| Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | CARMONA DA MOTA | ||
| Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DUPLA CONFORME CONCURSO DE INFRACÇÕES LIMITAÇÃO DO RECURSO RECEPTAÇÃO EXTORSÃO BUSCA NULIDADE IRREGULARIDADE CASO JULGADO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO MOTIVAÇÃO DO RECURSO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA ACÇÕES ENCOBERTAS CO-ARGUIDO TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES | ||
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| Nº do Documento: | SJ200707050017765 | ||
| Data do Acordão: | 07/05/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | REC PENAL. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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| Sumário : | I - «Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de l.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções (…)» (art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP). Ou seja, «mesmo em caso de concurso de infracções», não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos. II - No caso, alguns dos «processos conexos» (arts. 24.º e 25.º do CPP) versam crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos de prisão (arts. 223.º, n.º 1, e 231.º, n.º 1, do CP), e daí, pois, que cada um deles valha como «processo por crime a que é aplicável pena de prisão não superior a cinco anos». III - Se julgados isoladamente, não haveria dúvidas de que não seria admissível recurso do(s) acórdão(s) proferido(s), em recurso, pela Relação. IV - Ora, não há razões substanciais – ou sequer, processuais – para que se adopte um regime diverso de recorribilidade em função da circunstância de, por razões de «conexão» («de processos» – art. 25.º), terem sido conhecidos simultaneamente os crimes «concorrentes» (dos demais «processo conexo»). V - Acresce que, para efeitos de recurso, «é autónoma a parte da decisão que se referir, em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes» (art. 403.º, n.º 2, al. b), do CPP). Por isso, o art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP adverte para que tal regime de recorribilidade (no tocante «a cada um dos crimes», ou, mais propriamente, ao «processo conexo» respeitante a cada «crime») se há-de manter «mesmo em caso de concurso de infracções» julgadas «em processos conexos» (ou em «um único processo organizado para todos os crimes determinantes de uma conexão» – art. 29.º, n.º 1, do CPP). VI - Aliás, se o art. 400.º, n.º 1, nas suas al.s e) e f), pretendesse levar em conta a pena correspondente ao «concurso de crimes», teria aludido a «processos por crime ou concurso de crimes» (e não a «processos por crime, mesmo em caso de concurso»). VII - É certo que «a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” suscita algumas dificuldades de interpretação». Porém, e uma vez que «a pena aplicável no concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas aplicadas aos diversos crimes em concurso (art. 77.º do CP)», «não parece que o legislador tenha aqui recorrido a um critério assente na pena efectivamente aplicada no concurso e, em abstracto, é impossível determinar qual a pena aplicável aos crimes em concurso antes da determinação da pena aplicada a qualquer deles». Donde que «a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” signifique aqui que, não importando a pena aplicada no concurso, se tomará em conta a pena abstracta aplicável a cada um dos crimes» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, pág. 325). VIII - Daí que haja de se considerar definitivas (art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP) – e, por isso, irrecorríveis – as penas parcelares aplicadas ao arguido, pelas instâncias, por «receptação» e «extorsão». IX - A circunstância da busca à arrecadação existente no Café G ter a ver, apenas, com o crime de «receptação», pelo qual o arguido está definitivamente condenado, obsta a que o STJ aprecie em sede de recurso a nulidade suscitada pelo arguido quanto a tal busca. X - O «caso julgado» cobre as irregularidades e/ou nulidades que porventura tenham afectado a busca que conduziu à detecção, apreensão e recuperação dos bens receptados: «A formação de caso julgado torna insindicáveis todos os vícios susceptíveis de constituir causa de nulidade – seja qual for a sua natureza – permitindo a sua conservação» (João Conde Correia, Contributos para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra Editora, 1999, pág. 169). XI - «Um recurso fundamentado numa discordância em relação à decisão sobre um ponto de facto, reputado como incorrectamente decidido, (...) trata-se de um juízo de censura crítica sobre um concreto “ponto”: (...) o recorrente, sendo obrigado a especificar quais as provas que imporiam decisão diversa, o que pretende é, exactamente, que o tribunal de recurso proceda, ele próprio, a um exercício crítico substitutivo do «exame crítico» realizado pelo tribunal de primeira instância. Por outras palavras, o recorrente [não só] tem o «direito» a que o tribunal de primeira instância, na sua decisão, proceda a um exame crítico das provas [como] tem o direito a solicitar o reexame crítico em segunda instância» (Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Universidade Católica do Porto, 2002, págs. 547/551). XII - Para que se proceda àquele reexame crítico é necessário, contudo, que o recorrente corresponda à obrigação legal de especificar as provas que impõem decisão diversa – cf. art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP. XIII - Tal não sucede quando o recorrente tão-só põe em causa a credibilidade de uma das testemunhas, regateia o sentido ou significado das declarações de um co-arguido ou joga com o facto de uma testemunha haver identificado, familiarmente, como Gil um tal Gilberto, visitante habitual do arguido durante a sua estadia no estabelecimento prisional. XIV - «No recurso [em matéria de facto] não est[ar]á em causa o princípio da livre convicção do julgador, mas apenas a correcção do julgamento em função das provas produzidas em audiência», pois que «não se trata tanto da interpretação das provas produzidas mas da comprovação de que o juízo se fundou nas provas produzidas ou examinadas na audiência» – cf. Germano Marques da Silva, Um olhar sobre o projecto e o acordo político para a revisão do CPP, Revista Julgar, 01, 2007, pág. 150. XV - Se A espera de B