Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8210/04.5TBVNG.P2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: ABUSO DE PODERES DE REPRESENTAÇÃO
PROCURAÇÃO
INEFICÁCIA DO NEGÓCIO
BEM IMÓVEL
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
SUBSTABELECIMENTO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / REPRESENTAÇÃO.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - ACTOS NOTARIAIS / INSTRUMENTOS PÚBLICOS AVULSOS / PROCURAÇÕES E SUBSTABELECIMENTOS.


Doutrina:
- Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Procuração Irrevogável, p. 220.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 262.º, N.º2, 268.º, N.º1.
CÓDIGO DO NOTARIADO: - ARTIGO 116.º, N.ºS2 E 3.
Sumário :
I - Uma procuração que visava a venda de bem imóveis teria de observar a forma de instrumento público, constituindo, assim, uma formalidade ad substantiam.

II - Não tendo o contrato promessa sido celebrado no interesse do procurador, ou com ele próprio, mas em nome dos representados, o substabelecimento referenciado sob a alínea D) (documento particular) é válido para efeitos de outorga nesse contrato promessa.

III - O procurador substabelecido, A…, extravasou as indicações que os representados haviam mencionado na aludida procuração, pelo menos, no que toca ao limite do preço de venda dos lotes, pelo que não se provando matéria que ateste a ratificação do negócio por banda dos réus, à luz do art. 268.º n.º l do CC, o mesmo é ineficaz em relação aos réus recorrentes, o que significa que o contrato promessa de compra e venda outorgado pelo identificado procurador substabelecido aqui em causa não é oponível aos réus por ineficácia nos termos do citado normativo.

Decisão Texto Integral:  
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I- Relatório


AA e BB intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra CC e mulher DD e EE pedindo que :

a) Seja judicialmente reconhecida a resolução do contrato- promessa de compra e venda dos lotes 42 e 43 descritos na petição inicial, por alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;

b) Sejam os RR condenados a restituir o sinal de € 55.000,00 recebidos por conta do contrato-promessa em referência;

c) Sejam os RR condenados no pagamento de juros moratórios calculados sobre a quantia de € 55.000,00 vencidos e vincendos até à devolução da quantia.


Alegam, em síntese, que celebraram com os 1ºs RR representados pelo 2º R (EE) um contrato promessa de compra e venda, pelo qual os autores prometem comprar dois lotes de terreno destinados á construção;

Entre a data do contrato (6.09.2002) e data da escritura, os lotes foram abrangidos por zona non aedificandi no âmbito do processo de expropriação ;

Em face da alteração sobrevinda os AA pretendem a resolução do contrato e a devolução do sinal entregue, que até hoje, quer os réus, quer o seu procurador e 2º réu não efectuaram.


Os RR contestaram tendo os 1ºs RR invocado que celebraram um contrato promessa de compra e venda de 4 lotes à Predial FF, tendo esta exigido uma procuração porque os lotes seriam vendidos a um terceiro; os 1ºs RR receberam a totalidade do preço estipulado para prometida venda e não têm conhecimento do contrato-promessa celebrado dos autores.

Peticionaram a intervenção acessória da Predial FF e de GG enquanto procurador.


 O R EE deduziu contestação, alegando que o preço dos lotes havia sido por si pago ao procurador dos 1ºs RR, tendo actuado no seu exclusivo interesse, facto que era do conhecimento do autor marido; o autor entrou em mora, estando o contrato incumprido à data em que o autor declarou resolvido por alteração das circunstâncias, actuando, aqui, como abuso de direito.

Deduziu reconvenção pedindo que se declare o incumprimento definitivo por parte do autor das obrigações emergentes do contrato-promessa, com consequente perda do sinal em benefício do Réu reconvinte.


Em sede de réplica vieram os autores alegar o seu desconhecimento em relação aos negócios celebrados entre os réus ou, entre estes e terceiros, mantendo o alegado e peticionado na petição inicial.


Por despacho de fls. 138 e segs. foi deferido o pedido de intervenção acessória provocada deduzida pelos 1ºs RR.


Efectuada a respectiva citação dos chamados vieram estes apresentar contestação, pugnando pela improcedência da acção.


Por despacho de fls. 138 e segs. foi certificada a validade e regularidade da instância tendo sido declarado o réu EE, como parte ilegítima na acção proposta .


A fls. 227 e ss. Os autores vieram replicar à contestação/reconvenção apresentada pelo réu EE, pugnando pela condenação do réu como litigante de má fé.

Requerem a alteração da causa de pedir quanto ao 2º réu, pedindo que, tendo em conta a confissão por este efectuado de que recebeu o sinal pago pelos autores, caso se prove que o mesmo não tinha poderes para outorgar o contrato-promessa, seja o mesmo condenado a proceder à restituição das quantias referidas na petição inicial.


 A fls. 257 e segs. foi proferido novo despacho saneador.


Os 1ºs RR interpuseram recurso de agravo da decisão que absolveu o Réu EE da instância, que foi admitido a fls. 301, com regime de subida deferida.


 Foram realizados julgamento e proferida sentença que, na sequência da decisão do recurso agravo, vieram a ser anulados por ter sido provido o agravo, com consequente declaração de legitimidade do 2º Réu.


 Foi proferido novo despacho com aditamento de matéria de facto à base instrutória e admissão da reconvenção deduzida pelo 2º réu.


Procedeu-se a julgamento com observância das legais formalidades.


Seguiu-se a sentença que julgou parcialmente a acção procedente declarando validamente como resolvido o contrato promessa identificado nas als. j) a n) dos factos provados, por alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar e condenou os RR CC e mulher  DD sobre a quantia referida em B) à taxa legal a cada momento devida desde a data da  citação para os termos da presente acção  até efectivo e integral pagamento, absolvendo o 2º réu do pedido contra si deduzidos pelos autores.


Ambos RR interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo Acórdão de fls.1075 a 1108, confirmou a sentença recorrida.


