Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6637/13.0TBMAI-A.P1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO AFONSO
Descritores: COISA DEFEITUOSA
COMPRA E VENDA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRAZO DE CADUCIDADE
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
QUESTÃO NOVA
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA / VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS/ DENÚNCIA DO COMPRADOR / ACÇÃO DE ANULAÇÃO ( AÇÃO DE ANULAÇÃO ) / PRAZO DE CADUCIDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ ( LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ ) - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ).
Doutrina:
- Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 4.ª Edição, Processo e Aumentada, Almedina, 46-79.
- Pedro Romano Martínez, Cumprimento Defeituoso, Em especial na compra e venda e na empreitada, colecção teses, Almedina, Janeiro de 2001, 422.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 309.º, 406.º, N.º 1, 798.º, 799.º E 801.º, N.º 1, 874.º, 905.º A 912.º, 913.º, N.º 1, 914.º, 916.º, N.º 2, 917.º.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGOS 463.º, 471.º.
CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º3, 7.º, 8.º, 9.º, 542.º, N.ºS 1 E 2, 576.º, N.º 3, 615.º, N.º 1, AL. D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12-01-2010, PROCESSO N.º 2212/06.4TBMAI.P1.S1, DE 04-05-2010, PROCESSO N.º 2990/06.0TBACB.C1.S1, DE 30-09-2010, PROCESSO N.º 256/05.2TBAMT.S1, DE 02-11-2010, PROCESSO N.º 6473/06.0TBALM.L1.S1, DE 22-05-2012, PROCESSO N.º 5504/09.7TVLSB.L1.S1, DE 24-05-2012, PROCESSO N.º 1288/08.4TBAGD.C1.S1, DE 13-02-2014, PROCESSO N.º 1115/05.4TCGMR.G1.S1.
Sumário :
I - Para haver excesso de pronúncia, fundamento de nulidade da sentença previsto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, é necessário que o tribunal tome conhecimento de questões não invocadas pelas partes. Trata-se de nulidade que apenas incide sobre as questões colocadas e não sobre os fundamentos que possam ou não ter sido invocados.

II - Não padece do vício referido em I o acórdão recorrido que conheceu de questão colocada pelo recorrente em sede de apelação – o decurso do tempo para o exercício de um direito –, que já havia sido apreciada e decidida na 1.ª instância e que, não sendo nova, veio erigir-se como questão central do processo.

III - O comprador de coisa defeituosa nos termos do art. 913.º, n.º 1, do CC, pode, em alternativa aos direitos descritos nos arts. 905.º a 912.º e ainda no art. 914.º do mesmo Código, escolher exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao vendedor (arts. 798.º, 799.º e 801.º, n.º 1, do CC).

IV - Sendo a causa de pedir – o vício da coisa –, comum a todas as correspondentes acções (de anulação, indemnização pelo interesse contratual negativo,…), em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, a esta acção de indemnização pelo interesse contratual positivo, decorrente de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda comercial, por vício da coisa vendida – no caso, farinha imprópria para consumo humano –, o prazo de caducidade de seis meses previsto no art. 917.º do CC e não o prazo geral de prescrição ordinária de 20 anos, previsto no art. 309.º do mesmo Código.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:




AA, Lda., identificada nos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB – Comércio de Cereais e Derivados, S.A., também identificada nos autos, pedindo a condenação desta a pagar à autora as quantias de 77.867,28€, respeitante à indemnização por danos emergentes de cumprimento defeituoso de contrato, e de 50.370,00€, relativa a indemnização por lucros cessantes decorrentes desse cumprimento defeituoso, acrescidas dos juros legais de mora vencidos, no montante de 6.205,16€, bem como dos que se vencerem desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento.

Fundamentou o seu pedido, em súmula, em venda que a ré lhe efectuou de farinha sem as condições acordadas no contrato, já que se encontrava imprópria para consumo humano.

Regularmente citada, apresentou-se a ré a contestar, excepcionando a prescrição e, sem prescindir, impugnando parte dos factos aduzidos na petição, concluindo pela improcedência do pedido.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho em que se saneou o processo, julgando-se improcedente a excepção de prescrição invocada pela ré na sua contestação, identificando-se o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova.

Inconformada, veio a ré interpor recurso da decisão que julgou improcedente a excepção, tendo o Tribunal da Relação julgado validamente excepcionada a caducidade do direito e, consequentemente, absolvido a ré do pedido.