uma entrega de droga ilícita e se B, quando se prepara para fazer essa entrega, é interceptado pela PJ, que, obtendo a sua anuência com vista à confirmação da identidade do destinatário, o leva a entregar a A um sucedâneo da droga apreendida, não se vê que tal «entrega controlada» ofenda a integridade moral deste, pois que B, não ocultando a sua identidade e a sua qualidade de intermediário da droga que A aguardava, lhe entregou, à vista de agentes da PJ, não a droga esperada mas um sucedâneo inócuo. XVI - Repare-se, de resto, que este expediente não procurou colocar A na situação de receber «drogas ilícitas» (que, por intercepção da PJ, não chegou a receber), mas visou, simplesmente, confirmar a revelação de B sobre a identidade do destinatário da droga com que, em trânsito, foi surpreendido. XVII - Na apontada situação, a acção que a PJ desenvolveu, contra o arguido A, através do co-arguido B, não envolveu uma verdadeira «acção encoberta», pois que este, actuando embora «sob o controlo da Polícia Judiciária», não o fez «com ocultação da sua identidade» - cf. art. 1.º, n.º 2, da Lei 101/01. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Arguido/recorrente: AA (1) 1. OS FACTOS 1. O arguido AA, cerca do final do ano 2001, decidiu dedicar-se ao tráfico de drogas duras, designadamente heroína, na ilha de S. Miguel, aproveitando-se do facto de ter ascendente sobre repatriados dos EUA e Canadá, bem como por ter contactos com fornecedores de tal produto estupefaciente a partir de Portugal Continental. 2. Assim, começou a transaccionar, por venda contra dinheiro, ou por troca contra objectos furtados, tais produtos estupefacientes, valendo-se, no caso de troca de bens furtados contra heroína, da grande dependência dos consumidores de tal substância para adquirir bens contra a entrega de drogas. 3. Até Setembro de 2002, altura em que foi sujeito a prisão preventiva à ordem de outro processo, o arguido AA praticava tal actividade no Café de ...,que é sua propriedade. 4. A partir dessa data, GG, tio do arguido AA, ficou encarregado do negócio de exploração do referido café, servindo de intermediário do sobrinho no negócio dos produtos estupefacientes. Tal estabelecimento fica na Rua de Lisboa, n.º ...m Ponta Delgada, pertencendo à mãe do arguido AA, sendo naquele estabelecimento que o arguido AA entregava heroína aos consumidores de tal substância, recebendo como contrapartida dinheiro ou bens furtados. 5. Em 24 de Outubro de 2001, a residência de ...do ..., sita na Rua de S. Leandro, n.º ...,em Ponta Delgada, fora alvo de furto, tendo um indivíduo não identificado subtraído da mesma uma câmara de filmar, marca “Panasonic”, no valor de 668 euros. 6. Efectuada busca domiciliária à residência do arguido AA, em Ponta Delgada, nela foi encontrada tal câmara, que este arguido havia adquirido a terceiros, não identificados, em circunstâncias que não foi possível apurar. 7. Em 13 de Dezembro de 2001, BB entrara no estabelecimento denominado “Café ..." pertencente a DD, com o fito de se apoderar de bens que ali fossem encontrados. 8. Forçou a porta principal e levou consigo os seguintes bens, pertencentes ao ofendido: um moinho de café, marca “Delta”, no valor de 75.000$00; uma máquina de café, marca “Brasília”, de cor cinzenta, no valor de 425.000$00; 2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 3.º Juízo de Ponta Delgada (10), em 02Out06, condenou AA (-22Dez69), como autor de um crime de receptação (art. 231.º, n.º 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; de um crime de extorsão (art. 223.º, n.º 1, do Código Penal), na pena de 2 anos de prisão; de um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93), na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão: À generalidade dos arguidos é imputada a prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. p. artigo 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93. Dispõe este preceito que “quem, sem para tal estar autorizado... vender... ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar... ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos”. O bem jurídico fundamentalmente tutelado por aquela previsão é a saúde pública, donde deriva que a ilicitude se verifica não só com a venda e o transporte mas também com a simples detenção dos produtos estupefacientes, na medida em que da nocividade destes para a saúde decorre que essa simples detenção tem carácter de perigosidade, deparando-se-nos, portanto, um crime de perigo comum abstracto. (11) A conduta dos arguidos AA, LL, HH, GG, ... e KK preenche o tipo objectivo supra descrito. Do que resulta serem ilícitas as suas condutas. Sabiam as características dos produtos e não ignoravam ser proibido e punido por lei os seus transporte, detenção, cedência, recebimento ou venda, pelo que actuaram dolosamente. Terão agido, assim, típica, ilícita e culposamente, pelo que cometeram o crime previsto no referido artigo 21º, nº 1. O arguido AA praticou ainda factos (os referidos sob 9.) que integram a previsão do crime de receptação, p. e p. nos termos do disposto no artigo 231º, n.º 1, do Código Penal, com prisão até 5 anos ou multa até 600 dias. Bem como factos (os referidos sob 16. a 24.) que integram a previsão do crime de extorsão, p. e p. nos termos do disposto no artigo 223º, n.º 1, do Código Penal, com prisão até 5 anos. Nos termos do disposto no artigo 71º, nº 1, do Código Penal, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Face ao quadro legal traçado no nº 2 do mesmo preceito, julgam-se relevantes para a determinação concreta da pena a aplicar a cada um dos arguidos, e independentemente da sua já valoração para efeitos de atenuação especial quanto a alguns deles, as circunstâncias que seguidamente se enumeram, a partir das quais se determinará a pena entendida adequada: tipo e quantidade de produto estupefaciente com que lidou; forma de actuação; presumíveis elevados lucros obtidos; especial violência da actuação, no que concerne à extorsão; valor dos bens comprados, quanto à receptação; antecedentes criminais. Na pena única a cominar ao arguido AA, têm-se em conta os factos e a personalidade do agente – artigo 77º, n.º 1, do Código Penal. 3. O RECURSO PARA A RELAÇÃO 3.1. Insatisfeito, o arguido recorreu em 17Out06 à Relação, pedindo a absolvição a anulação do acórdão ou uma pena inferior: 1. É nula a busca realizada ao anexo do café ... sito na Rua de Lisboa, nº ..., em Ponta Delgada, uma vez que não existia a competente ordem judicial nem tão pouco consentimento do arguido. 