto do réu a restituição do capital investido é que o autor foi informado, pela primeira vez, que havia subscrito um produto denominado Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

17. Se o autor tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações ou em qualquer outro produto financeiro e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, não teria subscrito o referido produto.


Factos Não Provados

3. O autor não tem conhecimentos para contratar outros produtos bancários que não os depósitos a prazo.

4. O autor nada sabe sobre outros produtos bancários, designadamente obrigações.

6. Mais lhe dizendo que tais condições só eram aplicáveis para depósitos a prazo de montante igual ou superior a €50.000,00.

11. O autor tem tido dificuldades financeiras para gerir a sua vida.

12. Anda doente, sem alegria de viver e sem perspetivas de futuro



B – O Direito

1. Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  


2. Esta metodologia decisória resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), dotado de especial força de persuasão, conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.


3. Inexiste controvérsia relativamente à qualificação da relação jurídica que se estabeleceu entre o recorrente e o recorrido como sendo um contrato de intermediação financeira.

Está apenas em causa saber se o Banco, na qualidade em que interveio na subscrição das "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", isto é, de intermediário financeiro, incorreu em responsabilidade civil. Mais precisamente, importa determinar  se o recorrente violou culposamente os deveres que a lei põe a cargo do intermediário financeiro em matéria de prestação de informação ao subscritor, a qualificação dessa culpa, a verificação de um prejuízo na esfera do subscritor e a indagação da existência de um nexo de causalidade entre a referida violação de deveres e o prejuízo ocorrido.


4. Primeira questão: saber se o acórdão recorrido decidiu de modo conforme ao AUJ n.º 8/2022, quando considerou que o Banco violou culposamente os deveres de informação que sobre si impendiam.


As obrigações SLN em litígio foram subscritas no domínio de vigência do Código de Valores Mobiliários, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro.

Para a determinação dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro e das consequências jurídicas da sua violação, importa atentar no disposto nos artigos 7.°, n.° 1, 304.°, 312.° e 314.° do Código dos Valores Mobiliários (CVM).

Uma vez que estamos perante factos ocorridos em 2004, teremos em consideração a redação dos referidos preceitos legais então vigentes interpretados à luz da orientação fixada no AUJ n.º 8/2022.

 

O artigo 7.º do CVM dispõe o seguinte: 

1- A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

2 – O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 – O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 – À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Por sua vez, o artigo 304º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:

1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

(…)»


O artigo 309º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:

1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 – (…).


E o artigo 310°, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no seu nº 1 que:

«1 – O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente».


Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, al. a) e n.º 2).

           

No artigo 314.º do CVM estabelece-se a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública:            

«1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».


5. Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.

Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil: o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão; a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência; a culpa, a qual se presume nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil; o dano (artigo 562.º do Código Civil) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigo 563.º do Código Civil)


6. Com o AUJ n.º 8/2022, ficou claro que não existem presunções legais de ilicitude nem de causalidade, cabendo ao investidor o ónus da prova da violação do dever de informação e do nexo causal entre o facto e o dano.


7. Quanto ao conteúdo e alcance do dever de informação a cargo do intermediário financeiro, o AUJ n.º 8/2022 atribui-lhe um sentido amplo, que abrange a explicação sobre as caraterísticas do produto financeiro e os seus riscos, com a consequência de, se o intermediário financeiro não informar investidores-clientes não profissionais sobre o risco, que, em abstrato, podem vir a suportar por força do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas), viola os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, al. e), do CVM. Ou seja, conforme se conclui no segmento uniformizador, «2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.».


8. Apliquemos então esta orientação aos factos do caso:

O autor, cliente que só aplicava o dinheiro em depósitos a prazo,  aplicou a quantia de € 50.000, em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, por sugestão do seu gerente de conta, sem que este lhe tivesse explicado as caraterísticas e os riscos do produto financeiro em causa, sem ter assinado qualquer documento e tendo-lhe sido dito que se tratava de um produto de capital garantido.

Ficou provado, para o que aqui releva, o seguinte:

«11. O autor sempre quis aplicar, e aplicou, o seu dinheiro, em depósitos a prazo.

12. Nunca o réu explicou ao autor as características de outros produtos bancários, designadamente de obrigações.

13. Em finais de 2004, o autor recebeu um telefonema de um funcionário do réu, seu gerente de conta, comunicando-lhe que tinha uma aplicação que descreveu como sendo totalmente garantida, sem qualquer risco de capital ou juros.

14. O autor não assinou qualquer documento e não lhe foi lido ou explicado qualquer documento.

15. O autor sempre esteve convencido de que, o funcionário do BPN tinha depositado o montante de €50.000,00 num depósito a prazo».

 

Estamos perante um caso, em que, segundo a factualidade provada, o autor era um investidor não profissional, avesso ao risco, que só investia em depósitos a prazo, e que subscreveu as obrigações SLN 2004 por conselho do seu gerente de conta, que não explicou o que eram as obrigações e que lhe assegurou que as obrigações SLN tinham capital garantido e com rentabilidade assegurada.

 

9. Do processo de subsunção, resulta que a informação prestada foi incompleta, falsa e obscura, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022 porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações e que o reembolso do capital aplicado não era garantido. Os termos e o contexto em que o funcionário bancário levou o autor à subscrição do produto financeiro em causa não permitiam ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria, para assumir uma decisão livre e esclarecida.

As informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo – pois o que relevava para o autor era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado – e não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, antes decorrendo das próprias características do produto sobre as quais nada foi dito ao autor.

10. O incumprimento dos deveres de informação pelo Banco é sancionado no quadro da responsabilidade civil contratual, recaindo sobre o intermediário financeiro ou banco que age nessa veste uma presunção de culpa nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil e 314.º, n.º 2, do CVM, na redação vigente à data da subscrição das obrigações (equivalente ao atual n.º 2 do artigo 304.º-A do CVM/2007), que estatui «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

Competia ao Banco ilidir esta presunção (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil), o que não logrou fazer, pois nada nesse sentido decorre da matéria de facto dada como provada.

11. Considera-se, assim, que os factos provados permitem configurar a violação culposa do dever de informação que impendia sobre o Banco, e conclui-se pela existência de ilicitude e de culpa.


12. II - Nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano

Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade).

Prescreve o artigo 563.º, do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento do dever de informação.

Na disposição normativa supra citada está consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

13. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, a presunção de culpa do intermediário financeiro não abrange qualquer presunção legal de causalidade, cabendo ao investidor, nos termos do artigo 342.º, nº 1, do Código Civil o ónus da prova (ponto 1). O AUJ prossegue, afirmando no ponto 3. que «O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir» e no ponto 4. que «Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».        

14. Para o efeito de determinar se ficou ou não preenchido o ónus da prova importa analisar a matéria de facto provada:

Segundo o facto provado 17. «Se o autor tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações ou em qualquer outro produto financeiro e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, não teria subscrito o referido produto».


Nesta factualidade é por demais evidente que se encontra verificado o nexo de causalidade entre a conduta do Banco Réu/recorrente e o dano, pois provou-se que o autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro num depósito a prazo,  e que, se tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações – um produto de risco sem capital garantido pelo BPN –não o teria autorizado.

15. Provou-se também a verificação do dano patrimonial da perda de capital,   e de danos não patrimoniais de natureza psicológica provocados pela ansiedade e receio de perder o dinheiro aplicado (factos provados n.ºs 7 e 8), aos quais, todavia, o tribunal recorrido não atribuiu qualquer compensação ao abrigo do artigo 496.º do Código Civil, pelo que, não vindo questionada pelos autores, que apenas apresentaram contra-alegações (e não recurso subordinado), esta questão, mantém-se o valor da indemnização arbitrada pelo acórdão recorrido.

Assim, apurando-se que o autor investiu em obrigações convencido que estava a investir num depósito a prazo, o dano direto por ele sofrido corresponde aos montantes investidos, acrescido de juros de mora à taxa legal, e, na falta de informação sobre a data de maturidade das obrigações, os juros são devidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.

  Nos termos da factualidade provada, desde finais de 2008 que o autor reclamou junto do réu a restituição da referida quantia, o que lhe foi negado (facto provado n.º 4) e solicitou ao réu toda a documentação referente à subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 (facto provado n.º 5), tendo o Banco respondido que não foi possível localizar o boletim de subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 (facto provado n.º 6).

Em consequência, ficando provado o dano patrimonial da perda do capital, tem este valor de ser restituído ao autor.


16. Pelo que se conclui que o Banco Réu incorre na obrigação de indemnizar os autores.

 17. Não vindo questionada a forma como foi determinado o montante ou a extensão do dano indemnizável, confirma-se a decisão do acórdão recorrido e condena-se o Banco BIC a pagar ao autor a quantia de € 50.000, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.


18. Anexa-se sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC

I – Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  

II – Esta metodologia decisória resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado”, dotado de especial força de persuasão.

III – Provando-se que o autor sempre quis aplicar, e aplicou, o seu dinheiro, em depósitos a prazo, que nunca o réu explicou ao autor as características das obrigações e que o autor subscreveu as obrigações SLN por conselho de um funcionário do réu, seu gerente de conta, que lhe comunicou que tinha uma aplicação que descreveu como sendo totalmente garantida, sem qualquer risco de capital ou juros, tem de se concluir que o autor logrou cumprir o ónus da prova que sobre ele recai de demonstrar a violação do dever de informação pelo Banco intermediário financeiro.

IV –  Tendo ficado provado que  «Se o autor tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações ou em qualquer outro produto financeiro e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, não teria subscrito o referido produto», é inequívoco que está demonstrada a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano.


III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Supremo Tribunal de Justiça, 14 de fevereiro de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)