Deste acórdão recorreu de revista a autora, invocando, além do mais, a oposição do mesmo com o julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça em dois acórdãos, um proferido no proc. 3362/05.TBVCT.G1.S1, no domínio do cumprimento defeituoso da obrigação e no proc. 1453/06.9TJVNF.P1.S1, proferido no domínio da interpretação do princípio do dispositivo e da interpretação dada aos arts. 333.º e 303.º do Código Civil, vindo este Supremo a anular a decisão recorrida e a devolução dos autos ao Tribunal da Relação para a fixação da matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito suscitada na revista.

Por acórdão de 21-01-2016, o Tribunal da Relação do Porto, após fixar a matéria de facto pertinente, julgou validamente excepcionada a caducidade do direito, absolvendo, consequentemente, a ré do pedido.

Inconformada, recorre a autora de revista e alega, em conclusão, o seguinte:

(…)

A) Por sentença proferida, em 11/02/2014, o Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a excepção de "prescrição" invocada pela Ré na contestação;

B) Não se conformando com tal decisão a Ré, aqui Recorrida, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, incidindo tal Recurso sobre a questão se a Autora estava obrigada a cumprir o prazo de seis meses a contar da denúncia ou o prazo geral de prescrição de 20 anos para reclamar o pagamento de indemnização pelos danos alegadamente sofridos com o cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda;

C) O Tribunal da Relação do Porto decidiu sobre o mesmo Recurso, por Acórdão de 11/09/2014, julgando procedente o recurso, por considerar validamente excepcionada a caducidade do direito, e a verificação de tal caducidade, absolvendo a Ré do pedido;

D) Por recurso de revista apresentado neste Venerando Supremo Tribunal de Justiça, veio a aqui Recorrente pedir o reexame da matéria de direito, tendo este Venerando Supremo Tribunal anulado a decisão recorrida - o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, ordenando que o mesmo descesse àquela Relação para fixar a matéria de facto dada como provada;

E) Em cumprimento do douto Acórdão do STJ, veio o Tribunal da Relação do Porto proferir novo acórdão, corrigindo o anterior quanto à matéria de facto, e, no sumário de tal Acórdão declarou que a excepção da caducidade não excluída da disponibilidade das partes, deve ser conhecida, mesmo quando a parte que a deduziu, a tenha classificado erroneamente como prescrição; assim como decidiu que o prazo de caducidade previsto no artigo 917° do Código Civil é aplicável, por interpretação extensiva, a todas as acções em que são formulados pedidos com fundamento em vícios da coisa vendida, nomeadamente à que vise a responsabilização do vendedor pelos danos conexos com o interesse contratual positivo do comprador decorrentes do cumprimento defeituoso da obrigação, artigos 798° e 799° do CC, posto que os prejuízos indemnizatórios tenham origem no vício da coisa;

F) Não concordando com tal Acórdão, a Recorrente vem do mesmo interpor recurso de Revista, o qual tem por objecto o reexame da matéria de direito relativamente às seguintes questões: se pode o Tribunal conhecer a excepção da caducidade, estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, tendo a mesma sido deduzida, erroneamente, pela parte que a classificou e fundamentou como prescrição; se o prazo de caducidade preconizado no artigo 917° do CC é aplicável, por interpretação extensiva, em todas as acções em que são formulados pedidos com fundamento em vícios da coisa vendida, nomeadamente à que vise a responsabilidade do vendedor pelos danos conexos com o interesse contratual positivo do comprador decorrentes do cumprimento defeituoso da obrigação artigos 798° e 799° CC;

G) O presente Recurso é de Revista, encontrando-se o Acórdão recorrido em manifesta contradição com os Acórdãos proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça: Acórdão de 25/10/2012 - Processo n.° 3362/05.TBVCT.G1.S1, proferido no domínio do cumprimento defeituoso da obrigação; e Acórdão do STJ de 25/10/2011 - Processo n.° 1453/06.9TJVNF.P1.S1, proferido no domínio da interpretação do princípio do dispositivo e da interpretação dada ao artigo 333° e 303° do Código Civil;