2. É também nula a busca realizada à residência sita na Rua Amaro Dias, nº ..., Ponta Delgada, pois inexistia ordem judicial ou consentimento do arguido para a mesma ser efectuada. É igualmente nula a busca levada a cabo à residência do arguido sita na Rua João do Rego, n.° ..., porquanto não existia mandado ou consentimento para que tal fosse efectuada. As nulidades destas buscas têm como consequência a proibição de valoração dos elementos de prova aí colhidos bem como todas aquelas que delas resultaram. 5. O arguido KK foi detido na posse de cerca de 500 g de heroína, no dia 7/10/04 pelas 7h30 no aeroporto de Ponta Delgada, tendo de seguida sido conduzido para as instalações da PJ. 6. Cerca das 11:00, a P.J. decidiu transportar o arguido ao café ..., colocando-lhe um produto em pó à cintura a fim de o entregar ao arguido GG e receber o respectivo dinheiro. 7. A PJ montou um dispositivo policial no exterior e interior do café por forma a seguir a conversa mantida entre o arguido GG e KK bem como os seus movimentos. 8. A actuação do arguido KK, controlado pela PJ, traduziu-se numa operação controlada de entrega de droga, aliás como a PJ consignou no RDE de fls. 38. 9. Esta entrega controlada está sujeita ao regime legal previsto na Lei n° 101/01, de 25/8. 10. Não foram cumpridos os requisitos aí previstos designadamente no art. 3º. 11. Do que resulta todos os actos processuais, e os realizados na sequência destes, serem nulos. 12. O recorrente impugna os pontos da matéria de facto dada como provada nos números 1, 2, 3 e 15 a 20 do acórdão e todos os que com eles contenderem. 13. Com efeito, o tribunal estribou a sua convicção nas declarações da testemunha FF, cujo depoimento não merece credibilidade atendendo às numerosas contradições ocorridas entre as declarações prestadas a folhas 419 e seguintes, 649 e seguintes e 1367 e seguintes bem como as prestadas em sede de julgamento. 14. Na verdade, do depoimento desta testemunha resultaram contradições flagrantes em pontos fundamentais, como sejam, a quem adquiriu a droga, o montante em divida que teria para com o recorrente, o momento e o local e por quem foi agredido violentamente, as circunstâncias em que decorreu o pagamento da dívida e as quantidades de droga que diz consumir diariamente, e os indivíduos que numas declarações incrimina e noutras já iliba. 15. Estas contradições, conjugadas com o real interesse que a testemunha tinha em demonstrar que a viatura passou para a posse do recorrente através de um negócio ilícito, para assim requerer a sua entrega ao tribunal, bem como a circunstância de, a ter sido violentamente agredida, não se ter deslocado ao hospital a fim de receber assistência médica ou a não indicação de qualquer elemento que demonstrasse esses ferimentos e ainda o não se ter dirigido às autoridades a fim de denunciar a situação são de molde a questionar a credibilidade desse depoimento impedindo a sua valoração. 16. Do que resulta os pontos impugnados estarem incorrectamente julgados, impondo uma decisão diferente da recorrida. 17. Também se impugnam os pontos 31 a 38 da matéria de facto dada como provada pois tiveram como suporte as declarações do arguido GG, pois este, para além de não ter referido que o recorrente tinha conhecimento do conteúdo da 1.ª encomenda, referiu que o AA não tinha qualquer relação com a droga apreendida. 18. Acresce que o arguido KK referiu que o indivíduo que lhe pediu para transportar a droga se chamava .. e não .. ou ... 19. Acresce que o indivíduo que foi visitar o recorrente ao Estabelecimento Prisional chamava-se KK, não sendo possível estabelecer uma relação com o indivíduo que terá solicitado os serviços do arguido KK. 20. De todo o modo, ainda que essa relação fosse possível, os elementos de prova invocados no acórdão impunham decisão diversa, porquanto não é possível concluir que o recorrente tinha qualquer relação com a droga apreendida ao seu tio e co-arguido GG. 21. Por último, a medida da pena encontrada mostra-se, em qualquer caso exagerada, uma vez que o acórdão não valorou a circunstância de o recorrente à data dos factos ser toxicodependente e ter procedido à entrega dos objectos furtados. 3.2. Mas a Relação de Lisboa (12), em 21Mar07, negou provimento ao recurso: Quanto à 1.ª dessas questões, a de que são nulas: a) A busca realizada ao anexo do café ..., sito na Rua de Lisboa, nº ..., em Ponta Delgada; b) A busca realizada numa casa sita na Rua Amaro Dias, n.º .., ..., Ponta Delgada; e c) A busca levada a cabo na residência do arguido sita na Rua João do Rego. Vamos por partes: a) Quanto à busca realizada ao anexo do café ..., sito na Rua de Lisboa, n.º 17, em Ponta Delgada, a mesma é permitida pelos art. 249.º, n.º 2 al. c) e 251.°, n.º 1 al. a), do Código de Processo Penal (...) e a sua necessidade encontra-se suficientemente fundamentada pelo OPC a fls. 238. b) Quanto às buscas realizadas numa casa sita na Rua Amaro Dias, n.º ...,..., Ponta Delgada e na residência do arguido sita na Rua João do Rego. Na sequência dessas diligências, foi apreendida no mesmo dia, por indicação do arguido AA, uma máquina de café Brasília (cf. fls. 240) que também havia sido furtada e que se encontrava numa casa situada na R. Amaro Dias n° ..., ..., a que o arguido AA tinha acesso e da qual forneceu a chave, sendo que a mesma em lado algum é referenciada, sequer pelo recorrente, como sendo a residência ou o domicílio de quem quer que seja. Destas diligências teve conhecimento a Exma. JIC (cf . despacho judicial de fls. 280), nos termos e para os efeitos dos art. 174.°, n.º 4, al. c) e 5, 251.°, n.º 2 e 249.°, n.º 2 al. c), a qual, na sequência da suspeita de existência de produto estupefaciente na residência do arguido AA, ordenou a busca domiciliária à residência deste, sita na Rua João do Rego, nº ... (cf. mandado judicial de fls. 282). Quando se pretendia concretizar a busca, verificou-se, por indicação do próprio arguido que estava presente, que o n. º de porta não era o 71 que constava do mandado de busca, mas o 61 (cf. fls. 282-283). Este manifesto lapso de escrita não tem a virtualidade de tomar nula a busca. O mandado destinava-se à residência do arguido e foi essa que, na presença dele, foi alvo de busca - assim se julgando improcedente as arguidas nulidades no que respeita quer à busca na casa sita na Rua Amaro Dias, n. º .., Ponta Delgada, quer à busca na residência do arguido sita na Rua João do Rego, n° .... Quanto à 2.