Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DO REGO | ||
Descritores: | JURISPRUDÊNCIA UNIFORMIZADA PELO STJ PRESSUPOSTOS DA REVISIBILIDADE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO LIMITES MÁXIMOS DA INDEMNIZAÇÃO SEGURO OBRIGATÓRIO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANOS FUTUROS INCAPACIDADE LABORAL DANOS NÃO PATRIMONIAIS EQUIDADE PODERES COGNITIVOS DO STJ | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 10/07/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | 1. Não sendo imutáveis as orientações jurisprudenciais definidas pelo pleno das secções cíveis do Supremo ao abrigo do julgamento ampliado da revista, nos termos do art.732º-A do CPC – ao contrário do que se verificava com os anteriores «assentos», dotados de força vinculativa geral – não pode pretender-se obter sistematicamente a livre revisibilidade da solução neles adoptada ( a realizar necessariamente pelo próprio plenário) sem que ocorram circunstâncias particulares justificativas, devidamente invocadas pela parte interessada - não relevando a simples adesão do recorrente a orientações doutrinárias ou jurisprudenciais, anteriores à prolação do dito acórdão uniformizador – e nele devidamente referenciadas e ponderadas. 2. Nada se aditando de inovatório relativamente aos fundamentos que ditaram a prolação do acórdão uniformizador nº 3/04 , em que se decidiu que: O segmento do art. 508º, nº 1, do Código Civil, em que se fixam os limites máximos da indemnização a pagar aos lesados em acidentes de viação causados por veículos sujeitos ao regime do seguro obrigatório automóvel, nos casos em que não haja culpa do responsável, foi tacitamente revogado pelo art. 6º do Dec.lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec.lei nº 3/96, de 25 de Janeiro, mantém-se inteiramente este entendimento jurisprudencial, que não passa por atribuir a qualquer directiva comunitária um efeito directo horizontal, mas apenas por interpretar normas legais, pertencentes à ordem jurídica nacional, em conformidade com o direito comunitário, e dentro dos parâmetros consentidos pelas regras interpretativas internas , fixadas nas disposições gerais e introdutórias do CC. 3. Não envolve violação da norma contida no art . 506º do CC a decisão que – num caso em que nada se apurou quanto à concreta dinâmica do acidente - fixou em graus diferenciados a percentagem dos riscos de circulação próprios de veículos dotados de características estruturais diferentes ( veículo automóvel e velocípede com motor), dada a maior apetência do veículo de maiores dimensões para, em caso de colisão, provocar lesões graves nos demais utentes das vias públicas, que utilizem veículos de menor peso e dimensões. 4. A indemnização a arbitrar como compensação dos danos futuros previsíveis, decorrentes da IPP do lesado, deve corresponder ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida – quantificado, em primeira linha, através das tabelas financeiras a que a jurisprudência recorre, de modo a alcançar um «minus» indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade, que permitam a ponderação de variáveis não contidas nas referidas tabelas. 5. Tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação , prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade. 6. Em aplicação de tais critérios, não há fundamento bastante para censurar o juízo, formulado pela Relação com apelo à equidade, que , - relativamente a lesado com 28 anos à data do acidente, tendo, pois, uma esperança média de vida próxima dos 50 anos, a quem foi atribuída uma IPG de 80%, ficando irremediavelmente impossibilitado de exercer, para o resto da vida, qualquer actividade profissional, auferindo um rendimento mensal de €350 - calculou uma indemnização por danos futuros no montante de €120.000,00 7. Não é excessiva uma indemnização de €150.000,00, calculada como compensação dos danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas gravosas e absolutamente incapacitantes ,envolvendo uma IPG de 80% e a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, com absoluta dependência de terceiros para a realização das actividades diárias e necessidades de permanente assistência clínica, envolvendo degradação plena e irremediável do padrão de vida do lesado. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA intentou contra BB, S.A. acção de condenação, na forma ordinária, pretendendo obter o ressarcimento dos danos decorrentes de acidente de viação , deduzindo pedido no montante de €181.000,00, acrescido da quantia mensal correspondente ao salário mínimo nacional, a pagar vitaliciamente pela R. 14 vezes por ano, desde a data da propositura da acção, e ainda as despesas com o tratamento das lesões sofridas, com juros moratórios desde a citação. Tal pretensão foi ampliada ulteriormente, mediante articulado superveniente, no montante de €150.000,00. A acção foi contestada, vindo a ser proferida, após audiência final, sentença que julgou a causa parcialmente procedente, arbitrando ao A. a quantia de €115.000,00 e respectivos juros e metade dos montantes peticionados a título de salários futuros perdidos e previsíveis despesas médicas e de tratamentos a realizar futuramente e a liquidar em execução de sentença, por - não se tendo apurado culpa de qualquer dos condutores na eclosão do acidente - ter atribuído ao lesado, a título de risco, a proporção de metade na contribuição do seu veículo para os danos. Desta decisão apelaram a R. e – mediante recurso subordinado – o A., tendo a Relação, no acórdão recorrido, julgado parcialmente procedentes ambos os recursos, ditando a seguinte solução para o litígio: A.1) – Declarar que o segmento do artº 508º nº 1 do Código Civil, em que se fixam os limites máximos da indemnização a pagar aos lesados em acidentes de viação causados por veículos sujeitos ao regime do seguro obrigatório automóvel, nos casos em que não haja culpa do responsável, na redacção anterior à introduzida pelo DL-59/2004 de 19 de Março, foi tacitamente revogado pelo artº 6º do Dec-Lei nº 522/85 de 31 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec-Lei nº 3/96 de 25 de Janeiro, e assim, “in casu”, ser de aplicar o limite máximo indemnizatório de € 600.000,00 correspondente ao valor do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel previsto pelo artº 6º do DL-522/85 de 31.12 na redacção dada pelo DL-301/2001 de 23 de Novembro. A.2) - Condenar a Ré, BB S.A. a pagar ao Autor - AA a quantia de € 98.250,00 (noventa e oito mil, duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, correspondente a 75% do total de € 131.000,00 = (€ 1.000,00 + € 10.000,00 + € 120.000,00) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. A essa quantia de € 98.250,00 será descontada a quantia de € 2.802,83, a pagar pela Ré – Seguradora ao ISSS. A.3) - Condenar a Ré, BB S.A. a pagar ao Autor - AA a quantia de € 112.500,00 (cento e doze mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, correspondente a 75% do total de € 150.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. A.4) - Condenar a Ré, BB S.A. a pagar ao Autor - AA, mensalmente e catorze vezes em cada ano, a quantia correspondente a 75% do salário mínimo nacional em vigor em cada ano civil desde a data da propositura da acção e até ao final da vida do autor. A.5) - Condenar a Ré, BB S.A. a pagar ao Autor - AA, a quantia que em liquidação de sentença se vier a apurar como correspondente a 75% das despesas resultantes de tratamentos médicos, incluindo as despesas necessárias e causais a tais tratamentos, como sejam as despesas de transporte, enfermagem e outras despesas com medicamentos ou outros produtos ou serviços medicamente prescritos que, posteriormente à data da citação da Ré na presente acção, o autor vier a despender como consequência do acidente dos autos. A.6) - Condenar a Ré, BB S.A. a pagar ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social a quantia de € 2.802,83 (dois mil, oitocentos e dois euros e oitenta e três cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. §. - A soma dos montantes indemnizatórios já liquidados e a liquidar em execução de sentença a pagar pela Ré BB S.A. ao autor e ao interveniente I.S.S.S., terá, com exclusão dos montantes que sejam devidos a título de juros de mora, como limite máximo a quantia de 600.000 € correspondente ao valor do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel previsto pelo art. 6º do D.L. 522/85 de 31.12 na redacção dada pelo D.L. 301/2001 de 23.11. 