H) A Recorrida, alegou em sede de recurso que a acção não foi proposta pela Recorrente no prazo de 6 meses após a denúncia, o que implica a caducidade do direito reclamado; contudo, em sede de contestação, a Recorrida apenas invocou a excepção da prescrição; no entanto, o Tribunal a quo, veio a conhecer da excepção da caducidade, invocada pela Ré apenas em sede de recurso, julgando procedente tal excepção, absolvendo a Ré/Recorrida do pedido, o que jamais se pode admitir, pois a excepção da caducidade não é de conhecimento oficioso em matéria não excluída da disponibilidade das partes, dado que a mesma deveria ter sido invocada na contestação e não em sede de recurso, pelo que a decisão do Tribunal da Relação do Porto entra em contradição com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 25/10/2011, proferido no âmbito do Processo 1453/06.9TJVNF.P1.S1, onde se lê: "Quando estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, a caducidade não é apreciada oficiosamente pelo tribunal, devendo ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (artigo 303. °, ex vi do artigo 333. ° n. ° 2, do CC). No caso presente, é a ré (vendedora) a interessada na arguição, pois o prazo em questão respeita ao exercício do direito de reclamação do comprador (a autora). Por outro lado, constituindo uma excepção peremptória - isto é, um facto extintivo do direito da autora - incumbia à ré a sua prova (arfs 493°, n° 3, do CPC e 342, n° 2, do CC)";

I) A Recorrida, apenas em sede de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, veio invocar a excepção da caducidade, sendo que em sede de contestação limitou-se a invocar a excepção da prescrição, pelo que não poderia em sede de recurso invocar a caducidade, pois tal alegação tinha de ser feita em sede de contestação, como bem entendeu o STJ no Acórdão supra identificado, leia-se naquele Acórdão " A ré, todavia, não a invocou na contestação, e por isso a questão não foi, porque não tinha que sê-lo, tratada na sentença da 1." instância (arts 489°, n° 1, e 660°, n° 2, CPC). Foi suscitada, ê certo, no recurso de apelação. Mas porque a norma indicada em último lugar é aplicável tanto aos recursos de apelação como de revista (art°s 713°, n° 2, e 726. ° do mesmo diploma), nem a Relação estava obrigada a conhecer da dita questão, nem o Supremo Tribunal o deve fazer agora, por se tratar, ao fim e ao cabo, de questão nova, cujo conhecimento está legalmente vedado ao tribunal de recurso. Isto porque no nosso sistema, conforme entendimento há muito firmado e uniformemente seguido pela jurisprudência, os recursos não são o meio adequado para obter decisão sobre matéria nova - matéria que não tenha sido posta à consideração do tribunal recorrido -, mas sim para reexaminar as decisões recorridas";

J) Assim, o Tribunal da Relação do Porto não poderia conhecer em sede de recurso a excepção da caducidade, uma vez que se trata de "questão nova", cujo conhecimento está legalmente vedado ao Tribunal de recurso - art. 303° CC - pois, tal entendimento, ofende o princípio do dispositivo preceituado no artigo 5.º do CPC e o disposto no artigo 333° e 303° do CC, e também não se pode acolher o entendimento de que foi perfeitamente entendido pela Recorrente e pelo Tribunal de 1.ª Instância que a Recorrida tenha invocado a excepção da caducidade, pois a única excepção invocada pela recorrida foi a da prescrição, tanto mais, que embora se possa concluir que a Recorrida faz confusão entre os regimes da prescrição e da caducidade, dado que invoca o artigo 917°, tal não pode, de per si determinar que aquela tenha invocado eficazmente a excepção da caducidade, pois na sua alegação a Recorrida invoca sempre a prescrição e os ditames sobre os quais esta mesma se rege;

K) Estando o conhecimento da excepção da caducidade vedado ao conhecimento oficioso por parte do Tribunal, não poderia o Tribunal de 1.ª instância nem o Tribunal de recurso conhecer da mesma, apenas podendo conhecer da alegada prescrição que, no caso em apreço, é de 20 anos; pelo que ao ter conhecido da excepção da caducidade incorreu o Tribunal a quo em excesso de pronúncia, pois conheceu de questão nova, cujo conhecimento se encontra legalmente vedado, e assim deverá ser conhecida e declarada a nulidade do Acórdão recorrido por excesso de pronúncia - 615° n.° 1 al. d) do CPC;

L) Mas mesmo que assim não se entendesse, o certo é que jamais poderia aquele Tribunal decidir pela sua verificação no caso concreto, absolvendo a Recorrida do pedido, sem sequer averiguar se se encontrava feita prova nos autos dos requisitos para verificação de tal caducidade; e ainda que tivesse averiguado, o facto é que não poderia decidir pela procedência da excepção de caducidade, dado que tal regime não se aplica ao caso concreto, pois que estamos no âmbito de uma acção de responsabilidade civil onde se peticiona uma indemnização pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso da obrigação, artigos 798° e 799° do CC, ora vejamos;

