Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | BETTENCOURT DE FARIA | ||
Descritores: | REGULAMENTO COMPETÊNCIA INTERNACIONAL COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE MERCADORIAS | ||
Nº do Documento: | SJ200605110007562 | ||
Data do Acordão: | 05/11/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Sumário : | I - Para efeitos de determinar qual o Estado da União competente para conhecer dum litígio que verse a compra e venda ou a prestação de serviços, aplica-se a alínea b) do nº 1 do artº 5º do Regulamento (CE) nº 44/2001, que estipula que esse Estado é aquele que for o destino final dos bens, ou aonde os serviços foram ou devam ser prestados. II - Trata-se dum critério prático e "factual" que teve como objectivo evitar os inconvenientes de ter de se recorrer às regras de direito internacional privado do Estado do foro. III - Só na impossibilidade de se aplicar tal critério é que, para encontrar a jurisdição nacional competente, se deverá fazer apelo ao lugar do cumprimento - alíneas a) e c) do referido preceito - que será determinado, então, de acordo com as regras do direito internacional privado. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "AA" moveu a presente acção ordinária contra Empresa-A, com sede em Roma, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe determinadas quantia a título de indemnização por incumprimento contratual. Em 1ª instância decidiu-se pela incompetência absoluta do tribunal em razão da nacionalidade. Tendo a autora agravado, o Tribunal da Relação entendeu que o tribunal a quo era o competente em razão da nacionalidade para conhecer dos autos. Agrava, agora a ré, a qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões: 1 O tribunal recorrido entendeu que o lugar de entrega dos bens era Lisboa ou Figueira da Foz, quando é certo que não se encontra junto aos autos qualquer estipulação contratual das partes nesse sentido, não foi produzida qualquer prova nesse sentido, nem as partes estão de acordo a esse respeito. Ocorre, por isso, nulidade por falta de fundamentação. 2 Padece o acórdão recorrido do vício de excesso de pronúncia, por ter julgado, como se fosse em 1ª instância, a matéria de facto, dado que o despacho saneador é omisso quanto aos factos provados. 3 O artº 5º nº 1 alínea b) do Regulamento (CE) nº 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que exige que as partes hajam previsto expressamente o lugar da entrega dos bens. Senão, a falta de prova implica que os tribunais nacionais se declarem incompetentes, com os consequentes custos para as partes, que têm de voltar a discutir o litígio. 4 E ainda que se entenda que as partes podem provar por qualquer modo o acordo quanto ao lugar de cumprimento, sempre a parte que pretende beneficiar de determinada competência terá o ónus de alegar e provar a existência desse acordo, o que a autora não fez. 5 Nada se provou quanto a qualquer acordo das partes nesta matéria, não valendo as declarações de expedição juntas com a p.i., por se referirem a uma relação jurídica diversa daquelas em litígio. 6 Ainda que se entenda que o tribunal de 1ª instância deveria ter especificado os fundamentos de facto em que se baseou, ou ordenado a produção de prova, trata-se de nulidades que se encontram sanadas. 7 Impõe-se primeiro ver qual a lei aplicável ao contrato, pois esta é que determina o lugar do cumprimento e, por conseguinte, o tribunal competente. 8 O contrato em causa apresenta uma conexão mais estreita com o país onde a parte que está obrigado a fornecer a prestação característica tem a sua administração central - artº 4º nº 2 da Convenção Aplicável às Obrigações Contratuais - , no caso a ré e a Itália, sendo, assim, na falta de estipulação em contrário das partes, aplicável a lei italiana. 9 A qual determina como lugar da entrega da coisa o lugar onde se encontrava, aquando do contrato, se for conhecido das partes, ou onde o vendedor tinha o seu domicílio, ou a sua sede. 10 E que se a coisa dever ser transportada, a obrigação do vendedor de a entregar fica cumprida com a sua remessa ao transportador ou carregador. 11 A recorrente tem a sua sede em Roma e as coisas vendidas aí se encontravam-se ao tempo da venda, local onde também foram carregadas. Logo, o lugar de entrega foi nessa cidade. 12 Donde que sejam os tribunais italianos os competentes para dirimir o presente litígio, nos termos do artº 5º nº 1, alíneas a) e b) do regulamento (CE) nº 44/2001. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II Com interesse para a decisão temos os articulados de fls.2, 385 e 461 - petição inicial, contestação e réplica - , bem como o despacho de fls. 536. III Apreciando 1 O artº 5º nº 1 do Regulamento (CE) nº 44/2001 fixa, nas suas alíneas a), b), e c), regras de competência jurisdicional em função da nacionalidade adentro do espaço da União. Os critérios utilizados são dois. Um, da alínea a), de carácter geral - o lugar de cumprimento da obrigação - , outro, da alínea b), de carácter especial para a venda de bens e para prestação de serviços - o lugar onde os bens foram ou devem ser entregues, ou onde os serviços foram ou devem ser prestados - . Mais determina que, no caso de não ser aplicável o segundo critério, será o primeiro que deve ser aplicado. Não divergem as partes, nem as instâncias quanto à aplicação deste regime ao caso em apreço. Aquilo em que nem umas nem outras estão de acordo é quanto à sua interpretação e aplicação. Na hipótese vertente, tratam-se de compras e vendas em que o comprador é uma sociedade sediada em Portugal, a autora e o vendedor uma sociedade sediada em Itália, a ré. Os bens objecto dos negócios foram enviados para Portugal, destinando-se a aqui serem utilizados. A 1ª instância, aplicando a Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, acabou por determinar que o lugar do cumprimento era em Itália e, consequentemente, atendendo ao disposto na referida alínea a ) do artº 5º citado, julgou o tribunal português incompetente em razão da nacionalidade. Outra não é a posição da agravante. A Relação, no entanto, veio a entender que era aplicável a alínea b) do mesmo preceito. Vejamos. Salvo o devido respeito, quer o tribunal de 1ª instância, quer a recorrente incorrem num vício de precedência lógica ao focalizarem a questão sobre o lugar de cumprimento, quando é certo que a alínea a) em questão é meramente subsidiária e só se pode por a questão de a aplicar, após se tornar impossível a aplicação da alínea b). É o que resulta do princípio jurídico basilar de que a lei especial derroga a geral. Desta forma, a alínea c) ao determinar a aplicação da primeira, se não for possível aplicar a segunda é, até certo ponto, redundante, embora reforce a ideia que vimos expondo. Como também elucida sobre o facto do lugar de entrega dos bens, não ser - ou poder não ser - , na ideia do legislador, o local do cumprimento. Ou melhor, que o Regulamento veio estabelecer um conceito de cumprimento apenas para efeitos de determinar o tribunal competente. Se este não for operativo, então ter-se-á de ter em conta o lugar do cumprimento, de acordo com as regras do direito internacional privado, nomeadamente, com as regras da lei reguladora do negócio. E nessa hipótese já se está no âmbito da alínea a) Com efeito, embora abundantemente citada nos autos, a obra do Conselheiro Neves Ribeiro, nem sempre dela foram extraídas as conclusões que, em nosso entender, serão as que mais fielmente traduzem as ideias do autor. O que este autor refere é que se estabeleceu um conceito autónomo de lugar do cumprimento, para atenuar "os inconvenientes de recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro". Isto para a venda de bens e para a prestação de serviços. Não podem ser mais claras as palavras deste saudoso Magistrado. Deste modo, aquilo que há a fazer é antes do mais, ver se se verificam as circunstâncias da alínea b). Estamos perante uma venda de bens e o local de entrega destes era em Portugal. Local de entrega efectivo e não local de entrega como cumprimento da obrigação do vendedor. Como refere o mesmo autor na citação feita no acórdão recorrido : "É uma solução prática que assenta num critério puramente factual (sublinhado nosso)". Nesta perspectiva, torna-se irrelevante a questão levantada pela recorrente de não estar provado qualquer acordo das partes sobre o local de cumprimento, porque não é deste que se trata, mas sim do local ou do Estado-Membro que era o destino final dos bens. E quanto a isto não pode ser dito que não existe acordo das partes - cf. artº 103º da contestação - . É, pois, aplicável a alínea b) do nº 1 do artº 5º do Regulamento (CE) nº 44/2001 e sendo o local de entrega dos bens Portugal é a sua jurisdição a competente para dirimir o presente litígio. 2 O acórdão recorrido não padece dos apontados vícios de excesso de pronúncia e de falta de fundamentação, uma vez que tendo dado à questão em apreço a mesma solução que agora é dada, toda a referência, eventualmente indevida, a matéria de facto ainda não assente, não prejudicou a solução pela qual optou. O que relevou foi consignar-se que o destino final - não o local de cumprimento - dos bens era Portugal-. Para o efeito confronte-se o acórdão recorrido a fls. 651. Termos em que improcede o recurso. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo, confirmando o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 11 de Maio de 2006 Bettencourt de Faria (Relator) Pereira da Silva Rodrigues dos Santos |