Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8473/07.4TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: EDIFICIO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
PARTES COMUNS
DEFEITOS
ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
CADUCIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
CONTAGEM DE PRAZOS
DIREITO A REPARAÇÃO
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 06/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÕES ( FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR) / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2ª edição, página 106, 107, 124 e seguintes; Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 3ª Edição, página 212/215.
- Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, Contratos Especiais, página 123.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, páginas 123 e seguintes, 136.
- Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, páginas 170 e seguintes, 372; Direito das Obrigações, Contratos, página 130.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, Nº2, 798.º, 799.º, 808.º, 874.º, 879.º, 913.º, 916.º, 918.º, 1221.º, 1224.º, 1225.º.
DL N.º 67/2003, DE 25-10: - ARTIGO 3.º, N.º 2.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA 1999/44/CE, DO CONSELHO E DO PARLAMENTO EUROPEU.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 1/03/2007, EM WWW.DGSI.PT .
-*-
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 25/03/2010, EM WWW.DGSI.P .
-*-
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21/05/2009, PROCESSO 08B1356 E DE 24/09/2009, PROCESSO 2210/06.8TVPRT.S1, AMBOS DA 7ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 3/11/2009, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 1/06/2010, DE 15/11/2012, REVISTA 25106/10.4T2SNT.L1.S1, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 29/11/2011, NO PROCESSO 121/07.TBALM.L1.S1, DE 29/06/2010, NO PROCESSO 12677/03.0TBOER.L1.S1, DE 6/06/2002; DE 21/04/2005.
Sumário :
I - O artigo 916.º do CC impõe ao comprador o ónus de denúncia dos defeitos da coisa ao vendedor (excluído apenas no caso de dolo do vendedor), com o qual se visa permitir-lhe adquirir conhecimento dos mesmos.

II - Cabe ao comprador o ónus da prova de tal denúncia, ou de que se verificou dolo por parte do vendedor.

III - Estando em causa a compra e venda de um imóvel destinado a longa duração em que o vendedor haja sido o seu construtor, é aplicável o regime do artigo 1225.º, n.os 2 e 3, e não o do artigo 916.º do CC.

IV - Relativamente aos direitos do comprador o seu reconhecimento pressupõe, de forma articulada o funcionamento de três prazos: (i) um ano para a denúncia (que se conta a partir do descobrimento dos defeitos); (ii) o prazo de exercício do direito (acção judicia a pedir a indemnização ou eliminação dos defeitos), de um ano a contar da denúncia e (iii) o prazo de máximo de garantia legal, que é de 5 anos a contar da entrega do imóvel, dentro dos quais terá de ser feita a denúncia.

V - O prazo de garantia começa a correr a partir da entrega do imóvel ao condomínio, considerando-se que esse acto de entrega se reporta, não à data da entrega das fracções, mas à data em que foi eleita a primeira administração de condomínio.

VI - Na exegese do artigo 913.º, n.os1 e 2, do CC prevêem-se quatro tipos de situações: (i) os vícios que desvalorizam a coisa; (ii) os vícios que impeçam a realização do fim a que a coisa é destinada; (iii) falta de qualidades asseguradas pelo vendedor e (iv) falta de qualidades destinadas à realização daquele fim.

VII - Os direitos conferidos ao comprador não podem ser exercidos arbitrariamente, mas numa sequência lógica: em 1.º lugar, detectado o defeito, terá de exigir ao empreiteiro a sua eliminação, se tal for possível, ou sendo excessivamente onerosa, a sua substituição, frustrando-se estas, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato.

VIII - Exceptuados os casos de acção directa ou de incumprimento definitivo do empreiteiro-vendedor (nomeadamente de recusa de realização das obras no prazo admonitório, fixado nos termos do artigo 808.º do CC), o comprador não tem o direito de se substituir ao empreiteiro (por si ou por intermédio de terceiro) na eliminação dos defeitos ou na reconstrução da obra, à custa daquele.

IX - A indemnização cumula-se com qualquer destas pretensões, com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

O Condomínio do Prédio sito na ..........., n.º ..., Monte Estoril, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra AA, L.da, pedindo a condenação desta na execução dos trabalhos necessários para a reparação dos defeitos de construção que indica, a serem efectuados no prédio sito na ..........., n.º ..., Monte Estoril, ou, em alternativa, no pagamento da quantia necessária para se proceder a tal reparação. Pede ainda a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pela privação do uso e gozo do imóvel na sua plenitude, em montante não inferior a € 30.000 (trinta mil euros) e no pagamento de uma indemnização destinada a ressarci-la dos encargos suportados com os honorários de advogado e despesas em tribunal.

Para o efeito alegou, em síntese, que o prédio apresenta inúmeras deficiências de construção, que identifica nos autos, deficiências essas que denunciou à Ré, sociedade que se dedica à actividade de construção civil e que foi a responsável pela construção do edifício em causa, sendo que esta, apesar de ser conhecedora da existência de tais defeitos, uma vez que estes lhe foram comunicados, nada fez para a sua reparação.

A Ré contestou, invocando, entre outras excepções, a ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir, na parte atinente à indemnização peticionada pela privação do uso e gozo do imóvel na sua plenitude e na parte atinente à indemnização peticionada pelos encargos suportados pelo Autor, referentes aos honorários de advogado e despesas de tribunal, pugnando, nesta parte, pela nulidade do processo, com a sua inerente absolvição da instância.

Referiu ainda que, uma vez que os defeitos, cuja reclamação o Autor invoca nos presentes autos, não resultam de vício da construção, nem sequer de erro na execução dos trabalhos, entende não ter aqui aplicação o regime previsto no artigo 1225º do Código Civil, mas sim o regime de garantia contemplado no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04 (diploma que procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativo a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), pelo que, tendo a denúncia dos defeitos sido apresentada em 10 de Novembro de 2006 e a presente acção sido intentada no dia 8 de Novembro de 2007, conclui que o foi num momento em que já tinha decorrido o prazo de seis meses previsto no n.º 4 do artigo 5º do citado diploma legal, ocorrendo, assim, a excepção peremptória da caducidade do direito de acção.

Defendeu também que, ainda que se entendesse ser de aplicar, no caso vertente, o regime do artigo 1225º° do Código Civil, remontando a constituição da propriedade horizontal no prédio em análise a 26 de Setembro de 2001, e tendo o Autor procedido à denúncia dos defeitos em 10 de Novembro de 2006, fê-lo depois de decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 1225º, n.º 4 do Código Civil, pelo que ocorreu a excepção peremptória da caducidade do direito de denúncia dos defeitos e também do direito à eliminação dos mesmos.

Sustenta, por último, para a eventualidade de ser entendimento do tribunal que apenas na data da transmissão dos imóveis tem início a contagem do aludido prazo de cinco anos, que mesmo assim já terminou o prazo de caducidade relativamente a todas as fracções, com excepção da fracção "J".

Conclui pela procedência da invocada excepção peremptória da caducidade, com a sua inerente absolvição do pedido.

Impugnou, ainda, em grande parte, a existência dos defeitos enunciados pelo Autor na petição inicial bem como a data de venda das fracções autónomas em questão ali aludidas, defendendo que, mesmo que não proceda a excepção peremptória da caducidade, devem os pedidos formulados pelo Autor ser julgados improcedentes, por não provados, com a sua inerente absolvição do pedido.

No saneador, conclui-se pela improcedência da excepção dilatória da ineptidão da petição inicial deduzida pela Ré e pela inadmissibilidade da indemnização peticionada pelo Autor, tendente a ressarci-lo das despesas suportadas a título de honorários de advogado e de despesas de tribunal, por falta de fundamento factual e legal. Foi relegada para decisão final o conhecimento da excepção peremptória da caducidade, deduzida pela ré na contestação. Procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, que não foi objecto de reclamação.

Feito o julgamento, foi proferida sentença que julgou a excepção peremptória de caducidade, tanto do direito de denúncia dos defeitos, como do direito de acção, como improcedentes, e parcialmente procedente a acção, condenando a Ré a proceder aos trabalhos de reparação necessários à eliminação definitiva dos defeitos existentes no prédio sito na ..........., n.º ..., Monte Estoril, enunciados nos factos provados n.os 27, 29 e 30, absolvendo a Ré do demais peticionado.

Após prolação da sentença, a Ré AA, L.da requereu a anulação do julgamento com base na imperceptibilidade da gravação de alguns depoimentos.

Por despacho de 16 de Março de 2010 (fls. 372 e 373 dos autos), foi deferida a arguição desta nulidade e determinada a repetição dos depoimentos testemunhais deficientemente gravados, com a consequente anulação dos termos subsequentes à primitiva inquirição, a saber, do despacho de resposta à matéria de facto, e da sentença proferida.

Designada data para nova audição das testemunhas, foi proferida sentença com o mesmo teor da anteriormente proferida e já acima indicada.

Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 20 de Novembro de 2012, julgando parcialmente procedente a apelação determinou a eliminação do ponto 30 dos factos assentes, mantendo, no mais, a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

De novo inconformada, recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1ª - O presente Recurso de Revista vem interposto do douto Acórdão proferido em 20/11/2012, que correu termos na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, sob o número 8473/07.4TBCSC, pedindo a revogação do douto Acórdão Recorrido no que concerne à condenação da Demandada, ora Recorrente, com fundamento em erro de determinação, interpretação e aplicação das normas aplicáveis à matéria de facto dada como provada, e a substituição por decisão que considere verificada a caducidade dos direitos de acção do Autor e a inexistência de responsabilidade civil da Recorrente com base na matéria factual dada como provada.

2ª - O Autor, ora Recorrido, "Condomínio do Prédio sito na ..........., n.º ..., Monte Estoril", pessoa colectiva n.º 00000000000, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Demandada, Recorrente, "AA, L.da", pessoa colectiva n.º 0000000, com sede na Avenida ......., n.º... loja .., Monte Estoril, 2765-581 Estoril, pedindo a condenação da Recorrente na execução dos trabalhos necessários para a reparação de alegados defeitos de construção do prédio sito na ..........., n.º ..., Monte Estoril, ou, em alternativa, no pagamento da quantia necessária para proceder à reparação de tais alegados danos, bem como a condenação no pagamento de uma indemnização por privação do uso e gozo do imóvel na sua plenitude, em montante não inferior a € 30.000, e no pagamento de uma indemnização destinada a ressarcir o Autor dos encargos suportados com honorários de advogado e despesas em tribunal.

3ª - Contestou a ora Recorrente apresentando, em suma, as seguintes defesas:

Ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir, na parte atinente à indemnização peticionada pela privação do uso e gozo do imóvel na sua plenitude, e na parte atinente à indemnização peticionada pelos encargos suportados pelo autor, referentes aos honorários de advogado e despesas de tribunal, pugnando, nesta parte, pela nulidade do processo, com a inerente absolvição da ré da instância.

Excepção peremptória da caducidade do direito de acção, por aplicação do artigo 5º, nº 4 do D.L. n.º 67/2003, de 8 de Abril, uma vez que a denúncia dos alegados defeitos foi apresentada em 10 de Novembro de 2006 e a acção apenas foi intentada no dia 8 de Novembro de 2007, ou seja, em momento posterior ao termo do prazo de seis meses previsto no nº 4 do artigo 5º do citado diploma legal.

Excepção peremptória da caducidade do direito de denúncia dos defeitos e também do direito à eliminação dos defeitos, caso se entendesse aplicável ao caso o regime do artigo 1225º do Código Civil, uma vez que a constituição da propriedade horizontal no prédio em análise ocorreu a 26 de Setembro de 2001 e o Autor apenas denunciou os alegados defeitos em 10 de Novembro de 2006, depois de decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 1225º, nº 4 do Código Civil.

Excepção peremptória da caducidade, na eventualidade de ser entendimento do Tribunal que apenas na data da transmissão dos imóveis tem início a contagem do aludido prazo de cinco anos, pois mesmo o prazo de caducidade decorreu relativamente a todas as fracções, com excepção da fracção "J".

Impugnação da existência dos alegados defeitos enunciados pela autora, na petição inicial e a data de venda das fracções autónomas em questão, com a inerente absolvição da ré do pedido.

4ª - No caso em apreciação nos presentes autos, verifica-se que a Recorrente é uma sociedade comercial que se dedica à construção e venda de imóveis, que, no âmbito desta sua actividade, procedeu à construção do edifício sito na ..........., n.º ..., em Monte Estoril e, após proceder à constituição do imóvel em propriedade horizontal, procedeu à venda das diversas fracções autónomas destinadas a habitação do edifício daí resultantes a particulares. Tudo o que fica exposto resulta claro da matéria de facto dada como provada e da documentação para que remete, não tendo sido objecto de dúvida quer na Sentença proferida em 1ª Instância quer no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

5ª - Em virtude da específica caracterização dos factos em causa nos autos, no decorrer da presente acção foi discutida a aplicação de um de três regimes normativos à matéria de facto dada como provada: o artigo 913º e seguintes do C.C., os artigos 1218º e seguintes do C.C., ou D.L n.º 67/2003, de 8 de Abril.

6ª - O Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, veio proceder à transposição da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no nº 1 do artigo 2º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.

7ª - Como se retira logo do artigo 1º do D.L. n.º 67/2003, de 8 de Abril, o regime estabelecido neste diploma aplica-se não apenas a negócios de alienação de bens de consumo, mas ainda a contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo.

8ª - Por outro lado, este regime será aplicável quer esteja em causa negócios que tenham por objecto coisas móveis ou imóveis, o que resulta claro das normas constantes dos artigos 3º, nº 2 e 5º, nº 1 e 3.

9ª - Assim, este regime será o regime especialmente aplicável aos contratos celebrados entre profissionais e consumidores, tal como definidos no artigo 2º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor, ou seja, entre pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios e pessoa que adquira bens destinados a uso não profissional.

10ª - O regime constante do D.L. n.º 67/2003, de 8 de Abril prevê, ainda, um regime globalmente mais favorável para o comprador/consumidor do que o regime previsto nos artigos 1218º e seguintes do C.C.

11ª - Face ao exposto, o regime do D.L. n.º 67/2003, de 8 de Abril, entrado em vigor posteriormente aos artigos 1218º a 1225º e 913º a 922º do C.C., e que estabelece um regime especialmente aplicável aos negócios jurídicos celebrados entre profissionais e consumidores, é o regime legal aplicável no caso dos autos, como resulta do artigo 7º do Código Civil, afastando assim a aplicação das normas (mais) gerais previstas nos artigos 913º e seguintes e 1218º e seguintes do C.C.

12ª - No caso em apreço encontra-se assente que o Autor procedeu à denúncia dos defeitos no dia 10 de Novembro de 2006, tendo instaurado a presente acção no dia 8 de Novembro de 2007. Assim, entre a denúncia dos alegados defeitos e a instauração da acção decorreram mais de seis meses, tendo, assim, caducado os direitos legalmente conferidos ao Autor, nos termos do artigo 5º, n.º 4, do D.L. n.º 67/2003 de 8 de Abril.

13ª - Como exposto, o regime previsto nos artigos 1218º e seguintes do Código Civil não é aplicável ao caso em apreço nos autos, uma vez que cede perante o regime especial previsto no D.L. 67/2003, de 8 de Abril. Contudo, mesmo que se admitisse, por mera hipótese académica, que o regime a aplicar seria o previsto nos artigos 1218º e seguintes do Código Civil, "ex vi" da norma prevista no artigo 1225º, n.º 4, do C.C., não se encontrariam reunidos os pressupostos da responsabilidade da Recorrente nos presentes autos.

14ª - Não ficaram provados factos que permitam apurar qual a origem das alegadas deficiências, fissuras, microfissuras, diferenças de tonalidade, sombreado e sujidade que apareceram. Sem esta prova, não é possível imputar, logo objectivamente, os alegados defeitos à acção ou omissão da Recorrente.

15ª - Não ficando provadas as causas objectivas das diversas características apresentadas no imóvel alienado, também não é possível estabelecer o nexo de causalidade entre tais causas objectivas e os alegados danos, o que impede, do mesmo passo, a imputação objectiva dos alegados defeitos à acção ou omissão Recorrente.

16ª - Não ficaram igualmente provados os factos que permitissem demonstrar que os alegados defeitos tenham decorrido de vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, pelo que os pressupostos específicos do artigo 1225º do C.C. também não se demonstram provados.

17ª - Pelo exposto, a matéria de facto constante dos autos não pode fundar a responsabilização civil da Recorrente, logo por falta de dois pressupostos da mesma: o facto e o nexo de causalidade, e de um pressuposto específico de aplicação do artigo 1225º do Código Civil - que os alegados defeitos tenham decorrido de vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos - pelo que a presente acção deveria ter sido julgada improcedente por não provada.

18ª - Para além de que a doutrina maioritária defende que, para aplicação do artigo 1225º do Código Civil é necessário que estejam em causa defeitos graves que será o defeito que inutilize a parte afectada do imóvel para o fim económico da sua realização.

19ª - No caso, o revestimento de alçados em reboco tipo "monomassa" do bloco de apartamentos apresenta fissuras e principalmente micro fissuras e sujidade. No entanto, atendendo ao tipo de material em causa, o mesmo permite a lavagem com resultados bastante eficazes, tendo a sujidade desaparecido aquando dessas lavagens. Assim, este não é, certamente, um defeito de que careça responsabilizar o empreiteiro, pois não é sequer defeito, mas apenas um decurso natural do tempo, que pouca ou nenhuma relevância tem para o fim económico do revestimento dos alçados, e que é resolúvel mediante a lavagem dos alçados, que é inclusive facilitada pela utilização do material em causa.

20ª - Por outro lado, também é certo que o facto de o revestimento ser efectuado em "monomassa" também teve influência no preço pago pelos adquirentes, quer pelo preço do próprio material, quer pela poupança de tempo na construção, com a inerente diminuição das horas de trabalho despendidas e pagas.

31ª - Ou seja, por um lado, estamos perante uma pintura em cores fortes, o que não podia passar despercebido aos adquirentes das fracções em causa. Por outro lado, ficou provado que todas as fachadas pintadas de cores fortes com exposição ao sol em diferentes ângulos geram sempre diferentes tonalidades derivadas dessa mesma exposição.

22ª - Tanto bastaria para ficar demonstrada a inexistência de responsabilidade da Recorrente pela alteração de tonalidade e pelo sombreado (este não decorreu de qualquer vício de construção ou erro na execução, mas é um efeito natural, necessário e fisicamente obrigatório da utilização de cores fortes em fachadas).

23ª - Finalmente, também é certo que os adquirentes, ao comprarem as respectivas fracções do imóvel, sabiam que tinha sido utilizada uma cor forte na fachada, e que, em consequência das leis da natureza, tal fachada viria a apresentar diferentes tonalidades e sombreado.

24ª - Mesmo que assim não se entendesse, o que apenas se admite como mera hipótese académica, sempre se haveria de ter estes "defeitos" como irrelevantes.

25ª - A situação em causa nos autos é resolvida pelas regras da distribuição do risco previstas no artigo 796º, nº 1, do Código Civil, que estipula que o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente. Uma vez que as alterações e deteriorações decorreram dos efeitos naturais do decurso do tempo e da exposição aos elementos, a Recorrente não pode ser responsabilizada pelos mesmos, conforme estabelecido no artigo 791º, n.º 1, do Código Civil.

26ª - Tem sido entendimento da jurisprudência que, da conjugação dos n.os 2 e 3 do artigo 1225º, a denúncia dos defeitos deve ser feita dentro do prazo de um ano e a respectiva acção intentada no ano seguinte à denúncia, sob pena de caducidade, mas isto sempre dentro do prazo de cinco anos a contar da data da entrega da obra, ou da venda do imóvel nos casos em que tenha sido o vendedor o construtor.

27.º - Ora, a propriedade horizontal foi registada na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais em 9/10/2001, conforme consta da certidão junta como documento 2 da petição inicial, pelo que o prazo de garantia de cinco anos previsto no nº 1 do artigo 1225º do Código Civil terminava no dia 9/10/2006.

Ora, tendo a denúncia do defeito ocorrido em 10/11/2006, o direito à eliminação dos defeitos já tinha caducado.

28ª - Caso se entenda que o prazo de cinco anos apenas se inicia na data de constituição da Assembleia de Condóminos, sempre se dirá que também assim o prazo de caducidade já se teria verificado.

29ª - Conforme resulta da acta n.º 1, a Assembleia de Condóminos foi constituída no dia 17 de Junho de 2002 (cfr. documento 1 da Contestação), estando presentes ou representados Condóminos que perfazem 573/1000 do capital do edifício.

30ª - Desta forma, o prazo de cinco de anos para denúncia dos defeitos e para reclamar uma indemnização ou a eliminação dos defeitos previsto no artigo 1225º terminava no dia 17/06/2007.

31ª - Na data em que deu entrada a presente acção – 8/11/2007 - o prazo para intentar a acção a pedir a eliminação dos defeitos denunciados já tinha caducado há mais de cinco meses – 17/06/2007.

32ª - Por tudo o que ficou dito, o direito às reparações reclamado pelo Autor já se encontrava caduco na data de entrada da presente acção, razão por que deve ser considerada procedente a excepção peremptória invocada, devendo a Recorrente ser absolvida de todos os pedidos contra si formulados.

33ª - Assim, e por toda a ordem de razões já expostas, deverá o douto Acórdão ser revogado no que concerne à Condenação da Recorrida no pedido formulado na Petição Inicial, por violação substantiva consistente em erro de interpretação e aplicação dos artigos dos artigos 5º do D.L. 67/2003, de 8 de Abril, 796º e 1225º do C.C., nos termos do artigo 722º, n.º 1, alínea a) e nº 2 do Código de Processo Civil.

O Recorrido não contra – alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2.

As instâncias, depois de eliminado o ponto 30º pela Relação, consideraram provados os seguintes factos:

1º - A ré efectuou a construção do prédio a que respeita o Condomínio ora autor.

2º - Em 26/09/2001, a ré, na qualidade de proprietária do prédio em questão, submeteu-o ao regime da propriedade horizontal, formando dele diversas fracções autónomas.

3º - No dia 17 de Maio de 2002, no 1.° Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e DD, como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 109 a 111, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "A").

4º - No dia 2 de Agosto de 2002, no 1.º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e EE como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 112 a 116, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "B").

5º - No dia 5 de Setembro de 2002, no 1.° Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e FF e GG, como segundos outorgantes, em representação da HH, L.da, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 116 a 119 cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "C").

6º - No dia 2 de Abril de 2002, no 1.º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e II, como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 120 a 122, cujo teor se dá aqui por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "D").

7º - No dia 10 de Maio de 2002, no 1.° Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e JJ, como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 123 a 125, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "E").

8º - No dia 10 de Maio de 2002, no 1.º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e KK como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 125 a 128, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "F").

9º - No dia 6 de Maio de 2002, no 1º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e LL, como segunda outorgante, as quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 129 a 131, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "G").

10º - No dia 4 de Abril de 2002, no 1.º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e MM, como segundo outorgante, e NN como terceiro outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 131 a 134, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "H").

11º - No dia 14 de Junho de 2002, no 1.º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e BB, como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 134 a 137, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "I").

12º - No dia 5 de Junho de 2003, no 5.º Cartório Notarial de Lisboa, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e OO e PP, como segundos outorgantes, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 138 a 142, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "J").

13º - No dia 4 de Abril de 2002, no 1.º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e QQ como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 142 a 145, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "L").

14º - No dia 3 de Julho de 2002, na dependência do Banco Internacional de Crédito, SA, compareceram EE e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e RR como segundo outorgante e Dr. SS como terceiro outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 146 a 151, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "M").

15º - No dia 4 de Abril de 2002, no 1º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da AA, L.da e TT, como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 152 a 154, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "N").

16º - No dia 8 de Maio de 2002, no 1.º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da "AA, L.da e UU, como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 154 a 157, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "O").

17º - No dia 8 de Maio de 2002, no 1.º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da "AA, L.da" e VV, como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 157 a 160, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "P").

18º - No dia 6 de Setembro de 2002, nas instalações do "Banco Internacional de Crédito, S.A.", compareceram EE e CC, como primeiros outorgantes, em representação da "AA, L.da" e XX, como segundo outorgante, e SS como terceiro outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 161 a 165, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "Q").

19º - No dia 9 de Abril de 2002, no 1.° Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da "AA, L.da" e ZZ, como segundo outorgante, as quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 166 a 168, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "R").

20º - No dia 17 de Maio de 2002, no 1.º Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da "AA, L.da" e AAA, como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 169 a 171, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "S").

21º - No dia 17 de Maio de 2002, no 1.° Cartório Notarial de Cascais, compareceram BB e CC, como primeiros outorgantes, em representação da "AA, L.da" e BBB, como segundo outorgante, os quais prestaram as declarações constantes do documento junto a fls. 171 a 174, cujo teor aqui se dá por reproduzido (contrato de compra e venda da fracção "T").

22º - "CCC, L.da", em 19/09/2006, elaborou o relatório técnico junto a fls. 58 a 66.

23º - A 10/11/2006, a autora enviou à ré uma carta, cujo teor consta de fls. 67 e 68, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

24º - A carta junta como documento n.º 4, a que é feita referência em 23º, fazia-se acompanhar do relatório junto a fls. 58 a 66.

25º - A partir de meados do ano de 2006, o prédio apresentou deficiências ao nível do revestimento de alçados.

26º - No dia 08/02/2007, ocorreu uma assembleia-geral ordinária de condóminos do prédio sito na ..........., n.º ..., no Monte-Estoril, na qual foi discutido e deliberado o que consta do documento n.º 5 de fls. 69 a 75.

27º - No bloco de apartamentos, o revestimento de alçados em reboco tipo "monomassa" apresenta fissuras e principalmente micro fissuras e sujidade.

28º - No entanto, atendendo ao tipo de material em causa, o mesmo permite a lavagem, o que inclusivamente já foi feito por parte do construtor, com resultados bastante eficazes, tendo a sujidade desaparecido aquando dessas lavagens.

29º - Detectaram-se diferenças de tonalidade, sombreado, sujidade e fissuração, em especial micro fissuração, a nível do revestimento de alçados.

30º (…). Eliminado pela Relação.

31º - Todas as fachadas, pintadas de cores fortes, como é o caso do prédio dos autos, com exposição ao sol em diferentes ângulos, geram sempre diferentes tonalidades derivadas dessa mesma exposição.

32º - Face à topografia do terreno onde se insere o empreendimento, que é uma encosta, não há possibilidade de estabilização do nível freático.

3.

Nos termos do preceituado nos artigos 660º nº 2 e 684º nº 3 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, importa focar os seguintes pontos:

1ª – Excepção peremptória da caducidade:

Direito de denúncia dos defeitos;

Direito de acção para eliminação dos defeitos.

2ª – Defeitos da obra.

3ª – Responsabilidade civil do construtor/vendedor por defeitos em imóvel destinado a longa duração.

4.

Na contestação apresentada, a ré sustentou, além do mais, a ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir, na parte atinente à indemnização peticionada pela privação do uso e gozo do imóvel na sua plenitude, e na parte atinente à indemnização peticionada pelos encargos suportados pelo autor, referentes aos honorários de advogado e despesas de tribunal, pugnou, nesta parte, pela nulidade do processo, com a inerente absolvição da ré da instância.

No despacho saneador, concluiu-se pela improcedência da excepção dilatória da ineptidão da petição inicial e pela inadmissibilidade da indemnização peticionada pelo autor, tendente a ressarci-lo das despesas suportadas a título de honorários de advogado e de despesas de tribunal, por falta de fundamento legal e factual.

Nesta parte, a decisão transitou em julgado, estando, consequentemente, arrumadas estas pretensões do autor e da ré.

A ré sustentou, ainda, que, não resultando os defeitos que o autor alude na petição inicial de vício de construção, nem sequer de erro na execução dos trabalhos, não será aplicável aos presentes autos o regime previsto no artigo 1225º do Código Civil, mas sim o regime de garantia contemplado do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, pelo que se teria verificado a excepção peremptória da caducidade de acção, uma vez que a denúncia dos alegados defeitos foi apresentada em 10 de Novembro de 2006 e a acção apenas foi intentada no dia 8 de Novembro de 2007, ou seja, num momento em que já tinha decorrido o prazo de seis meses previsto no nº 4 do artigo 5º do citado diploma legal.

Caso se entendesse aplicável o regime do artigo 1225º do Código Civil, continua, ter-se-ia verificado a excepção peremptória da caducidade do direito de denúncia dos defeitos e também do direito à eliminação dos defeitos, uma vez que a constituição da propriedade horizontal no prédio em análise ocorreu a 26 de Setembro de 2001 e o Autor apenas denunciou os alegados defeitos em 10 de Novembro de 2006, depois de decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 1225º, nº 4 do Código Civil.

Na eventualidade de ser entendimento do Tribunal que apenas na data da transmissão dos imóveis teve início a contagem do aludido prazo de cinco anos, ter-se-ia igualmente verificado a excepção peremptória da caducidade, pois mesmo o prazo de caducidade decorreu relativamente a todas as fracções, com excepção da fracção "J".

Apreciando:

Tanto a 1ª instância quanto a Relação julgaram improcedente a excepção peremptória da caducidade, tanto do direito de denúncia dos defeitos, como do direito de acção para eliminação dos mesmos.

A ré continua a discordar desta decisão, defendendo que caducou o direito de denúncia dos defeitos, bem como o direito de eliminação dos mesmos e isto porque será aplicável, no caso vertente, o regime plasmado no citado Decreto – Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, diploma que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativos, porquanto este regime é especialmente aplicável aos negócios jurídicos celebrados entre profissionais e consumidores, quer estejam em causa negócios que tenham por objecto coisas móveis ou imóveis, como resulta claro dos artigos 3º, n.º 2 e 5º, n.os 1 e 3, afastando, assim, as normas (mais) gerais previstas nos artigos 913º e seguintes e 1218º e seguintes do Código Civil.

Não assiste, em nosso entender, razão à recorrente.

No artigo 913º do Código Civil, são indicados os pressupostos de aplicação do regime da venda específica de coisas defeituosas.

A lei regula especificamente a forma de exercício dos direitos pelo comprador de coisa defeituosa, estabelecendo o artigo 916º, n.º 1 que o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este tiver usado de dolo.

Há assim a imposição ao comprador de um ónus de denúncia dos defeitos da coisa ao vendedor com o qual se visa permitir-lhe adquirir conhecimento dos defeitos da coisa vendida, que poderia ignorar. Esse ónus é apenas excluído em caso de dolo do vendedor, o que se compreende, uma vez que, se ele, através de sugestões ou artifícios, dissimulou os defeitos na coisa vendida, nada justifica que pudesse exigir uma prévia denúncia desses defeitos[1]. Caberá ao comprador a prova de ter cumprido o ónus da denúncia ou de que se verificou o dolo por parte do vendedor.

Os prazos para denúncia dos defeitos variam consoante se trate de bens móveis ou imóveis. Em relação aos bens móveis, o prazo de denúncia é de trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa (artigo 916º, n.º 2). Em caso de imóveis esses prazos sobem para, respectivamente, um e cinco anos (artigo 916º, n.º 3).

Esses prazos aplicam-se cumulativamente, pelo que, se não for observado qualquer deles, caducarão os direitos conferidos ao comprador que pressupõem a denúncia dos defeitos.

Acontece que “o regime civil tradicional relativo às perturbações da prestação no contrato de compra e venda tem vindo sucessivamente a perder aplicação no âmbito das relações de consumo. Efectivamente, o regime clássico consagrado nos diversos códigos civis para o cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda apresenta quase sempre distorções em prejuízo dos consumidores”[2].

Nos negócios jurídicos de consumo, a tutela do consumidor é, por esse motivo, assegurada de uma forma distinta do que corresponde ao modelo clássico do cumprimento defeituoso. Temos a imposição de uma garantia de qualidade, não apenas em face das disposições legalmente estabelecidas mas ainda em relação às legítimas expectativas do consumidor, garantia essa que vem a ser concretizada pelo DL n.º 67/2003, que transpôs a Directiva 1999/44/CE, do Conselho e do Parlamento Europeu, relativa às garantias que tenham por objecto bens de consumo.

O âmbito de aplicação do regime de garantia contratual de bens de consumo, instituído pelo citado DL n.º 67/2003, vai, no entanto, muito mais longe do que o da referida Directiva, porquanto, enquanto esta abrange apenas os bens móveis corpóreos, o nosso legislador previu expressamente a aplicação desta garantia a bens imóveis (artigo 3º, n.º 2 do DL 67/2003).

Na situação em análise, a ré AA, que é uma sociedade que se dedica à comercialização dos imóveis que constrói, vendeu aos condóminos as fracções autónomas que compõem o imóvel em questão e onde se verificam os defeitos, havendo estes, por deliberação da assembleia – geral de condóminos, determinado exigir judicialmente a respectiva reparação.

É sabido que é tradicional, tanto no direito português, como nas legislações estrangeiras, o estabelecimento de um regime especial, mais severo, para as empreitadas de “construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração”[3].

Na verdade, “a complexidade do contrato de empreitada, sempre subjacente ao desenvolvimento do mercado imobiliário, e a negligência verificada em inúmeros casos de construção, exigem a responsabilização do empreiteiro, tenha ou não sido ele o vendedor, não só perante o dono da obra, como já sucedia anteriormente, mas também perante terceiro que adquiriu o imóvel, sempre sem dependência da gravidade de defeitos que a obra apresente[4]”.

Por sua vez, “admitindo-se, face ao actual regime jurídico consagrado nos artigos 916º e seguintes e 1224º e seguintes do Código Civil, dificuldades na integração de situações relacionadas com a existência de defeitos motivados por erros de construção e por erros de execução – o que, aliás, vem sendo evidenciado pela jurisprudência dos tribunais superiores, entende-se alargar o prazo para a denúncia de tais defeitos e, bem assim, o período dentro do qual a mesma é admissível, no contrato de compra e venda a que se refere o artigo 916º[5]”.

Assim, o n.º 3 do artigo 916º e a actual redacção do artigo 1225º foram introduzidos pelo artigo 3º do DL n.º 267/94, de 25/10, o qual entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1995, sendo de realçar que, com a introdução do n.º 4 do artigo 1225º “o disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.

Não faz, pois, qualquer sentido sustentar que o regime legal especificamente contemplado para o contrato de empreitada de imóveis tenha sido afastado pelo DL n.º 67/2003, tanto mais que, como ressalta da mera leitura do preâmbulo deste diploma, a “preocupação central que se procurou ter sempre em vista foi a de evitar que a transposição da directiva pudesse ter como consequência a diminuição do nível de protecção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor”.

Na realidade, sendo a “Lei de Defesa do Consumidor”, uma lei especial em relação ao Código Civil, deverá prevalecer o seu regime, a menos que, como se verifica na situação em análise, a disciplina da coisa defeituosa se revele mais favorável para o comprador/vendedor.

Assim, tendo resultado provado que a ré/recorrente actuou na dupla qualidade de empreiteira e de vendedora do imóvel, é aplicável à situação em apreciação o regime previsto no artigo 1225º do Código Civil, que confere ao adquirente do imóvel o prazo de um ano para denunciar os defeitos, a contar do respectivo conhecimento dos mesmos, mas subordinado ao seu exercício dentro do prazo geral de garantia de cinco anos, contados da data da entrega do imóvel. A este prazo acresce ainda o de um ano, para a propositura da respectiva acção, visando a eliminação desses defeitos - artigos 1224º e 1225º do Código Civil.

Este entendimento, segundo o qual, quando o vendedor do prédio tenha sido o seu construtor, não obstante inexistir contrato de empreitada entre ele e o comprador, é aplicável aos defeitos do prédio o regime do artigo 1225º e não o do artigo 916º, ambos do Código Civil, ou o do DL n.º 67/2003, é jurisprudencialmente pacífico.

Ao caso sub judice, é, pois, aplicável o regime do artigo 1225º do Código Civil.

Este normativo contempla, como se referiu, três prazos:

a) - Um ano para fazer a denúncia dos defeitos, prazo que se conta a partir do descobrimento dos defeitos da obra;

b) - Um ano, a partir da denúncia, para a interposição da acção judicial a pedir a indemnização ou a eliminação dos defeitos;

c) - Cinco anos, a contar da entrega do imóvel, dentro dos quais terá que ser feita a denúncia.

Assim, o artigo 1225º não prevê um prazo de cinco anos, a contar da entrega do imóvel, dentro do qual terá de ser feita não só a denúncia dos defeitos, como também terá de ser proposta a acção, sob pena de caducidade do direito que se pretende fazer valer, como defende a recorrente, antes prevendo o prazo máximo de garantia, durante o qual devem ocorrer e ser denunciados os defeitos[6].

É este o entendimento que tem sido sufragado neste Supremo Tribunal. Como se escreveu no Acórdão do STJ de 3/11/09[7], “a lei não impõe que a acção destinada a eliminar defeitos ou a pedir a indemnização seja proposta dentro desses 5 anos; importa que os defeitos ocorram nesse período, o que é coisa diversa”.

E a partir de quando começa a correr esse prazo de garantia?

Se parece não poder haver dúvidas quanto à tempestividade do prazo de que o autor dispunha para propor a presente acção - de um ano a contar da denúncia do defeito invocado [tendo a denúncia dos defeitos ocorrido a 10 de Novembro de 2006 e a instauração da acção em 08 de Novembro de 2007] o mesmo já não se passa com a tempestividade de exercício de direito de denúncia a ter lugar no âmbito do prazo geral de garantia de cinco anos, previsto pelo artigo 1225º, n.º 1 do Código Civil, face às diversas posições jurisprudenciais que se foram formando quanto à forma de realizar esta contagem.

Como considerou o acórdão recorrido, “desde logo temos que ter em atenção que, no presente caso, estamos perante uma particularidade: os defeitos denunciados encontram-se localizados nas partes comuns do prédio, o que desde logo coloca a questão de saber como deve ser efectuado o início da contagem deste prazo geral de cinco anos: se a partir da constituição da propriedade horizontal, se da aquisição de cada uma das fracções - da primeira ou até da última -, se do momento em que a Assembleia de Condóminos for constituída com autonomia perante o vendedor, permitindo-lhe, assim, denunciar os defeitos respectivos, ou se deve ser adoptado um qualquer outro critério.

Esta questão não se encontra concretamente contemplada na letra da lei o que tem suscitado decisões jurisprudenciais divergentes.

A posição a tomar perante esta questão implica que se tenha presente vários pontos da matéria de facto dada como provada, que se passam a indicar.

Desde logo, tenha-se em atenção que o registo da constituição da propriedade horizontal [que foi pedida a 26 de Setembro de 2001] data de 9 de Outubro de 2001] e que a primeira reunião de Condóminos do prédio dos autos [Acta n.º 1] teve lugar no dia 17 de Junho de 2002 – documento n.º 1 junto com a contestação a fls. 106 a 109 dos autos e que não foi objecto de impugnação pelo Autor/Apelado.

Tenha-se também em atenção que todas as fracções deste imóvel, com excepção da fracção "J" [que foi adquirida a 5 de Junho de 2003] foram adquiridas pelos respectivos condóminos do prédio dos autos em data anterior a 6 de Setembro de 2002 - Pontos 3 a 21 dos Factos Provados - detendo, assim, a Assembleia de Condóminos nesta última data, e desde há vários meses atrás, autonomia para deliberar sobre os defeitos do prédio, sem qualquer interferência do vendedor.

A primeira Assembleia de Condóminos teve lugar a 17 de Junho de 2002.

A presente acção deu entrada em Tribunal no dia 08 de Novembro de 2007 sendo que a denúncia dos defeitos por parte do Condomínio data de 10 de Novembro de 2006.

A venda da primeira fracção deste prédio, fracção "D", teve lugar no dia 02 de Abril de 2002.

São estes os factos relevantes para a apreciação desta questão e respectiva decisão.

E, atendendo aos mesmos, podemos afirmar que o início da contagem do prazo de garantia de cinco anos, nas situações em que são denunciados defeitos nas partes comuns de um imóvel, deverá obedecer à verificação de um critério objectivo e que tenha correspondência com a letra da lei. Se esta abordagem é clara para o caso dos defeitos no interior das fracções, subordinando o início de contagem de tal prazo "à entrega" da fracção/obra, no caso das partes comuns de um imóvel essa contagem deverá ter início por referência a um facto concreto e de fácil observação em qualquer situação a apreciar, mas sempre protegendo os interesses dos consumidores, no caso, dos adquirentes das fracções.

Com efeito, e por essas mesmas razões, entendemos que essa contagem não poderá ser efectuada tendo por referência a aquisição da primeira, da última e/ou de cada uma das fracções autónomas vendidas, sob pena de criarmos uma situação de puro arbítrio e insegurança jurídica na apreciação da questão. Bastaria, aliás, ter-se em atenção que caso a aquisição da última fracção ocorresse dez ou quinze anos depois da primeira venda, teríamos um prazo indefinido para reclamação de defeitos o que nos parece ser indefensável.

Considerar-se como início desse prazo o da entrega da primeira fracção ao seu titular, proprietário da fracção e comproprietário das partes comuns que deteria, assim, legitimidade para, por si só ou através do Condomínio, exercer os seus direitos perante o construtor/vendedor, é esquecer que, não exercendo o mesmo esse direito, estaria fatalmente a prejudicar todos os posteriores adquirentes das fracções daquele imóvel.

Mas, mesmo para quem defenda esta tese, a verdade é que neste caso não teria ainda operado a caducidade do direito do autor em reclamar os vícios de construção perante a ré.

Com efeito, nesta situação o prazo iniciar-se-ia com a venda da primeira das fracções autónomas do prédio dos autos, no caso, a fracção "D", ocorrida a 2 de Abril de 2002 - Ponto 6 dos Factos Provados.

Tendo por referência essa data, podemos verificar que, em 10 de Novembro de 2006, a recorrida solicitou, por escrito, ao construtor/vendedor, ora recorrente, a eliminação de defeitos no imóvel dos autos, não tendo ainda perfeito o prazo de cinco anos - Pontos 2 e 23 dos Factos Provados.

Por fim, a instauração desta acção data de 8 de Novembro de 2007 encontrando-se ainda no limite do prazo de um ano de que o recorrido dispunha para interpor a acção.

Assim, mesmo para quem defenda esta tese, também não tinha ainda operado a caducidade do direito do autor de denunciar os defeitos das partes comuns do imóvel dos autos, pelo decurso do prazo geral de cinco anos mencionado no artigo 1225º, n.º 1, do Código Civil.

De qualquer forma, sempre se impõe registar que ter como início de contagem do prazo de garantia geral de cinco anos à data de venda da primeira fracção do prédio podia levar-nos também a situações dificilmente defensáveis. Basta imaginarmos, o que não é difícil nos tempos de crise que atravessamos, que o empreiteiro/vendedor vende a primeira fracção em 2012 e deixa depois, durante anos, de conseguir vender as demais fracções.

O prazo para a denúncia dos defeitos das partes comuns, num caso como este, poderia ser exercido para além do prazo de cinco anos, podendo mesmo, nunca chegar a iniciar-se a sua contagem, sendo passível de ser invocado quinze, vinte ou mais anos depois ou mesmo de nunca chegar sequer a operar a caducidade. E se o segundo comprador realizasse essa aquisição apenas sete anos depois do primeiro e o terceiro comprador, vários anos depois, como compatibilizar o direito de todos eles?

Por outro lado, não podemos esquecer a especial configuração do condómino, que sendo proprietário de uma fracção autónoma, é simultaneamente comproprietário das partes comuns, qualidade que não é passível de cisão, mantendo-se enquanto perdurar a propriedade horizontal. Essa qualidade especial de condómino, que lhe concede direitos e impõe e deveres, permite-lhe também que realize individualmente, ou através do Condomínio, a denúncia dos defeitos das partes comuns do prédio. Essa defesa ou ausência dela, porém, não pode ser susceptível de causar prejuízos aos demais condóminos e terá de ser sempre analisada numa perspectiva de autonomia da Assembleia de Condóminos face ao construtor/vendedor, conforme adiante se passará a referir.

Também a consideração da data da realização da primeira Assembleia de Condóminos poderia constituir um marco sem significado uma vez que bastaria que na data da realização da Assembleia de Condóminos não houvesse ainda um único comprador de uma qualquer fracção. Com efeito, apesar de poder ser designada Assembleia de Condóminos, por ter já sido registada a propriedade horizontal do prédio, com a respectiva criação de fracções individualizadas, numa situação como essa, na Assembleia de Condóminos não se encontraria qualquer interessado para poder denunciar eventuais defeitos da obra.

Mas, mesmo que aqui fosse considerada como data de início da contagem do mencionado prazo de caducidade de cinco anos a da realização da primeira Assembleia de Condóminos - que neste processo teve lugar a 17 de Junho de 2002 e que ocorreu em data já muito posterior à da constituição da propriedade horizontal (ocorrida a 9 e Outubro de 2001), à data da invocação dos defeitos (ocorrida a 10 de Novembro de 2006) bem como da instauração da presente acção - 8 de Novembro de 2007 -, também se teria como não verificada a caducidade do direito do Apelado de reclamara reparação dos defeitos das partes comuns do imóvel dos autos.

Há também quem defenda que o momento a considerar teria de ser aquele em que o construtor/vendedor transmitiu, de facto, os seus poderes de administração das partes comuns reportando-se esse momento àquele em que a Assembleia de Condóminos elegeu a Administração do Condomínio, procedendo o construtor/vendedor à entrega do prédio a essa mesma Administração do Condomínio[8]”.

Esta posição perfilhada pela Relação, de que o prazo de garantia começa a correr a partir da entrega do imóvel ao condomínio, considerando-se que esse acto de entrega não se reporta à data da entrega das fracções aos condóminos, mas à data em que foi eleita a primeira administração do condomínio, é a que, desde há muito, tem por nós sido sufragada[9].

E esta a posição que maior correspondência tem com o espírito da lei e que melhor defende os interesses dos condóminos, no confronto com o construtor/vendedor.

Assim, tendo por referência a própria letra da lei e os princípios lógico-jurídicos a observar, a data de início de contagem deste prazo de cinco anos deve ser reportada à data em que a Assembleia de Condóminos dispõe já de autonomia para, perante o construtor/vendedor, poder reclamar os defeitos.

Com efeito, e no que ao caso dos autos importa, quando a primeira Assembleia de Condóminos respeitante ao imóvel dos autos foi realizada, tinham já sido vendidas quinze das dezanove fracções que integram este imóvel. Encontrava-se, pois, aquela administração com plena autonomia para, querendo, actuar contra o ora recorrente, denunciando os defeitos que entendesse como verificados, não tendo o construtor/vendedor, ora recorrente, qualquer influência no destino das deliberações tomadas nessa mesma Assembleia.

Foi também nessa primeira Assembleia de Condóminos que a ora recorrente fez a entrega do Condomínio à respectiva Administração, que ali foi desde logo eleita, no caso, a DDD L.da (que se dedica à Administração de Condomínios) e que se encontrava presente naquela Assembleia a pedido de um dos condóminos também presentes naquele momento (fls. 106 a 108 dos autos).

Face a estes dados, temos de concluir que, tendo a primeira assembleia dos condóminos ocorrido a de 17 de Junho de 2002, por um lado, e a data da denúncia dos defeitos a de 10 de Novembro de 2006, bem como a instauração da presente acção para eliminação dos defeitos denunciados a 8 de Novembro de 2007, conclui-se que, à data da denúncia dos defeitos, ainda não tinha decorrido o prazo de cinco anos de que a recorrida dispunha para o exercício desse direito, nem se tinha esgotado o prazo de um ano, a partir da denúncia, para instaurar a acção judicial.

Improcede, pois, a revista, nesta parte.

5.

Responsabilidade civil do construtor/vendedor.

No decurso dos anos 2002, 2003, 2004, os diversos condóminos do prédio sito na ..........., n.º ..., Monte Estoril, procederam à aquisição das respectivas fracções autónomas à sociedade ré, na sua qualidade de construtora/vendedora, então proprietária do imóvel.

Estes factos integram diversos contratos de compra e venda de diferentes fracções autónomas de um imóvel constituído sob o regime da propriedade horizontal (vide artigo 874º do Código Civil).

Os diferentes negócios de compra e venda, celebrados entre a ré, na qualidade de vendedora, e os diversos condóminos, na qualidade de compradores, implicaram, além do mais, a transmissão, da primeira para os segundos, do direito de propriedade singular e pleno sobre as respectivas fracções autónomas, conjuntamente com a transmissão do direito de compropriedade (forçada) sobre as partes comuns do edifício.

A compra e venda é um contrato oneroso, na medida em que dele advêm vantagens económicas para ambas as partes e é um contrato sinalagmático, pois as prestações das partes funcionam em termos de correspectividade, como se infere não só da noção legal mas também dos efeitos essenciais do contrato (vide artigo 879º do Código Civil).

O não cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de compra e venda implica responsabilidade contratual nos termos gerais, levando à aplicação das regras do não cumprimento (artigo 798º e seguintes do Código Civil). Trata-se, por via de regra, de um facto ilícito e culposo, presumindo-se a existência de culpa relativamente ao não cumprimento por parte de qualquer dos intervenientes, tanto do comprador como do vendedor (artigo 799º, n.º 1 do Código Civil).

Em relação à venda de coisas específicas, o artigo 913º, n.º 1, qualifica-a como defeituosa se ela “sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor, ou necessárias para a realização daquele fim”, esclarecendo ainda o n.º 2 que, “quando do contrato não resulte o fim a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.

Resulta da exegese deste artigo que nele se prevêem quatro tipos de situações:

a) – Vícios que desvalorizam a coisa;

b) – Vícios que impeçam a realização do fim a que é destinada;

c) – Falta de qualidades asseguradas pelo vendedor;

d) – Falta de qualidades necessárias à realização daquele fim.

“A aplicação do regime da venda de coisas defeituosas assenta em dois pressupostos de natureza diferente; sendo o primeiro a ocorrência de um defeito e o segundo a existência de determinadas repercussões desse defeito no âmbito do programa contratual[10]”.

“Quanto ao primeiro pressuposto”, continua, “a lei faz incluir assim no âmbito da venda de coisas defeituosas, quer os vícios da coisa, quer a falta de qualidades asseguradas ou necessárias. Apesar de a distinção entre vícios e falta de qualidades não se apresentar tarefa fácil, parece que se poderá sustentar que a expressão «vícios», tendo um conteúdo pejorativo, abrangerá as características da coisa que levam a que esta seja valorada negativamente, enquanto «a falta de qualidades», embora não implicando a valoração negativa da coisa, a coloca em desconformidade com o contrato”.

“Em relação ao segundo pressuposto, para que os defeitos da coisa possam desencadear a aplicação do regime da venda de coisas defeituosas, torna-se necessário que eles se repercutam no programa contratual, originando uma de três situações: a desvalorização da coisa; a não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor e a sua inaptidão para o fim a que é destinada. A primeira situação refere-se aos vícios e a segunda à falta de qualidades, enquanto a terceira abrange estas duas situações”.

Temos, assim, que há venda de coisa defeituosa, quando a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou que impeça a realização do fim a que é destinada ou quando não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.

Quando o critério aferidor da existência do defeito da coisa for o fim a que esta é destinada, atender-se-á, se esse fim resultar do contrato, ao que foi acordado e, no silêncio do contrato a este respeito, relevará a função normal das coisas da mesma categoria.

O facto de o defeito da coisa ser superveniente, isto é, sobrevir após a celebração do contrato, não impede a aplicação das regras sobre incumprimento. Com efeito, o artigo 918º do Código Civil, relativamente às regras situações de defeito superveniente, remete para as regras gerais do não cumprimento.

No caso vertente, o autor alega que o prédio não foi correctamente executado, existindo diversos vícios e/ou defeitos e que, apesar de contactada a ré, esta não procedeu à respectiva eliminação, formulando contra a ré contra a ré um pedido de condenação desta na execução dos respectivos trabalhos de reparação (vide artigo 1225º, n.º 4 do Código Civil).