M) O tribunal recorrido na apreciação do Recurso interposto pelo Recorrente veio a concluir pela procedência da excepção da caducidade, pois que no seu entendimento o prazo de caducidade previsto no artigo 917° do CC deve ser aplicável, ainda que por extensão, ao regime da responsabilidade civil do vendedor pelos danos conexos com interesse contratual positivo do comprador decorrentes do cumprimento defeituoso da obrigação, previsto nos artigos 798° e 799° do CC, fundamentando tal entendimento por considerar que o estabelecimento daquele prazo curto do 917° deveu-se ao interesse da paz social, conexo com o não prolongar demasiadamente o estado de incerteza sobre o destino do contrato, bem como ao de evitar dificuldades de prova e contraprova que, com o decurso do tempo, se vão intensificando, não compagináveis com o prazo geral da prescrição de vinte anos;

N) Sucede que, o Tribunal da Relação do Porto afastou por completo as soluções consagradas no Código Civil pelo legislador, não reconstituindo de todo o pensamento legislativo, e fazendo uma interpretação da lei que não tem na sua letra o mínimo de correspondência legal quanto ao regime do cumprimento das obrigações e da falta de cumprimento das mesmas, violando o artigo 9º do Código Civil quanto às regras da interpretação da lei, sendo que a interpretação feita pelo Tribunal da Relação do Porto encontra-se revestida de um proteccionismo, quase incondicional, do vendedor em prejuízo do comprador, que é quem arca, no final de contas, com os maiores prejuízos pela falta de cumprimento ou mora imputáveis ao vendedor;

O) A decisão do Tribunal da Relação do Porto é atentatória das regras previstas no Código Civil quanto à indemnização pelo interesse contratual positivo, revelando-se manifestamente injusta para quem a invoca em sede de cumprimento defeituoso da obrigação, a fim de poder ver ressarcidos os danos que o vendedor inadimplente lhe causou, sendo ainda de salientar que a mesma entra em manifesta contradição com a linha que tem vindo a ser traçada pela Jurisprudência, e no nosso modesto entender, tal decisão chega mesmo a subverter o disposto no Código Civil sobre o regime geral do cumprimento das obrigações;

P) O Acórdão de que se recorre está, assim, em manifesta contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 25/10/2012, no âmbito do Processo n.° 3362/05.TBVCT.G1.S1, e onde podemos ler: "Há, todavia, que distinguir atentamemte a simples venda de coisa defeituosa, de outra figura mais ampla e, por isso, mais abrangente, que é a do cumprimento defeituoso da obrigação. III - Acolhemo-nos à lição do saudoso e emérito civilista que foi o Prof Antunes Varela, no seu douto Parecer, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido), onde o mesmo escreveu: «Há venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofrer dos vícios ou carecer das qualidades abrangida no art. 913° do Código Civil, quer a coisa entregue corresponda, quer não, à prestação a que o vendedor se encontra vinculado. O cumprimento defeituoso da obrigação verifica-se não apenas em relação à obrigação da entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação, proveniente de contrato ou qualquer outra fonte. E apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito» [Antunes Varela, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido), Parecer publicado na Col. Jur., ano XII (1987), T. 4, pg. 30] IV- O art0 799° do Código Civil, como diz A. Varela, coloca o cumprimento defeituoso da obrigação ao lado da falta de cumprimento, dentro da categoria geral da falta culposa de cumprimento a que genericamente se refere o art° 798°do mesmo Código.» (...); no presente Acórdão do STJ estava em causa a venda de coletes, sem as características contratadas: "Por outras palavras, o que na verdade aconteceu, foi que a Ré forneceu à Autora coletes diferentes daqueles que lhe haviam sido exigidos por força do contrato celebrado, o que se traduz na expressão latina «aliud pro alio». Verifica-se, pois, com meridiana clareza, que estamos no campo do cumprimento defeituoso da obrigação, e não propriamente da venda de coisa defeituosa, como bem decidiu o Tribunal da Relação, embora aceitando simultaneamente a venda de coisa defeituosa.'''

