Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B520
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESPACHO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ200802280005207
Data do Acordão: 02/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO.
Sumário : 1. A interrupção da instância depende da verificação em despacho judicial da inércia das partes em promover os termos do processo, designadamente a implementação do incidente de habilitação dos seus sucessores.
2. Omitido o despacho de interrupção da instância relativa aos embargos de executado, não podia ser proferido despacho de extinção da instância por deserção, não obstante haverem decorrido três anos e um dia desde o início da suspensão da instância com vista à implementação daquele incidente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I

Empresa-A – Comércio e Indústria Automóvel, Ldª intentou, no dia 1 de Julho de 1999 acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário contra AA, a fim de haver dele a quantia de 3 319 422$ e juros vincendos com base em três letras de câmbio, com o valor unitário de 795 000$, datadas de 21 de Março de 1997, com vencimento nos dias 19 de Março de 1997, 19 de Maio de 1997 e 19 de Junho de 1997, aceites pelo último e sacadas pela primeira
O executado deduziu, no dia 23 de Outubro de 2000, embargos de executado, invocando a excepção dilatória de incompetência territorial e ser falsa a assinatura das letras dadas à execução e requereu a suspensão da execução até à decisão final dos embargos, bem como a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
A exequente, na contestação, afirmou ter o embargante assinado as letras na qualidade de fiador de BB, requereu a intervenção deste último e opôs-se à concessão do apoio judiciário requerida pelo primeiro.
No dia 12 de Junho de 2001, na fase da condensação, foi declarada a incompetência do tribunal e ordenada a remessa do processo aos tribunais da Comarca do Porto, tendo o juiz da 7ª Vara Cível daquele Tribunal indeferido o pedido de suspensão da execução e de intervenção de BB e elaborou a especificação a base instrutória.
O embargante agravou, no dia 27 de Novembro de 2001, do referido despacho, na parte do indeferimento do pedido de suspensão da instância, recurso recebido por despacho proferido no dia 14 de Dezembro de 2001 com efeito meramente devolutivo e subida em separado, e alegou no dia 18 de Janeiro de 2002.
No dia 11 de Maio de 2004, foi declarada a suspensão da instância, por virtude do decesso do embargante, até que fossem habilitados os respectivos sucessores, despacho notificado às partes por carta registada no correio no dia 14 seguinte.
Por despacho proferido no dia 4 de Junho de 2007, foi declarada a deserção da instância relativa aos embargos, da qual o mandatário do embargante agravou no dia 15 de Junho de 2007, recurso admitido por despacho proferido no dia 20 de Junho de 2007, em que o recorrente alegou no dia 4 de Julho de 2007, e a Relação, por acórdão proferido no dia 25 de Outubro de 2007, negou-lhe provimento.

Interpôs o agravante recurso de agravo para este Tribunal, recebido por despacho do relator proferido no dia 23 de Novembro de 2007, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- depois do despacho de suspensão da instância, não mais foi notificado de qualquer outro;
- a interrupção da instância carece de despacho judicial que a decrete, não se interrompendo automaticamente;
- o despacho de interrupção da instância não tem natureza meramente declarativa;
- o prazo de interrupção da instância começa com a notificação do despacho que a declare;
- não houve despacho declarativo da interrupção da instância nem remessa do processo à conta, pelo que não podia haver extinção da instância por deserção;
- o acórdão interpretou e aplicou incorrectamente a lei, devendo ser substituído por outro que notifique o agravante nos termos e para os efeitos do artigo 51º do Código das Custas Judiciais ou da interrupção da instância nos termos do artigo 285º do Código de Processo Civil.

II
É a seguinte a dinâmica processual que releva no recurso:
1. No dia 6 de Março de 2004, foi junto pela advogada CC substabelecimento, sem reserva, a favor do advogado DD, dos poderes que lhe foram conferidos por AA, e o segundo juntou certidão de óbito deste último ocorrido no dia 14 de Outubro de 2002.
2. No dia 11 de Maio de 2004, o juiz do tribunal da primeira instância proferiu o seguinte despacho: “Declaro suspensa a instância, até que se mostrem habilitados os respectivos sucessores”.
3. Os mandatários das partes foram notificados do despacho mencionado sob 2 por cartas registadas no correio no dia 14 de Maio de 2004.
4. O juiz do tribunal da primeira instância proferiu, no dia 4 de Junho de 2007, despacho em que declarou a extinção da instância por deserção, com o fundamento de o prazo de interrupção da instância se ter iniciado no dia 1 de Junho de 2004 e completado no dia 1 de Junho de 2005, considerando nesta data o começo do prazo de deserção da instância e o seu termo no dia 1 de Junho de 2007.


III
A questão decidenda é a de saber se ocorriam ou não os pressupostos processuais de extinção da instância da oposição à execução em causa.
A resposta à referida questão, tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente, pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável na execução e na oposição;
- início e termo da suspensão da instância;
- regime legal da interrupção da instância;
- regime legal da deserção da instância;
- deve ou não considerar-se verificada no caso a mencionada deserção?