Novamente inconformados os RR CC e mulher DD interpuseram recurso de revista para este Supremo.


Nas suas alegações de recuso formula as seguintes conclusões:


1. O Douto Acórdão sob análise padece de nulidade por repetida omissão de pronúncia. Mais concretamente:

2. Os ora Recorrentes, então Apelantes, nas conclusões 26 a 34 da sua Apelação, arguiram a força probatória das certidões de fls. 871 a 874 emitidas em 02.10.2013 pela CM de VN Gaia, pretendendo em suma que o seu teor fosse carreado à matéria assente, com as consequências de direito oportunamente expendidas e agora reproduzidas;

3. Ora, o Tribunal lia quo" não discute, nem se pronuncia, sobre a procedência do alegado;

4. Os ora Recorrentes, então Apelantes, nas conclusões 45a a 540 da sua Apelação, arguiram o abuso de representação por parte do co-Réu, EE, aquando da celebração do contrato-promessa identificado nos autos, sem que os aqui Recorrentes o tenham ratificado;

5. Ora, em relação a esta matéria, a Veneranda Relação apenas exara duas singelas linhas, de modo insuficiente e imperfeito (cfr. págs. 34 do Acórdão em crise) aos requisitos de uma decisão judicial válida (arts. 607 nº 3 e 154 do NCPC), o que deve ser equiparado a efectiva não pronúncia;

6. Os ora Recorrentes, então Apelantes, nas conclusões 55a a 61 da sua Apelação, arguiram erro de julgamento baseado nos efeitos da resolução do contrato e ao conteúdo e imputação do dever de restituição da prestação pecuniária efectuada pelos Autores;

7. Ora, sobre esta questão assim posta, a Veneranda Relação, no aresto em apreciação, nada diz: não se pronuncia sobre a procedência do alegado;

8. Os ora Recorrentes, então Apelantes, nas conclusões 62° a 66° da sua Apelação, invocaram erro relativamente ao julgamento do risco por perecimento ou deterioração da coisa alienada;

9. Igualmente sobre esta questão assim posta, o Tribunal a quo não aduz uma linha, ou seja, omite qualquer tipo de pronuncia a propósito;

10. Os ora Recorrentes, então Apelantes, nas conclusões 67 a 72° da sua apelação, arguiram um outro erro de julgamento, este relativo à impossibilidade do cumprimento da prestação e respetivos efeitos;

11. Sobre esta questão - relevando-se-nos a redundância - a Veneranda Relação, no aresto em apreciação, não julga o mérito da questão que lhe foi colocada, incorrendo em nova omissão de pronúncia;

12. Assim sendo, em todas as cinco sobreditas situações - conclusões 1 a 11 se conclui que o indicado douto ares to padece da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art. 615º n° 1 aI. d) do NCPC, aplicável ao recurso de apelação por força do art. 666º  n° 1 do mesmo diploma legal (correspondentes, respectivamente, aos arts. 668 nº 1 al d) e 716 n° 1 da anterior versão do CPC);

SEM PRESCINDIR,

13. Nas conclusões da sua Apelação, os aqui Recorrentes arguiram a nulidade por falta de fundamentação da resposta dada ao quesito 18° da base instrutória;

14. Neste conspecto, a Veneranda Relação, reconhecendo que não se encontra expressa qualquer fundamentação a propósito, acaba por considerar que a mesma se depreende do contexto da decisão, porém, sem que elucide quais são os concretos trechos desse "todo contexto" que justificam o expendido juízo;

15. Salienta-se que a audiência de discussão e julgamento já decorreu sob a vigência do Novo Código de Processo Civil - o seu art. 607 nº 4, aliás em consonância com o art. 653° do código anterior, que impõe ao julgador a expressa, concreta e especifica fundamentação de um dado julgamento de facto, quer este vá no sentido afirmativo, quer no negativo;

16. A Veneranda Relação, ao caucionar o comportamento da Digna Primeira Instância, violou objetivamente a norma do artigo 607 nº 4 do NCPC, não sancionando a concomitante nulidade praticada por esta última;

17. E, por extensão, obstou ao conhecimento da matéria alegada pelos aqui Recorrentes nas conclusões 15a e 16a da sua Apelação, prejudicando o exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662° n° 1 e nº 2 do NCPC;

18. O exposto erro de julgamento de direito, implica a violação da lei processual, concretamente do dito art. 607 nº 4 ex vi art. 663° n° 2 do NCPC, constituindo-se como mais um dos fundamentos da presente revista - art. 674 n° 1 aI. b) do NCPC (este, por sua vez, correspondente ao art. 722 nº 1 aI. b) da anterior versão do CPC);

SEM PRESCINDIR DAS QUESTÕES PREVIAMENTE ARGUIDAS,

19. Os Recorrentes, nas conclusões 26 a 34 da sua Apelação, alegaram erro na apreciação das duas certidões juntas de fls. 871 a 874 dos autos, emitidas pela CM VNGaia, as quais atestam a viabilidade construtiva sobre qualquer dos lotes 42 e 43 a que se referem os autos (ou seja, que já se não encontram abrangidos por zona non aedificandi de proteção à via rodoviária) .

20. Tais certidões não mereceram impugnação alguma nos autos - conforme resulta da acta de 18.10.2013 defls. 880 - tão pouco sobre elas foi arguida falsidade (art. 372° do CC, a contrario sensu);

21. Tais documentos são autênticos, conforme decorre do disposto, nomeadamente, nos arts. 369° e 370 n° 1 do Cod. Civil, arts. 23 nº 2 al. n), 25 nº 1 al. g), 33 nº 1 als. a) e y), e 38 n° 3 al. g) do Reg. Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n° 75/2013, de 12 de Setembro, designadamente o seu art. 4 art.62 nº 3 do CPA, e art. 1l0 n° 1, al. a) do  RJUE - Regime Jurídico do Urbanismo e Edificações, aprovado Dec.-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro;

22. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora art. 371º- nº 1 do Código Civil.

