Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2211/21.6T8PDL.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: INVENTÁRIO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
RECLAMAÇÃO
RELAÇÃO DE BENS
PODERES DA RELAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
TEMPESTIVIDADE
CONHECIMENTO DO MÉRITO
INDEMNIZAÇÃO
BENS COMUNS DO CASAL
BENS PRÓPRIOS
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDER PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I - O Tribunal da Relação pode, por força dos poderes de substituição que lhe advém e se lhe impõe nos termos do n.º 2 do artigo 665.º do Código de Processo Civil e após considerar a tempestividade da reclamação de bens do cabeça-de-casal, na qual veio acusar a falta de bens e reclamar créditos, após não ter apresentado relação de bens, quando notificado para tal, conheceu do mérito desta reclamação no sentido da sua improcedência.

II - As indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios são bens incomunicáveis

Decisão Texto Integral:

Acórdão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Nos presentes autos de inventário para partilha do património comum do dissolvido casal composto por AA, requerente do inventário, e BB, cabeça de casal, na sequência de reclamação por parte da requerente que:

- impugnou a inexistência de bens a partilhar, i) a falta de relacionamento de bens móveis existentes na casa de morada de família, no apartamento anexo e na garagem, e ainda de ii) passivo relativo a crédito pessoal contraído na constância do matrimónio, junto do BPI, no montante de € 26 118,77; e

- reclamou a existência de créditos de compensação, i) a quantia de € 9071,33 recebida pelo ex-cônjuge mulher por óbito dos seus pais, utilizada na construção de benfeitorias no prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., bem próprio do cabeça de casal; ii) benfeitorias edificadas no prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., bem próprio do cabeça de casal, relativas à construção de um apartamento T1, arrecadação (no valor de € 18 400,00), alteração e melhoramento da entrada do prédio; ampliação da casa; e instalação de um portão em ferro, acompanhado de um motor elétrico; instalação de cozinha; instalação de um closet, composto por três armários, sem porta, com gavetas, lacados em branco e um armário de centro; instalação de estores no alpendre; construção e instalação de forno de lenha e churrasqueira (da casa principal), com lava loiças; instalação de uma salamandra; instalação de porta do quarto, chão e rodapé do quarto de casal; construção de um alpendre, tudo com recurso a dinheiro comum do casal; iii) despesas com a contratação de topógrafo e processo de legalização das obras edificadas no prédio urbano sito na Rua ..., ..., ....

2. Após produção de prova, foi proferida sentença, datada de 11/04/2023, na qual se decidiu:

a) Relacionar os bens móveis descritos de 16.1) a 16.24), e ainda no ponto 17.1), e nos pontos 18.2) a 18.5) e de 18.7) a 18.27);

b) Relacionar o veículo automóvel Mitsubishi, de matrícula ..-MZ-..;

c) Relacionar o passivo da responsabilidade do casal, a favor do BPI, relativo a crédito pessoal contraído na constância do matrimónio, no montante de 26.118,77€;

d) Reconhecer um crédito de compensação a favor do património comum, e a cargo da interessada AA, no valor de 5.952,36€;

e) Reconhecer um crédito de compensação a cargo do património próprio do cabeça de casal e a favor da interessada AA, correspondente a metade do valor pago pelo casal, com recurso a bens comuns, aos pais do cabeça de casal do empréstimo por eles feito (descontadas as liberalidades) para construção do apartamento T1 (bem próprio do cabeça de casal), no valor de 4.500,00€;

f) Reconhecer crédito de compensação a cargo do património próprio do cabeça de casal, e a favor da interessada AA, pelas benfeitorias descritas no ponto 5) dos factos provados, no valor de 33.271,65€;

g) Não reconhecer os demais créditos reclamados pela interessada AA;

h) Não reconhecer, por extemporaneidade da sua relacionação, como parte integrante do património comum, uma mala de ferramenta da Wurth; uma lâmpada de trabalho; um conjunto de ferramentas da Wurth; uma trituradora manual da Tupperware; duas câmaras de segurança e um envelope com 900,00€ em dinheiro do casal;

i) Não reconhecer por extemporaneidade da sua reclamação, os créditos de compensação relativos a pagamentos de IMI e quotas do condomínio; de prestações de empréstimo contraído junto do BCP para aquisição de fração autónoma propriedade da Requerente, sita na Rua ...; de indemnização atribuída ao Requerido decorrente de acidente causado pela Bimby; por pagamento com dinheiro comum (38.534,41€) das prestações de amortização das prestações de crédito contraído pela Requerente junto do Banco BPI, para pagamento das viaturas da Requerente; por pagamento com recurso a dinheiro comum, no valor de 2.889,76€, das revisões e manutenções do Mitsubishi; por pagamento com recurso a dinheiro comum, do valor de 2.430,00€, do Imposto de Circulação da viatura Mitsubishi; por pagamento com recurso a dinheiro comum, do valor de 4.448,88€, do Plano de Poupança Reforma da Requerente; por perda de restituição do IRS do ano de 2020, por a Requerente ter declarado ter os menores à sua guarda, no valor de 933,49, correspondente à diferença entre o reembolso que recebeu e que deveria ter recebido; por pagamento do remanescente do preço do veículo Mitsubishi com dinheiro comum, no valor de 1.232,00€; por pagamento com recurso a dinheiro comum, do valor de 806,00€, a título de honorários à Dra. CC e taxas de justiça de processo judicial; e por pagamento com recurso a dinheiro comum, do valor de 906,00€, a título de honorários ao Dr. DD, no processo de acidente de trabalho da Requerente;

J) Absolver o cabeça de casal do pedido de condenação como litigante de má fé.