Q) Da confrontação de ambos os acórdãos podemos concluir que os mesmos encontram-se em contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, pois que o Tribunal da Relação do Porto, no douto acórdão recorrido, faz uma interpretação extensiva do artigo 917° do Código Civil, aplicando tal regime a todas as acções em que são formulados pedidos com fundamento em vícios da coisa vendida, mormente, à que vise a responsabilização do vendedor pelos danos conexos com o interesse contratual positivo do comprador decorrentes do cumprimento defeituoso da obrigação - artigos 798° e 799° do CC; por sua vez o STJ no Acórdão cujos trechos acabamos de transcrever defende a existência de dois regimes distintos: o da venda de coisa defeituosa e o regime do cumprimento defeituoso da obrigação, considerando este último regime/figura "mais ampla e, por isso, mais abrangente";

R) No caso concreto a Recorrida atestou à Recorrente que a farinha fornecida se encontrava em perfeito estado, garantindo que a mesma possuía todas as qualidades químicas necessárias para ser exportada para Cabinda, e aí ser utilizada no fabrico de pão, como consta da matéria provada em f) do douto Acórdão recorrido; contudo, aquela farinha ao ser utilizada pela cliente da Recorrente não reagiu à amassadura, não levedou, nem fermentou, ou seja, aquela farinha não tinha as qualidades necessárias para o fim para que tinha sido adquirida, para o fabrico de pão, sendo que as qualidades da farinha ingressaram no conteúdo do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida e ao não ter fornecido a farinha com as qualidades contratadas, não cumpriu a Recorrida com o negócio celebrado, entrando assim no âmbito do cumprimento defeituoso da obrigação, aliás é o que decorre dos factos dados como provados em h);

S) A Recorrente em sede de acção judicial peticionou uma indemnização pelo interesse contratual positivo, não se encontrando tal direito da Autora sujeito ao prazo de caducidade previsto para a compra e venda de coisa defeituosa, nem a qualquer prazo de prescrição que não seja o de vinte anos, previsto no artigo 309° do Código Civil, e tal foi o entendimento do Tribunal de 1.ª Instância;

T) E tal deveria ter sido também o entendimento do Tribunal da Relação do Porto, em respeito pela lei e no cumprimento da mesma, pois o instituto da venda de coisa defeituosa, nada se confunde com o regime do cumprimento defeituoso da obrigação, nem tão pouco o primeiro se pode impor ao segundo, pelo que a interpretação extensiva efectuada pelo Tribunal a quo, não pode ser admitida;

U) A Recorrente intentou acção de responsabilidade civil onde peticionou indemnização pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso da obrigação, nos termos do artigo 798° e 799° do CC, pelo que a mesma acção foi interposta dentro do prazo, uma vez que tal acção não está sujeita a qualquer prazo de caducidade, encontrando-se antes o direito da Recorrente sujeito ao prazo geral de prescrição, isto é, de 20 anos, nos termos do artigo 309° do CC, leia-se o acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto de 16/12/2009, proferido no âmbito do Processo n.° 998/08.0TVPRT.P1 (m www.dgsi.pf);

V) Assim, tem de se concluir que na acção de responsabilidade civil onde se peticiona uma indemnização pelo interesse contratual positivo devido ao cumprimento defeituoso da obrigação o único prazo que está em causa é o da prescrição, sendo este de 20 anos, pelo que o direito da Recorrente não se encontra prescrito, nem sujeito a qualquer prazo de caducidade;

W) O Acórdão recorrido, violou entre outros, o disposto nos artigos 5º, o art.° 615° n° 1, al. d) do CPC, do disposto nos artigos 9º, 333°, 303, 917°, 798° e 799°, todos do Código Civil, sendo nulo por excesso de pronúncia, assim como se encontra em contradição com, pelo menos, dois Acórdãos proferidos por este Tribunal e que se indicam: Acórdão de 25/10/2012 - Processo n.° 3362/05.TBVCT.G1.S1, proferido no domínio do cumprimento defeituoso da obrigação; e Acórdão do STJ de 25/10/2011 - Processo n.° 1453/06.9TJVNF.P1.SI, proferido no domínio da interpretação do princípio do dispositivo e da interpretação dada aos artigos 333° e 303° do Código Civil.

Contra-alegou a ré pugnando pela improcedência do recurso, condenando-se a recorrente no pagamento de custas, multa e indemnização por litigância de má fé.



***



Tudo visto,

Cumpre decidir:


A) Os factos:

Pelas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:

1. A autora dedica-se, entre outros, à importação, exportação e comercialização de bens alimentares.

2. A ré dedica-se à aquisição, transformação, exportação e comercialização de cereais e seus derivados.

3. No âmbito das suas actividades, em 28/09/2012 (2 contentores contendo 485 x 2 sacos de farinha), 01/10/2012 (2 contentores contendo 485 x 2 sacos de farinha) e 02/10/2012 (2 contentores contendo 485 x 2 sacos de farinha), a ré forneceu à autora, pelo preço de 56.454 euros (cinquenta e seis mil quatrocentos e cinquenta e quatro euros), 2.910 sacos de farinha de trigo T65, de marca CC, de 50Kg cada saco, para ser utilizada no fabrico de pão.