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos pela determinação da lei adjectiva aplicável à acção executiva e à oposição.
Como a acção executiva e os embargos em causa foram deduzidos antes do dia 15 de Setembro de 2003, não lhes são aplicáveis as normas processuais decorrentes da reforma processual que nessa data entrou em vigor (artigo 4º do Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro).
Instaurada a acção executiva no dia 22 de Maio de 2000, à mesma e à oposição são aplicáveis as normas adjectivas decorrentes da reforma do Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 (artigo 16º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Assim, ainda estamos perante a espécie designada por embargos de executado, a que se reportam os artigos 812º a 820º do Código de Processo Civil, na redacção anterior.
Acresce que o regime de custas da acção executiva e dos embargos de executado em causa é anterior à actual versão do Código das Custas Judiciais (artigo 14º, nº 1, do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro).

2.
Prossigamos com uma breve análise do o regime de suspensão da instância por virtude do decesso de alguma das partes.
Estamos perante embargos de executado instaurados no dia 23 de Outubro de 2000, em que o embargante faleceu no dia 14 de Outubro de 2002, mas a notícia do seu óbito só surgiu no processo no dia 6 de Março de 2004.
O conhecimento no processo do decesso do embargante deu logo origem ao despacho de suspensão da instância no dia 11 de Maio de 2004, ou seja, pouco mais de dois meses depois.
Uma das causas de suspensão da instância é o falecimento de alguma das partes, junto que seja ao processo o documento comprovativo do decesso (artigos 276º, nº 1, alínea a), e 277º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A comunicação e prova da morte da parte não determinam automaticamente a suspensão da instância, dependendo de despacho do juiz que a declare.
Declarada a suspensão da instância, os seus efeitos reportam-se ao momento em que foi feita a prova no processo do falecimento da parte (artigo 277º, nº 2, do Código de Processo Civil).
São nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento que devia determinar a suspensão da instância em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte falecida (artigo 277º, nº 3, do Código de Processo Civil).
A referida nulidade fica, porém, sanada se os actos praticados vierem a ser ratificados pelos sucessores da parte falecida (artigo 277º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Enquanto durar a suspensão só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável, e a parte que esteja impedida de assistir a esses actos é representada pelo Ministério Público ou por advogado nomeado pelo juiz (artigo 283º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão e, em casos como o vertente, ela inutiliza a parte do prazo que tiver ocorrido anteriormente (artigo 283º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Mas a suspensão da instância não impede, em regra, a sua extinção por desistência, confissão ou transacção, desde que não contrariem a sua razão justificativa (artigo 283º, nº 3, do Código de Processo Civil).
A suspensão só cessa, no caso de decesso de parte, quando for notificada a decisão em que se considerem habilitados os sucessores daquela (artigo 284º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
A suspensão da instância visa que as partes removam os obstáculos que a determinaram, o que impõe a habilitação dos sucessores da parte que faleceu, a fim de com eles continuar a acção, o incidente ou o recurso, conforme os casos.
A habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com ela prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida por qualquer das partes sobreviventes ou por qualquer dos sucessores, e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes (artigo 371º, nº 1, do Código de Processo Civil).
No caso vertente, tanto a embargada como os sucessores do embargante tinham interesse e legitimidade para implementar o incidente de habilitação, mas assim não procederam.
Perante a referida inércia de implementação do referido incidente, apesar da proibição da prática de actos processuais durante o período da suspensão da instância, a lei prevê a situação de interrupção da instância (artigo 285º do Código de Processo Civil).
A interrupção da instância não pressupõe a sua prévia suspensão nem a remessa do processo à conta a que se reportam as alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 51º da anterior versão do Código das Custas Judiciais, porque se basta com a inércia das partes a que alude o artigo 285º do Código de Processo Civil.

