Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
055548
Nº Convencional: JSTJ00004330
Relator: BEÇA DE ARAGÃO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
FILHO ILEGITIMO
HERDEIRO
PROPOSITURA DA ACÇÃO
PRAZO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195406220555482
Data do Acordão: 06/22/1954
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS DE 06-07-1954; BMJ 43, 505
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 4/1954
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 763.
D 2 DE 1910/12/25 ARTIGO 34 ARTIGO 36 ARTIGO 37 N1 ARTIGO 41 ARTIGO 42 PARUNICO.
CCIV867 ARTIGO 111 ARTIGO 112 ARTIGO 130.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1928/01/20 IN COL OF V27 PAG19.
ACÓRDÃO STJ DE 1952/11/28 IN BMJ N34 PAG406.
ACÓRDÃO STJ DE 1943/01/29 IN RLJ ANO76 PAG81.
Sumário :
O paragrafo unico do artigo 42 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910, tanto se aplica ao caso de o filho falecer depois do pretenso pai como antes, desde que a data do falecimento do filho, este tivesse o direito de propor a acção.
Decisão Texto Integral: Acordam, em plenario, os Juizes do Supremo Tribunal de Justiça:

Nos termos do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, F..., interpos recurso para o Tribunal Pleno com o fundamento de haver oposição, sobre o mesmo ponto de direito, entre os acordãos de 20 de Janeiro de 1928, publicado na Colecção Oficial, no volume 27, a pagina 19, e o de 28 de Novembro de 1952, constante destes autos.
O recurso e legal, visto os acordãos terem sido proferidos no dominio da mesma legislação, haver transitado em julgado o primeiro e existir entre eles a oposição invocada.
As partes produziram alegações, tendo o douto representante do Ministerio Publico dado o seu parecer.
Cumpre, consequentemente, decidir o conflito de jurisprudencia existente.
A hipotese julgada nestes autos e, em sintese, a seguinte:
A, filha ilegitima, faleceu antes de seu pretenso pai, o qual a data do nascimento da mesma era solteiro.
Dados estes factos A, quando faleceu, podia intentar a acção de investigação de paternidade ilegitima, a que tinha direito, por ser vivo e encontrar-se no estado de solteiro o seu suposto pai ( artigo 37 do Decreto citado).
A tansmitiu pois, ao falecer, esse direito a autora, sua filha, B, a qual, nos termos do paragrafo unico do artigo 42 do mesmo diploma, o devia exercer dentro do prazo de um ano, a contar do falecimento de sua mãe.
E como a autora, B, na qualidade de herdeira de A, não instaurou a acção a partir da data do falecimento de sua mãe, mas somente o fez a contar da morte do seu pretenso avo, suposto pai da falecida A, foi decidido que tal direito caducara.
Em conformidade concluiu-se no acordão em causa:
"Se o filho ilegitimo falecer sem ter passado o prazo legal para instaurar a acção de investigação de paternidade ilegitima, transmitira esse direito aos herdeiros, que caducara no prazo de um ano a contar do falecimento do filho, nos termos do paragrafo unico do artigo 42 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910".
Por sua vez, no acordão de 1928 foi decidido que, tendo o filho adulterino falecido antes do pretenso pai, podera o seu descendente intentar a acção de investigação, dentro do prazo de um ano, a contar do falecimento do pretenso avo, nos termos da regra geral do artigo 37 do Decreto n. 2, não sendo aplicavel a esta hipotese, a disposição restritiva do paragrafo unico do artigo 42.
Conhecendo.
A questão consiste em decidir qual o alcance do disposto no paragrafo unico do artigo 42, citado, isto e, em determinar o prazo em que deve ser proposta a acção de investigação de paternidade ilegitima pelos herdeiros do filho.
Este preceito da lei esta assim redigido:
Artigo 42 - " Os herdeiros dos filhos podem prosseguir nas acções de investigação pendentes, mas so podem intenta-las de novo, tendo o filho falecido, ou caido em demencia na ocasião em que ainda lhe era licito propor a acção, nos termos do artigo 37, n. 1, e havendo falecido nesse estado sem que a acção tivesse sido proposta pelo tutor".
" Paragrafo unico - Esta acção prescreve pelo lapso de um ano, contado desde o falecimento do filho".
No acordão proferido nos autos entendeu-se que este paragrafo tanto se aplica no caso do filho falecer antes como depois do pretenso pai e que o mesmo se refere, somente, ao que estabelece o corpo do artigo.