4. Tal farinha tinha como destino …-Angola, destinando-se a satisfazer a encomenda da cliente da Autora Organizações DD.

5. O preço da referida farinha foi integralmente pago pela autora à ré.

6. A ré atestou à autora que a mercadoria fornecida se encontrava em perfeito estado de fabrico e de conservação, garantindo que a mesma possuía todas as qualidades químicas necessárias para ser exportada para …, e aí ser utilizada no fabrico de pão.

7. A autora adquiriu a farinha em causa à ré, porque já em meados Junho de 2012 havia exportado e revendido à sua cliente Organizações DD, 2.850 sacos de 50 kilos cada um de farinha T65, marca CC, que lhe havia sido fornecida pela ré.

8. A ré bem sabia que era essencial para a autora que a farinha fornecida fosse adequada para ser utilizada na panificação (produção de pão), sabendo ainda que a mesma seria exportada para Angola, pois destinava-se a ser vendida pela autora à cliente desta Organizações DD.

9. A mercadoria em causa foi entregue à Organizações DD em 2012 e começou a ser utilizada em Janeiro de 2013.

10. A autora apresentou reclamação – por impropriedade da farinha para o fabrico de pão - à ré por telefone no dia 23/01/2013.

11. No dia seguinte, a ré respondeu à reclamação por e-mail (doc. 1) no qual solicitou à autora diversos documentos e informação.

12. No dia 28/01/2013, a autora respondeu à ré, igualmente por e-mail (doc. 2) ao qual anexou diversa documentação.

13. A ré foi citada para a acção em 27/11/2013.


B) O Direito:

As conclusões recursivas têm uma função delimitadora das questões a decidir. No vertente caso, são duas:

(i) se o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia;

(ii) se ocorre excepção de prescrição ou de caducidade do direito que a autora pretende fazer valer.

(i)

Nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, do Código do Processo Civil (CPC) é nula a sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Para haver excesso de pronúncia, é necessário que o Tribunal tome conhecimento de questões não invocadas pelas partes. Assim, a nulidade a que se refere a alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC apenas incide sobre as questões colocadas e não sobre os fundamentos que possam ou não ter sido invocados.

A recorrente centra a nulidade do acórdão da Relação por excesso de pronúncia, por ter este conhecido de excepção de caducidade que a recorrida não invocou sequer em momento processual próprio, no seu articulado contestação, tendo-o apenas feito em sede de alegações de recurso de apelação.

Concordando-se ou não com o decidido, o acórdão recorrido apreciou exactamente – veja-se o ponto 1 da Fundamentação – a questão ora colocada sob a égide do vício da nulidade de decisão, que, como tal e evidentemente, não se verifica, certo também que o Juiz, nos termos do art. 5.º, n.º 3, do CPC, não está sujeito, no que tange a interpretação e aplicação das regras de direito, às alegações formuladas pelas partes.

De resto, se foi a decisão da 1.ª instância que julgou não verificada a excepção de caducidade, por considerar ser aplicável o prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no art. 309.º do CC, que a Relação revogou mediante acórdão que, em revista, a recorrente ora impugna, não se descortina por que razão e com que fundamento aventa esta que se trata de questão nova, que não podia ser conhecida no acórdão recorrido. Ora, se é a questão central do processo, decidida em 1.ª e 2.ª instâncias, nunca poderia configurar-se como tal, impondo-se o seu conhecimento pelo tribunal de apelação, como o fez, mediante a prolação de acórdão destituído, pois, de vícios formais.

Improcede a arguição de nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia.

A questão decidenda consiste em saber se à acção de indemnização pelo interesse contratual positivo decorrente de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda comercial por vício da coisa vendida, se aplica o prazo de caducidade de seis meses previsto no art. 917.º do CC ou o prazo geral de prescrição ordinária de 20 anos, previsto no art. 309.º do CC.

É indubitável que não estamos perante uma relação de consumo, atenta a circunstância de ambas as partes, pessoas colectivas, terem celebrado o contrato de compra e venda em causa nos autos, no exercício das respectivas actividades profissionais (daí a sua natureza comercial), não se colocando sequer a questão da aplicabilidade do regime jurídico constante do DL n.º 67/2003, de 08-04, posteriormente alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21-05, transpôs, para o direito interno, a Directiva Comunitária 1999/44/CE, de 25 de Maio de 1999.

Diz o art. 406.º, n.º 1, do CC, que “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes, ou nos casos admitidos na lei”. Esta é a expressão legal do princípio de que os contratos livremente celebrados devem ser pontualmente cumpridos, sendo o advérbio “pontualmente” empregado não no sentido restrito de cumprido a tempo, mas no sentido amplo de que o cumprimento deve coincidir ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito.