2.Novamente inconformada, a R. seguradora interpôs a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe delimitam o objecto: 1.° - Com estes factos, não é de todo possível encontrar a medida da culpa de cada um dos intervenientes, somente a medida do risco, que caracteriza a responsabilidade em causa. 2° - Em nosso entender, tal aferição só será justa se feita à luz do disposto no artigo 506°, n.° 2 C.C.. 3.º - Perante circunstâncias sinistrais desconhecidas, como é o caso em apreço, nada se provando quanto à dinâmica do sinistro em si mesmo, não parece justo, nem equilibrado, atribuir a um dos condutores uma maior responsabilidade, partindo do pressuposto de que em função das viaturas que conduzem, mais ou menos risco lhe assiste. 4.° - É de facto diferente conduzir um motociclo, de conduzir um veículo automóvel de quatro rodas. Mas tal diferença, não implica, a priori, maior risco de circulação. 5.º - O veículo automóvel é inerentemente mais estável e mais capacidade de travagem. 6.º - A comparação levada a cabo pelo ilustre tribunal "a quo", coloca a situação como se em causa estivessem dois poios - um é grande, potente e pesado, o outro é pequeno, pouco potente e leve, logo o primeiro acarreta mais risco que o segundo, o primeiro é mais responsável que o segundo. 7° - Não estamos, pois, de acordo. 8.º - Deste modo, comparar dois veículos com base nas suas características dimensionais, sem mais, para daí se retirar a medida do risco de cada um, parece-nos, salvo o muito e devido respeito, redutor e injusto. 9.° - O julgador parte de um pressuposto inerente a uma dimensão patológica da circulação estradai, que é a colisão entre veículos, onde "o maior" causa mais danos e por isso "é mais responsável". 10.º - No que se refere à capacidade de produção de danos de um veículo de quatro rodas e outro de duas rodas o primeiro pode, em teoria, causar mais danos por ser maior, no entanto, o segundo é menos estável e nessa medida mais susceptível de entrar em despiste embatendo noutro veículo, nomeadamente um automóvel, que dado o seu tamanho lha causará muitos mais danos que o contrário. 11.º - No entanto, ninguém poderá dizer que num caso destes, o risco de circulação do automóvel justificará o montante dos danos. 12.º - O que aqui somos a afirmar, é que a dimensão, por si só pouca luz poderá lançar, bem como os factos provados, sobre o qu de facto sucedeu. 13.º - Deste modo, tudo aquilo que se venha a adiantar no domínio da dinâmica sinistrai do caso concreto, é pura conjectura, estamos no domínio da dúvida. 14.º - Devendo considerar-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos intervenientes, tal como prevê o n.° 2 do artigo 506.° C.C.. 15.º - A lei prevê situações com as características da que está em apreço e sobre elas estatui o que supra se referiu. 16.º - Por tudo quanto vai alegado e na medida do que decidiu a douta sentença quanto a este particular, julga a ora Ré ser de inteira justiça considerar a divisão do risco, no caso concreto em 50% para cada um dos intervenientes, devendo ser esta a medida percentual na condenação da Ré quanto aos montantes indemnizatórios seguintes, sem prejuízo do seu desacordo face aos montantes concretos. 17.º - Ao não o interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 506° do Código Civil. 18.º - O montante da condenação tem de ser reduzido de modo a que a condenação total da apelante não ultrapasse trinta mil euros. Na verdade, a ora Apelante foi condenado a título de risco, repartindo-se em igual proporção com o veículo do autor. Á data do sinistro, a responsabilidade pelo risco estava condicionada aos limites previstos no artigo 508, n.° 1 na redacção introduzida pelo Decreto-lei 190/85 de 24 de Junho, nos termos do qual a indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limites máximos, no caso de morte ou lesão de uma pessoa o equivalente ao dobro da alçada da Relação. 19.º - Mas para o caso de se entender que o disposto no artigo 508.° do Código Civil não logra aplicação ao caso vertente em função do sentido normativo decorrente do direito comunitário derivado, bem como da sua alegada revogação tácita por força do disposto no artigo 6.° do DL n.° 522/85, de 31/12, vejamos que, também sobre este prisma, não assiste qualquer razão ao assim decidido. 