ª das questões postas no recurso interposto pelo arguido AA, a de que a operação controlada pela Polícia Judiciária de entrega de droga do arguido KK ao arguido GG, efectuada em 7-10-2004 no Café ..., em Ponta Delgada, também é nula por violação de requisitos legais previstos na Lei n.º 101/01, de 25-8. O recorrente está a referir-se ao seguinte trecho da matéria de facto assente como provada, constante de fls. 2520 e ss.: «45. Em 07 de Outubro de 2004, o arguido KK chegou a Ponta Delgada, no voo S4 121 da Sata, proveniente de Lisboa, sendo então sujeito a revista, no decurso da qual se constatou que tinha consigo: uma cinta de adesivo contendo heroína, com o peso líquido 470 gramas; um recibo e um talão de embarque relativo a uma viagem de Lisboa/Ponta Delgada/ Lisboa, entre 25 e 28 de Agosto de 2004; um telemóvel, marca "Samsung", modelo "C100", da rede TMN, com o n. º .... 46. Vendo-se detido em flagrante delito, o arguido KK disse querer indicar a quem ia entregar o produto estupefaciente, pelo que, removida a cinta com produto estupefaciente, lhe foi colocada uma cinta similar, contendo um pó lícito. 47. Como o arguido indicasse que ia levar o produto estupefaciente ao "café ...", para ali foi conduzido, tendo entretanto dois inspectores da Polícia Judiciária entrado no café, como clientes de produtos lícitos, para presenciarem o acto de entrega. 48. Quando o arguido KK entrou no café, dirigiu-se ao arguido GG, o qual nada lhe disse por estarem estranhos no estabelecimento. 49. Passados momentos, o arguido KK dirigiu-se à casa de banho, sendo secundado pelo arguido GG que ali, em cerca de um minuto, o ajudou a retirar a cinta que pensava conter produto estupefaciente. 50. O arguido KK, naquele período de tempo, voltou à sala do estabelecimento, sendo seguido pelo arguido GG, tendo este último consigo a fita adesiva com o pó lícito, que escondeu no balcão do café. 51. De seguida, o arguido GG dirigiu-se ao seu automóvel, que se encontrava estacionado em frente ao estabelecimento - um veículo ligeiro de passageiros de matrícula NH, marca "Citroen", modelo "Saxo", no valor de 4.000 euros - retirando do veículo um saco de plástico, que continha duas caixas vazias de "Nestum", na qual tinha guardado 19.500 euros - 4.500 euros numa caixa e 15.000 euros noutra - em notas do BCE. 52. Em cada uma destas caixas o arguido tinha manuscrito a respectiva quantia e no saco de plástico tinha colocado um pedaço de papel, onde manuscrevera "9.500". 53. O arguido GG voltou então a entrar no estabelecimento, dirigindo-se de novo para a casa de banho, seguido pelo arguido KK, a quem entregou aquele saco e pacotes, com os referidos 19.500 euros. 54. Quando o arguido KK se retirava do café, aqueles saco, pacotes manuscritos e dinheiro foram apreendidos, bem como o aludido manuscrito, e o estabelecimento sujeito a busca (...)». Não está nem nunca esteve em causa qualquer acção encoberta. O que aconteceu foi algo bem mais simples: o arguido KK quis e prestou-se a auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação de outros responsáveis, para assim poder colher o beneficio da atenuação prevista no art. o 31.º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22-1. E foi o que fez. A atitude de auxílio concreto às autoridades na recolha de provas para a identificação e captura de outros responsáveis é conduta que a lei não proíbe e até estimula, como se depreende do teor daquele citado art. 31.° (STJ 3-3-99, CJ-STJ, 1999,1-231). Quanto à 3.ª das questões postas no recurso interposto pelo arguido AA, a de que foi por o tribunal ter apreciado mal a prova produzida em julgamento que deu como provados os factos constantes dos itens 1, 2, 3, 15 a 20 e 31 a 38, aqui há que distinguir três grupos de factos, sendo o primeiro constituído pelos itens 1 a 3, o segundo pelos itens 15 a 20 e o terceiro pelos itens 31 a 38. Temos pois que ir ver as transcrições da prova referida pelo recorrente em seu recurso para aferir o que se passou. Não olvidando o ensinamento de Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae, Ano 1, n. º 0, pág. 22, de que «o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas um remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância». Acreditar ou não numa testemunha é uma questão de convicção. Essencial é que a explicação do tribunal por que é que acredita ou deixa de acreditar seja racional e tenha lógica. E quem está numa posição privilegiada para avaliar essa credibilidade é, sem dúvida, o tribunal da 1.ª Instância, que beneficiou da oralidade e da imediação que teve com a prova. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. Daí que uma transcrição de prova não possa ser lida linearmente, como se fosse uma escritura de um notário. É que há sempre coisas que os juízes de julgamento viram e ouviram e não ficaram na transcrição e às quais, por isso, o tribunal de recurso nunca terá acesso, sendo por vezes precisamente essas que fazem a diferença e levam o tribunal a quo a tombar para o lado do provado em vez do não provado ou vice-versa. Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal. Assim, a reapreciação das provas gravadas pela Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1.ª Instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas. A prova testemunhal não é, pois, para ser avaliada aritmeticamente. Por isso é que o art. 127.° do Código de Processo Penal dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente; salvo quando a lei dispuser diferentemente, o que não é o caso. Conforme refere o Prof. Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal 11, 27) as regras ou normas da experiência "são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto, sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade" e a livre convicção "é um meio da descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade, portanto, uma conclusão livre porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores". Certo que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável (STJ 4-11-98, CJ-STJ 1998, 111-201). Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum (STJ 6-3-02, CJ-STJ 2002, 11-44, e da RÉ 25-5-04, CJ 2004, 111-258). Ora, analisando o conteúdo das transcrições dos depoimentos indicados pelo recorrente, conjugados entre si e com as regras da experiência e da normalidade, nada se pode criticar à matéria de facto assente como provada. Na verdade, no tocante ao primeiro grupo de itens da matéria de facto assente como provada, impugnados pelo recorrente, o mesmo indica que o tribunal recorrido os deu como provados sobretudo com base nas declarações da testemunha FF. Mas não foi a única prova produzida sobre esses assuntos, pois que, como se constata da fundamentação da convicção, mais concretamente a fls. 2531, o tribunal foi buscar a sua convicção em relação a esse grupo de factos também a confissões dos arguidos, declarações de testemunhas e arguidos que frequentavam o café e que depois vai explicitando. No tocante ao segundo grupo de itens da matéria de facto assente como provada, os enumerados de 15 a 20, pouco adianta ao recorrente estar agora a inventariar as contradições em que a testemunha FF eventualmente tenha incorrido nos vários depoimentos que haja prestado ao longo do inquérito e/ou da instrução do processo. A convicção que agora nesta Relação podemos sindicar não é a convicção do recorrente resultante da leitura desses vários depoimentos, mas a convicção do tribunal recorrido formada com base nas provas produzidas em julgamento. Na verdade, a matéria de facto constante da acusação ou da pronúncia resultará provada ou não provada com base na prova que se fizer em julgamento e não com base na leitura que em casa se possa fazer dos depoimentos prestados ao longo do processo. E lida a transcrição do depoimento prestado pela testemunha FF, concluímos que o teor da mesma impunha ao tribunal que tivesse dado como provados os factos agora impugnados. No tocante ao terceiro grupo de factos, constante dos itens 31 a 38, afigura-se-nos inócuo o trocadilho de palavras (KK com ...; ... com ...) em que no fundo se resume a maior parte das objecções do recorrente e com o qual pretende embaraçar o raciocínio dedutivo do tribunal recorrido, sendo certo que, quanto às demais apontadas pelo recorrente neste particular segmento da matéria de facto assente como provada, o tribunal não se valeu apenas do depoimento do co-arguido KK, mas também do de GG, bem como do teor da documentação junta a fls. 1112-1113 e 1804 (relação de visitas recebidas pelo recorrente no Estabelecimento Prisional em 2.004 do tal KK, também conhecido por "...) e 1752-1755 (relação de chamadas telefónicas feitas pelo recorrente ao co-arguido GG e ao tal KK, também conhecido por "...", entre 17-8-2004 e 3-10-2004). Na verdade, como consta do STJ 21-10-04, CJ-STJ, 2004, I1I-197, que seguiremos de perto, o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto provando, não estando excluída a possibilidade de o julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção. Em sede de apreciação, a prova testemunhal pode ser objecto da formulação de deduções ou induções, bem como da correcção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência. Desde logo, é legítimo o recurso a tais presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art. 125.º do Código de Processo Penal; e o art. ° 349.° do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351.° do Código Civil). Depois, as presunções simples ou naturais (como o são as aqui em causa) são simples meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois são o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções. Como expendia Cavaleiro de Ferreira, in "Curso de Processo Penal", 1-333 e ss., as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cederão perante a simples dúvida sobre a sua exactidão em cada caso concreto. Também Vaz Serra, em "Direito Probatório Material", Boletim do Ministério da Justiça, n. ° 112 p. 990, diz que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência». Por tudo quanto fica exposto, concluímos não padecer de qualquer censura a matéria de facto assente como provada posta em questão pelo recorrente AA. Quanto à 4.ª das questões postas no recurso interposto pelo arguido AA, a de que a pena aplicada ao recorrente é exagerada, recorde-se que o recorrente foi condenado pela prática: - De um crime de receptação, p. p. art. 231.°, n.º 1, do Código Penal, em 6 meses de prisão; - De um crime de extorsão, p. p. art. 223.°, n.º 1, do Código Penal, em 2 anos de prisão; e - De um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. art. 21.°, n.° 1, do D.L. 15/93, em 7 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico: 8 anos e 6 meses de prisão. No tocante à escolha e graduação das penas que a um arguido hão-de ser impostas, é a medida da sua culpa que condiciona decisivamente a pena concreta a aplicar-lhe. Para além de ser fundamento, a culpa concreta é o máximo de condenação possível e nunca, em caso algum, as razões de prevenção poderão impor uma pena que ultrapasse essa culpa concreta do agente (Figueiredo Dias, "Direito Penal Português, "As Consequências Jurídicas do Crime", Notícias Editorial, pág. 238 e ss.). Do que se trata é de sancionar um delinquente concreto que, num determinado circunstancialismo, cometeu um facto jurídico-penalmente relevante, desvalioso, merecedor de censura penal. Deve assumir-se a pena como KKo adequada, proporcionada aos factos e ao agente, e, procurando-se com ela dar satisfação aos fins de prevenção-ressocialização do agente, evitar-se que outros cometam infracções semelhantes. Há que ponderar, na situação concreta, como elementos ou factores a reflectirem-se na culpa, a gravidade da ilicitude, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o crime, as condições pessoais do agente e sua situação económica e, em suma, em todo o demais condicionalismo mencionado não só no corpo como nas respectivas alíneas do n.º 2 do art.º 71.