O contrato de compra e venda mercantil previsto nos arts. 874.º do CC e 463.º do Código Comercial, tem como elementos integradores a transmissão da propriedade de uma coisa ou outro direito e o pagamento de um preço. Trata-se de um contrato sinalagmático já que as prestações das partes contratantes, entrega da coisa e pagamento do preço são recíprocas e interdependentes.

Estatui, por seu turno, o art. 913.º, n.º 1, do CC, que “Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as necessárias adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”.

Para efeito deste artigo (anulação e indemnização) só são atendíveis os seguintes vícios: os defeitos que desvalorizem a coisa; os que impeçam a realização do fim a que a coisa é destinada, atendendo-se quando esse fim não resulte do contrato, à função normal das coisas da mesma categoria; a falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; a falta de qualidades necessárias para a realização do fim constante do contrato ou, se deste não constar o fim a que se destina, do que corresponde à função das coisas da mesma categoria. O nosso código não distingue vícios ocultos de vícios aparentes ou reconhecíveis, relevando uns e outros, desde que se integrem numa das categorias de vícios previstos no citado art. 913.º, n.º 1.

Como refere o Prof. Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 4.ª Edição, Revista e Aumentada, Almedina, pág. 46, “a “venda de coisa defeituosa” respeita à falta de conformidade ou de qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado. E, na premissa de que parte o Código Civil para considerar a coisa defeituosa, só é directamente considerado o interesse do comprador/consumidor no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme ao contrato”.

O comprador pode fazer uso de uma de três soluções que o direito lhe confere: se a coisa tiver algum dos vícios referidos no art. 913.º, n.º 1, que excedam os limites normais, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos da anulabilidade, só ao comprador sendo lícito pedir a anulação; desaparecidos os vícios da coisa fica sanada a anulabilidade do contrato, que persistirá se a existência dos vícios já houver causado prejuízo ao comprador, ou se este tiver já pedido a anulação da compra e venda; em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada (interesse contratual negativo); se o vendedor se constituir em responsabilidade por não sanar a anulabilidade do contrato, a correspondente indemnização acresce àquela a que o comprador tem direito por virtude de erro ou dolo, salvo estipulação em contrário; se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com os defeitos da coisa, além da indemnização que no caso couber.

O art. 914.º do CC confere ao comprador ainda o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição.

Pode o comprador, no entanto, em alternativa aos descritos direitos, escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao vendedor (arts. 798.º, 799.º e 801.º, n.º 1, do CC), certo que sendo os prejuízos indemnizáveis com origem no vício da coisa – como é seguramente o caso dos autos – não pode a referida acção deixar de obedecer aos prazos breves, previstos especialmente para a venda de coisas defeituosas. Nomeadamente, o prazo de caducidade previsto no art. 917.º do CC. É que a causa de pedir, nesta acção ou nas acções em que se pretenda exercer aqueles supra descritos direitos (anulação, indemnização pelo interesse contratual negativo…) é precisamente a mesma: o defeito da coisa. Todos têm em comum tratarem-se de recursos contratuais por vícios da coisa.

Se, porventura, a causa de pedir assente em cumprimento defeituoso não abrangido pelo art. 913.º do CC, ou seja, quando a violação culposa de deveres do vendedor não se refira a vício intrínseco ou orgânico da coisa, a responsabilidade contratual estará sujeita ao prazo ordinário da prescrição.

A extensão do art. 917.º do CC, que se reporta apenas à acção de anulação, às acções dos demais referidos direitos – nomeadamente, às acções de indemnização pelo interesse contratual positivo – justifica-se pelo quadro comum de garantia edilícia pelos vícios da coisa, evitando – atentos os curtos e breves prazos de denúncia do defeito (de 8 dias, na venda comercial – art. 471.º do Código Comercial) e de caducidade da acção – a pendência por período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova (e contraprova) dos vícios  anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa com o provável entorpecimento do giro comercial.

No sentido exposto, temos, na doutrina, a posição do Prof. Calvão da Silva, na obra já citada, que se seguiu de perto (até à página 79), e o entendimento do Prof. Pedro Romano Martínez, in Cumprimento Defeituoso, Em especial na compra e venda e na empreitada, colecção teses, Almedina, Janeiro de 2001, em que, nomeadamente, na pág. 422, diz: “No direito português, relativamente às promessas de factos estranhos à coisa, justifica-se igualmente o recurso ao prazo de prescrição do art. 309.º, pois os prazos curtos de caducidade só se aplicam às faltas de qualidade do bem vendido ou da obra realizada; em tudo o mais, regem as normas gerais”.

Na jurisprudência do STJ, por exemplo, os Acórdãos de 12-01-2010, Revista n.º 2212/06.4TBMAI.P1.S1, de 04-05-2010, Revista n.º 2990/06.0TBACB.C1.S1, de 30-09-2010, Revista n.º 256/05.2TBAMT.S1, de 02-11-2010, Revista n.º 6473/06.0TBALM.L1.S1, de 22-05-2012, Revista n.º 5504/09.7TVLSB.L1.S1, de 24-05-2012, Revista n.º 1288/08.4TBAGD.C1.S1, de 13-02-2014, Revista n.º 1115/05.4TCGMR.G1.S1.

Ou seja, o prazo de caducidade contemplado pelo art. 917.º do CC, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, quer à acção de anulação, quer às acções que visem o pagamento de indemnização por violação contratual. 

Assim, o comprador dispõe do prazo curto de trinta dias para a denúncia do defeito depois de ele ser conhecido e dentro dos seis meses após a entrega da coisa, nos termos do art. 916.º, n.º 2, do CC. Pretendendo o comprador exercer o direito de acção contra o vendedor, que não lhe é minimamente desconhecido, pode e deve denunciar a este o defeito dentro do mencionado prazo, acautelando desta forma a possibilidade do exercício do direito de acção contra o mesmo, que lhe é conferido legalmente, no prazo de seis meses.

No caso dos autos, decorridos que foram mais de seis meses desde a data da denúncia do defeito até à propositura da acção, deve-se concluir pela verificação da excepção peremptória de caducidade do direito de indemnização por cumprimento defeituoso do contrato, decorrente do vício da coisa vendida – a farinha imprópria para consumo humano – pelo interesse contratual positivo, conforme a autora pretendia fazer valer na presente acção.

A procedência da excepção peremptória validamente invocada pela ré, recorrida, de caducidade do direito de accionar a autora, recorrente, importa a absolvição do pedido (art. 917.º do CC e art. 576.º, n.º 3, do CPC).

Embora despicienda ao julgamento do mérito da revista, não podemos deixar de referir algo acerca da invocada oposição de acórdãos. Que inexiste.

O acórdão proferido na Revista n.º 3362/05.0TBVCT tratou, além do mais, da questão de saber se o cumprimento defeituoso de obrigação, ainda que proveniente de vício da coisa vendida, pode ou não fundamentar um eventual direito a resolver o contrato de compra e venda. Esta é uma questão que, manifestamente, não nos ocupa na presente acção, em que se discute o direito de indemnização por interesse contratual positivo decorrente de cumprimento defeituoso de contrato de compra e venda, ainda que provindo de vício da coisa vendida.

O acórdão proferido na Revista 1453/06.9TJVNF.P1.S1 tratou da questão da excepção de peremptória de caducidade do direito de denúncia dos defeitos invocada na acção, no prazo previsto no art. 471.º do Código Comercial, que é questão bem diferente da colocada nestes autos – a de saber qual o prazo que se aplica ao direito de acção de indemnização invocada pela autora, se o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no art. 309.º do CC, se o prazo de caducidade de seis meses, consagrado no art. 917.º do CC, por interpretação extensiva, tendo concluído a Relação, e, agora, este Tribunal, pelo último, que, por ter decorrido, importa que se decida pela absolvição da ré do pedido.


Por fim, conhecer-se-á do pedido, formulado pela ré/recorrida, de condenação da autora/recorrente como litigante de má fé.

As partes estão sujeitas aos deveres de cooperação – art. 7.º; boa fé processual – art. 8.º; e recíproca correcção – art. 9.º, todos do CPC, quer, na relação entre si, quer em relação ao tribunal, visando a lide uma decisão conforme à verdade e ao direito.

Em princípio, a defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a desencadear a aplicação do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e a consequente condenação como litigante de má fé, a não ser que não hajam sido observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé.

Na presente lide, não se patenteia que a autora/recorrente tivesse actuado com negligência ou culpa grave, ou sequer preenchido, com o seu comportamento processual, qualquer uma das alíneas a) a d) do art. 542.º, n.º 2, do CPC, não se verificando os pressupostos legais para fundamentar uma sua condenação como litigante de má fé.



Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 06 de Outubro de 2016


Orlando Afonso (Relator)

Távora Victor

António da Silva Gonçalves