20.º - A directiva, tratando-se de um acto que tem como destinatários os estados membros e que dirige imposições que estes devem satisfazer por via legislativa, regulamentar, administrativa ou outra, não é directamente aplicável na ordem jurídica interna, sendo necessária a actuação dos estados no sentido da sua transposição. Só após a mediação do estado, e por consequência e aplicação das suas regras próprias, se constituem direitos e obrigações para os particulares. 21.º - Ora, o efeito directo das directivas foi negado, atendendo justamente à teleologia da figura e à vontade dos outorgantes dos tratados constitutivos da comunidade, o que se compreende claramente atenta a nítida diferença de regime existente entre os regulamentos e as directivas. 22.º - Importa dizer que, ainda que se sufrague a interpretação da sentença recorrida, jamais o recorrente poderia ser condenado no presente processo nos termos pretendidos, uma vez que tal acarretaria a admissão do efeito directo horizontal das directivas. 23.º - Na verdade, o recorrente não é destinatário da directiva em causa nem tem a qualidade jurídica de estado membro da União Europeia. 24.º - Por outro lado, actuação do legislador interno é totalmente incompatível com a tese da revogação do artigo 508.° do Código Civil. 25.º - Tendo em conta a douta decisão quanto à apreciação do tipo de responsabilidade na eclosão do acidente, qual seja, a responsabilidade pelo risco, deve a indemnização fixada conter-se dentro do valor da alçada do tribunal da relação, ex vi o disposto no n.° 1, do artigo 508.° do Código Civil. 26.º - Assim sendo, a indemnização a pagar ao lesado, neste processo, deve situar-se dentro dos limites fixados no art.° 508.° - o dobro da alçada da Relação - € 30.000,00 -, e sempre de acordo com o supra alegado quanto à determinação da responsabilidade. 27.º - Ao não as interpretar e aplicar da forma acima assinalada o Tribunal a quo violou o artigo 1.° e 21.°.° do Decreto-lei n.° 522/85, de 31/12 e os artigos 249.° e 254.° n.° 1, do Tratado de Roma, o artigo 9.° e 508.° do Código Civil e o artigo 6° do Decreto - lei n. 522/85, de 31 de Dezembro. Sem conceder, 28.º - Resulta dos factos provados que como consequência das lesões sofridas no acidente dos autos, o autor sofreu lesões que lhe determinaram uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de marceneiro e para todo e qualquer trabalho e uma incapacidade permanente geral de 80%, algo que a ora Ré sempre reconheceu, ao contrário do que dá a entender supra o ilustre tribunal "a quo". 29.° - É igualmente indiscutível que resultou provado que o autor tinha, à data do acidente, 28 anos de idade trabalhando por conta de outrem, como polidor de móveis, auferindo o vencimento mensal de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) e que em consequência das lesões sofridas o autor, por não o poder fazer, jamais trabalhou. 30° - Consideraremos mais uma vez e em oposição ao que referiu o ilustre tribunal recorrido, que a esperança de vida activa do lesado é até aos 65 anos, não sendo inadmissível, por recurso a qualquer critério de equidade estender esse limite. 31.º - A equidade não é uma folha em branco na qual o julgador pode construir interpretações extensivas da lei. 32.º - No que respeita à reparação do dano corporal, a jurisprudência utiliza o critério de determinar um capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a alguns métodos. 33.º - Na verdade, tais métodos não são absolutos, devendo ser aplicados como índices ou parâmetros temperados com a aplicação e um juízo de equidade. 34.º O Supremo tribunal de Justiça no Ac. STJ de 5/5/94, que, além de outros, divulgou a célebre forma matemática afirma desde logo "que o Tribunal não está confinado ao resultado de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras" - Revista "Sub Júdice", n°17, 2000, Janeiro/Março, pág.163. 35.º - O recurso a fórmulas é, pois, meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566° do Código Civil, mormente do referido no n°3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exacto dos danos deve recorrer à equidade, nos termos do n°3 do art. 566° do Código Civil. 36.