3.
Vejamos agora o regime legal da interrupção da instância na sequência da inércia das partes
Expressa a lei que a instância se interrompe quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes na promoção dos seus termos ou os de algum incidente de que dependa o seu andamento (artigo 285º do Código de Processo Civil).
É um normativo inspirado pela ideia de presunção de abandono da instância processual pelas pessoas oneradas com o impulso processual e pelo interesse público da não duração indefinida dos processos.
Assim, consideram-se findos para efeito de arquivo os processos em que se verifique a interrupção da instância (artigo 126º, nº 1, alínea c), do Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
No caso vertente, a inércia das partes reporta-se à promoção dos termos do incidente de habilitação, conhecida desde a notificação do despacho de suspensão da instância por via de cartas registadas no correio no dia 14 de Maio de 2004.
Como não foi ilidida a presunção legal, importa que se considere que os destinatários da referida notificação dela tiveram conhecimento no dia 17 de Maio de 2004 (artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Este Tribunal tem, em regra, interpretado a lei no sentido de que a interrupção da instância depende de despacho judicial que a declare. Com efeito, apenas se conhece um acórdão, de 14 de Setembro de 2006, proferido no processo nº 2 400/2006, da 2ª Secção, que assim não entendeu, por considerar bastar para o efeito o despacho a ordenar que os autos aguardassem nos termos do artigo 285º do Código de Processo Civil.
Todavia, a interrupção da instância pressupõe um despacho judicial adrede proferido, na medida em que ela depende da formulação de um juízo sobre a diligência das partes na implementação do andamento normal do processo, além de ter consequências relevantes a propósito do direito substantivo.
A nível substantivo, a interrupção da instância faz correr o prazo de prescrição parado desde a citação do réu, bem como faz correr o prazo de caducidade inerte por virtude da entrada da petição inicial na secretaria judicial (artigos 327º, nº 2 e 332º, nº 2, do Código Civil).
Daí, a fim de que não haja incerteza sobre o momento concreto em que foi verificada a existência dos pressupostos da interrupção da instância, a lei exige, porque não o dispensa, ao invés do que ocorre com a deserção da instância, a prolação de despacho para o efeito.
A interrupção da instância não opera, pois, automaticamente pelo mero decurso do prazo, antes pressupõe uma decisão judicial, a partir da qual se verifica a referida situação, projectando, a partir da verificação de uma situação processual objectiva, os seus efeitos para o futuro.
Assim, a interrupção da instância pressupõe a paragem do processo por mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos e a existência de um despacho que a declare.

4.
Atentemos agora no regime de deserção da instância.
Resulta da lei que se considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos (artigo 291º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Assim, ao invés do que acontece com a interrupção da instância, a deserção ocorre logo que decorram dois anos sobre a data da interrupção da instância, independentemente de despacho judicial.
Verificados os pressupostos de deserção da instância, segue-se a decisão de extinção da instância a que se reporta a alínea c) do artigo 287º do Código de Processo Civil.

5.
Vejamos agora se deve ou não considerar-se verificada no caso a mencionada deserção.
Não houve, no caso-espécie despacho judicial declarativo da interrupção da instância.
Não obstante, contou o tribunal o prazo de três anos de paragem do processo desde a notificação do despacho que declarou a suspensão da instância e declarou a extinção da instância com fundamento na deserção.
A Relação considerou, por um lado, dever a interrupção da instância ser declarada por despacho judicial, mas referiu ser este de natureza declarativa, contar-se o prazo de deserção da instância não a partir dele, mas do início do prazo de suspensão da instância.
E, por outro, que o despacho recorrido proferido pelo tribunal da primeira instância comporta duas decisões, uma sobre a interrupção da instância e a outra sobre a extinção da instância por deserção, e, com base nisso, considerou a irrelevância da omissão anterior do despacho declarativo da interrupção da instância.
Mas o despacho proferido no tribunal da primeira instância comporta unicamente a decisão de extinção da instância com fundamento na deserção da instância derivada do decurso do prazo de três anos contados desde o início da situação de suspensão da instância.
E, se comportasse dois segmentos decisórios, um a declarar a interrupção da instância e outro a declará-la extinta, não alterava, conforme abaixo se referirá, o juízo de ilegalidade da prolação do segundo.
Independentemente da natureza declarativa ou constitutiva do despacho de interrupção da instância, sem que ele seja proferido não se pode considerar essa situação para qualquer efeito, designadamente para o início do prazo de deserção da instância a que se reporta o artigo 291º do Código de Processo Civil.
Assim o referido prazo de dois anos não se iniciou, visto que não foi proferido, no caso-espécie, o despacho declarativo da interrupção da instância por inércia das partes na implementação do incidente de habilitação dos sucessores do embargante.
Em consequência, o acórdão recorrido, ao confirmar o despacho de extinção da instância, infringiu o disposto nos artigos 285º, 287º, alínea c) e 291º do Código de Processo Civil.

6.
Síntese da solução para o caso derivada da dinâmica processual envolvente e da lei.
São aplicáveis à acção executiva e aos embargos em causa as normas processuais anteriores às decorrentes da reforma processual que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2003, ou seja, as normas adjectivas decorrentes da reforma do Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997.
Estamos, assim, perante a espécie designada por embargos de executado, e o regime de custas é o anterior à actual versão do Código das Custas Judiciais.
A interrupção da instância em causa dependia da verificação em despacho judicial da inércia das partes em promover a implementação do incidente de habilitação dos sucessores do embargante.
Omitido o despacho de interrupção da instância, não podia ser proferido despacho de extinção da instância, não obstante haverem decorrido três anos e um dia desde o início da suspensão da instância.

Procede, por isso, o recurso.
Vencida, seria a recorrida responsável pelo pagamento das custas relativas ao recurso (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, como a agravada não deu causa nem expressamente aderiu à decisão recorrida, nem a acompanhou, beneficia de isenção de pagamento de custas (artigo 2º, nº 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais).

IV
Pelo exposto, revoga-se o acórdão recorrido e o despacho proferido pelo tribunal da primeira instância sobre o qual o primeiro se pronunciou.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008.

Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís