Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99A067
Nº Convencional: JSTJ00035970
Relator: SILVA PAIXÃO
Descritores: CONTRATO DE CONSÓRCIO
SOLIDARIEDADE
Nº do Documento: SJ199902240000671
Data do Acordão: 02/24/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 887/98
Data: 10/12/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR COM.
Legislação Nacional: DL 231/81 DE 1981/07/28 ARTIGO 12 ARTIGO 14.
Sumário : I - No consórcio externo o chefe de consórcio não tem funções externas definidas por lei, cabendo-lhe apenas as correspondentes ao uso de poderes representativos atribuídos mediante procuração dos restantes membros.
II - No contrato de consórcio não vigora o regime de solidariedade activa nem o da solidariedade passiva, por a lei consignar não haver presunção no sentido de qualquer destas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. A intentou acção declarativa, com processo ordinário, em 21 de Setembro de 1995, no 1. Juízo Cível do Porto, contra:
B, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 2750101 escudos, acrescida de juros vincendos, para o que alegou:
"Através de um Consórcio entre a A., a C e a D - em que ficou acordado que "a facturação aos clientes será levada a cabo pela A." -, elaborou o estudo de diagnóstico da Ré, com base em contrato de prestação de serviços que com ela celebrou, cujo preço, a ser pago dentro de 15 dias contados da apresentação do relatório, seria de 2096000 escudos, acrescidos de IVA à taxa de 17 por cento, num total de 2431360 escudos.
Apresentado o relatório e entregue à Ré a respectiva factura em 12 de Outubro de 1994, esta nunca pagou, ascendendo os juros legais vencidos à data da propositura da acção, a 318741 escudos.
2. Sem contestação da Ré, a acção foi julgada improcedente, por sentença de 8 de Outubro de 1997.
Inconformada, a Autora apelou.
A Relação do Porto, por Acórdão de 12 de Outubro de 1998, revogando, embora, a decisão da 1. instância, absolveu a Ré da instância, por ilegitimidade activa, atenta a "falta de intervenção das demais consociadas".
3. Ainda irresignada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal - pugnando pela revogação do Acórdão recorrido, com a consequente condenação da Ré ou, então, com "o prosseguimento dos autos, com marcação de audiência de julgamento, permitindo-se à Recorrente que esta faça prova do facto alegado no artigo 3 da p.i." -, tendo culminado a sua alegação com estas conclusões:
I - Sendo o contrato de consórcio um contrato comercial, "o regime das obrigações daquele emergente é o da solidariedade", que, "no caso, é activa", pelo que "cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a questão integral".
II - Foi confiada à Recorrente "a posição de chefe" do consórcio externo, pelo que "no exercício das suas funções lhe coube proceder a toda a facturação dos serviços prestados à Recorrida".
III - Emergindo o direito de crédito em causa - que não foi contestado pela Ré - "dessa facturação", sempre assistia à Recorrente o exercício dos poderes que o artigo 14 n. 1, alínea d), do Decreto-Lei n. 231/81
"reconhece ao chefe do consórcio, "facto esse que decorre do alegado" no artigo 3 da petição inicial.
Foram colhidos os vistos.
4. Na medida em que o Acórdão impugnado resolveu com acerto as questões que foram submetidas à apreciação da Relação, justificar-se-ia que, para a confirmação do mesmo, nos limitássemos a remeter para os seus fundamentos - de facto e de direito -, à sombra do disposto no artigo 713 n. 5, aplicável ex vi do artigo 726, ambos do Código de Processo Civil.
Sempre adiantaremos, no entanto, as breves considerações que seguem.
Não tendo a Ré contestado, apesar de pessoalmente citada, nunca o processo poderá prosseguir "com marcação de audiência de julgamento", para produção de prova - como alvitra a Autora -, atento o preceituado no artigo 484 do referido Código.
Por outro lado, conhecendo este Supremo, como tribunal de revista, apenas da matéria de direito, ao menos em regra (cfr. artigo 26 da actual LOFTJ), tem de acatar a matéria fáctica definida pela Relação, uma vez que não se verifica, aqui, nenhuma das excepções previstas nos artigos 722 n. 2 e 729 ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil.
O que significa que está arredada a possibilidade de se dar como provado que ficou "acordado entre todos os intervenientes que a facturação aos clientes será levada a cabo pela Autora".
