Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE AGÊNCIA INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA DANO DE CLIENTELA | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 10/20/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL: ARTIGOS 1157º E 342º Nº 1 DL 178/86, DE 3 JULHO, (DL 118/93, 13 ABRIL): ARTIGO 33º Nº 1 | ||
Legislação Comunitária: | DIRECTIVA N.º 86/653/CEE, DO CONSELHO, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1986 | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS STJ: Pº 06A4416 DE 7.3.2006; Pº 128/09.1YFLSB DE 16/6/2009; Pº 07B1958 DE 13.9.2007; Pº 08B0984 DE 4.6.2009; Pº 06A027 DE 7.3.2006; Pº 99A760 DE 9.11.1999 | ||
Sumário : | 1. A indemnização de clientela destina-se a compensar o agente pelos lucros, ou benefícios, que o principal continua a auferir, após a cessação do contrato, com a clientela angariada por aquele. 2. Só é devida se verificados cumulativamente os requisitos do n.º 1 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho (alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril). 3. Tais requisitos – designadamente o da alínea c) do n.º 1 do artigo 33.º daquele diploma – são constitutivos do direito à indemnização de clientela, devendo o agente que quer ser ressarcido daquele dano contratual alegar e provar os factos que os integram, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou na 1ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, acção com processo ordinário, contra “BB – Indústria de Revestimentos Cerâmicos, S.A.” pedindo a sua condenação a pagar-lhe, a título de indemnização de clientela, a quantia de 29.066,30 euros, acrescida de juros desde a citação e ainda a quantia a liquidar em execução de sentença referente às comissões das vendas efectuadas pela Ré, durante a vigência do contrato de agência, a clientes angariados pelo Autor e sem o seu conhecimento. Na 1ª Instância acção foi julgada improcedente, decisão que, em recurso interposto pelo Autor, a Relação de Lisboa confirmou. Pede, agora revista assim concluído a sua alegação: - art. 33º nº 1 do DL no 178/86, de 3.07, na redacção actual, enumera três requisitos para que o agente, após a cessação do contrato de agência, tenha direito a uma indemnização de clientela. - Deles, dois são positivos: que o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente e que a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; - o terceiro, é negativo: que o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes agenciados. - Não se suscitam dúvidas quanto ao preenchimento dos dois primeiros; suscita-se, sim, quanto ao terceiro, por ter sido entendimento das instâncias tratar-se de facto constitutivo e não impeditivo do direito à indemnização de clientela de que o A. se arroga. - Não se terá tratado porém de entendimento acertado, pois que, na verdade, a alegação e prova de que algo fora pago a esse título ao A.-recorrente competiria à R.-recorrida, pois que o pagamento constitui uma excepção peremptória (Cód. Proc. Civil, art. 493º nº 3), «não sendo por isso ao A. que. compete provar a falta de pagamento, mas ao R. que compete provar » (cfr. Ac, STJ de 1982.07.27, in A.D. 254-253) – in casu, ao principal , a aqui R. - Os principais factores que estão subjacentes ao direito à Indemnização de clientela são a atracção de clientela por parte do agente e o efectivo acesso do principal, no futuro, à clientela angariada pelo agente – que no caso se verificam –, sendo esse direito um afloramento do princípio do enriquecimento sem causa por parte do principal (CC. art. 473º) à custa do correlativo empobrecimento do agente. - O pagamento de uma retribuição ou compensação, por parte do principal ao agente, após a cessação do contrato, é uma circunstância que obsta a que este tenha direito à indemnização de clientela – posto que a intenção da lei é «evitar acumulações» de compensações. - Trata-se, por isso, de facto impeditivo do direito daquele à compensação, que não constitutivo desse direito (Cód. Civil, art.s 342º n.ºs 1 e 2): - Assim o tem entendido, e bem, este Supremo Tribunal, mormente no seu Acórdão de 1995.11.22: «Se o principal lhe pagou algo, pelos negócios que posteriormente à cessação tiveram lugar com clientes agenciados pelo agente, o direito à indemnização não existe. Logo, trata-se de facto impeditivo»). - Assim como no de 2004.05,13). - Em idêntico sentido, de não incumbir ao agente a prova do «não recebimento de qualquer quantia após a cessação do contrato, mas sim ao principal ter pago algo àquele, pronunciaram-se outras decisões dos nossos Tribunais Superiores; cfr., entre outros, o Ac. deste Supremo de 1999.11.09., in BMJ 491-293; Ac. Rel. Coimbra de 1993.12.14, In CJ, XVIII, T. V-46, Ac. Rel. Porto de 2004,04.15, JusNet 2028/2004. - Por outro lado, encontrando-nos (como efectivamente nos encontramos) perante uma situação de responsabilidade contratual, a culpa do devedor presume-se (Cód. Civil, art. 799° nº 1), pelo que igualmente por essa via se conclui que era à R. a quem competia, ilidindo a presunção, provar que teria pago fosse o que fosse ao A. após a cessação da relação contratual de agência, como facto Impeditivo do direito do dele à indemnização de clientela. - Em síntese: o requisito do «não recebimento», pelo agente, constitui facto impeditivo do direito do A.-recorrente, competindo pois à R.-recorrida a prova de que efectivamente após a cessação do contrato lhe pagou algo a titulo de retribuição pelo que vendera aos clientes que ele agenciara. - Por outras palavras, deverá em consequência entender-se que o não se encontrar demonstrado nos autos que, extinto o Contrato, o recorrente continuou a auferir rendimentos por parte da recorrida, tal implica ter-se por verificado o requisito da al. c) do art. 34º do preceito. - Encontram-se violados no Acórdão recorrido os normativos citados nas precedentes 1ª, 5ª, 6ª, 8ª, 11ª e 13ª conclusões, pelo que deverá o mesmo ser revogado, e decretada a procedência da acção, nos termos em que vem peticionada. 1° Por contrato reduzido a documento escrito, celebrado em 1 de Janeiro de 1986,a ré nomeou o autor seu agente para os territórios da Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia, conforme consta do documento junto de fls. 46 a 49 e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido (alínea A) da matéria assente); Foram colhidos os vistos. Conhecendo, De todo o modo, e de acordo com o artigo 2.º deste diploma, as alterações passaram a ser aplicadas, desde 1 de Janeiro de 1994, aos contratos de pretérito. A agência – “nomen juris” da representação comercial – é “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado circulo de clientes” (n.º 1 do artigo 1.º do diploma citado.”). São, pois, elementos essenciais a obrigação que o agente tem de, por conta de outrem, promover a celebração de contratos, promoção que, ao contrário do mandato não implica a ulterior outorga, já que, sem mais, o contrato de agência não envolve a prática de actos jurídicos (cf., o artigo 1157.º do Código Civil), ressalvada a situação do artigo 2.º (agente com representação). O poder ser delimitada uma zona geográfica ou a actuação ser feita só perante determinado círculo de clientes é um dos outros elementos do contrato, sendo que o agente actua com autonomia (portanto sem vínculo laboral estrito, limitando-se a acatar orientações do empresário, ou principal, submetendo-se, outrossim, às linhas base da orientação económica deste. E muito embora não se perfile uma relação de trabalho, certo é que a que liga o agente à empresa é estável, que não ocasional, como, e.g., no contrato de mediação. Finalmente, trata-se de contrato oneroso, como claramente resulta, dos artigos 1.º, n.º 1 e 15.º a 18.º do citado Decreto-Lei n.º 178/86 (cf. por todos, o Prof. António Pinto Monteiro, in “Contrato de Agência”, 6.ª ed.; Dr. Carlos Lacerda Barata, “Sobre o Contrato de Agência”, 1991). Para além da comissão, o agente tem direito, após a cessação do contrato (e sem prejuízo de qualquer outra) a uma indemnização de clientela, de acordo com o artigo 33.º do citado Decreto-Lei. É o dano de clientela devido pelo aumento, ou fidelização de novos clientes angariados pelo agente (cf., a propósito deste dano, o Prof. Pinto Monteiro – “Contratos de Distribuição Comercial”, 149-168; Dr.ª Elsa Vaz de Sequeira, in “Contrato de Franquia e Indemnização de Clientela”, apud “Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida e Costa, 2002, 480; Dr.ª Carolina Cunha, “A indemnização de Clientela do Agente Comercial”, 2003; Prof. Luís Menezes Leitão, “A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência”, 2006, e, “inter alia”., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2007 – 06 A4416 – desta Conferência – embora reportando-se ao contrato de franquia – e de 16 de Junho de 2009 – 128/09. 1YFLSB). A indemnização de clientela destina-se, assim, tal como se diz no relatório preambular do Decreto-Lei n.º 178/86 a “compensar o agente dos proveitos de que, após a cessação do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele.” Mas o direito à indemnização por aquele dano implica a verificação cumulativa dos seguintes requisitos do n.º 1 do citado artigo 33.º : o ter, o agente, angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente (a); a outra parte beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente (b); ter o agente deixado de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos nas alíneas a) e c). 1.3. Da matéria de facto acima elencada (cf. factos 6, 7 e 9) resulta estar demonstrado o requisito da alínea a) – angariação de novos clientes. E resultou assente o requisito da alínea b) – que a Ré beneficiou “consideravelmente após a cessação do contrato” da actividade do Autor, como ressalta do facto 7.º (resposta aos quesitos 2.º e 3.º). Ademais, e como nota o Prof. Pinto Monteiro (primeira ob. cit. 139), “quanto aos benefícios a auferir pelo principal (alínea b)) não se mostra necessário que eles já tenham decorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua, em si mesma, uma ‘chance’ para o principal.” Também a Dr.ª Carolina Cunha (ob. cit. 158) refere a demonstração de “verosimilhança”, que se traduz numa projecção para o futuro encontrada no cotejo com os resultados já conhecidos. (cf., ainda, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2007 – 07B1958 e de 4 de Junho de 2009 – 08B0984). Finalmente, e tal como consideraram as instâncias não resultou provado o requisito da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 33.º, sendo que o Autor não alegou, nem demonstrou, factos a tal conducentes. Mas cumprir-lhe-ia fazê-lo, ao contrário do que afirma? Vejamos, 2- Ónus da prova A regra geral do “ónus probandi” constante do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil impõe àquele que invoca um direito fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado. Já o encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º2). Rosemberg (citado pelo Prof. Manuel de Andrade – BMJ 99) assim ponderou: “… o juiz não pode aplicar uma norma jurídica, se não se fizer a prova dos requisitos constitutivos da hipótese de facto (tatbestand) pressuposta por essa norma para sua aplicação; e, portanto, o ónus da alegação e da prova pertence à parte a cujo direito, para se efectivar, deve aplicar-se a norma, donde deriva que cada umas das partes tem esse encargo relativamente aos factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis (por conseguinte, se a lei contém uma regra e uma excepção, a parte, cujo direito se apoia na regra, deve provar os factos integradores da hipótese nela prevista, e não já os integradores da hipótese prevista na excepção).” Já na defesa por excepção o demandado não se limita a negar os factos em que o autor baseia o seu direito mas deduz outros factos por força das quais tal direito é impedido, extinto ou modificado. Vale, de qualquer modo, o principio “actori incumbit probatio; reus in excipiendo fit actor”. “In casu” – e não se tratando de acção de simples apreciação negativa (artigo 343.º do Código Civil) – estamos perante um direito (indemnização de clientela) para a existência do qual são necessário três requisitos cumulativos. Ou seja, o direito só se constitui se perfiladas essas situações de facto, sendo que a que ora releva é demonstração do não recebimento pelo agente de qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, com os clientes por si angariados, após a cessação do contrato. Cumpria pois ao agente alegar e provar esse requisito. Também nesta orientação julgaram os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 7 de Março de 2006 – 06 A027 – relatado pelo agora 2.º adjunto – (“… assim sendo ocorre que a Autora nem sequer alegou os factos integradores do requisito, tal como definido e entendido.”) e, implicitamente, o já citado de 4 de Junho de 2009 – 08B0984. Finalmente, e ao contrário do que pretende o recorrente não se trata de provar o “pagamento” como facto extintivo de obrigação mas sim de demonstrar o “não recebimento” como facto constitutivo do direito à indemnização pelo dano de clientela. Ademais, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1999 – 99 A760 - que cita, a situação é perfeitamente inversa à destes autos pois aí quem intentou a acção foi o principal sendo demandado o agente, só buscando este a indemnização em pedido cruzado (reconvenção) por isso lhe cumprindo, nessa parte, provar os requisitos do direito que se arrogou. Improcedem, assim, os argumentos do recorrente. 3- Conclusões Pode concluir-se que: Pelo exposto, acordam negar a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 20 de Outubro de 2009 Sebastião Povoas (Relator) Moreira Alves Alves Velho |