Neste consideram-se duas hipoteses, exclusivamente respeitantes aos herdeiros dos filhos ilegitimos, nas quais se lhe concede o direito de: a) Prosseguirem as acções de investigação pendentes; b) Serem os proprios herdeiros a instaurar a acção.
Assim, enquanto o artigo 37 diz respeito aos filhos ilegitimos, o artigo 42 diz respeito aos seus herdeiros.
O artigo 42 indica as condições de facto e de direito que condicionam essa actividade judicial, e ao enuncia-las, refere-se de um modo geral, ao falecimento do filho, sem distinguir se o falecimento ocorreu antes ou depois do obito do pretenso pai.
Portanto, abrange, sem duvida, o caso de a morte do suposto pai ser posterior a do filho.
O que o artigo exclusivamente exige e que, no caso do falecimento do filho, tal evento tenha ocorrido dentro do prazo em que a este era licito intentar a acção, pois que se tal direito tivesse caducado e evidente que ja não poderia ser transmitido.
Ora afigura-se manifesto que o paragrafo unico do artigo 42, começando pelas palavras - esta acção - não podia deixar de referir-se a segunda hipotese do corpo do artigo, no qual se faculta a acção aos herdeiros dos filhos ilegitimos, quer sejam menores ou maiores, quer o filho faleça depois ou antes do pretenso pai, em vista da expressa referencia aos casos previstos no artigo 37 e n. 1.
A materia dos autos diz respeito a primeira hipotese deste artigo, por a filha ter falecido em vida do pretenso pai; e como detinha o direito de instaurar a acção, a data da sua morte, transmitiu-o a sua herdeira, que teria o prazo de um ano para o fazer valer, a contar do falecimento da transmitente, fixado no referido paragrafo que respeita exclusivamente aos herdeiros.
Portanto a acção a propor pelos herdeiros, quanto a prazo, esta apenas sujeita ao que, especialmente, dispõe o paragrafo unico do artigo 42, nada tendo com a regra do artigo 37 e a excepção do n. 1.
Deve notar-se que o ilustre processualista Professor Alberto dos Reis, num estudo sobre esta materia, observa que ha casos particulares em que a aplicação do paragrafo unico da lugar a um alargamento do prazo, como no caso do filho, maior e capaz, falecer algum tempo depois do pai, mas antes de decorrer um ano sobre o obito deste, ou no caso do filho, menor e demente, a data da morte do pai, falecer quando faltava menos de um ano para expirar o prazo facultado pelo n. 1 do artigo 37 (Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 76, pagina 81).
Mas nenhuma destas hipoteses respeita ao caso sub judice.
O certo, porem, e que o legislador quis, em principio, limitar o prazo aos herdeiros, para poderem propor a acção.
E se esta acção não estivesse abrangida no artigo 42, não se encontraria nas demais disposições do Decreto n. 2, qualquer norma ou sistema que a facultasse aos herdeiros.
Esse direito e nitidamente restrito aos casos previstos no artigo 42, como se infere, logicamente, da expressão "so podem" que nele se le.
Parecem, a primeira vista, uma anomalia da lei, as diferenças que dela resultam, na situação criada aos filhos ilegitimos e aos seus herdeiros, estabelecendo prazos diversos para a propositura da acção.
Mas, na realidade, a lei não faz mais do que respeitar a logica rigorosa dos principios que sempre tem orientado o instituto da familia, como agregado basilar da sociedade.
Como observa o douto representante do Ministerio Publico, na sua minuta, o direito de investigar a paternidade ilegitima e um direito limitado e condicionado.
Ja nas Ordenações Filipinas, essa actividade judicial para o efeito de petição de herança, nunca era permitida, sempre que se tratasse de filhos de pais nobres.
Da evolução profunda operada, sob o signo revolucionario, no seculo XVIII, resultou entre nos, o Codigo Civil que, nessa materia, estabelecia como regra geral, a proibição da acção de investigação de paternidade ilegitima, considerando como simples excepções, os tres casos taxativamente indicados no artigo 130.
Com o advento do novo regime politico, foi publicado o Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910, que proibiu, em regra, a acção, restringindo a sua admissibilidade as hipoteses expressamente mencionadas no artigo 34.
Reforçando os vinculos da familia legitima, como quando no artigo 41 declara imprescritivel o direito dos filhos legitimos a vindicar o estado que lhes pertence, o decreto manteve prazos pouco largos para poder ser instaurada a acção de investigação de paternidade ilegitima.