Tal, aliás, aparece desmentido pelos documentos juntos aos autos, porquanto, apesar de ter ficado clausulado no contrato em que foram outorgantes a A, a C e a D que a primeira seria "chefe do consórcio", consignou-se, também, que a "facturação ao cliente" seria "efectuada pela consociada D".
5. Perante o complexo factual considerado assente pela Relação - que, assim, permanece inalterado -, nenhumas dúvidas se suscitam sobre a qualificação do contrato ajuizado como contrato de consórcio externo.
Neste capítulo, reina a unanimidade de pontos de vista.
É contrato de consórcio aquele "pelo qual duas ou mais pessoas singulares ou colectivas que exerçam uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo seguinte" (artigo 1 do Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho).
O consórcio pode ser interno ou externo, consoante, nas relações estabelecidas com terceiros, os seus membros ocultam ou invocam essa qualidade.
Realmente, o consórcio diz-se externo - modalidade que aqui importa considerar -, "quando as actividades ou os bens são fornecidos directamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, com expressa invocação dessa qualidade" (n. 2 do artigo 5 do citado DL).
No contrato de consórcio externo, frise-se, é obrigatória a designação de um dos seus membros como "chefe do consórcio", incumbindo a este o exercício das funções internas e externas que contratualmente lhe forem atribuídas (artigo 12 do mesmo Diploma).
De realçar, contudo, que, como resulta do artigo 14 desse Decreto-Lei, ao contrário do que ocorre com as funções internas, não há funções externas do chefe do consórcio atribuídas directamente pela lei.
As funções externas do chefe do consórcio são exercidas, isso sim, no uso de poderes representativos atribuídos mediante procuração dos membros do consórcio.
A procuração é, pois, um "acto jurídico separado e distinto do contrato de consórcio, embora ligado a ele", podendo, todavia, "materialmente", o contrato de consórcio e a procuração constar do mesmo documento
(cfr. Raul Ventura, "Primeiras Notas Sobre o Contrato de Consórcio, Rev. da O. dos Advogados, Ano 41, Setembro/Dezembro de 1981, página 672, e M. António Pita, "Contrato de Consórcio", Rev. de Dir. e Estudos
Sociais, XXX, n. 2, página 223).
Ora, na situação em apreço não foi alegada nem ficou provada a existência de poderes de representação, conferidos à Autora, mediante procuração dos membros do consórcio, para individualmente cobrar da Ré quaisquer importâncias.
6. Defende a Autora, ainda, que, no contrato de consórcio vigora o regime de solidariedade activa, invocando, para tanto, o disposto no artigo 100 do Código Comercial. Daí que lhe assistisse o direito de reclamar da Ré, desacompanhada das demais consociadas, o montante de factura.
Sem razão, no entanto.
É que, desde logo, este normativo, ao prescrever que "nas obrigações comerciais os co-arguidos são solidários, salvo estipulação contrária", consagra apenas o regime-regra da solidariedade passiva. Mas já não o da solidariedade activa.
Nas obrigações comerciais, por conseguinte, diferentemente do que se verifica nas obrigações civis, se existiu pluralidade de sujeitos passivos, a regra é a solidariedade: cada um dos devedores responderá, ressalvada cláusula em contrário, pela totalidade da prestação.
E compreende-se que em comércio se haja adoptado como regra a solidariedade passiva, porque esta funciona em reforço do crédito que é essencial para a vida mercantil e que não pode existir nem desenvolver-se se não for particularmente protegido (cfr. Fernando Olavo,
"Direito Comercial", 1970, volume I, páginas 203/204).
7. Simplesmente, ao invés do propugnado pela Autora, no contrato de consórcio não só não vigora o regime da solidariedade activa, como regra, como nem sequer rege o próprio princípio da solidariedade passiva.
Com efeito, com vista a afastar o preceituado no artigo 100 do Código Comercial, quando este pudesse ser aplicável no âmbito do contrato de consórcio, estabeleceu-se no artigo 19, ns. 1 e 2, do Decreto-Lei n. 231/81 que nas relações contratuais dos membros do consórcio externo com terceiros "não se presume solidariedade activa ou passiva" entre outros membros do consórcio.
8. Em face do exposto, soçobrando as conclusões da alegação da Recorrente, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 1999.
Silva Paixão,
Silva Graça,
Francisco Lourenço.
1. Juízo Cível do Porto - Processo n. 896/95
Tribunal da Relação do Porto - Processo n. 887/98 - 5.
Secção.