Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13375/18.6T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Em resultado da aplicação ao caso dos autos dos pontos 1. e 2. da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 8/2022), considera-se ilícita a conduta do réu intermediário financeiro por violação dos deveres de informação a que se encontrava adstrito, quando assegurou estar garantido o retorno do capital e juros, tratando-se de um produto idêntico ao depósito a prazo.

II. Em resultado da aplicação ao caso dos pontos 3. e 4. da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 8/2022), considera-se ocorrer nexo de causalidade uma vez provado que «a Autora e o seu falecido marido não teriam subscrito obrigações da SLN – Rendimento Mais 2004 se lhe tivesse sido informado que as mesmas importavam risco de perda do capital e que o dinheiro investido só estaria disponível, decorridos dez anos após a subscrição».

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA





INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA

ENTRE

AA

BB

CC


[Sucessores de seu falecido marido e pai]

(aqui patrocinados por ..., adv.)

Autores / Apelantes / Recorridos





CONTRA

BANCO BIC PORTUGUÊS, SA


(aqui patrocinado por)

Réu / Apelado / Recorrente




I – Relatório


Os Autores intentaram a presente acção pedindo a condenação do Réu a pagar-lhes a quantia de 100.000,00 acrescida de juros já vencidos e vincendos).

Para fundamentar a sua pretensão alegam que seu falecido marido e pai enquanto cliente do BPN foi abordado pelo gerente do seu balcão sugerindo-lhe que aplicasse os capitais que tinha em depósito numa aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com rentabilidade assegurada, com a mesma garantia desse tipo de depósito, sendo o reembolso do capital garantido sem qualquer risco associado. Foi fundado nessa informação que autorizou a aplicação de 100.000,00 € na aquisição de cinco obrigações SLN 2004, convicto de que estava a subscrever uma aplicação com as características constantanes da informação que lhe fora dada; sendo que nunca foi sua intenção subscrever aplicação financeira com as características das obrigações SLN 2004 e, se lhe tivesse sido prestada informação fidedigna as não teria adquirido. Em 2015 deixaram de ser pagos juros e sem que o correspondente capital lhe tenha sido reembolsado.

O Réu contestou excepcionando o abuso de direito e a prescrição, e impugnou a versão factual do Autor invocando ter cumprido integralmente os deveres de informação a que estava adstrito.

A final foi proferida sentença que, considerando não se terem provado factos susceptíveis de constituir o Réu em responsabilidade civil por violação dos deveres de intermediário financeiro bem como verificar-se a prescrição, mas não abuso de direito, julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu do pedido.

Inconformados, apelaram os Autores tendo a Relação, depois de alterar o elenco factual, revogado a sentença recorrida e condenado o Réu «a pagar aos Autores a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença (a qual deverá ter em consideração que os Autores têm direito ao valor investido (€ 100.000,00, acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir da data em que o montante investido nas obrigações deveria ter sido reembolsado (22.10.2014). A este valor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo).»

Irresignado veio o Réu interpor recurso de revista concluindo, em síntese, por inexistência de ilicitude e nexo de causalidade.

Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.

II – Da admissibilidade e objecto do recurso


A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Destarte, o recurso merece conhecimento.

Vejamos se merece provimento.           


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Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver resume-se a verificar se o Réu é responsável, por ocorrer ilicitude e nexo causal, pelo prejuízo que a Autora teve com a subscrição de obrigações SNL 2004, em Outubro de 2004, no valor de € 100.000,00.

III – Os factos


Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade:


Factos provados:

1. A ré é um Banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”. – (cfr doc. 4)

2. De facto, até à entrada em vigor da Lei n.º 62-A/2008, de 11-11 – pela qual o Estado Português procedeu à nacionalização da totalidade das ações por que se encontrava representado e repartido o seu capital social – o Banco réu era, além de uma sociedade comercial dotada de personalidade jurídica – havia adoptado o tipo de sociedade anónima e tinha o contrato pelo qual foi constituída definitivamente registado na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º de matrícula 503.159.093 – uma instituição de crédito da espécie Banco, estando para tanto autorizada a exercer a sua actividade pelo Banco de Portugal.

3. Até à nacionalização do “BPN - Banco Português de Negócios, S.A.”, operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11-11, a totalidade do capital social do Banco em causa era detida, na íntegra, pela sociedade “BPN, SGPS, S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”.

4. Até Novembro de 2008 a ré era uma instituição bancária autorizada pelo Banco de Portugal a exercer a sua actividade, funcionando como instituição de crédito e como intermediário financeiro.

5. A primeira autora e o seu falecido marido tinham, em dois depósitos a prazo do Banco réu, em Outubro de 2004, uma quantia superior a €102.000,00 (cento e dois mil euros).

6. No dia 22 de Outubro de 2004, o falecido marido e pai dos autores subscreveu boletim de subscrição de duas obrigações SLN -Rendimento Mais 2004, no valor nominal de €50.000,00 cada uma e global de €100.000,00. – ( Cfr . doc. 16)

7. No dia 25 de Outubro de 2004 foram regatados dois depósitos a prazo da primeira autora e do seu falecido marido, um de € 51.000,00 e outro de €51.063,83, tendo sido aplicados na sua quase totalidade na compra dos dois títulos aqui em causa. – (Cfr docs. 15 e17).

8. Ao falecido marido e pai dos autores era enviado mensalmente um extracto onde constavam as suas aplicações financeiras devidamente discriminadas e separadas, o que lhe permitia distinguir entre produtos financeiros e depósitos a prazo, entre as quais vinham as supra referidas.

9. A título de juros das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 foram pagos pelo Banco Réu ao falecido marido e pai dos autores, o valor ilíquido de €29.242,07.


A esse elenco a Relação aditou, como provados, os seguintes factos:

- O falecido marido e pai dos autores atuou da forma descrita em 6. seduzido pela conversa dos funcionários do Banco réu que com ele lidavam, nomeadamente do seu gestor de conta, que lhe asseguraram que o capital estava garantido.

- O documento de subscrição das obrigações referido em 6. foi apresentado ao falecido marido da Autora que o assinou, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.”

- O falecido marido da primeira autora só se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.

- Não foi dada ao falecido marido da primeira Autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse posteriormente.

- O Banco Réu informou o falecido marido da primeira Autora que estava garantido o capital e juros.

- A Autora e o seu falecido marido não teriam subscrito obrigações da SLN – Rendimento Mais 2004 se lhe tivesse sido informado que as mesmas importavam risco de perda do capital e que o dinheiro investido só estaria disponível, decorridos dez anos após a subscrição.

IV – O direito

Entenderam as instâncias, e não vem posto em causa, que a intervenção do Banco BPN no processo de subscrição pelo marido e pai dos Autores, em Outubro de 2004 (facto provado 6.), do produto financeiro Obrigação SLN 2004, é qualificável como actividade de intermediação financeira, abrangida pelo regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data da subscrição.

Nos termos da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido em processo no qual estavam em causa o mesmo produto financeiro e as mesmas entidades financeiras, diferindo apenas a pessoa do investidor, termos que são, por isso, válidos para o caso dos autos:

«Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição –  que lhe foram transmitidas pelo Autor –  das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. [artigos 289.°, n.°1, 290.°, n.°1, al. b) e 293.°, n.°1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.°486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira (...).

Atendendo ao papel dos “denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura – cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários (…) dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados.” (...)

Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.°, n.°1, al. a) e 290.°, n.° 1, al. c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.° a 342.° do CVM.».

Entre esses deveres assumem especial relevância os deveres de informação, considerando-se, mais uma vez nos termos da fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que:

«[A] informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.».

O não cumprimento ou o cumprimento defeituoso dos deveres de informação gera responsabilidade civil, conforme enunciado na fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que vimos seguindo de perto:

«O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”

E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (...).

Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).».

Temos, assim, que, no que se refere aos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano –, se tem como assente que a culpa se presume, tendo-se, porém, suscitado dúvidas na jurisprudência deste Supremo Tribunal, sobre quem recai o ónus da prova da ilicitude e do nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano.

Estas dúvidas foram resolvidas da seguinte forma pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, na decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) a que vimos fazendo referência:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.».


Tendo-se igualmente gerado, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, controvérsia significativa em torno dos parâmetros pelos quais o cumprimento dos deveres de informação deve ser aferido, a mesma decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) unificou a jurisprudência no seguinte sentido:

«2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.».

Procuremos aplicar esta orientação ao caso sub judice.

Relevam os seguintes factos provados:

6. No dia 22 de Outubro de 2004, o falecido marido e pai dos autores subscreveu boletim de subscrição de duas obrigações SLN -Rendimento Mais 2004, no valor nominal de €50.000,00 cada uma e global de €100.000,00. – ( Cfr . doc. 16)

7. No dia 25 de Outubro de 2004 foram regatados dois depósitos a prazo da primeira autora e do seu falecido marido, um de € 51.000,00 e outro de €51.063,83, tendo sido aplicados na sua quase totalidade na compra dos dois títulos aqui em causa. – (Cfr docs. 15 e 17).

- O falecido marido e pai dos autores atuou da forma descrita em 6. seduzido pela conversa dos funcionários do Banco réu que com ele lidavam, nomeadamente do seu gestor de conta, que lhe asseguraram que o capital estava garantido.

- O documento de subscrição das obrigações referido em 6. foi apresentado ao falecido marido da Autora que o assinou, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.”

- O falecido marido da primeira autora só se dispôs a aplicar o seu dinheiro nas obrigações sugeridas pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelos funcionários do mesmo que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.

- Não foi dada ao falecido marido da primeira Autora a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse posteriormente.

- O Banco Réu informou o falecido marido da primeira Autora que estava garantido o capital e juros.


Perante a factualidade dada como provada, da aplicação dos parâmetros constantes do ponto 2. do AUJ n.º 8/2022 resulta forçoso concluir-se que, no caso dos autos, e tal como entendeu o tribunal ‘a quo’, o Banco BPN desrespeitou os deveres de informação a que se encontrava adstrito, sendo, pois, ilícita a sua conduta.


Por seu turno, as dúvidas acerca dos parâmetros probatórios pelos quais deve ser aferido o nexo de causalidade no domínio da responsabilidade civil do intermediário financeiro foram resolvidas pelo AUJ n.º 8/2022 da seguinte forma:

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

Aplicando esta orientação ao caso dos autos, temos que, logrando os Autores provar que «a Autora e o seu falecido marido não teriam subscrito obrigações da SLN – Rendimento Mais 2004 se lhe tivesse sido informado que as mesmas importavam risco de perda do capital e que o dinheiro investido só estaria disponível, decorridos dez anos após a subscrição», , não merece censura o juízo feito pela Relação no sentido de estar verificado o pressuposto do nexo de causalidade entre o incumprimento/cumprimento defeituoso dos deveres de informação por parte do Réu.


Assinala-se que a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro não foi posta em causa no presente recurso de revista, pelo que sobre os mesmos não cabe pronunciar-nos.

V – Decisão

Termos em que se nega a revista, confirmando a decisão recorrida.

Custas, aqui e nas instâncias, pelo Réu.

                                                                               

Lisboa, 22JUN2023


Rijo Ferreira (relator)

Cura Mariano

Fernando Baptista