3. Inconformado com esta decisão, o cabeça-de-casal interpôs recurso de apelação.

4. O Tribunal da Relação de Lisboa veio, por acórdão datado de 12/10/2023, decidiu julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, e revogando as alíneas f) e i) do dispositivo do despacho recorrido, substituindo os seus textos pelos seguintes:

«f) Reconhecer crédito de compensação a cargo do património próprio do cabeça de casal, e a favor da interessada AA, pelas benfeitorias descritas no ponto 5) dos factos provados, no valor de 23.421,64 €;

i) Reconhecer a tempestividade da reclamação de créditos feita pelo recorrente, julgando a reclamação improcedente, por não lhe assistir direito de compensação, quanto à indemnização arbitrada por acidente causado pela Bimby; ao pagamento das prestações de amortização no valor de 38.534,41 € de crédito contraído pela requerente junto do Banco BPI para pagamento de viatura; ao pagamento no valor de 2.889,79 € das revisões e manutenções da viatura Mitsubishi; e, ao pagamento do remanescente do preço do veículo Mitsubishi no valor de 1.232,00 €».

5. Novamente inconformado, cabeça-de-casal e interessado BB interpôs recurso de revista, no qual pede que os autos baixem à 1.ª instância para prolação de decisão sobre os factos objeto da reclamação indeferida por intempestividade com as seguintes conclusões:

1 – O que releva na compensação a cargo do património do cabeça de casal a favor da interessada AA é o valor efetivo das despesas por esta suportadas nos melhoramentos efetuados no imóvel e não o eventual aumento de valor do património que beneficiou dessas despesas.

2 – No caso, o que resulta provado e aceite pelas partes foi o dispêndio pelo casal de 30.839,42 €, descontados da quantia de 10.156,73 € recebida a título de indemnização pelo seguro da habitação (6.981,35 €) e de uma compensação recebida da Secretaria Regional da Solidariedade Social – Direção Regional da Habitação (3.175,38 €) perfazendo o quantitativo efetivamente despendido pelo casal de 20.682,69 €, cabendo um crédito a favor da interessada AA de metade, ou seja, 10.341,35 €.

3 – Sendo reconhecida a tempestividade da reclamação de créditos apresentada pelo cabeça de casal têm os autos que baixar à 1.ª instância para aí ser proferida decisão de mérito quanto à matéria da reclamação,

4 – Designadamente quanto à indemnização recebida pelo recorrente a título de danos não patrimoniais que é bem próprio deste, e excluído da relação de bens por força da alínea d) do n.º 1 do art. 1733.º do Código Civil.

5 – Assim não o tendo entendido, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos arts. 342.º e 1733.º n.º1, alínea d) ambos do Código Civil e n.º 1 do art. 609.º do CPC.

6. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

7. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- do crédito de compensação a cargo do cabeça casal a favor da interessada AA relativos às obras de melhoramento no imóvel bem próprio do cabeça-de-casal;

- da tempestividade da reclamação de créditos feita pelo Recorrente e decisão de indeferimento;

- da natureza de bem próprio ou comum da indemnização por danos não patrimoniais recebida pelo Recorrente.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. BB e AA casaram um com o outro, sem precedência de convenção antenupcial, a 7-08-2010.

1.2. O casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 20-06-2021, transitada em julgado, com efeitos retroativos a 25-02-2020.

1.3. BB antes do casamento era proprietário do imóvel, sito na Rua ..., ..., ....

1.4. Por sua vez, AA, antes do casamento era proprietária da fração autónoma destinada à habitação, sita na Rua ..., ..., ..., a qual esteve arrendada durante determinado período e até setembro de 2020, e foi intervencionada com obras após a separação do casal, vindo a ser vendida posteriormente a estas obras por 168.000,00€.

1.5. No imóvel sito na Rua ..., ..., ..., foram realizadas durante a vigência do casamento dos interessados as seguintes obras:

1.5.1) Construção de arrecadação de arrumos, viveiro de pássaros e canil;

1.5.2) Pavimentação da entrada com betão e construção de muros de sustentação;

1.5.3) Colocação de portão eletrificado;

1.5.4) Instalação de um roupeiro no quarto da EE;

1.5.5) Transformação da garagem da casa em quarto de dormir (sem roupeiro), com instalação de nova janela;

1.5.6) Ampliação do quarto de casal com construção de closet;

1.5.7) Revestimento do chão do quarto de casal com soalho vinílico;

1.5.8) Remodelação da cozinha da casa, com fecho do alpendre (transformado em galeria), colocação de janelão e pladur no teto;

1.5.9) Construção do alpendre frontal da casa;

1.5.111) Colocação de novo telhado na casa, incluindo novas vigas, isolamento acústico e térmico, com aproveitamento da telha antiga para a aba das traseiras e colocação de nova telha na aba frontal do telhado;

1.5.12) Construção de uma lavandaria em madeira;

1.5.13) Pavimentação em betão do chão do alpendre frontal e ainda do chão do antigo alpendre traseiro;

1.5.14) Revestimento da parede da sala contígua ao quarto do casal com madeira, com colocação de nova porta com fecho de “click”;

1.5.15) Pavimentação de base em cimento para futura instalação de jacúzi, nas traseiras da casa, com a forma de um quadrado;

1.5.16) Construção de muros de alvenaria laterais de vedação do imóvel;

1.5.17) Construção de forno de lenha e churrasqueira de serventia à casa;

1.5.18) Colocação de salamandra e construção de nicho de salamandra;

1.5.19) Construção de churrasqueira de serventia ao anexo e colocação na base de apoio desta churrasqueira de tijolos aproveitados da antiga cozinha da casa.