Mas o Codigo Civil, declarando tambem imprescritivel o direito dos filhos legitimos a vindicar o estado que lhes pertence e autorizando os seus herdeiros a prosseguirem nas acções de vindicação do estado (artigos 111 e 112), nada estabelecia quanto aos herdeiros dos filhos ilegitimos.
Foi somente o legislador de 1910 que concedeu aos herdeiros dos filhos ilegitimos o direito a acção de investigação, que o Codigo Civil apenas facultava aos herdeiros dos filhos legitimos.
Mas, dentro da orientação protectora da familia legitima, limitou esse direito, quanto aos herdeiros dos filhos ilegitimos, aos casos de o filho ter falecido na ocasião em que ainda lhe era licito propor a acção, ou de haver caido em demencia, sem que a acção tivesse sido proposta pelo autor, conforme estabelece o citado artigo 42 do Decreto de 1910.
O legislador, dentro da coerencia dos principios, manteve esta desigualdade de tratamento entre filhos legitimos e ilegitimos e entre estes e os seus herdeiros.
Como diz o ilustre Professor Alberto dos Reis, a lei, limitando tal prazo aos herdeiros dos filhos ilegitimos, fundou-se em duas razões:
1 - O interesse dos herdeiros não merecer a mesma consideração e protecção que o interesse do proprio filho;
2 - Tendo este falecido, não haver razão para esperar, ou que o pretenso pai o perfilhe, ou que pratique factos que o habilitem a propor a acção convindo, no interesse da familia legitima, que em curto prazo se esclareça e defina a situação em que o falecido se encontrava perante o pretenso pai.
Torna-se assim, perfeitamente compreensivel que o que a lei dificulta aos filhos ilegitimos, mais dificulte aos seus herdeiros, por serem ja secundariamente interessados.
Tambem no acordão dos autos se pondera que, embora se reconheça que o prazo concedido aos herdeiros pode, algumas vezes, tornar ilusorio e quimerico o direito a acção de investigação, como comenta o Professor Vaz Serra (Investigação de Paternidade Ilegitima , pagina 149), e evidente que seria falseado o espirito da lei, se usassemos na aplicação do Decreto n. 2 de interpretação extensiva que, alias, a sua materia repele, resultando terem os herdeiros dos filhos ilegitimos os mesmos prazos que a estes são concedidos para a propositura da acção.

Ora o inequivoco prazo fixado no paragrafo unico do artigo 42, dizendo - esta acção - prescreve pelo lapso de um ano, contado desde o falecimento do filho, patenteia o objectivo do legislador, em relação aos herdeiros dos filhos ilegitimos, a que o corpo do artigo expressamente respeita, e a que o paragrafo unico esta subordinado.
Esta orientação, coerente com os principios que regem o instituto da familia, foi sustentada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acordão de 29 de Janeiro de 1943, publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 76, cuja douta redacção se pronunciara no mesmo sentido a paginas 279 do volume 61, na mesma Revista encontra-se o estudo ja citado, sobre aquele acordão, em concordancia com a doutrina nele seguida, que aqui se continua a adoptar, como sendo a legal.
Lembra o digno representante do Ministerio Publico a conveniencia, para evitar situações injustas, de considerar a possibilidade de se dar inicio ao decurso do prazo para a propositura da acção, quando esta não possa ser legalmente intentada, nos termos do artigo 36 do Decreto n. 2.
Mas como não se verifica, propriamente, qualquer conflito de jurisprudencia, decide-se não conhecer de tal questão.
Pelos fundamentos expostos, confirmam a decisão recorrida, condenam a recorrente nas custas e firmam o seguinte Assento:
"O paragrafo unico do artigo 42 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910, tanto se aplica ao caso do filho falecer depois do pretenso pai, como antes, desde que, a data do falecimento do filho, este tivesse o direito de propor a acção".


Lisboa, 22 de Junho de 1954

Beça de Aragão (Relator) - Julio M. de Lemos - Piedade Rebelo - Campelo de Andrade - Sousa Carvalho - Horta e Vale - Filipe Sequeira - Lencastre da Veiga - Manuel Malgueiro - Jaime de Almeida Ribeiro - Roberto Martins -A. Bartolo - Jaime Tome - Jose de Abreu Coutinho -
- Baltasar Pereira.