23. O art. 607 n° 5 ''parte final" do NCPC afasta a livre apreciação da prova por parte do Tribunal, quando os factos estejam plenamente provados, nomeadamente por documentos;

24. Ao confirmar sem mais a sentença de la Instância, a Veneranda Relação repetiu a violação das citadas normas, impondo-se, por isso, a este Colendo Supremo Tribunal determinar o aditamento à Matéria Assente do conteúdo das sobreditas certidões - sob autorização do comando previsto no artigo 682º nº 2 do NCPC;

25. Da comprovação dos factos plasmados nas certidões aludidas, resultam efeitos jurídicos de superior interesse para o bom julgamento da lide;

26. A Veneranda Relação, ao desprezar tais factos, não reproduz a situação real e actual existente, inquinando definitivamente o julgamento de direito: em suma, toma decisão que não corresponde à situação existente no momento do encerramento da lide ou, pelo menos, da discussão - em violação do disposto no artigo 611 ° n° 1 ex vi art. 663 nº 2, ambos do NCPC, e, mediatamente, das normas de natureza substantiva que lhe servem de pressuposto;

27. É que, ao não considerar os factos assim certificados pelas certidões de fls. 871 a 874, as Instâncias ficaram impedidas de constatar que os requisitos do artigo 437 nº 1 do Código Civil, por supervenientemente extintos, se não podiam ter por verificados, logo, ficcionando uma situação de facto não verdadeira e provocando julgamento contrário à verdade material e ao regime jurídico que lhe é próprio: por isso, violaram "a contrario sensu " a norma do art. 43º nº 1 do C. Civil;

AINDA SEM PRESCINDIR,

28. O teor dos documentos de fls. 79 a 81 e 252 dos autos (respectivamente, procuração lavrada em 2001.07.10 e "substabelecimento" de 2001.10.31) foi dado por reproduzido nas alíneas c) e d) dos Factos Provados (cfr. despacho saneador de fls. 257 dos autos);

29. E, se a apontada procuração, tratando-se de procuração irrevogável por expressamente conferida no interesse do mandatário, respeitou o disposto no nº 2 do art. 116º do Código do Notariado - pois foi lavrada por instrumento público cujo original foi arquivado no despectivo Cartório (cfr. fls. 78 a 82),

30. O mesmo não sucedeu com o documento denominado de "substabelecimento " (cfr. fls. 251 a 253) - em frontal violação do disposto no nº 3 do citado art. 116º do Código do Notariado;

31. A lei faz depender a validade daquele pretenso substabelecimento do respeito da forma exigida pela lei, ou seja, instrumento público, e com arquivamento em cartório notarial do seu original, sob pena de nulidade - cfr. arts. 219º e 220º do C. Civil, por sua vez de conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo - cfr. art. 286º do C. Civil;

32. Não se aceita a ideia contida no Acórdão recorrido, de que as exigências de forma impostas por lei (Código do Notariado) para o substabelecimento para a prática de actos no comércio jurídico só o sejam para "controle notarial" ou para os notários - de resto, a contrariar o disposto no art. 364°nº 1 do C. Civil;

33. Aliás, este Venerando Supremo Tribunal, por Acórdão STJ, datado de 8.2.2011 in Proc. nº 842/04. 8TBTMR. Cl.Sl. dgsi.Net; já considerou: H( .. .) 111º O cumprimento do preceituado no art. 116º n° 1 do Código do Notariado ( .. .), trata-se de uma formalidade "ad substantiam". Consequentemente, não sendo observado o legal formalismo, a procuração será nula for falta de forma nos termos do art. 220º do C.Civil.

34. Doutrina que deve prevalecer para efeito da norma contida no n° 3 do mesmo artigo 1160 do CN, e "a fortiori" no caso vertente, designadamente por superiores razões de tutela da segurança jurídica, já que se trata de uma procuração irrevogável, no interesse do próprio procurador, pretensamente substabelecida em terceiro (cfi". data vénia, arts. 265°no 3, 1170ºe 1175°do C. Civil );

35. Nem se vislumbra razão válida para considerar esta última norma (l16 nº3 do CN) diminuída na sua importância e alcance de aplicação face à norma do n° 1 do mesmo artigo 1160 - se o legislador o quisera, tê-lo-ia expresso de algum modo no texto legal;

36. Por outro lado, em termos de hierarquia, o Código do Notariado não é subalterno de outros diplomas legais, incluindo para este efeito o próprio Código Civil;

37. Em consequência, não foram transmitidos ao co- Réu EE - outorgante do contrato-promessa de fls. 6, os poderes conferidos pelos RR. aqui Recorrentes a GG, mandatário na procuração emitida no seu próprio interesse;

38. Atento o exposto, houve erro de julgamento, mantido e produzido pela Veneranda Relação no seu acórdão sob crítica, ao não aplicar, logo violando, o art. 116 nº 3 do Cód. Notariado e os arts. 219º 220º 286º e 364º n° 1 do Cód. Civil;

SEM PRESCINDIR,

39. Considere-se ou não que o exarado a págs. 34 do Acórdão sob crise (sobre a suscitada questão do abuso dos poderes conferidos pela procuração de fls. 78 a 82) evita a verificação da apontada nulidade, o assim decidido, ou a omissão de decisão, comporta a repetição de erro de Direito, que, de todo o modo, compete a este Supremo Tribunal definitivamente dirimir;

40. Do teor da referida procuração irrevogável, aludida e reproduzida na alínea c) dos Factos Provados (cfr. fls. 257 dos autos), resulta claro que os poderes conferidos por esse instrumento o foram ... "para vender ou prometer vender pelo preço e condições que entender até ao montante máximo de dez milhões de escudos cada lote" (equivalente a €49.879, 79);

41. Mas, se analisado o conteúdo gramatical do contrato-promessa de fls. 6 e, mais especificamente, as alíneas j) e l) dos Factos Provados, verifica-se que o preço global atribuído aos dois lotes objecto da mesma promessa foi de €139. 664, 00, isto é, de €69. 832, 00 para cada lote, por isso, com o excesso de €19.952, 21 por cada um dos dois lotes em causa;

42. Data venia, mesmo que por mera hipótese académica se entendesse que o acima discutido substabelecimento fosse válido - facto este que não se verifica - sempre se concluiria que, por parte do também Réu EE outorgante do supra referido pacto de promessa, teria havido abuso dos poderes conferidos por aquela procuração;

43. O art. 2690 do C. Civil dispõe que ao "abuso da representação" é aplicável o regime constante do art. 2680 do mesmo diploma legal, relativo à "representação sem poderes ", desde que a outra parte conhecesse ou devesse conhecer o abuso.

44. Ora, se é certo que os AA. na presente acção conheceram ou, pelo menos, tinham a obrigação de conhecer o abuso (mais não fosse por meridiana prudência - já que no pacto de promessa em questão se faz directa alusão à qualidade "de procurador substabelecido de CC e esposa DD" do outorgante EE), tem de concluir-se por evidente aplicabilidade do regime jurídico acolhido no art. 268º do CCivil ("ex vi" art. 269), a dispor que: "1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado. 2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro. ... ;

45. O contrato-promessa de fls. 6 autos, datado de 06.09.2002 (alíneas j) e l) dos Factos Provados), jamais mereceu qualquer ratificação por parte dos RR. agora alegantes (veja-se o alegado pelos Recorrentes de fls. 31 a 57 da contestação de fls. 63)- além de que, a validade de qualquer eventual ratificação sempre estaria dependente do respeito pela forma legal exigida para a procuração - instrumento público (cfr. art. 116 nº 2 do Cod. Notariado), vício a que, por cautela, novamente se argui (art. 286º do C. Civil);

46. Deste modo, e sempre com a maior vénia, também por esta via, o pacto de promessa discutido nos autos não é oponível aos RR. aqui alegantes, desta feita por ineficácia - cfr. art. 268º nº 1, "ex vi" art. 269º do C. Civil;

47.  E não pode colher o ainda exarado a págs. 34 do Acórdão recorrido, em termos de aceitar que o limite de valor o é para a venda, mas não para a promessa, por, com o sinal, não se ultrapassar aquele valor (I);

48. Desde logo, porque a Relação olvida que é incindível a promessa de venda da venda prometida - pois que uma conduz directamente à outra;

49. Depois, o sinal prestado (alínea n) dos Factos Provados) era já o princípio do respetivo pagamento, logo, a sua antecipação, fazendo parte integrante desse mesmo preço - vide alínea n) dos Factos Provados;

50. Finalmente, porque os poderes conferidos pela procuração de fls. 79 a 81, foram, neste conspecto, especifica e rigorosamente delimitados "para vender ou prometer vender pelo preço e condições que entender até ao montante máximo de dez milhões de escudos cada lote. "- vide o próprio conteúdo gramatical da própria procuração (a fls. 79), concretamente reproduzido quanto a esta questão na alínea c) dos Factos Provados;

51. Em suma, estava vedado ao procurador, não só vender como prometer vender, sem qualquer distinção, acima do citado montante máximo - não respeitado - de dez milhões de escudos cada lote;

52. Destarte, há novo erro de julgamento produzido pela Veneranda Relação no seu acórdão sob crítica, ao não aplicar, logo violando, os arts. 268 e 269 do Código Civil;

SEMPRE SEM PRESCINDIR

53. Com a presente acção, pretenderam os AA. a resolução, por alteração superveniente das circunstâncias, do contrato-promessa de compra e venda identificado nos autos, designadamente por invocação do art. 437 ex vi" art. 432 do Civil;

54. Ora, porque nos termos do art. 433º do C. Civil, a resolução é equiparada quanto aos seus efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, impõe a lei que deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ... "- cfr. art. 289º do C. Civil;

55. E, para lá do já verificado - a permitir concluir que o contrato-promessa não é oponível aos RR. ora alegantes, logo, não lhes sendo imputável qualquer eventual obrigação de restituir o sinal aí previsto pago pelos AA. - acontece que, quem recebeu dos AA. o concreto montante de € 55. 000, 00 prestado a título de sinal foi o co-Réu e outorgante do contrato-promessa EE, tendo este feito seu aquele valor - cfr. alíneas j), 1), n), y) e aa), primeira parte, dos Factos Provados - aliás, com a perfeita conivência dos AA. recorridos, que lhe emitiram e entregaram, a si, EE, cheque nominativo a seu favor - cfr. alínea j) k) e I) dos Factos Provados;

56. Neste contexto, e também por esta via, a eventual obrigação de restituir o dito sinal de € 55.000,00, pago pelos AA. e recebido por EE, nunca poderia recair nos RR. ora alegantes, já que a quantia em questão nunca ingressou na sua esfera patrimonial;

57. Aliás, cumpre referenciar a matéria factual dada como provada sob a alínea y), a evidenciar que a promessa em causa foi celebrada no interesse exclusivo do EE, que, importa lembrar, é também Réu (I) nos autos;

58. Deste modo, ao não aplicar, logo violando, os arts. 289º, 437º ex vi arts. 432º e 433º todos do Código Civil, produziu a Veneranda Relação novo erro de direito no acórdão sob critica;

TAMBÉM SEM PRESCINDIR,

59. Como se retira da sentença de 1 Instância, confirmada sem mais pela Veneranda Relação, os ora Recorrentes viram ainda fundamentada a sua condenação na aplicação do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 796º do Código Civil;

60. Infere-se dos citados normativos que o legislador previu o critério de imputação de responsabilidade em caso de perecimento ou deterioração da coisa objecto de um dado contrato que implique a respectiva transferência, imputando o respectivo risco ao adquirente caso o vício não seja da responsabilidade do alienante;