1.6. O imóvel sito na Rua ..., ..., ... (terreno e construções nele edificadas), antes das obras discriminadas em 5) valia 149.000,000€, correspondendo 92.000,00€ ao valor do terreno e 57.000,00€ ao valor da construção.

1.7. O mesmo imóvel, depois de realizadas as obras discriminadas no ponto 5), tendo em conta os acabamentos e o valor do mercado, caso as obras fossem todas legalizáveis além dos 20m2, valeria 270.800,00€.

1.8. Por força da impossibilidade de legalização das obras em referência além dos 20m2, o valor do terreno e da construção atual, com as obras discriminadas em 5), sofrem desvalorização na ordem dos 20%, valendo 225.700,00€.

1.8’. As obras elencadas no facto provado 5 importaram em € 57.000,00. (Alteração introduzida pelo Tribunal da Relação)

1.9. A Requerente AA recebeu de herança dos seus pais a 27-08-2014 a quantia de 9.064,71€ e em 10-12-2019 a quantia de 10.714,28€.

1.10. O cabeça de casal havia recebido a 24-05-2016, data do auto de vistoria, a quantia de 3.175,38€ da Secretaria Regional de Solidariedade Social, Direção Regional da Habitação, ao abrigo de programa de concessão dos apoios financeiros a obras de reabilitação, reparação e beneficiação em habitações degradadas, para realização de obras de substituição de telas, elaboração de uma parede de alvenaria, alguns rebocos, pinturas e trabalhos de carpintaria.

1.11. A 7-03-2016 e 19-04-2016 o cabeça de casal recebeu do seguro do imóvel, sito à ..., 12, ..., as quantias de 4.055,57€ e 2.925,78€, respetivamente, no valor total de 6.981,35€, na sequência da declaração do estado de calamidade decorrente da forte tempestade que em dezembro de 2015 assolou a freguesia das ....

1.12. As quantias mencionadas em 10) e 11) foram aplicadas nas obras descritas em 5).

1.13. Os interessados despenderam com a contratação de topógrafo e processo para legalização de obras edificadas em prédio urbano, propriedade do Requerido, sito à Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., o valor de 2.150,00€.

1.14. O apartamento de tipologia T1 implantado no imóvel identificado em 6), foi construído antes do casamento, sendo a referida construção financiada com um empréstimo, no valor de pelo menos 18.400,00€ realizado ao casal pelos progenitores do cabeça de casal.

1.15. A referida dívida foi reduzida por liberalidades dos progenitores do cabeça de casal, no valor de 5.000,00€ aquando do casamento deste com a interessada AA, posteriormente com uma redução de 4.000,00€ (já depois do casamento) e de 400,00€, por ocasião dos aniversários do cabeça de casal em 2012 e 2013 e do Natal de 2011, sendo os restantes 9.000,00€ pagos pelo casal, já durante o casamento, inclusivamente com a dedução do valor de uma compra na Redoute, suportada pela interessada AA, no valor de 89,97€.

1.16. À data da separação de facto do casal (25-02-2020) a casa de morada de família, sita na Rua ..., ..., ..., estava equipada, com:

1.16.1. Um sofá grande;

1.16.2. Uma máquina de lavar roupa, marca Bosch;

1.16.3. Um frigorífico, marca Whirlpool, modelo 6th Sense;

1.16.4. Um congelador, marca Whirlpool, modelo 6th Sense;

1.16.5. Um forno, marca Whirlpool, modelo 6th Sense;

1.16.6. Um roupeiro, do quarto da EE;

1.16.7. Um armário de quarto de banho, com duas portas, em vidro fusco, e contraplacado;

1.16.8. Um armário de quarto de cama, do quarto do FF;

1.16.9. Uma máquina de lavar loiça (na posse da Requerente);

1.16.10. Três colunas de som (uma das quais na posse da Requerente), e uma lanterna/gambiara (na posse da Requerente);

1.16.11. Um Televisor Panasonic (na posse da Requerente);

1.16.12. Duas máquinas de café (estando uma de marca Delonghi na posse da Requerente e a máquina Delta na posse do cabeça de casal);