º - Deste modo, tendo em conta o critério da equidade reputa-se, a nosso ver e não obstante as considerações do aresto recorrido, adequada a indemnização de € 85.000,00 - a reduzir em 50% correspondente à sua contribuição para o sinistro. 37.° - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562° e 564°, n° 2, todos do Código Civil. 38.º - O que sai reforçado pela consideração de que no caso sub judice, não pode lograr aplicação face ao apelante a vertente sancionatória ou punitiva da indemnização. É que, a responsabilidade do apelante tem os traços de uma responsabilidade independente de culpa sua - cfr. o critério do art. 494° que ordena a valoração da culpa. E o valor atribuído na douta sentença recorrida deverá merecer aplicação justamente para os casos de especial gravidade e culpa e onde esta possa ser imputada. 39.° - Os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo demandante como consequência do acidente são de muita gravidade e merecedores da tutela do Direito. 40.° - Quanto a este dano, entendemos ser o mesmo indemnizável autonomamente com a quantia de € 70.000,00 - a reduzir em 50% correspondentes à sua contribuição para o sinistro. 41.º - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562° e 564°, n° 2, todos do Código Civil. O A. interpôs recurso subordinado, questionando os valores indemnizatórios que foram arbitrados a título de danos patrimoniais futuros e de danos não patrimoniais, contra-alegando ainda no recurso principal interposto pela seguradora, nos seguintes termos: 1ª- O douto recurso principal não deve merecer provimento e em consequência deve ser mantido o decidido no que tange à fixação do risco em 75%/ 25%; a não aplicação dos limites indemnizatórios do art. 508 C. Civil; a não redução da indemnização por se estar em presença de uma situação de risco, já que as alegações, em contrário, da recorrente principal, carecem de todo e qualquer fundamento. 2ª - O douto recurso subordinado deve merecer provimento e, em consequência fixar-se a indemnização pelo dano patrimonial futuro do recorrente subordinado em 220.000,00 Euros e o dano não patrimonial em 200.000,00 euros; 3ª -Quanto ao dano patrimonial futuro a decisão impugnada não teve em conta: a) que o recorrente subordinado não ficou apenas com uma i.p.g. de 80% mas antes, impossibilitado de obter quaisquer rendimentos de trabalho, com carácter permanente e vitalício; b) que a perda de ganhos futuros se irá prolongar previsivelmente por mais 47 anos, período durante o qual os seus rendimentos de trabalho à data do acidente iriam crescer substancialmente. c) que o recorrente não só viu liquidado " tout court" os seus rendimento como viu acrescidas as suas despesas, v.g., com a contratação de uma terceira pessoa para dele cuidar. d) Que o quantum indemnizatório foi encontrado, tendo em conta uma taxa nominal líquida de juro de 4%, sendo certo que essa taxa em 2009 foi de cerca de 1%, no corrente ano é de 0,5% e nos próximos anos não será muito diferente dos referidos números e que quanto menor for a taxa de juro, mais terá que ser o capital para produzir o mesmo rendimento, isso significa que o aqui recorrente subordinado no ano de 2009 necessitou de 4 vezes mais capital, no ano de 2010 de 98 vezes mais capital para gerar o mesmo rendimento e, que por isso, tem que viver à conta do capital até à taxa de juro atingir 4% ao ano. 4ª- Quanto ao dano não patrimonial a douta decisão recorrida não teve em conta os seguintes elementos relevantes: a) que o recorrente subordinado ficou em vida vegetativa; b) que vai suportar por cerca de 50 anos a sua impotência sexual; c) que não vai poder reproduzir-se; d) que não pode deixar de ter o sentimento de que, em consequência do acidente, tendo ficado vivo, acabou por morrer para a vida, por nada poder fazer e sem qualquer esperança. 3. As instâncias assentaram a solução jurídica do pleito na seguinte matéria de facto: 1. - Através de contrato de seguro, em vigor à data do acidente, titulado pela apólice n.° 000000000 a Ré assumiu a responsabilidade pelos danos provocados a terceiros pela circulação do veículo de matrícula 000000000. 2. - O Autor é beneficiário inscrito no Instituto de Solidariedade e Segurança Social com o número 000000000. 3. - O Instituto de Solidariedade e Segurança Social pagou ao Autor subsídio de doença, no período compreendido entre 14/02/2004 e 19/04/2005, no valor de € 3.542,62 (três mil quinhentos e quarenta e dois euros s sessenta e dois cêntimos). 4. - O Instituto de Solidariedade e Segurança Social pagou ao Autor prestação compensatória de subsídio de Natal do ano de 2004, no valor de € 194,48 (cento e noventa e quatro euros e quarenta e oito cêntimos). 5. - No dia 12 de Fevereiro de 2004, cerca das 13.10h., na Estrada Nacional - E.N. – nº 209, na denominada recta de Carvalhosa, da freguesia de Carvalhosa, ocorreu um embate entre o velocípede com motor, de matrícula “..........” conduzido pelo A. e o ligeiro de mercadorias, de matrícula “000000000”, conduzido por CC. 6. - A estrada Municipal denominada Rua da ...... entronca à esquerda na E.N. 209 atento o sentido Meixomil/Carvalhosa. 7. - Após o embate, o SJ ficou imobilizado na hemi-faixa direita atento o seu sentido de marcha no local indicado no croquis do auto de participação de acidente de viação junto aos autos a fls. 737 a 738. 8. - O 2PFR e o A. foram projectados para fora da EN 209 e ficaram caídos do lado direito dessa mesma estrada atento o sentido Meixomil/ Carvalhosa. 9. - No local a EN 209 tem 6,90m de largura, constitui uma recta e é pavimentada a betuminoso. 10. - O local do embate encontra-se entre placas indicativas de localidade e à sua margem existem dezenas de casas de habitação e comércio em comunicação directa com a EN 209. 11. - Em consequência do embate o A. sofreu: traumatismo crânio-encefálico com fractura temporo-parietal esquerda, deslocamento do pavilhão auricular direito, contusões temporoparietais, hematoma extra-dural temporal esquerdo, contusão frontal direita, hemorragia sub - aracnoideia, hematoma intra - canalar cervical de reduzidas dimensões (sem contusões medulares, hérnias traumáticas e sem desvio aparente da medula), fractura exposta do fémur direito, a qual foi reparada numa intervenção cirúrgica, com introdução de material de osteosintese e feridas incisas na mão direita e ferida aberta na região clavicular direita. 12. - Lesões que lhe determinaram, com carácter permanente e vitalício, hemiparésia direita e sindroma encefálico pós-traumático. 13. - Sequelas que lhe determinaram uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de marceneiro e para todo e qualquer trabalho. 14. - E uma incapacidade permanente geral de 80%. 15. - O A. necessita da ajuda de uma terceira pessoa no seu dia a dia, pois é incapaz de cozinhar, lavar, limpar, lavar-se a si próprio, vestir-se, calçar-se, não se conseguindo manter de pé, sozinho. 16. - Trabalhava por conta de outrem, como polidor de móveis, auferindo o vencimento mensal de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros). 17. - Em consequências das lesões sofridas o A., por não o poder fazer, jamais trabalhou. 18. - Em tratamentos médicos, medicamentos, meios complementares de diagnóstico e produtos descartáveis despendeu o A. uma importância de 10.000,00 € (dez mil euros). 19. - O A. no momento do acidente, e posteriormente, sofreu dores e esteve internado nos Serviços de Cuidados Intensivos do Hospital de S. João, durante uma semana, e num estado clínico entre a vida e a morte. 20. - Sofreu um “quantum doloris” de grau 6 (seis), bem como uma diminuição estética de grau 5 (cinco). 21. - Durante os seis meses subsequentes ao embate o A. não tinha conhecimento da sua própria identidade. 22. - O A. desde a data do acidente teve de ser acompanhado em tratamentos médicos, de recuperação e enfermagem, o que se prolongará por toda a sua vida. 23. - Por causa das sequelas sofridas o A. tem a sua vida confinada à casa em que habita, só saindo da mesma, acompanhado e auxiliado, para se deslocar aos tratamentos. 24. - O 2PFR ficou irreparável, sendo o seu valor à data do acidente o montante de €1.000,00 (mil euros). 25. - As lesões sofridas pelo Autor determinam-lhe, com carácter permanente, um prejuízo sexual fixável em grau 5/5. 26. - O A. nasceu no dia 31 de Março de 1975 – certidão de fls. 11. 4.A primeira questão suscitada pela entidade recorrente prende-se com a pretendida revisão da jurisprudência já uniformizada pelo STJ através do Ac. de 25/3/04, no sentido de que: O segmento do art. 508º, nº 1, do Código Civil, em que se fixam os limites máximos da indemnização a pagar aos lesados em acidentes de viação causados por veículos sujeitos ao regime do seguro obrigatório automóvel, nos casos em que não haja culpa do responsável, foi tacitamente revogado pelo art. 6º do Dec.lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec.lei nº 3/96, de 25 de Janeiro. Tal orientação jurisprudencial foi justificadamente aplicada pelas instâncias à composição do presente litígio, não merecendo, como se irá referir, qualquer censura tal entendimento. Não sendo, naturalmente, imutáveis as orientações jurisprudenciais definidas pelo pleno das secções cíveis do Supremo ao abrigo do julgamento ampliado da revista, nos termos do art.732º-A do CPC – ao contrário do que se verificava com os anteriores «assentos», dotados de força vinculativa geral – não pode seguramente pretender-se obter sistematicamente a livre revisibilidade da solução neles adoptada ( a realizar necessariamente pelo próprio plenário) sem que ocorram circunstâncias particulares justificativas, devidamente invocadas pela parte interessada. Tal não acontece manifestamente no caso dos autos, já que a argumentação expendida pela seguradora recorrente nada adita de relevante e inovatório, relativamente à fundamentação constante daquele aresto. Limita-se, na verdade, a recorrente a pretender que o dito acórdão teve «diversos votos de vencido», sendo convicção da recorrente que a solução acertada seria a sustentada em obra doutrinária que refere, da autoria de DD, bem como em diversos arestos, anteriores à referida uniformização de jurisprudência, sustentando ainda que a solução adoptada seria violadora os princípios de direito comunitário, por envolver aplicabilidade directa das directivas nos litígios entre particulares de um mesmo Estado, antes de as mesmas terem sido devidamente transpostas para a ordem jurídica interna. Importa começar por salientar que as diversas declarações de voto apendiculadas ao dito acórdão uniformizador apenas sustentam a solução jurídica encontrada numa outra via argumentativa, que passa pela atribuição ao DL 59/2004, entretanto publicado, de «carácter interpretativo», aliás admitido pelo próprio acórdão, ao afirmar: Na verdade, embora sem atribuir ao Dec.lei nº 59/2004 eficácia retroactiva, e não referindo expressamente se a nova redacção da norma do nº 1 do art. 508º do C.Civil tem natureza interpretativa (situação que, naturalmente, conduziria a que, em curto espaço de tempo, a jurisprudência e a doutrina se dividissem quanto ao carácter, interpretativo ou inovador, do preceito) afirma-se claramente no preâmbulo do diploma que "ainda que as directivas comunitárias sobre seguro automóvel não estabeleçam distinção entre responsabilidade com culpa e pelo risco, dizendo respeito ao seguro obrigatório e não à responsabilidade civil, tem-se entendido que os montantes mínimos do capital do seguro fixados pelo nº 2 do artigo 1º da Segunda Directiva têm de ser respeitados independentemente da espécie de responsabilidade civil em jogo". Acrescentando-se que "procurando obviar-se a esta discrepância, fixou-se um novo critério de determinação dos limites máximos de indemnização, tendo nomeadamente em conta a evolução previsível ao nível comunitário dos montantes mínimos de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e a criação de um mecanismo de actualizações periódicas e regulares daqueles montantes. Contudo, manteve-se o pensamento jurídico fundamental da existência de uma íntima relação entre os limites máximos de responsabilidade civil e o capital do seguro obrigatório. Segundo este princípio, a manutenção dos limites máximos de indemnização inferiores aos do capital do obrigatoriamente seguro constituiria um contra-senso do legislador, podendo prejudicar a garantia dos legítimos interesses dos lesados". Cremos, também por isso, poder concluir que o próprio legislador reconhece e aceita (pelo menos não a desmente expressamente), por forma tácita, a interpretação que vem considerando que o segmento inicial do nº 1 do art. 508º do C.Civil foi tacitamente revogado pelo art. 6º do Dec.lei nº 522/85, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.lei nº 3/96. No mesmo sentido, veja-se ainda, por exemplo, o ac. de 14/4/2008, proferido no p. 08A479: |