A este respeito ficou provado que, no bloco de apartamentos, o revestimento de alçados em reboco tipo "monomassa" apresenta fissuras e principalmente micro fissuras e sujidade e detectaram-se diferenças de tonalidade, sombreado, sujidade e fissuração, em especial micro fissuração, a nível do revestimento de alçados (pontos 27º e 29º).

Deste modo, não se suscitam dúvidas que tais vícios configuram um desvio com respeito à qualidade corpórea que seria devida, já que o imóvel está afectado de vícios materiais, não estando conforme ao contrato, dada a sua não correspondência às características acordadas ou legitimamente esperadas pelos compradores, sendo manifestamente possível à ré proceder à eliminação desses defeitos.

Está-se, pois, perante uma situação de cumprimento defeituoso dos contratos de compra e venda, imputável á ré, que não ilidiu a presunção de culpa que sobre si recaía, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 799º e 342º, n.º 2, ambos do Código Civil, que se funda na ideia de que o vendedor está adstrito a uma obrigação de resultado, isto é, transmitir uma coisa que não padeça de vícios e que tenha as qualidades necessárias para a realização do fim a que se destina, uma vez que as qualidades da coisa vendida fazem parte integrante do conteúdo negocial, sendo a qualidade da coisa vendida exigida ex pacto.

E qual o meio de actuação adequado para a eliminação dos defeitos?

A lei concede ao comprador, em caso de cumprimento defeituoso, múltiplos meios de actuação, sendo certo que esses diversos meios jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito não podem ser exercidos, arbitrariamente, mas sim de forma sucessiva.

Com efeito, há uma espécie de sequência lógica, estando o vendedor, em primeiro lugar, adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida. Frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço, mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato[11].

A indemnização cumula-se com qualquer das pretensões com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios.

Deste modo, tendo os direitos de eliminação dos defeitos e de realização de nova construção sido estabelecidos no interesse de ambas as partes, não pode o dono da obra obviar ao cumprimento das respectivas obrigações do empreiteiro, efectuando-as ele próprio ou contratando terceiro para esse efeito, sem primeiro dar essa oportunidade ao empreiteiro[12].

Outro tanto não acontece, na hipótese de se verificar um incumprimento definitivo destas obrigações, imputável ao empreiteiro, nomeadamente de recusa peremptória de realização das obras, de não acatamento do prazo admonitório, nos termos do artigo 808º, n.º 1 do Código Civil ou de tentativa frustrada de eliminação dos defeitos ou de reconstrução da obra, já não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder efectuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento do custo dessas obras[13].

No caso vertente, foram, como se referiu, provados os defeitos de construção e mais se provou que o autor atempadamente denunciou os aludidos defeitos à ré, não tendo esta procedido à respectiva reparação, muito embora, face às características dos defeitos alegados e provados, fosse manifestamente possível a ré proceder á eliminação desses defeitos.

Assim, tendo-se apurado que o imóvel padece de defeitos variados, que o autor, atempadamente, denunciou os mesmos e pediu a sua reparação e que esta reparação não foi efectuada; tendo-se igualmente apurado não existir nos autos nada que revele que a eliminação dos defeitos seja inviável ou mais gravosa para a ré do que a substituição da coisa defeituosa, nenhum obstáculo se divisando quanto à reparação do imóvel; é inquestionável que recai sobre a ré, na sua qualidade de vendedora, a obrigação pela respectiva reparação/eliminação, conforme impõe o artigo 1221º, aplicável ao caso ex vi do artigo 1225º, n.º 4 do Código Civil, tendo a ré de ser condenada a proceder aos trabalhos de reparação necessários à eliminação dos defeitos acima enunciados existentes nas partes comuns do mencionado prédio.

7.

Concluindo:
I - O artigo 916º do CC impõe ao comprador o ónus de denúncia dos defeitos da coisa ao vendedor (excluído apenas no caso de dolo do vendedor), com o qual se visa permitir-lhe adquirir conhecimento dos mesmos.
II - Cabe ao comprador o ónus da prova de tal denúncia, ou de que se verificou dolo por parte do vendedor.
III - Estando em causa a compra e venda de um imóvel destinado a longa duração em que o vendedor haja sido o seu construtor, é aplicável o regime do artigo 1225º, n.os 2 e 3, e não o do artigo 916º do CC.
IV - Relativamente aos direitos do comprador o seu reconhecimento pressupõe, de forma articulada, o funcionamento de três prazos: (i) um ano para a denúncia (que se conta a partir do descobrimento dos defeitos); (ii) o prazo de exercício do direito (acção judicial a pedir a indemnização ou eliminação dos defeitos), de um ano a contar da denúncia e (iii) o prazo de máximo de garantia legal, que é de 5 anos a contar da entrega do imóvel, dentro dos quais terá de ser feita a denúncia dos defeitos.

V - O prazo de garantia começa a correr a partir da entrega do imóvel ao condomínio, considerando-se que esse acto de entrega se reporta, não à data da entrega das fracções, mas à data em que foi eleita a primeira administração de condomínio.

VI - Na exegese do artigo 913º, n.os1 e 2, do CC prevêem-se quatro tipos de situações: (i) os vícios que desvalorizam a coisa; (ii) os vícios que impeçam a realização do fim a que a coisa é destinada; (iii) falta de qualidades asseguradas pelo vendedor e (iv) falta de qualidades destinadas à realização daquele fim.

VII - Os direitos conferidos ao comprador não podem ser exercidos arbitrariamente, mas numa sequência lógica: em 1.º lugar, detectado o defeito, terá de exigir ao empreiteiro a sua eliminação, se tal for possível, ou sendo excessivamente onerosa, a sua substituição, frustrando-se estas, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato.

VIII - Exceptuados os casos de acção directa ou de incumprimento definitivo do empreiteiro-vendedor (nomeadamente de recusa de realização das obras no prazo admonitório, fixado nos termos do artigo 808º do CC), o comprador não tem o direito de se substituir ao empreiteiro (por si ou por intermédio de terceiro) na eliminação dos defeitos ou na reconstrução da obra, à custa daquele.

IX - A indemnização cumula-se com qualquer destas pretensões, com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios.

DECISÃO:

Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o douto acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 6 de Junho de 2013

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

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[1] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, páginas 123 e seguintes.
[2] Autor e obra citada, página 136.
[3] Vide Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, páginas 170 e seguintes.
[4] Vide relatório do DL 267/94, de 25 de Outubro.
[5] Vide relatório citado.
[6] Vide Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, página 372. No mesmo sentido, Acs do STJ de 21/05/2009, Processo 08B1356 e de 24/09/2009, Processo 2210/06.8TVPRT.S1, ambos da 7ª Secção, in www.dgsi.pt
[7] In www.dgsi.pt/jstj
[8] Ac. STJ de 29/11/2011, no Processo 121/07.TBALM.L1.S1, Ac. STJ de 29/06/2010, no Processo 12677/03.0TBOER.L1.S1, Ac. STJ de 6/06/2002; Ac. STJ de 21/04/2005.
João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 3ª Edição, página 212/215.
[9] Acórdão da RL de 1/03/2007, Acórdão da RP de 25/03/2010, Acórdão do STJ de 1/06/2010, Acórdão do STJ de 15/11/2012, Revista 25106/10.4T2SNT.L1.S1.todos in www.dgsi.pt.
[10] Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, Contratos Especiais, página 123.
[11] Vide Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Contratos, página 130.
[12] Reportando-se estas considerações ao caso de empreitada, são igualmente válidas para o contrato de compra e venda de imóveis de longa duração.
[13] Vide João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2ª edição, página 106, 107, 124 e seguintes.