1.16.13. Uma máquina Bimby (na posse da Requerente);

1.16.14. Dois micro-ondas, um dos quais de encastrar, este na posse da Requerente;

1.16.15. Um tocador (na posse da Requerente);

1.16.16. Um móvel de sala IKEA (na posse da Requerente);

1.16.17. Dois painéis de parede (na posse da Requerente);

1.16.18. Dois aspiradores, um dos quais industrial e outro vertical, estando este último na posse da Requerente;

1.16.19. Duas varinhas mágica, na Boche e Eletrónia, estando esta última na posse da Requerente;

1.16.20. Uma trituradora elétrica (na posse da Requerente);

1.16.21. Quatro tapetes, dois dos quais na posse da Requerente;

1.16.22. Um conjunto de loiça “Casa Alegre” (na posse da Requerente);

1.16.23. Dois tablets (na posse da Requerente);

1.16.24. Um computador portátil (na posse da Requerente).

1.17. O apartamento T1 anexo, à data da separação de facto do casal (25-02-2020) estava equipado com:

1.17.1. Uma televisão e suporte, adquiridos depois do casamento;

1.17.2. Um micro-ondas;

1.18. Na garagem, à data da separação de facto do casal (25-02-2020), existia:

1.18.1. Um trator, marca John Deere, e cestos;

1.18.2. Uma roçadeira;

1.18.3. Um soprador;

1.18.4. Uma motopodadora THT;

1.18.5. Um berbequim;

1.18.6. Uma parafusadora;

1.18.7. Uma lixadora;

1.18.8. Uma serra;

1.18.9. Uma máquina corte de mesa;

1.18.10. Um “Tic”;

1.18.11. Uma rebarbadora;

1.18.12. Um ferro de soldar;

1.18.13. Um “buster”;

1.18.14. Uma máquina de pressão de água;

1.18.15. Um carro de transporte troley;

1.18.16. Um carro de mão;

1.18.17. Dois cavaletes metálicos;

1.18.18. Uma “hand lamp – rech led”;

1.18.19. Seis escopros dourados;

1.18.20. Um aspirador;

1.18.21. Um carregador de bateria;

1.18.22. Duas máquinas Orsy 100 Koffer;

1.18.23. Uma máquina Orsy Bull;

1.18.24. Uma máquina Mini Inverter;

1.18.25. Uma máquina Loet Pistole im Kofer;

1.18.26. Dois escadotes;

1.18.27. Grampos;

1.19. Pertencem à entidade empregadora do cabeça de casal – Wurth, os equipamentos seguintes: uma pinça amperimétrica, um conjunto de sondas de teste e uma aparafusadora pneumática.

1.20. O trator de Marca John Deere foi adquirido antes do casamento, mas o veículo Mitsubishi, de matrícula ..-MZ-.., foi adquirido depois do casamento, em agosto de 2012, sendo propriedade do casal.

1.21. O micro-ondas identificado no ponto 17.2 dos factos provados foi adquirido antes do casamento.

1.22. A Requerente AA contraiu antes do casamento com o cabeça de casal, junto do BPI, o empréstimo n.º 2324294-830-002, que a 7-08-2010 perfazia o valor de 15.365,34€.

1.23. Em abril de 2012, ou seja, durante o casamento a Requerente e o Cabeça de casal contraíram um crédito pessoal, junto do Banco BPI (n.º 4210744-830-001), à data no valor de 29.692,44€ (vinte e nove mil euros, seiscentos e noventa e dois euros e quarenta e quatro cêntimos), sendo parte deste capital, designadamente o valor de 11.759,92€ (onze mil, setecentos e cinquenta e nove euros e noventa e dois cêntimos), utilizado para amortização de outro empréstimo (n.º 2324294-830-002) contraído apenas pela interessada AA, antes do casamento com BB, e a quantia de 2.692,44€ utilizada para pagamento de prémio de seguro relativo a amortização antecipada do crédito.

1.24. O remanescente do capital mutuado pelo BPI, no valor de 15.240,08€ foi encaminhado para pagamento da tranche de 16.000,00€ entregue em agosto de 2012 para pagamento da viatura ..., de matrícula ..-MZ-.., esta no valor de 28.500,00€, sendo o remanescente do preço da viatura (12.500,00€) satisfeito com a entrega para retoma de uma viatura “For Focus”, de matrícula ..-..-XE, pelo valor de 8.500,00€, bem próprio da interessada AA, adquirido antes do casamento, e de outras entregas de valores parciais de 500,00€, 3.000,00€ e 500,00€.

1.25. A 10-11-2017 foi contraído pelo casal novo empréstimo junto do BPI, com o n.º 4210744-830-002, do capital de 30.110,67€, altura em que foi liquidado o empréstimo n.º ...01, no valor de 16.381,83€.

1.26. À data a que retroagiram os efeitos do divórcio (25-02-2020) estava em dívida ao BPI, do capital mutuado no empréstimo n.º ...02, o valor de 25.241,86.

2. E foram julgados como não provados os seguintes factos:

2.a) Os interessados nas obras descritas em 5) apenas dependeram 5.574,00€ com a construção da arrecadação; 3.000,00€ com as obras de alteração e melhoramento da entrada do prédio; 10.270,00€ com a construção do alpendre e construção do quarto do casal com a cobertura térmica; 1.023,57€ com a pavimentação do quarto do casal; 900,00€ com a aquisição de portão de ferro e respetivo motor elétrico, 6.500,00€ com a cozinha; 2.100,00€ com closet, e 256,85€ com a instalação de estores no alpendre, 850,00€ com a construção de foro de lenha e churrasqueira, e 365,00€ com a instalação da salamandra;

2.b) As quantias mencionadas em 9), recebidas pela Requerente AA de herança dos seus pais a 27-08-2014 (9.064,71€) e a 10-12-2019 (10.714,28€), foram despendidas nas obras descritas em 5), em viagem de família e para satisfazer outros encargos da vida familiar;

2.c) Os bens identificados em 18) são ofertas ao requerido no âmbito da sua atividade profissional ou utilizados para demonstração ou empréstimo junto de clientes.