61. E, numa segunda hipótese, excepcional (n° 2), se a coisa continuar em poder do alienante, a responsabilidade só lhe será imputável na hipótese da transferência da coisa não se ter operado em razão de termo constituído a favor daquele;

62. Ora, se subsumirmos o caso "sub judice" ao enunciado critério legal, resulta o contrário do defendido pelas Instâncias: é que, o risco pelo dito perecimento ou deterioração nunca seria do alienante, no caso vertente, os RR. apelantes, dado que o termo, como se confere do texto da procuração irrevogável de fls. 78 a 82, foi constituído em favor e no interesse do adquirente (leia-se neste caso, o "mandatário" GG);

63. Efetivamente, o texto desse termo é rigorosamente expresso a fls. 81 do já mencionado instrumento de procuração, dado por reproduzido na alínea c) dos Factos Provados, conforme consta do despacho saneador de fls. 257 dos autos;

64. Quer dizer, é a própria norma oposta aos ora Recorrentes a ilibá-los de qualquer concreta responsabilidade neste domínio, tendo em atenção que o motivo do perecimento ou deterioração da coisa (lotes de terreno) foi a constituição de uma servidão legal non aedificandi resultante da construção de uma via rodoviária que, à data do negócio em que os Recorrentes foram parte (cfr. doc. 1 junto com a sua contestação de fls.), era in existente, desconhecida das partes, e até da própria Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia;

65. De outro modo, se não bastasse, cumpriria ainda considerar que, na data em que ocorre o facto superveniente que afecta os lotes em questão, já o único vínculo dos recorrentes para com os terrenos em apreço era aparente e meramente formal - por unicamente motivado na omissão dos sucessivos adquirentes não reduzirem os negócios a escrito público, por razões do seu exclusivo interesse - pois que, quanto ao mais, já os recorrentes não exerciam quaisquer poderes fácticos sobre os mesmos por evidente e honesta carência de corpus e animus ;

66. Recorde-se, no sentido de que materialmente se tratava de sucessivas transmissões, o facto dado como provado sob a alínea x), assim se evidenciando que, desde a outorga da procuração irrevogável, ocorrida no mês de Julho imediatamente anterior do mesmo ano de 2001, os ora Recorrentes já não tinham qualquer interesse ou expectativas sobre os lotes de terreno em causa (merece aliás a pena conferir o doe. de fls. 77, junto com a defesa dos Recorrentes e o conteúdo genérico da sua defesa);

67. E assim se esvai o requisito legal da detenção da coisa objecto do negócio;

68. In casu, pois, não se verificando os requisitos factuais do n° 2 do art. 796º do C. Civil, sempre se imporia a aplicação da regra geral incisa no n° 1, justamente a afastar os Recorrentes de qualquer tipo de responsabilidade contratual,'

69. Há pois que concluir, que, por mais uma vez, a Veneranda Relação, ao confirmar a sentença de 1 a Instância, violou a lei substantiva, desta feita, as normas do artigo 796 nº s 1 e 2 do Código Civil;

IGUALMENTE SEM PRESCINDIR,

70. Centrados por mais uma vez na sentença de 1a Instância - repete-se, confirmada sem mais pela Veneranda Relação - não se discerne com absoluto rigor se o Tribunal pretendeu dirimir a presente lide em função do regime próprio da alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar (arts. 43r e ss. do CCivil), ou se, verdadeiramente, opta pelo regime da impossibilidade de cumprimento não imputável ao devedor (arts. 7900 e ss. do CCivil).

71. Seja como for, mesmo na aplicação deste último regime, e sempre com o devido respeito, a solução a dar à presente lide não poderia ser senão a da absolvição dos aqui recorrentes do pedido;

72. Estipula o artigo 795 n° 1 do C. Civil, que, no caso de contrato bilateral - como o dos autos - uma das prestações se tornar impossível, fica o credor desobrigado da contra prestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa;

73. Ora, como repetidamente se vem evidenciando, ilustram os autos que os Recorrentes nada receberam dos AA.;

74. Logo, se nada receberam, em nada se locupletaram, por isso quedando afastada eventual responsabilidade em matéria de enriquecimento sem causa - cfr. art. 473° do Código Civil;

75. A concluir, também aqui, que a Veneranda Relação, ao confirmar a sentença de 1 a Instância, violou a lei substantiva, desta feita, as normas dos artigos 795° e 473° do Código Civil;

76. Por tudo o exposto, deve o Acórdão recorrido ser revogado, e, por consequência, os RR. ora Recorrentes serem absolvidos dos pedidos contra si formulados.

77. Perante todo o exposto, ressalvado o devido respeito, mostram-se violadas nomeadamente as seguintes normas: - artigos 154º, 602° n° 1, 607 números, 2, 3, 4 e 5, 611° nº 1, 615° nº 1, alínea d), e 662° n° 1 e 2, todos do NCPC; - artigos 219º, 220º, 238° n° 1, 268º, 269º, 286º, 289º, 364° n° 1, 369º, 370° nº 1, 371° n° 1, 372° a contrario, 410° n° 2, 432º, 433º, 437º, 473º, 795º, 796° nºs 1 e 2, todos do Código Civil; - artigos 2° nº 2 a contrario, 4° n° 2, 116° nº 3 e 163º todos do Código do Notariado; - arts. 23º nº 2 aI. n), 25º n° 1 al. g), 33º n° 1 aIs. a) e y), e 38º n° 3 al. g) do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n° 75/2013, de 12 de Setembro; - art. 62º n° 3 do Código do Procedimento Administrativo; - arfo 110 n° 1, al. a) do RJUE - Regime Jurídico do Urbanismo e Edificações, aprovado Dec. -Lei n° 555/99, de 16.12.

Termos em que, deverá conceder-se provimento ao recurso de revista, nas suas várias questões:

a) declarando-se nula e (ou) anulando-se a sentença recorrida;

b) em qualquer caso, revogando-se a mesma e substituindo-se por outra que absolva os recorrentes do pedido.

Assim se espera seja realizada JUSTIÇA.

.

Os recorridos AA e BB apresentaram contra- alegações, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.


Colhidos os vistos cumpre apreciar:


II- Fundamentação:


Factos Provados:


a) No Lugar da …, freguesia de Vilar de Andorinho, concelho de Vila Nova de Gaia, situa-se o terreno destinado a construção urbana, com a área de 252m2, a confrontar do norte, sul e nascente com HH e outros e a poente com a Rua, que se encontra descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n….88 e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..57, o qual constitui o lote n.º42 do alvará de loteamento n.º51/79 emitido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia em 13 de Junho (A).

b) No mesmo lugar situa-se ainda o terreno destinado a construção urbana, com a área de 533m2, a confrontar do norte e poente com rua, do sul e nascente com HH e outros, que se encontra descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n….88 e inscrito na matriz urbana sob o artigo …58, o qual constitui o lote n.º43 do alvará de loteamento n.º51/79 emitido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia em 13 de Junho (B).

c) No dia 10.07.2001 os réus CC e DD outorgaram no 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia uma procuração através da qual constituíram seu bastante procurador GG, a quem conferiram os poderes necessários, podendo substabelecê-los, para vender ou prometer vender pelo preço e condições que entender até ao montante máximo de 10 milhões de escudos cada lote, podendo fazer negócios consigo mesmo, entre outros, os terrenos identificados em a) e b) (C).

d) Em 31 de Outubro de 2001 GG outorgou um documento denominado substabelecimento, através do qual declarou “…substabelece todos os poderes que lhe foram conferidos por CC e esposa DD na procuração outorgada em dez de Julho do ano de dois mil e um no segundo Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia a EE (…) (D)

e) Em 17.02.2003 a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia certificou que os lotes n.ºs 42 e 43 aludidos em a) e b) do loteamento titulado pelo alvará n.º51/79 tinham ficado abrangidos pela zona non-aedificandi de protecção à via de 200mts para cada lado do eixo da estrada (E)

f) Em 21.02.2003 foi marcada no 1º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia uma escritura de compra e venda do terreno destinado à construção urbana, com a, área de 409,50m2, designado pelo lote 43, sito no Lugar de …, freguesia de Vilas de Andorinho, do concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º…22 e inscrito na matriz sob o artigo 2.958 e do terreno destinado à construção urbana, com a área de 252m2, designado pelo lote 42, sito no lugar de …, freguesia de Vilar de Andorinho, do concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º…21 e inscrito na matriz sob o artigo 2.957, tendo comparecido EE como procurador dos vendedores e o comprador AA, não se tendo realizado a citada escritura por falta de acordo entre as partes contratantes (F).

g) Em 27.02.2003, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia comunicou, por escrito, que os lotes 42 e 43, situados no Lugar de …, Vilar de Andorinho, tinham ficado abrangidos pela zona non-aedificandi de protecção à via ER 1-18 de 200mts para cada lado do eixo da estrada e centrado em cada nó de ligação um círculo de 1300mts de diâmetro, pelo que as construções previstas para os mesmos não poderão ser licenciadas (G).

h) Em 14.07.2004 o autor comunicou por escrito aos réus CC e DD a resolução do contrato promessa de compra e venda outorgado em 06.09.2002, que tinha por objecto os lotes n.º42 e 43 aludidos em a) e b) do alvará de loteamento n.º51/79, fundamentando-se para tal na alteração anormal das circunstâncias em que fundou a decisão de contratar (H)

i) Em Agosto de 2004 a advogada do autor enviou aos réus CC e DD a carta junta a fls. 41, cujo teor aqui se tem por reproduzido, através da qual solicitava a devolução do sinal até 10 de Setembro (I).

j) Em 06.09.2002 os autores e o 2º réu, este na qualidade declarada de procurador substabelecido dos 1ºs réus, subscreveram um documento a que deram o nome de Contrato Promessa de Compra e Venda em que os autores são designados por segundo outorgante e os réus por primeiro outorgante (1º da base instrutória).

k) Do teor do referido documento consta, entre outras, a seguinte cláusula: o primeiro outorgante, em nome dos seus representados, promete vender ao segundo outorgante e este, por sua vez, promete comprar, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades os terrenos identificados em a) e b) (2º da base instrutória).

l) Consta ainda do teor do documento aludido em j) a seguinte cláusula: o preço global estipulado é de € 139.664,00 cujos termos de liquidação serão os seguintes: a título de sinal e princípio de pagamento o segundo outorgante entrega ao primeiro outorgante, nesta data, a quantia de € 55.000,00, titulada pelo cheque n.º71023855 do Montepio Geral, agência de Santa Maria da Feira de que lhe confere a competente quitação após boa cobrança (3º da base instrutória).

m) O documento aludido em j) foi assinado por EE na qualidade declarada de procurador substabelecido dos primeiros réus (4º da base instrutória).

n) Aquando da assinatura do contrato promessa aludido em j) o réu EE recebeu do autor marido a quantia de € 55.000,00 correspondente ao pagamento do sinal clausulado (parte do facto 5º e facto 15º da base instrutória)

o) Em Janeiro de 2003 o autor apresentou junto da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia um requerimento de informação sobre a existência de algum impedimento ao licenciamento de construção no lote de terreno a que se reporta o projecto n.º1.812/201 de licenciamento de obra (6º da base instrutória).

p) Por carta datada do dia 23 de Janeiro, de 2003, os autores foram notificados pelo EE para comparecerem no 1º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia no dia 31.01.2003, para celebrarem a escritura objecto do contrato-promessa celebrado em 06.09.2002 (7º da base instrutória)

q) Na sequência do referido em p), o autor enviou ao EE a carta junta a fls. 12, na qual pedem que lhes sejam prestados todos os esclarecimentos sobre a eventual execução de uma via de comunicação que poderá implicar a expropriação de parte de um dos lotes aludidos em a) e b) (8º da base instrutória).

r) Em 10.02.2003 o autor requereu à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia que informasse se os processos de licenciamento n.º1.811/01 e 1812/01 respectivamente correspondentes aos lotes 42 e 43 aludidos em a) e b) seriam afectados pela construção da ER1-18 ou se os mesmos reuniam as condições necessárias para a emissão de licença de obras (9º da base instrutória).

s) Por carta datada de 05.02.2003 o réu EE comunicou ao autor que havia marcado novamente a realização da escritura para o 21.02.2001 pelas 12h00 (10º da base instrutória).

t) O autor enviou ao EE a carta junta a fls. 20 e 21, na qual informava que a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia não licenciaria qualquer construção nos lotes 42 e 43 aludidos em a) e b) (11º da base instrutória)

u) Em 17.02.2002, após ter recebido do EE indicação da nova data para celebração da escritura, em face das informações camarárias aludidas em

e), o autor marido enviou a carta junta a fls. 28-29 (12º da base instrutória).

v) O autor marido fundou a sua decisão de celebrar o contrato-promessa de compra e venda dos lotes 42 e 43 tendo exclusivamente em vista a construção (13º da base instrutória).

w) Tal objectivo era do conhecimento do réu EE (parte do facto 14º da base instrutória).

x) Em 31.10.2001, por ocasião da outorga do documento aludido em d), o réu EE havia pago ao procurador dos 1ºs réus, GG, a totalidade do preço dos lotes referidos em a) e b) (16º da base instrutória).

y) Aquando da subscrição do contrato-promessa referido em j), o réu EE actuou com vista à satisfação do seu exclusivo interesse (17º da base instrutória).

z) Da al. b) da clausula segunda do contrato aludido em j) consta que a restante quantia do preço global estipulado será liquidada até finais de Dezembro de 2002 (parte dos factos 19º e 20º da base instrutória).

aa) O valor pago pelo autor marido ao réu EE a título de sinal proveio de receitas da actividade profissional conjunta dos autores (parte do facto 21º da base instrutória).


Apreciando:


Os recorrentes na revista suscitam as seguintes questões:

a) Nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia sobre a força probatória das certidões de fls. 871 a 874 emitidas pela Câmara Municipal de Gaia e omissões referenciadas sob as conclusões 1ª a 11ª.

b) Abuso de representação por parte do co- réu EE e omissão de ratificação do contrato- promessa;

c) Efeitos da resolução do contrato-promessa e impossibilidade do cumprimento da prestação do contrato que não pode ser imputável aos recorrentes por não se verificar os requisitos do art. 796 do C Civil.

 

No que concerne à impugnação que os recorrentes fazem da matéria de facto nomeadamente a respeito da força probatório das certidões de fls. 871 a 874 respeitantes aos lotes 42 e 43, o que, aqui, importa é que a Relação acabou por se pronunciar probatoriamente no sentido de que os lotes em causa passaram a estar integradas em zona non aedificandi, circunstância que afasta a apontada nulidade.

 Quanto ás restantes omissões referenciadas as mesmas mostram-se prejudicadas pela solução dada á questão de mérito fundamental adiante tratada, sendo que relativamente à falta de fundamentação da resposta dada ao quesito 18º , trata-se de uma resposta que, como é sabido, não é sindicável por este tribunal de revista.


 Quanto ao abuso de representação:


 Vem provado:


 Os 1ºs RR no dia 10.07.2001 outorgaram no 2º Cartório Notarial de V. Nova de Gaia uma procuração através da qual constituíram seu bastante procurador GG, a quem conferiram os poderes necessários podendo substabelecê-los para vender ou prometer vender pelo preço e condições que entender até ao montante máximo de 10.000.000$00 cada lote, fazer negócio consigo mesmo , entre outros terrenos identificados em a), b), ( c), (doc. fls. 89 a 92) al. C);

 Em 31 de Outubro de 2001 GG outorgou um documento denominado substabelecimento, através do qual declarou “…substabelece todos os poderes que lhe foram conferidos por CC e esposa DD na procuração outorgada em dez de Julho do ano de dois mil e um no segundo Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia a EE (…) (D).

Em 06.09.2002 os autores e o 2º réu, este na qualidade declarada de procurador substabelecido dos 1ºs réus, subscreveram um documento a que deram o nome de Contrato Promessa de Compra e Venda em que os autores são designados por segundo outorgante e os réus por primeiro outorgante (1º da base instrutória).

k) Do teor do referido documento consta, entre outras, a seguinte cláusula: o primeiro outorgante, em nome dos seus representados, promete vender ao segundo outorgante e este, por sua vez, promete comprar, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades os terrenos identificados em a) e b) (2º da base instrutória).

l) Consta ainda do teor do documento aludido em j) a seguinte cláusula: o preço global estipulado é de € 139.664,00 cujos termos de liquidação serão os seguintes: a título de sinal e princípio de pagamento o segundo outorgante entrega ao primeiro outorgante, nesta data, a quantia de € 55.000,00, titulada pelo cheque n.º … do Montepio Geral, agência de Santa Maria da Feira de que lhe confere a competente quitação após boa cobrança (3º da base instrutória).

m) O documento aludido em j) foi assinado por EE na qualidade declarada de procurador substabelecido dos primeiros réus (4º da base instrutória).

n) Aquando da assinatura do contrato promessa aludido em j) o réu EE recebeu do autor marido a quantia de € 55.000,00 correspondente ao pagamento do sinal clausulado (parte do facto 5º e facto 15º da base instrutória).


 No contrato promessa de compra e venda celebrado em 6.09.2002 junto a fls. 6 a 9 dos autos figura, como outorgantes o 2ª Réu, EE, na qualidade de procurador substabelecido dos 1ºs RR CC e mulher DD.