° do Código Penal. No tocante aos presentes autos, norteados por este normativo e ponderando, no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes, o grau de ilicitude dos factos, com estupefacientes (heroína) de elevada perniciosidade para a saúde pública e em quantidade já significativa, o modo como o ilícito se processava, o tempo por que o mesmo perdurou, o grau de participação do arguido no esquema montado para o tráfico, bem como, no tocante ao crime de receptação, a natureza e valor dos bens receptados e período de tempo pelo qual essa sua actividade se prolongou, bem como, no tocante ao crime de extorsão, a maneira despudorada como esta foi cometida e a natureza e valor da coisa extorquida (um automóvel), a intensidade do dolo (na sua forma mais elevada de dolo directo) com que praticou esses ilícitos e os seus antecedentes criminais (constantes do item 78 da matéria de facto assente como provada do acórdão recorrido), levam a que, tudo visto e ponderado, se tenham por justas e adequadas não só as penas parcelares (afigurando-se-nos até que a dada pelo crime de receptação - 6 meses de prisão - se peca é por ser algo branda), como também a que do seu cúmulo jurídico resultou. 4. o recurso para o supremo 4.1. Notificado em 21Mar07 (c/r), o arguido (13), ainda insatisfeito, recorreu em 11Abr07 ao Supremo (14), pedindo a anulação do acórdão recorrido, a absolvição do recorrente ou a aplicação de uma pena inferior: 1 - Verifica-se a nulidade prevista no art. 379 n.º 1 c) do CPP, por o tribunal recorrido não ter apreciado concretamente os pontos de facto que o recorrente considerou mal julgados (...). 2 - O recorrente tinha direito a uma segunda decisão em matéria de facto, com uma análise concreta aos pontos incorrectamente julgados. 3 - É o acórdão recorrido nulo, nos termos dos artigos 425° nº 4 e 379° nº 1 c) do CPP, pois deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar. 4 - É nula a busca realizada ao anexo do café de ... por o OPC não ter autorização prévia, nem se verificar nenhuma das circunstâncias previstas no art. 251° e 174°. 5 - A actuação do arguido KK, controlada pela PJ, traduziu-se numa operação controlada de entrega de droga, que deve ser sujeita ao regime legal previsto na Lei n.º 101/01, de 25/8. 6- Não foram cumpridos os requisitos aí previstos designadamente no art. 3. 7- A Lei 101/01 veio regulamentar de uma forma precisa um regime vago que estava inserido no DL 15/93. 8 - Este caso concreto ultrapassa em muito o simples auxílio às autoridades, pois o OPC deteve o co-arguido, aprendeu o estupefaciente, combinou com o arguido KK os procedimentos em reunião nas instalações da PJ, e enviou-o para completar o seu percurso com uma substância inócua. 9 - A ser como entende o acórdão recorrido, a lei das acções encobertas apenas se aplicará em casos de infiltração de polícias, e não a acções com terceiros, controladas pela polícia. 10 - Neste caso, toda a operação foi planeada com tempo e precisão pela PJ, pelo que não havia razões para não cumprir o preceituado na Lei 101/01. 11 - Do que resulta serem nulos todos os actos processuais e os realizados na sequência destes. l2 - As penas aplicadas ao arguido, bem como a resultante do cúmulo jurídico, mostram-se elevadas. 13 - Várias atenuantes - que resultaram provadas por via da contestação - não foram consideradas pelo acórdão recorrido. 14 - O arguido era toxicodependente e entregou voluntariamente os objectos furtados. 4.2. O MP (15), na sua resposta de 27Abr07, pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso: I - Em primeiro lugar, relativamente à pretensa omissão de pronúncia, diga-se que o acórdão recorrido não deixou de apreciar todas as questões colocadas pelo recorrente no recurso interposto da decisão da 1.ª instância no que toca à matéria de facto - factos que afirmava haverem sido incorrectamente julgados, não merecendo qualquer reparo o ter-se operado tal apreciação relativamente a cada um dos três núcleos de questões nessa matéria suscitadas. É isso o que, concretamente e com o necessário pormenor, se fez a fls. 41 e 42 do acórdão recorrido. Não pode, pois, o recorrente valer-se de uma tal pretensão, sendo que a decisão, para lá de se estribar em boa doutrina e em boa jurisprudência, ataca também os concretos pontos da matéria de facto que o recorrente dizia terem sido incorrectamente julgados. II – Também quanto às nulidades invocadas (busca e entrega controlada) não assiste razão ao recorrente. Por um lado, a primeira é permitida nos termos dos art.s 249.°, n.º 2, alínea c) e 251.°, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, mostrando-se devidamente fundamentada a sua necessidade. Por outro lado, quanto às segundas, como acentua o acórdão sob censura, não está em causa qualquer acção encoberta, mas, antes, o ter-se o co-arguido KK prestado voluntariamente a auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação de outros responsáveis, para, assim, beneficiar da atenuação prevista no art. 31.º do DL 15/93, de 22/1. III - No tocante à medida das penas parcelares aplicadas pela prática dos crimes de receptação e de extorsão, não há que conhecer do recurso, por o mesmo não ser admissível relativamente a elas (art. 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP). A pena concretamente aplicada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes não merece censura, tendo em conta o grau da ilicitude dos factos - natureza e quantidade do produto em causa -, o modo como o ilícito se processava, o período de tempo por que se prolongou, o grau de participação do recorrente, a intensidade do dolo (directo) e os seus antecedentes criminais. Também a medida da pena única aplicada em cúmulo jurídico - cuja operação, de resto, se não mostra concretamente impugnada pelo recorrente - não merece censura. 4.3. Nas suas alegações escritas de 21Jun07, o MP (16), pronunciou-se pelo improvimento do recurso: Como primeira questão suscitada pelo recorrente, temos a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia. E, nesta matéria, depois de elencar os pontos que no seu recurso para a Relação submeteu à reapreciação daquele tribunal e indicar aquele que considera ser o procedimento correcto a seguir nessa reapreciação, limita-se a afirmar genericamente que o acórdão recorrido respondeu a essa pretensão com generalidades imputando-lhe ainda a afirmação de que “não pode ultrapassar o princípio da livre apreciação da prova e o facto da sua imediação ocorrer no tribunal de 1ª Instância”. Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, não é essa a realidade demonstrada no acórdão recorrido e, sendo certo que o recorrente não dá a conhecer a este Supremo Tribunal que tipo de factos, provas ou argumentos ficaram por conhecer como lhe competiria, também é verdade que da simples leitura do mesmo acórdão resulta claro que não foi omitido o dever de conhecer e reapreciar a matéria de facto impugnada pelo recorrente como se poderá constatar do constante de fls. 40 a 43 do referido acórdão. A outra questão suscitada no presente recurso diz respeito a pretensa nulidade da busca realizada em anexo do Café de .... E diz-se pretensa na medida em que a busca em causa obedeceu aos requisitos previstos nos dispositivos citados na decisão recorrida e, para além do mais, como consta de fls. 238 e ss., foi submetida á validação das autoridades judiciárias em simultâneo com a apresentação de arguido detido que, com base nos elementos apresentados validou a detenção e, implicitamente, a própria busca. Como se diz no recente acórdão n.º 274/2007, DR II de 18.06.07, “um juízo que tenha por válidos os elementos probatórios decorrentes de uma busca que está a ser sujeita a apreciação judicial, traduz em si, de forma inequívoca, uma decisão - necessariamente pressuposta - quanto à validação da diligência e à possibilidade de valoração desses elementos, sendo certo que, existindo esse juízo de validação, permanecerão intocáveis os direitos do arguido no sentido de se haver por legitimada a intervenção dos órgãos de polícia no seu domicílio. E, nesse quadro, é certo que, como bem nota o representante do Ministério Público junto deste tribunal, «mais do que os termos literais ou verbais do despacho, o que releva é que, da interpretação da decisão em causa, se possa deduzir, de forma incontroversa e inquestionável, que o juiz teve por válidos os elementos probatórios obtidos através da busca submetida a apreciação jurisdicional», sendo indubitável, face ao teor da decisão recorrida, que o tribunal assentou num critério normativo concretizado na exigência de um juízo relativo à legalidade da busca em causa. Por outro lado, e independentemente de saber-se se a validação tácita corresponde à melhor interpretação do direito infraconstitucional, não poderá, também, deixar de mencionar-se que, na óptica dos direitos invocados pelos recorrentes - traduzidos na inviolabilidade do domicílio e na nulidade das provas obtidas mediante abusiva intromissão naquele -, fundamental será apenas que o tribunal tenha por válida a obtenção da prova materializada numa busca domiciliária: existindo essa validação, expressa ou implícita, ficará sempre sancionada, legitimada, a realização da diligência”. A acção encoberta. Como é sabido, o art. 31.º do DL 15/93 assume uma função de ordem premial, facultando ao tribunal a atenuação especial da pena se o agente auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações. No caso, em face da matéria de facto provada e no que à intervenção do arguido KK diz respeito, é evidente que não houve utilização de qualquer agente infiltrado, e muito menos agente provocador, nos termos das medidas de investigação especial previstas na Lei n.º 101/01. Pelo contrário, foi em face da detenção do arguido KK que transportava consigo heroína com o peso liquido de 470 gramas para entregar a outrem – o chamado “correio de droga” – que este se prontificou a indicar e identificar a pessoa a quem ia entregar o estupefaciente, em atitude de auxílio portanto à investigação e com o intuito, porventura, de beneficiar do “prémio” a que se refere o art. 31.º citado, o que efectivamente aconteceu. À investigação criminal cabia o prosseguimento das averiguações nos termos estritos apontados, não havendo lugar á utilização dos mecanismos previstos na citada Lei, com outros pressupostos e mesmo consequências penais (isenção da responsabilidade – art. 6.º). Por isso, também aqui se não vê razão para alterar o decidido. Medida das penas. Nesta matéria limita-se o recorrente a alegar a que as penas aplicadas são elevadas e que não foram consideradas todas as atenuantes, em especial os factos da contestação provados, entre eles o facto de o arguido ser no momento dos factos consumidor de drogas duras. Ora, antes de mais, temos a considerar que, face às molduras penais dos crimes de receptação e extorsão pelo que o arguido foi condenado (pena até 5 anos de prisão), o acórdão não é recorrível nessa parte – art. 400.º, n.º 1, e), do CPP. Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, a pena aplicada e confirmada pela Relação foi de 7 anos e 6 meses. Será tal pena elevada como pretende o recorrente? Cremos que não. Da matéria de facto provada, resulta: uma actividade ilícita ligada ao tráfico de heroína e cocaína intensa e prolongada no tempo, organizada e com utilização de outros arguidos que para si “trabalhavam”; a continuação dessa actividade que dirigiu mesmo depois da sua detenção em estabelecimento prisional; as quantias elevadas e qualidades dos produtos traficados, dos mais perniciosos para a saúde; as quantias em dinheiro e os objectos provenientes dessas transacções mesmo sabendo que os mesmos eram provenientes de furtos; a existência de antecedentes criminais, com duas penas de prisão registadas uma delas pela prática de crime de idêntica natureza. Por isso, tendo em conta o grau muito intenso da ilicitude dos factos (mais de 3 meses de venda de substâncias estupefacientes); o modo de execução medianamente elaborado – distribuição para venda por várias pessoas, no qual o recorrente detinha a função mais importante em esquema por ele montado; a gravidade das consequências atenta a acentuada nocividade das drogas em causa (heroína e cocaína); a intensidade do dolo - directo; os motivos determinantes da conduta – o lucro; as condições pessoais e económicas; as condutas anteriores e posteriores, com especial relevo nos antecedentes criminais do arguido e, finalmente, as necessidades de reprovação e de prevenção do crime com acentuação dos malefícios causados no domínio do tráfico de estupefacientes. Nestas circunstâncias, tendo o arguido agido com dolo directo e muito intenso, planeado cuidadosamente a estratégia criminosa, conhecendo perfeitamente as implicações criminais da sua conduta, pois já fora condenado anteriormente e, no decurso da mesma apesar de detido continuou na actividade ilícita através de outras pessoas, algumas das quais recebia no próprio EP, sendo que tudo isso não foi suficiente para o impedir de prosseguir a prática criminosa. Há, assim, fortes necessidades de prevenção especial, tendo em vista uma já problemática ressocialização. Quanto aos factores de prevenção geral, são prementes, não podendo olvidar-se constituir hoje o tráfico de droga um flagelo social à escala mundial. Assim, a pena de 7 anos e 6 meses de prisão, bem abaixo do limite máximo abstractamente aplicável, espelha com perfeição as necessidades intensas de prevenção geral e especial e está longe de ultrapassar o limite da culpa. O mesmo se dirá em relação à pena resultante do cúmulo – no caso 8 anos e 6 meses – perante a respectiva moldura penal de 7 anos e 6 meses a 10 anos, em face da personalidade e dos factos praticados cuja súmula acima se deixou exposta. Temos assim, como justificadas e adequadas à matéria de facto provada as penas a que chegaram as instâncias, que deste modo devem ser mantidas. 4.4. Por sua vez, o arguido/recorrente, limitou-se, nas suas alegações escritas remetidas, por correio electrónico, na mesma data, a «reafirmar a sua motivação de recurso, mantendo as respectivas conclusões». 5. A DEFINITIVIDADE De algumas PENAs parcelares 5.1. Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções (...)» (art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP). Ou seja, «mesmo em caso de concurso de infracções», não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos. 5.2. No caso, alguns dos «processos conexos» (cfr. art.s 24.º e 25.º do CPP) (17) versam crimes puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos de prisão (cfr. art.s 223.1 e 231.1 do C. Penal) e daí, pois, que cada um deles valha como «processo por crime a que é aplicável pena de prisão não superior a cinco anos». 5.3. Se julgados isoladamente, não haveria dúvidas de que não seria admissível recurso do(s) acórdão(s) proferido(s), em recurso, pela Relação. 5.4. Ora, não há razões substanciais - ou sequer, processuais - para que se adopte um regime diverso de recorribilidade em função da circunstância de, por razões de «conexão» («de processos» - art. 25.º), terem sido conhecidos simultaneamente os crimes «concorrentes» (dos demais «processo conexo»). 5.5. Acresce que, para efeitos de recurso, «é autónoma a parte da decisão que se referir, em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes» (art. 403.º, n.º 2, al. b), do CPP). Por isso, o art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP adverte para que tal regime de recorribilidade (no tocante «a cada um dos crimes», ou, mais propriamente, ao «processo conexo» respeitante a cada «crime») se há-de manter «mesmo em caso de concurso de infracções» julgadas «em processos conexos» (ou em «um único processo organizado para todos os crimes determinantes de uma conexão» - art. 29.º, n.º 1, do CPP). 5.6. Aliás, se o art. 400.º, n.º 1, nas suas alíneas e) e f), pretendesse levar em conta a pena correspondente ao «concurso de crimes», teria aludido a «processos por crime ou concurso de crimes» (e não a «processos por crime, mesmo em caso de concurso»). 5.7. «A expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” suscita algumas dificuldades de interpretação. A pena aplicável no concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas aplicadas aos diversos crimes em concurso (art. 77.º do CP). Não parece que o legislador tenha aqui recorrido a um critério assente na pena efectivamente aplicada no concurso e, em abstracto, é impossível determinar qual a pena aplicável aos crimes em concurso antes da determinação da pena aplicada a qualquer deles. Parece que a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” significa aqui que não importa a pena aplicada no concurso, tomando-se em conta a pena abstracta aplicável a cada um dos crimes» (18). 5.8. Daí que hajam de se considerar definitivas (art. 400.1.e do CPP) – e, por isso, irrecorríveis - as penas parcelares (6 meses de prisão + 2 anos de prisão) aplicadas ao arguido, pelas instâncias, por «receptação» (art. 231.º, n.º 1, do Código Penal: «prisão até 5 anos ou multa até 600 dias») e por «extorsão» (art. 223.º, n.º 1, do Código Penal: «prisão até 5 anos»). 6. A BUSCA À ARRECADAÇÃO DO CAFÉ ... 6.1. «No dia 19 de Dezembro de 2001 procedeu-se a busca do café “..., tendo sido encontrado e apreendido, (...) um moinho de café, pertença de DD, estando aquele bem oculto numa arrecadação; uma máquina de filmar, pertença de EE, também oculta na arrecadação». 6.2. Alega o arguido/recorrente que «é nula a busca realizada ao anexo do café de ... por o OPC não ter autorização prévia, nem se verificar nenhuma das circunstâncias previstas no art. 251° e 174°». 6.3. No entanto, e como consta da Informação de Serviço 140/01.9 PEPDL de 19/12/2001 da PSP de Ponta Delgada (19), já era sabido desta que «no decorrer de diligências de investigação que tiveram por base o NUIPC 1940/01.5 PBPDL, referente a furto ocorrido no passado dia 13Dez2001, constava denunciado o furto de 1 máquina de café, 1 moinho e uma Tv Box, no valor total de 860.000$00». E que «ainda nesses autos constava que o proprietário do Café ..., sito à Rua de Lisboa, n.º 17 - Ponta Delgada, seria receptador dos ditos objectos». E foi por isso que nesse mesmo dia, «pelas 19:00», «a participante, integrada numa Brigada (...), veio, na salvaguarda de meios de prova nos termos previstos no art. 249.° do CPP, art. 251.°, n.º 1 al. a) do mesmo diploma e conforme preceituado na al. a), n.º 2 do art. 2.° do Dec-Lei 81/95, a efectuar uma busca no referido estabelecimento». Ora, foi no decorrer dessa busca que se «encontrou e apreenderam os seguintes artigos ocultos no interior de uma arrecadação ali existente: 1 moinho de café, dado como furtado no NUIPC 1940/01.5 PBPDL, que se encontrava no interior de um saco de cor preta (...); 1 máquina de filmar (...) e respectivo estojo, dado como furtado no NUIPC 1573/01.6 PBPDL (...)». 6.4. Não pondo o recorrente em causa a validade da busca ao «café de ...», não se entende por que argúi de nula a busca feita à «arrecadação ali existente» (integrante, obviamente, do estabelecimento). Tanto mais que «os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos em caso de (...) detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem (...) sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se» (art. 251.1.a do CPP). E que «compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, (...) nomeadamente (...) proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas (...)» (art. 249.1 e 2.c). 
 
 
 Carmona da Mota (relator) Simas Santos (tem declaração de voto no sentido de que “conheceria das penas parcelares”) Santos Carvalho --------------------------------------------------------------------------------- |