2.d) A máquina Bimby é propriedade da mãe do cabeça de casal.

3. Do crédito de compensação a cargo do cabeça casal a favor da interessada AA relativos às obras de melhoramento no imóvel bem próprio do cabeça-de-casal

O Recorrente alega que, conforme bem decidido no Acórdão recorrido, o que releva nesta matéria é o valor efetivo das despesas, o dinheiro efetivamente despendido nos melhoramentos do imóvel e não o eventual aumento do valor do património.

Mais invoca que, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, os valores a ter em consideração são aqueles que foram efetivamente gastos e não aqueles que o perito considerou, ou seja, os valores efetivamente despendidos na realização das obras no prédio e reconhecidos nos articulados da relação de bens e reclamação a esta, aceitas por ambas as partes somam 30.839,42 €, deduzidos da quantia de 10.156,73 € paga pelo seguro (6.981,35 €) e Direção Regional da Habitação, (3.175,38 €) (…).

E bem assim não podia o Acórdão recorrido ter-se substituído às partes na prova a que cada um compete, pelo que (à) falta de melhor prova, que aliás inexiste, é o valor que o cabeça de casal reconhece e que resulta da aceitação pelas partes nos articulados de 30.839,42 € e que o Tribunal preteriu em favor da avaliação do perito que, salvo o devido respeito, carece de qualquer objetividade – cf. artigos 342.º do Código Civil, 414.º do Código de Processo Civil, 1688.º e 1273.º (ambos) do Código Civil.

O Acórdão recorrido, quanto a esta parte, na sequência da apelação do recorrente, aditou aos factos provados o ponto 8’ com o seguinte teor: As obras elencadas no facto provado 5 importaram em € 57.000,00.

E fundamentou do seguinte modo: O tribunal a quo decidiu aferir o valor das benfeitorias através de avaliações do imóvel, antes da realização das obras e depois delas. São esses valores que se encontram plasmados nos factos n.º 6 e n.º 8 (o facto n.º 7 é irrelevante porque pressupõe uma circunstância que não se verifica – a total legalização das obras).

É contra essas avaliações e essa forma de aferir os valores despendidos nas benfeitorias que o recorrente ora se insurge, dizendo que as partes acordaram sobre o valor das benfeitorias realizadas e que, como tal, nada haveria a avaliar; discute, ainda, a bondade das avaliações (v. sobretudo pontos 5 a 8 das conclusões do recurso). Pugna pela exclusão dos factos provados com os n.ºs 6 a 8.

Para apreciar a questão, há que deixar claros os seguintes pontos:

Conforme já afirmámos, não se encontra nos autos acordo das partes sobre o valor das obras realizadas, e concretamente sobre a descritas no facto provado n.º 5.

Estas obras corresponderão à elencadas nas verbas 3 a 6 e 8 a 14 da relação de bens, ainda que com de com designações diferentes, sendo as da relação de bens menos detalhadas e, por isso, menos numerosas.

Na relação de bens, a soma dos valores atribuídos pela requerente às benfeitorias descritas nas verbas n.ºs 3 a 6 e 8 a 14 ascende ao total de € 54.142,05.

Na resposta, o cabeça de casal apenas reconhece para as mesmas verbas o valor total de € 31.926,15 (soma das verbas 3 a 6 e 8 a 14 na reclamação contra a relação de bens).

De acordo com a avaliação pedida pelo tribunal a quo, as obras elencadas no facto n.º 5 teriam o valor de mercado de € 57.700,00 (fls. 230 v.º do processo físico, relatório pericial ref. Citius 4826750, de 30/09/2022), e do acordo transcrito na ata da audiência de 11/07/2022.

O tribunal a quo, porém, reconheceu um crédito de compensação a cargo do património próprio do cabeça de casal, e a favor da interessada AA, pelas benfeitorias descritas no ponto 5) dos factos provados, no valor de € 33.271,65.

Para encontrar este valor, o tribunal a quo subtraiu ao valor do imóvel após as obras - € 225.700,00, segundo avaliação – o valor do imóvel antes das obras - € 149.000,000, de acordo com a mesma avaliação (factos 6 e 8). Chegou ao valor de € 76.700,00. Subtraiu o valor despendido com dinheiro próprio do cabeça de casal, € 10.156,73, chegando ao valor de € 66.543,27, que, dividido por dois resultou em € 33.271,635, que arredondou para € 33.271,65.

Apreciando e decidindo.

O que releva é o valor efetivo das despesas, o dinheiro despendido nos melhoramentos, e não o eventual aumento de valor do património (no caso, próprio do cabeça de casal) que beneficiou dessas mesmas despesas.

A avaliação do aumento de valor do património inicial (critério utilizado na sentença da 1.ª instância) poderia ser um critério válido para a determinação dos valores efetivamente despendidos nas benfeitorias, se não houvesse meio de prova mais seguro, mas há.

O relatório pericial – além dos valores que o tribunal a quo consignou nos factos 6 a 8 e que, porquanto se disse e em seguida dirá, são irrelevantes para a decisão da causa –, atribuiu valores em novo e valores de mercado a cada uma das benfeitorias listadas no facto n.º 5 (€ 57.000,00). Na referida avaliação, o mesmo perito atribuiu valor comercial atual a cada uma das benfeitorias descritas no n.º 5 dos factos provados, somando o total de € 57.700,00; valor que não anda longe do alegado pela requerente como tendo sido o dispêndio com dinheiro comum nas verbas 3 a 6 e 8 a 14 (€ 54.142,05).

Na ausência de melhor meio de prova, considera-se que o valor comercial atual fixado pelo perito para as benfeitorias relacionadas no facto 5 (€ 57.000,00) corresponde ao valor nelas despendido. É muito mais provável que assim tenha sido, do que o facto não provado a) que o recorrente pretende passar a provado, ou seja, que as partes apenas teriam despendido nessas obras o valor global de € 30.839,42. É elevadamente provável que, com o decurso dos anos se tenha perdido muita documentação de pequenos contributos para a realização das ditas benfeitorias.

Consequentemente, mantém-se não provado o que consta da alínea a) dos factos não provados, mas, sem necessidade de eliminar os factos 6 a 8 (que, apesar de irrelevantes, não estorvam a boa decisão da causa), acrescenta-se o seguinte facto que permite dimensionar o valor das obras entre aquele que a decisão recorrida considerou e aquele que o recorrente pretendia:

8’ – As obras elencadas no facto provado 5 importaram em € 57.000,00.

Por força do disposto nos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o recurso de revista mostra-se limitado à reapreciação da matéria de direito e à reapreciação da matéria de facto tão só nos casos sem em que ocorra ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou imponha a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.

Com efeito, a sindicância pelo STJ da matéria de facto mostra-se limitada, pois mostra-se arredado do campo de fiscalização do STJ a decisão de facto que se mostra ancorada em meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, podendo apenas atuar quando ocorre erro de direito na referida apreciação da prova, cf. neste sentido os Acs. do STJ, de 16/11/2023 (Revista n.º 10835/19.5T8LRS.L1.S1); de 21/03/2023 (Revista n.º 549/21.1T8VCT-B.G1.S1); de 28/03/2023 (Revista n.º 729/19.0T8CHV.G1.S1); de 30/03/2023 (Revista n.º 9755/17.2T8PRT.P1.S1).

Apesar de não o referir expressamente, o que nesta parte o Recorrente impugna é a decisão da matéria de facto que o Acórdão recorrido faz quanto aos pontos 6 a 8’ da matéria de facto provado. Na verdade, o Recorrente pretende que se atenda a factos que não constam do elenco de factos provados, mas antes dos factos não provados, argumentando que tais factos resultam do acordo das partes nos articulados e que o Tribunal pode substituir-se às partes e aos ónus que sobre cada um impende, determinando outras provas, no caso a pericial.

Em concreto, invoca o Recorrente que as partes se mostram de acordo nos articulados com o montante de €30 839,42 relativos às obras de melhoramento do imóvel sito em ..., o que resultou não provada na al. a).

Mas, devidamente compulsada a relação de bens (req. datado de 13/01/2022, com a ref. ...93) e a consequente reclamação à relação de bens (req. datado de 1/02/2022, com a ref. ...52), verificamos que o Recorrente aceitou o montante de €32 039,42 de despesas de melhoramento no imóvel sito em ... – art. 19.º da reclamação à relação de bens – e não montante que indica nas alegações de revista.

Sucede, porém, que, por despacho datado de 12/07/2022, na sequência de acordo vertido em ata quanto às obras realizadas no imóvel sito em ..., foi determinada oficiosamente a realização de perícia com o seguinte objeto: A) Valor atual do imóvel (terreno e construções nele edificadas), com as obras que consistiram:

1) Construção de arrecadação de arrumos, viveiro de pássaros e canil;

2) Pavimentação da entrada com betão e construção de muros de sustentação;

3) Colocação de portão eletrificado;

4) Instalação de um roupeiro no quarto da EE;

5) Transformação da garagem da casa em quarto de dormir (sem roupeiro), com instalação de nova janela;

6) Ampliação do quarto de casal com construção de closet;

7) Revestimento do chão do quarto de casal com soalho vinílico;

8) Remodelação da cozinha da casa, com fecho do alpendre (transformado em galeria), colocação de janelão e pladur no teto;

9) Construção do alpendre frontal da casa;

11) Colocação de novo telhado na casa, incluindo novas vigas, isolamento acústico e térmico, com aproveitamento da telha antiga para a aba das traseiras e colocação de nova telha na aba frontal do telhado;

12) Construção de uma lavandaria em madeira;

13) Pavimentação em betão do chão do alpendre frontal e ainda do chão do antigo alpendre traseiro;

14) Revestimento da parede da sala contígua ao quarto do casal com madeira, com colocação de nova porta com fecho de “click”;

15) Pavimentação de base em cimento para futura instalação de jacúzi, nas traseiras da casa, com a forma de um quadrado;

16) Construção de muros de alvenaria laterais de vedação do imóvel;

17) Construção de forno de lenha e churrasqueira de serventia à casa;

18) Colocação de salamandra e construção de nicho de salamandra;

18) Construção de churrasqueira de serventia ao anexo e colocação na base de apoio desta churrasqueira de tijolos aproveitados da antiga cozinha da casa.

B) Valor que o imóvel sem as obras referidas em A).

Nenhuma das partes impugnou este despacho.

E, ficou vertido nos factos provados o valor das referidas obras, facto provado 8’, tendo por base a perícia determinada pelo tribunal, sendo mantido como não provado montante de € 30 839,42, facto não provado na al. a), o que ficou devidamente fundamentado quer na sentença quer no acórdão recorrido.

A prova pericial, nos termos do artigo 467.º do Código de Processo Civil, pode ser requerida pelas partes e também ser determinada oficiosamente pelo tribunal, com o intuito de alcançar a boa decisão da causa e o cabal apuramento dos factos, cf., neste sentido, o Ac. do STJ, de 6/07/2011, Revista n.º 13/06.9 TBABT.E1.S1.

Note-se que na fundamentação de facto da sentença para dar como não provada a al. a), o que foi mantido no Acórdão recorrido, por contraposição e atribuindo maior relevância à prova pericial, escreveu-se que Em referência a custo das obras não se considerou provado terem as mesmas obras apenas valor das faturas, orçamentos e informações escritas juntas a instruir os presentes autos por resultar das declarações das testemunhas GG e das declarações dos interessados ter havido fornecimentos e serviços prestados que não foram faturados. Não foi atendido o montante de €30 839,42 porque se entendeu que havia sido gasto um montante superior ao que constava da prova documental constante dos autos e, como se pode ver do que havia sido reconhecido pelo Recorrente em sede de reclamação à relação de bens.

Em face do desacordo das partes, quanto ao montante pecuniário gasto nas obras de melhoramento do imóvel sito em ..., o tribunal determinou a realização de prova pericial, a fim de apurar qual o montante efetivamente despendido pelas partes. A circunstância de o Recorrente ter aceite um determinado montante, não significa que tem que ser o considerado pelo tribunal, quando existia discordância das partes para além desse montante e que resultou provado na parte excedente através da prova pericial.

No Acórdão recorrido, de forma fundamentada, atribuiu-se maior relevância à prova pericial do que à restante prova, com o fito de aditar o facto provado 8’ e manter como não provado o facto constante da al. a). Esta matéria, por assentar em prova que está sujeita à livre apreciação do tribunal, a prova pericial, mostra-se arredada do conhecimento deste STJ.

O Recorrente pretende a alteração do montante do crédito de compensação com base num facto que foi considerado não provado e, conforme se referiu, inexiste fundamento legal para a sua alteração nesta sede, pelo que deverá ser considerada improcedente esta parte do recurso.

4. Da tempestividade da reclamação de créditos feita pelo Recorrente e decisão de indeferimento

Alega o Recorrente quanto a esta parte que, no recurso de apelação, apenas pediu que fossem admitidos por tempestivos os créditos por ele reclamados, a saber.

- créditos de compensação relativos a pagamentos do IMI e quotas do condomínio da fração autónoma da Requerente em ...

- das prestações do empréstimo contraído junto do bcp para aquisição da atrás referida fração autónoma propriedade da Requerente

- da indemnização arbitrada ao Recorrente decorrente de acidente causado pela Bimby

- por pagamento com dinheiro comum (38.534,41 €) das prestações de amortização das prestações de crédito contraído pela Requerente junto do Banco BPI para pagamento da viatura da Requerente

- por pagamento com recurso a dinheiro comum no valor de 2.889,79 € das revisões e manutenções da viatura Mitsubishi da Requerente

- por perda de restituição do IRS do ano 2020 por a Requerente ter declarado ter os menores à sua guarda no valor de 933,49 € correspondente à diferença entre o que recebeu e o que deveria ter recebido

- por pagamento do remanescente do preço do veículo Mitsubishi com dinheiro comum no valor de 1.232,00 €

- por pagamento com recurso a dinheiro comum no valor de 806,00 € a título de honorários e taxa de justiça à Dra. CC

- por pagamento a título de honorários ao Dr. DD no processo de acidente de trabalho da Requerente.

Não requereu o Recorrente que o Tribunal da Relação se pronunciasse acerca do mérito desta reclamação, tão só da sua tempestividade, devendo ser o Tribunal da 1.ª instância a pronunciar-se sobre o mérito.

Igualmente, não assiste razão ao recorrente quanto a esta parte do recurso.

Com efeito, nos termos do artigo 665.º, n.º 2, do Código Processo Civil, Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

Conforme refere Abrantes Geraldes (In Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, 2020, Almedina, pp. 152-153), em comentário ao artigo 636.º do Código de Processo Civil, Diferente é a situação em que o tribunal nem sequer se pronuncia sobre determinadas questões suscitadas, julgando-as prejudicadas pela solução dada a outras.

Em tais circunstâncias, a tutela dos interesses do recorrido não passa pela ampliação do objeto do recurso, entrando em funcionamento o mecanismo prescrito pelo art. 665.º, n.º 2, para o recurso de apelação.

Efetivamente, em relação a questões cuja análise foi considerada prejudicada, não pode haver razão para se concluir que a parte vencedora decaiu, como se ecige no n.º 1 do art. 636.º. Tão pouco existe nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do seu n.º 2.

(…) Já se a apelação proceder relativamente aos fundamentos que conduziram à decisão recorrida, a Relação deve conhecer tais questões (sejam ou não de conhecimento oficioso) desde que para detenha os elementos necessários. Caso contrário, deve determinar a baixa do processo para apuramento dos factos que se mostrem necessários.

Ora, é precisamente o que sucedeu nos presentes autos, pois na sentença considerou-se, improcedente, por preclusão, estas matérias, porque se entendeu que a falta de apresentação pelo cabeça-de-casal da relação de bens no momento próprio, preclude a possibilidade de, posteriormente, na sequência de outro interessado apresentação relação de bens, vir acusar a falta de bens ou reclamar créditos.

O Tribunal da Relação tratou de fazer operar os poderes de substituição que lhe advém e se impõem nos termos do n.º 2 do artigo 665.º do Código de Processo Civil e após considerar a tempestividade da reclamação de bens do cabeça-de-casal, na qual veio acusar a falta de bens e reclamar créditos, após não ter apresentado relação de bens, quando notificado para tal, conheceu do mérito desta reclamação no sentido da sua improcedência.

Não merece reparo a atuação do Acórdão recorrido ao fazer cumprir o disposto no artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pelo que improcede, também nesta parte, a pretensão do Recorrente.

5. Da natureza de bem próprio da indemnização por danos não patrimoniais recebida pelo Recorrente

Invoca o Recorrente que a indemnização arbitrada ao Recorrente, a título de danos não patrimoniais, decorrente de acidente causado pela Bimby, é bem próprio do Recorrente e como tal deve ser excluído da relação de bens por força da alínea d) do n.º 1 do art. 1733.º do Código Civil.

O Acórdão recorrido quanto a esta parte entendeu que (…) apesar de a reclamação de créditos apresentada pelo cabeça de casal ser tempestiva, não é o mesmo titular de compensação relativamente aos itens acima listados sob c., d., e. e g., a saber:

c. indemnização arbitrada ao recorrente decorrente de acidente causado pela Bimby;

(…)

Isto porque, a Bimby, o Mitsubishi e os débitos contraídos por causa deste são comuns.

O cabeça-de-casal, no seu requerimento datado de 1/02/2022, com a ref. electrónica ...52, indicou como bem próprio a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de €1 000,00, que lhe foi atribuída em virtude de acidente com aquele robot de cozinha – verba n.º 62. A Requerente impugnou esta verba porque o valor indicado foi gasto em despesas do casal.

O artigo 1733.º do Código Civil, com a epígrafe Bens incomunicáveis, preceitua o seguinte para o que ora releva:

1 - São exceptuados da comunhão:

(…)

d) As indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios; (…)

Pires de Lima e Antunes Varela (In Código Civil Anotado, Vol. IV, 2.ª Ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1992, pp. 442), esclarecem que é o carácter eminentemente pessoal das indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges quer se trate de ressarcir danos patrimoniais, quer não patrimoniais), bem como dos seguros vencidos em favor da pessoa de cada um deles, que justifica a natureza incomunicável do direito a essas prestações, prescritas nas alíneas d) e e).

Igualmente, J.P. Remédio Marques (In Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Coord. Clara Sottomayor, Almedina, 2020, pp. 457), em anotação ao artigo 1733.º do Código Civil, considera a natureza de bem próprio ao escrever o seguinte, As indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os os seus bens próprios também são bens incomunicáveis. Isto tanto no caso de reparações de danos não patrimoniais como de danos patrimoniais.

Também a jurisprudência do STJ é dominante ao considerar que I - As indemnizações devidas ou recebidas por um dos cônjuges por factos verificados contra a sua pessoa constituem bem próprio deste, independentemente do regime de bens do casamento ser o da comunhão de adquiridos ou da comunhão geral (al. d) do n.º 1 do art. 1733.º do CC). II - Tais bens nos termos do disposto no n.º 2 do art. 1733.º do CC, são incomunicáveis. – conforme se constata pelo Ac. do STJ de 23/01/2020 (Revista n.º 509/17.7T8LRA.C1.S1).

Temos, assim, que dúvidas inexistem que, apesar de o robot de cozinha ter sido considerado bem comum, a indemnização que o cabeça-de-casal terá recebido é efetivamente um bem próprio.

Apesar de ter sido o cabeça-de-casal a acusar a falta dessa verba na relação de bens, tendo sido ele a indicar a indemnização à relação de bens, vem agora o Recorrente requerer a sua exclusão da relação de bens, por ser próprio. De facto, assiste razão ao Recorrente e esta indemnização é bem próprio do Recorrente, pelo que procedendo a sua pretensão, deve essa indemnização ser excluída da relação de bens.

Consideramos que nada mais há a apreciar no presente recurso, designadamente as demais verbas que o acórdão recorrido conheceu como sendo bem comum, porquanto nem nas conclusões, nem nas alegações o Recorrente faz menção a tais verbas. Como se sabe, são as conclusões que definem o objeto do recurso, nos termos do artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, pelo que não tendo o Recorrente feito qualquer referência às demais verbas de que a Acórdão recorrido conheceu de mérito, nada mais há a conhecer.

Deste modo, o recurso tem de proceder parcialmente.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso, e, consequentemente, determinar a exclusão da relação de bens a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de €1 000,00, que lhe foi atribuída em virtude de acidente com aquele robot de cozinha – verba n.º 62, por se tratar de bem próprio do cabeça-de-casal.

Custas pelo Recorrente e pela Recorrida, na proporção do decaimento.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2024

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Maria João Vaz Tomé

Nelson Borges Carneiro


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1. Mantém-se aqui inalterado o salto da alínea 9) para a alínea 11), tal como constante da sentença, do relatório pericial (fls. 230 v.º dos autos, ref. Citius 4826750, de 30/09/2022), e do acordo transcrito na ata da audiência de 11/07/2022.↩︎