A propósito da forma da procuração Pedro Leitão Pais de Vasconcelos in “Procuração Irrevogável” pag. 220 escreve: “ Uma terceira questão, que se coloca a propósito da forma de procuração, consiste a apurar se as exigências de forma que resultam do art. 116 nº 2 do Código do Notariado o são ad probationem ou ad substantiam.  A questão prende-se com a determinação das consequências da violação da forma legal. Conjugando o art. 220 do Código Civil com o art. 364 do C. Civil resulta que as exigências de forma podem ser ad probationem ou ad substantiam.  Serão exigência de forma ad probationem as que, nos termos do art. 364 nº2 apenas se destinam á prova da declaração. A finalidade das exigência de forma deve resultar da lei. Se não resultar claramente da lei que as exigência de forma se destinam apenas a provar a declaração, essas exigências deverão ser considerada ad substantiam e a sua preterição provocará a nulidade do negócio nos termos do art. 220 do C. Civil. Em princípio, a preterição de formalidade ad substantiam importa a nulidade do negócio (art. 220 do C. Civil) enquanto o desrespeito de formalidades ad probationem não põe em causa a validade do acto e apenas limita os meios através dos quais se pode fazer a a sua prova (art. 364 nº2 do C Civil)”.


No caso dos autos estamos perante uma procuração que visava a venda de bem imóveis, o que significa que teria de observar a forma de instrumento público, ou seja, constitui, aqui, uma formalidade ad substantiam.


No caso em apreço, não se pode esquecer, conforme se constata e resulta expressamente da matéria assente indicada sob a alínea C) que os RR CC e DD outorgaram no 2º Cartório Notarial de V. Nova de Gaia uma procuração através da qual constituíram seu bastante procurador GG, a quem conferiram os poderes necessários, podendo substabelecê-los , para vender ou prometer vender pelo preço e condições que entender até ao montante máximo de 10 milhões de escudos cada lote, podendo fazer negócio consigo mesmo , entre outros , os terrenos identificados em a) b) .


Trata-se, pois, de uma procuração para venda de imóveis que observou a forma legalmente prescrita, porquanto foi outorgada por instrumento público em Cartório Notarial ( cf.  arts. 116 nº3 do C do Notariado e 262 nº2 do C. Civil).

Eefctivamente, quando a procuração é outorgada no interesse do procurador , deve ser lavrada por instrumento público , nos termos do nº2 do art. 116 do C. Notariado e daí que segundo o nº3 do citado normativo o substabelecimento dos mesmos poderes também deva ser por instrumento público.  


No entanto, no caso dos autos, não existe prova no sentido de que o contrato promessa tenha sido celebrado também no interesse do procurador –ou com ele próprio, mas em nome dos representados e daí que  o substabelecimento referenciado sob a alínea D) ( doc. de fls. 252- documento particular ) é válido para efeitos de outorga no contrato promessa aqui em causa.

E sendo assim, o substabelecimento utilizado para outorgar no contrato- promessa aqui em causa, não sofre da apontada nulidade.


Acresce, que existe matéria de facto integrativa numa situação de representação sem poderes, ( art. 268 nº1 do C. Civil)  nomeadamente quando vem provado que a venda global dos lotes foi de €139.664,00, excedendo na ordem dos € 19.832,00 para cada um dos lotes objecto do contrato promessa de compra e venda, o limite dos dez milhões de escudos que a procuração impunha na venda dos lotes.

Neste domínio, temos de reconhecer que o procurador/ substabelecido , EE, extravasou as indicações que os representados haviam mencionado na aludida procuração, pelo menos, no que toca ao limite do  preço de venda dos lotes.    

Acresce também que não vem provada qualquer matéria que ateste a ratificação do negócio por banda dos RR, pelo que, à luz do art. 268 nº1 do C Civil, o mesmo é ineficaz em relação aos RR , recorrentes.


Significa, como dizem os recorrentes nas suas conclusões, que o contrato promessa de compra e venda, aqui, em causa, não é oponível aos RR por ineficácia nos termos do citado normativo, ficando, assim, também prejudicada a apreciação da 3ª questão acima enunciada, relacionada com os efeitos da resolução do contrato e impossibilidade do cumprimento da prestação.


 E não podendo os AA, aqui, opor o contrato promessa aos, aqui, RR, pelos motivos supra expostos, (o referido António Ribeiro não tinha poderes para a outorga) estranha-se, que não tenham reagido à decisão de absolvição do pedido do 2º Réu, EE, quando na alteração da causa de pedir que formularam a fls. 227 segs. e para o caso de se provar que o referido R não tinha poderes para outorgar no contrato, chegam a requerer a sua condenação com fundamento no enriquecimento sem causa.


Concluindo:


 1-Uma procuração que visava a venda de bem imóveis teria de observar a forma de instrumento público, constituindo, assim , uma formalidade ad substantiam.

2 - Não tendo o contrato promessa sido celebrado no interesse do procurador – ou com ele próprio, mas em nome dos representados, o substabelecimento referenciado sob a alínea D) ( documento particular) é válido para efeitos de outorga nesse contrato promessa.  

 3 - O procurador/ substabelecido, EE, extravasou as indicações que os representados haviam mencionado na aludida procuração, pelo menos, no que toca ao limite do preço de venda dos lotes e não se provando matéria que ateste a ratificação do negócio por banda dos RR, à luz do art. 268 nº1 do C Civil, o mesmo é ineficaz em relação aos RR, recorrentes, o que significa que o contrato promessa de compra e venda outorgado pelo identificado procurador / substabelecido, aqui, em causa, não é oponível aos RR por ineficácia nos termos do citado normativo.



 III Decisão:


Nesta conformidade e considerando o exposto acordam os Juízes deste Supremo em conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e, em sua substituição, julga-se a acção improcedente, absolvendo-se os 1ºs RR do pedido contra eles formulado.


Custas pelos recorridos.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Dezembro de 2015


Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes